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Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 3

Still Life with Books and Candle -
Henri Matisse - 1890


Esta já a parte 3 dessa Lista que está sendo a mais lida deste blog. A lista 1 (disponível aqui: parte 1) e lista 2 (disponível aqui: parte 2) começaram com uma simples lista com alguns livros em língua portuguesa sobre educação. Agora trago uma parte 3. O critério daquela lista foi e continua sendo o mesmo: livros sobre educação que não contivessem influências ideológicas e que estivessem preocupados em explanar sobre uma verdadeira educação. Novamente muitos desses livros foram publicados pela primeira vez ou republicados recentemente no Brasil. Obviamente esta lista complementa e amplia as listas anteriores.

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História da Pedagogia - Vol. 1: Da Antigüidade à Patrística. Louis Riboulet. Editora Liceu, 2020 e Editora Paulo de Azevedo, 1951.

Sinopse: Entre os povos não civilizados, a educação se apresenta sob a mais simples das suas formas: não há escolas propriamente ditas, nem programa de estudos; imitação servil é o único método empregado.

A formação da juventude é instintiva, rotineira e limitada somente às coisas que têm por objeto a satisfação das precisões materiais: alimentação, vestuário, abrigo. Sob a direção dos pais, o menino se inicia, pouco a pouco, nas várias ocupações da tribo: Cuidados da casa, fabricação de utensílios, tecelagem de vários panos, pesca e caça, manejo de armas, guarda dos rebanhos, trabalhos agrícolas.

Não obstante, este modo de proceder implica uma espécie de educação intelectual e até o cultivo de certas qualidades morais. É possível, portanto, depreender desta formação rudimentar alguns traços da educação como nós a concebemos, isto é, ocupando-se ao mesmo tempo do corpo, da inteligência e da alma, em geral.

— A Antigüidade

Os Padres da Igreja, eminentes em santidade como em doutrina, tiveram por missão explicar as verdades da religião, defendê-las contra os ataques de pagãos e hereges e lançar os fundamentos da doutrina católica. Não se desinteressaram dos estudos estranhos à religião. Foram amigos e ardentes propagadores das letras, ciências e artes, e todos se distinguiram por alta cultura clássica.

Do ponto de vista da educação, os Padres se aplicaram principalmente a conciliar a ciência profana com a doutrina moral e religiosa dos cristãos. Tendo eles próprios haurido, nas escolas romanas, a brilhante educação que lhes dava tanta influência, na Igreja, julgavam o estudo dos clássicos indispensável. Por outro lado, os chefes da Igreja nunca proibiram estudar os autores gregos e romanos nem os ensinar.

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História da Pedagogia - Vol. 2: Do Período Monástico ao Renascimento. Louis Riboulet. Editora Liceu, 2020 e Editora Paulo de Azevedo, 1951.

Sinopse: Terminou o quinto século em calamidades de toda ordem. Nuvens de bárbaros caíram sobre a Europa; saqueando, incendiando as cidades, não deixando atrás de si senão sangue e ruínas. As obras-primas da antigüidade teriam perecido, as escolas teriam desaparecido se a Igreja não as tivesse salvado e protegido.

“O espírito humano, pode-se dizer sem exagero, batido pela tempestade, refugiou-se nas igrejas e nos mosteiros; abraçou suplicante os altares para viver em seu abrigo e a seu serviço até que melhores tempos lhe permitissem reaparecer no mundo e respirar ao ar livre”.

(Guizot, História da civilização na França, I. p. 137).

O nome de monástico, dado ao período que se estende do sexto ao duodécimo século está, portanto, amplamente justificado.

— Período Monástico

Uma admiração excessiva da Antigüidade leva os humanistas neopagãos ao desprezo da Idade Média. Consideram época de barbárie todos os séculos que os separam da Antigüidade e dão sentido pejorativo ao termo Idade Média. A escolástica, de que não conhecem senão os abusos e as obras da decadência, é objeto principal dos seus ludíbrios. Petrarca ridiculariza os doutores em silogismo “inchados de nada, trabalhando no vácuo e exercitando-se em futilidades”. Ramus passa parte da vida a rebater as antigas doutrinas.

Segundo Montaigne, é Baroco e Baralipton que tornam as bases da filosofia tão enlameadas e enfumaçadas. Rabelais não compreende melhor as obras da grande época escolástica; admira-se, no meio das luzes de seu tempo, de encontrar ainda gente “que não pode ou não quer tirar os olhos desse nevoeiro gótico e cimeriano".

— O Renascimento

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História da Pedagogia - Vol. 3: Do século XVII ao século XIX. Louis Riboulet. Editora Liceu, 2020 e Editora Paulo de Azevedo, 1951.

Sinopse: No século XVII, muitos países foram perturbados por divisões e questões muito nocivas aos interesses da educação. Na Inglaterra, terrível guerra civil fez cair no mais completo descrédito a maior parte das escolas. O ensino tornou-se o recurso supremo daqueles que haviam malogrado em tudo. O diretor se desembaraçava do trabalho confiando-o aos mestres subalternos.

Barbeiros e açougueiros fizeram fortuna mantendo escolas. O desgosto pelo estudo tornou-se tal que os filhos dos gentis-homens se gloriavam de nada

saber. “Juro, dizia um nobre, que antes de fazer de meu filho um mestre-escola, o enforcaria. Fazer ressoar a buzina, entender de caçadas, levar bem o falcão e adestrá-lo, eis o que assenta bem a filho de gentil-homem. Quanto ao saber que se busca nos livros, deve-se deixar aos vadios”.

— O século XVII

Não é fácil formar juízo definitivo sobre o século XIX. Os fatos são por demais complexos e estão muito próximos de nós; seus resultados não são suficientemente conhecidos. Certos sentimentos estão muito vivos ainda, nas almas, para permitirem apreciações imparciais. Todas as nações têm aberto escolas numerosas. A sociedade civil, a Igreja Católica com suas legiões de sacerdotes e suas admiráveis Congregações docentes, as várias seitas cristãs, se têm dedicado a estas obras com um devotamento sem limites. Nunca se compreendera melhor a obrigação de difundir a luz, de dar a todas as classes da sociedade instrução sólida e variada.

Esta evolução das obras escolares se nota sobretudo na Europa e nos países sujeitos à influência das nações civilizadas. A América do Norte se tem distinguido de modo particular e, a certos respeitos, tem até excedido o antigo continente.

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História da Pedagogia - Vol. 4: O século XIX. Louis Riboulet. Editora Liceu, 2020 e Editora Paulo de Azevedo, 1951.

Sinopse: O programa da Idade Média compreendia as Sete Artes Liberais. No século XVI se organizou o ensino das humanidades e, em seguida, alguns educadores de tendências naturalistas o julgaram pouco conforme às realidades da vida.

No século XVIII, a Alemanha abriu as primeiras escolas reais. Maria Teresa, influenciada pelo Emílio, diminuiu, nos colégios, a parte consagrada ao classicismo. Na França, os Enciclopedistas e os pedagogos da Revolução, especialmente Diderot, Lakanal, Dauneu, Condorcet, pedem a substituição das humanidades por estudos científicos. No século XIX, o ensino moderno penetrou em todo os países civilizados.

Seria injusto contestar a necessidade desse ensino. Mas o que não se admite é que tenha o mesmo valor educativo que as humanidades clássicas. Estas têm a seu favor os mais magníficos resultados. Devemos a esses métodos, dizia Voltaire, “os nomes mais célebres do nosso país”, em particular os grandes escritores, a maior parte dos inventores e dos sábios mais ilustres dos três últimos séculos. Em nossos dias, um exame desinteressado tem verificado que os alunos que têm as melhores classificações para admissão às escolas superiores, com impressionante maioria, foram os que tinham cursado antes as humanidades clássicas.

Acrescentemos que os partidários do ensino moderno pareciam não ter em vista senão vantagens econômicas e materiais. Tem-se até pretendido que certos adversários dos estudos clássicos agiam sob a influência de duas paixões: a da igualdade, que não toleraria nem mesmo a aristocracia da inteligência; e a da irreligião, que acha meio de prejudicar a Igreja abolindo o ensino do latim.

Esta luta do cientificismo contra o ensino tradicional não tem dado bons resultados.

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O Amor às letras e o desejo de Deus: Iniciação aos autores monásticos da Idade Média. Jean Leclercq. Paulus, 2012.

Sinopse: Este é um livro de iniciação aos autores monásticos da Idade Média dirigido a estudantes. Publicado pela primeira vez em 1957, impôs-se como um clássico não só pela solidez das informações e acuidade das percepções, mas também pela autenticidade da atitude intelectual que traduz: rigor científico e interesse por um saber aberto sobre as questões essenciais da existência humana. Dividida em  três partes, a obra é composta por uma série de lições dadas a jovens monges do Instituto de Estudos Monásticos do mosteiro de Santo Anselmo, em Roma, durante o inverno de 1956-1957.



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A Educação Superior e o Resgate Intelectual. O Relatório de Yale de 1828Universidade de Yale, Giovanna Louise (Tradutora). Vide Editorial, 2016.

Sinopse: Em 1828 foi pedido ao corpo docente da Universidade de Yale que avaliasse a necessidade de se insistir nos estudos clássicos e de línguas antigas como parte do programa acadêmico da instituição, dados os avanços industriais dos novos tempos e suas novas demandas.

Após expor o currículo adotado até então naquela instituição, justificados seus princípios e defendidos seus objetivos, o corpo docente conclui que seria uma tragédia anunciada substituir o ensino clássico por uma espécie de ensino profissionalizante.

É indiscutível a perspicácia de tal análise e a importância que este documento de Yale tem principalmente hoje em dia, visto que se vive em meio justamente à tragédia acadêmica anunciada em 1828.

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A conexão de Leipzig. A destruição sistemática da educação americana. Paolo Lionni. Vide Editorial, 2020.

Sinopse: Nos últimos anos do século XIX, teve início uma grande transformação na educação americana.

Depois da Primeira Guerra Mundial, o povo americano notaria cada vez mais uma grande mudança nos rumos da educação dada a seus filhos. Nas décadas seguintes, as mesmas escolas que haviam nutrido o sonho americano seriam assoladas pelo crime e pelas drogas, e os colégios passariam a formar alunos semi-analfabetos que mal sabiam aritmética básica.

Este livro descreve essa metamorfose, que teve início numa universidade alemã com o trabalho do psicólogo Wilhelm Wundt e culminou na atuação do educador americano John Dewey.


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A Escola sem Deus. Monsenhor de Ségur. Editora Santa Cruz 2022. Edições Livre, 2018.

Sinopse: Louis Gaston Adrien de Ségur, sacerdote e escritor francês, nascido e falecido em Paris (15/04/1820 – 9/06/1881). Descendente de uma família nobre, era filho do marquês Eugène de Ségur e da célebre condessa de Ségur, conhecida escritora de livros infantis. Zeloso nos estudos, logo que se formou em Direito foi enviado como adido à Embaixada Francesa em Roma, junto à Santa Sé. Ao retornar a Paris, ingressou no Seminário de Santo Sulpício, sendo ordenado sacerdote em dezembro de 1847. Dedicou-se principalmente à evangelização das crianças e dos pobres, assim como dos soldados prisioneiros de guerra. Foi muito estimado pelo Papa Pio IX, por muitas autoridades eclesiásticas e diplomáticas, e até mesmo por Napoleão III.

Em 1856, Mons. de Ségur teve um grave problema na visão que o levou à cegueira e o obrigou a renunciar às suas funções. Chegou a ser nomeado bispo, mas não recebeu a ordenação episcopal, impedido por sua condição. Com a cegueira, passou a ditar livros explicando - e defendendo com fervor - a doutrina católica em linguagem popular. Escreveu mais de 70 livros, e até o momento de sua morte, em 1881, suas obras somavam mais de 700 mil cópias vendidas apenas na França e na Bélgica, sem contar as edições em italiano, espanhol, alemão, inglês e até mesmo na língua hindu.

O livro A escola sem Deus foi escrito em 1872. Nessa obra, Mons. de Ségur fala da importância da educação católica, defendendo que o ensino deve ser cristão, e não laico. Ou seja, as escolas, principalmente no nível de instrução básica, necessariamente precisam ser católicas, considerando que, entre outros fatores, as crianças passam grande parte de suas vidas dentro das escolas, e assim os professores teriam que auxiliar os pais e os sacerdotes na formação cristã das crianças. Entre outras coisas, diz Mons. de Ségur: “... Na prática, não tratar da religião na escola é tornar impossível a instrução religiosa das crianças!”

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A boa e a má educação: exemplos internacionais. Inger Enkvist. Edições Kírion, 2020.

Sinopse: Este livro tem o propósito de explicar em que consiste a boa qualidade educacional. Para isso, estudaremos vários sistemas escolares, tanto os que dão bons resultados como os que dão maus, trazendo dados da França, Finlândia, Estados Unidos, Suécia, Japão, China e Espanha. Por meio desse percurso comparativo, e com o auxílio de uma porção de relatos e de estudos acadêmicos de disciplinas variadas, tentaremos mostrar por que o modelo educacional em vigor em muitos países ocidentais não funciona.

Para entender o que aconteceu com a educação do Ocidente nos últimos anos é essencial estudar os conteúdos e métodos de todo um conglomerado de pedagogias que poderíamos chamar de “libertárias” ou “progressistas”, e que, na falta de nome melhor, chamaremos sinteticamente de “nova pedagogia”. 

A tônica deste livro, porém, não é a crítica generalizada desse conjunto, mas destacar, para todo leitor livre de preconceitos, que tipo de práticas são mais recomendáveis — e como, curiosamente, muitas delas coincidem com o que foi a educação tradicional do Ocidente.

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Educação: Guia para perplexosInger Enkvist. Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Com este guia, a pedagoga sueca Inger Enkvist ajuda pais, professores e alunos a compreender as causas dos fenômenos estranhos que temos visto em nossas escolas, como a queda vertiginosa de sua qualidade, o desrespeito pelos professores e a substituição do ensino tradicional por práticas suspeitas. Com coragem e elegância, ela expõe as contradições intrínsecas do igualitarismo, do multiculturalismo e do construtivismo, e apresenta os resultados concretos a que levaram as idéias de autonomia, de tolerância, inclusão e outras.

“Um aspecto essencial do presente livro é a denúncia do tabu que impede mencionar a relação entre a crise da educação no Ocidente e o igualitarismo permissivo que desprezou o aprendizado como idéia estruturante da educação, ou, em outras palavras, a combinação do igualitarismo com a nova pedagogia. [...] A crise da educação se deve a uma visão igualitarista, tecnológica e economicista da mesma, que não valoriza suficientemente o conhecimento em si nem o aluno em si, mas a igualdade entre os alunos e o bom funcionamento da economia”.

“Os professores estão sendo utilizados para fins políticos e sociais, e percebem vagamente que estão sendo manipulados pelas autoridades políticas. Na educação tradicional eram vistos como profissionais com a clara missão de elevar o nível educacional de seus concidadãos. Eram modelos, respeitados pelos alunos e por seus pais. Os estruturalistas e os pós-estruturalistas vêem os professores como uma mera função. Poucas vezes se leva em conta sua opinião profissional sobre como se deveria organizar a educação, e são obrigados a obedecer às instruções dos políticos”.

Sobre a autora: Inger Enkvist (1947–) é professora de literatura espanhola na Universidade de Lund, na Suécia. Já publicou estudos sobre Miguel de Unamuno, José Ortega y Gasset, Mario Vargas Llosa e outros, além de vários livros sobre educação, em sueco e em espanhol. Nestas obras, critica as bases ideológicas da nova pedagogia, demonstra seus maus resultados e suas conseqüências malignas para a cultura ocidental como um todo, e apela para a recuperação de elementos da pedagogia tradicional, como o valor do conhecimento, da dedicação do aluno e da autoridade do professor competente.

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Maquiavel Pedagogo ou o ministério da reforma psicológica. Pascal Bernardin. Editora: Ecclesiae, 2013.

Sinopse: Quais são as razões da profunda crise na escola? É possível encontrar uma espécie de vírus no gene de nossa sociedade e de nosso sistema educativo? Podemos concluir que é urgente uma redefinição do papel da escola e de suas prioridades?

Inúmeros pais e educadores, testemunham, estupefatos, a revolução em curso. Interrogam-se sobre as profundas mutações que de forma acelerada vêm ocorrendo em nosso sistema educativo. Porém, nenhum governo, seja de direita ou de esquerda, vem à público esclarecer os fundamentos ideológicos dessas constantes reformas no ensino e tampouco se preocupam em apresentar, de forma clara, as coerências e os objetivos dos métodos adotados.

Mas, ainda que tudo nos pareça muito obscuro, podemos encontrar todas as respostas na filosofia da revolução pedagógica que se expõe, em termos explícitos, nas publicações dos organismos internacionais como a Unesco, a OCDE, o Conselho da Europa, a Comissão de Bruxelas e tantas outras. Apoiando-se sobre textos oficiais desses organismos, Pascal Bernardin mostra detalhadamente que o objetivo prioritário da escola atual não é mais possibilitar aos alunos uma formação intelectual e muito menos fazê-los adquirir conhecimentos elementares.

O que se pretende com a redefinição do papel da escola é torná-la nada mais do que o instrumento de uma revolução cultural e ética destinada a modificar os valores, as atitudes e os comportamentos das pessoas em escala mundial. As técnicas de manipulação psicológica, que não se distinguem muito das técnicas de lavagem cerebral, estão sendo utilizadas de forma maciça. Naturalmente, os alunos são as primeiras vítimas.

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O código da educação: Uma história verdadeiraAntônio Donato Paulo Rosa. Editora Pie Pellicane, 2022.

Sinopse: No primeiro milênio da era cristã o cristianismo estava em vertiginosa ascensão. Santo Agostinho descrevia assim seu assombro diante da irreversível cristianização do mundo:

"Pelas cidades e bairros, e até pelos campos, deseja-se o afastamento do mal e a conversão ao único e verdadeiro Deus. São inumeráveis os que deixam as riquezas e as honras do mundo, desejosos de consagrar a sua vida ao Deus supremo. Todas estas coisas são agora acolhidas de tal modo que, se antes era impensável argumentar a seu favor, agora o é colocar-se contra elas. Ninguém já se admira de tantos milhares de jovens renunciarem ao matrimônio e abraçarem a vida cristã. As igrejas estão se multiplicando com fertilidade e abundância, até mesmo entre os povos bárbaros" (S. Agostinho: De Vera Religione, 4).

Mas, no segundo milênio, o Papa João XXIII descrevia e outro modo o mundo moderno:

"Estamos em um mundo de fisionomia profundamente mudada, em meio a uma procura quase exclusiva de bens materiais, no esquecimento, ou no enfraquecimento, dos princípios da ordem espiritual, que caracterizaram a penetração da civilização cristã através dos séculos" (SS. João XXIII: Alocução de 14 de novembro de 1960).

As origens deste fenômeno remontam aos anos entre 1300 e 1600. A sociedade transformou-se radicalmente. A natureza dos acontecimentos dificultou o entendimento do que acontecia. A partir daí, estas transformações incoporaram-se à educação. A educação reproduz a sociedade existente, formando os homens para a sociedade existente ou, como ocorreu com o cristianismo, para formar uma nova. Se não se entende claramente a transformação ocorrida na sociedade e como ela se incorpora e se reproduz na escola, os erros do início somente serão percebidos em suas consequências quando já não houver mais lembrança do que realmente ocorreu.

O Código da Educação narra como a escola se adequou à nova configuração social e como se perdeu a noção do que seria a educação cristã e sua relação para com a estrutura social.

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A Educação na Antiguidade: Uma introdução ao amor da sabedoriaAntônio Donato Paulo Rosa. Editora Pie Pellicane, 2024.

Sinopse: Que pensamos nós sobre a natureza? 

A natureza certamente é repleta de mistérios. Mas isto significa que pretende dizer-nos algo?  E teríamos nós sido feitos precisamente para compreender esta mensagem? 

A visão que hoje fazemos do mundo nos sugere que a natureza surgiu por forças agindo ao acaso e que os homens, graças a muito progresso, estão alcançando pleno domínio sobrea natureza. Esta visão contrasta com a de um povo que, muito antes de Cristo, observou a natureza e descobriu que ela parece querer comunicar-nos algo, e que os homens mal alcançaram, diante dela, a primeira infância. 

Este livro quer apresentar a epopéia deste povo. Quer mostrar como seus achados foram tão facilmente acolhidos pelo Cristianismo. E também como, mais tarde, foram tão facilmente esquecidos. 

Houve uma época em que um povo buscou apaixonadamente a sabedoria. Uma multidão de cidadãos vendia tudo o que tinha para  viver contemplando a natureza. Eles  haviam percebido que a natureza era muito coerente, parecia ter um segredo e querer mostrá-lo para os homens. Especialmente para os homens.  A própria natureza parecia tê-los feito para isto. Estas pessoas buscavam entender o segredo da natureza mas não para construir uma máquina ou fazer dinheiro. 

Pouco a pouco perceberam que toda a natureza  tinha uma só ordem, que esta era ordenada por um único princípio e dentro desta grande ordem, cada coisa parecia dirigir-se a um fim. Todas as formigas constroem um formigueiro. Todas as abelhas constroem uma colméia. E o fim de cada coisa está em harmonia com a ordem maior de toda a natureza. Todas as coisas parecem saber qual é o seu fim e como este fim se sincroniza com os fins das demais coisas. 

Em toda esta ordem, porém, o homem parecia ser uma exceção. Talvez a única exceção. Justamente o homem. Os seres humanos não parecem agir como se estivessem se direcionando a algum fim. Ao contrário da formiga e da abelha, o homem nunca parece estar satisfeito com o que faz. Nem sequer parece supor que possa existir algo específico que devesse fazer para encaixar-se na ordem natural. Era um mistério como, em meio à ordem natural, pudesse haver um ente, que parecia ser o mais perfeito e a obra-prima da natureza, e era justamente este o que parecia não saber o que fazer. Como se explicaria isto? Estava aí um mistério dentro da natureza. Tudo tão bem sincronizado, mas o homem, justamente o homem, fora daquela grande sincronia. 

O que provavelmente deveria estar acontecendo é que tal finalidade deveria ser algo tão elevado que somente poderia ser alcançada com plena consciência da inteligência e plena liberdade da vontade. Portanto, para que o homem pudesse cumprir o objetivo que a natureza devia ter-lhe traçado, teria primeiro que compreender, pela luz da inteligência, sua própria natureza e o modo como ela se insere na ordem natural, e depois aceitar ambas estas coisas livre e conscientemente.

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Aprendendo Inteligência: Manual de instruções do cérebro para estudantes em geral 1Pierluigi Piazzi. Editora Aleph, 2015.

Sinopse

Durante muito tempo, acreditou-se que a inteligência fosse uma característica inata. O fator genético era considerado bem mais influente do que o fator ambiental. Porém, devido aos avanços da neurociência, ficou demonstrado que inteligência, talento e vocação são características que podem ser adquiridas com facilidade e um pouco de esforço. Neste livro, dedicado aos estudantes de todos os níveis, o Pierluigi Piazzi (conhecido carinhosamente pelos seus alunos como Prof. Pier) ensina a usar a inteligência para se tornar uma pessoa mais inteligente.



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Estimulando Inteligência: Manual de instruções do cérebro de seu filho 2Pierluigi Piazzi. Editora Aleph, 2015.

Sinopse:

As mais recentes descobertas das neurociências mostram que a inteligência pode ser aprendida, e que esse fato não se dá durante as aulas, mas sim no momento do estudo individual, extraescolar. Desde as primeiras semanas de vida, cabe aos pais dar carinho e fornecer estímulos para o despertar da inteligência de suas crianças. Essa interação entre pais e filhos representa um fator determinante para um maior desenvolvimento intelectual. Por isso, o papel da família torna-se crucial, e este livro busca orientar os pais nessa jornada. Estimulando Inteligência mostra como criar um ambiente doméstico e escolar que estimule o aumento do nível de inteligência das crianças, dos jovens e até dos adultos.


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Ensinando Inteligência: Manual de instruções do cérebro de seu aluno 3Pierluigi Piazzi. Editora Aleph, 2015.

Sinopse:

Ao longo da vida profissional, quantas vezes um professor não se depara com um ótimo aluno, mas péssimo estudante? O sistema escolar muitas vezes tende a valorizar aquele que decora conteúdo para tirar uma boa nota, e não necessariamente aquele que aprende de verdade. Ensinando inteligência, livro baseado em mais de cinquenta anos de experiência em sala de aula de Pierluigi Piazzi, apresenta a seus colegas de profissão as inovadoras técnicas das neurociências para estimular de forma eficiente o cérebro de seus alunos, transformando-os, finalmente, em estudantes.



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A idéia de uma universidadeSão John Henry Newman. Ecclesiae, 2020.

Sinopse: Em 1852, o Cardeal Newman foi convidado a proferir uma série de discursos em Dublin, na Irlanda, a respeito da essência do ensino universitário. Dar-se-ia aí a fundação de uma Universidade Católica, da qual ele foi o reitor de 1854 a 1858, supervisionando os projetos e a própria construção do campus. Mais tarde, esses discursos, unidos a palestras e ensaios ocasionais dirigidos aos membros dessa mesma universidade, viriam a ser unidos pelo autor neste livro, A idéia de uma universidade.

“A visão de uma universidade nestes discursos é a seguinte: trata-se de um lugar de ensino do conhecimento universal. Isso implica que seu objetivo é, por um lado, intelectual, não moral; e, por outro, que ele gira em torno da difusão e ampliação do conhecimento, e não de sua promoção. Se seu objetivo for a descoberta científica e filosófica, não vejo por que uma universidade ter alunos; se for a prática religiosa, não vejo como ela pode ser a sede da literatura e da ciência. Assim é uma universidade em sua essência, independentemente de sua relação com a Igreja.

Na prática, porém, ela não tem como cumprir devidamente seu objetivo, conforme descrito acima, sem a assistência da Igreja; ou, para usar o termo teológico, a Igreja é necessária para sua integridade. Tais são os princípios centrais dos discursos que se seguem, embora seja absurdo esperar que eu tenha abordado um campo de pensamento tão vasto e importante com a plenitude e a precisão necessárias”.

Sobre o autor: John Henry Newman nasceu em 1801, em Londres. Estudou no Trinity College (1816) e no Oriel College (1822), ambos na Universidade de Oxford, onde mais tarde viria a lecionar. Adepto do celibato, foi ordenado sacerdote na Igreja Anglicana em 1825. Foi um dos líderes do “Movimento de Oxford” (1833), que, por meio de panfletos, defendia a continuidade entre a doutrina dos apóstolos e o anglicanismo, mas pregava uma regeneração dos costumes e da própria igreja na Inglaterra. Seu interesse genuíno pela história do cristianismo e pelo desenvolvimento da doutrina cristã o levou, contudo, ao estudo dos Santos Padres e da fé católica, à qual ele se converteu em 1845.

Aos 8 de outubro desse ano, tendo deixado seu posto de tutor e professor em Oxford, Newman confessou-se e foi recebido na Igreja de Cristo. Passou a ser ignorado, evitado, a ser alvo de maledicência, deixou de ser convidado para os círculos que freqüentava... Parte no ano seguinte para Roma, onde é ordenado sacerdote católico, em 1847. Ao voltar para a Inglaterra, levou consigo a força e o testemunho da fé verdadeira: estabeleceu em Birmingham o primeiro oratório de São Felipe Néri do mundo anglófono, e começou a escrever àqueles que antes liderara no Movimento de Oxford, encorajando-os a levarem a cabo sua busca pela verdadeira Igreja e a se converterem.

Em 1852, foi convidado a dar uma série de palestras em Dublin, na Irlanda, a respeito da essência do ensino universitário. Dar-se-ia aí a fundação de uma Universidade Católica, da qual ele foi o reitor de 1854 a 1858, supervisionando os projetos e a própria construção do campus. Essas palestras, unidas a discursos e ensaios posteriores, viriam a compor este livro, The idea of a university. Nas duas décadas seguintes, viu-se envolvido numa série de controvérsias e de desconfianças por parte da própria Igreja, às quais respondeu com uma demonstração magna de sinceridade e entrega: escreveu a história de sua vida, a Apologia pro vita sua (1865), que calou os críticos e restaurou sua reputação, tanto entre católicos quanto entre anglicanos. Foi convidado a participar do Concílio Vaticano I como consultor teológico, mas declinou em vista de publicar, nessa mesma época, sua Grammar of assent, uma profunda investigação filosófica sobre como a pessoa humana atinge suas convicções. Em 1879, Leão XIII o nomeou Cardeal na Igreja Católica. Apesar disso, Newman não quis ser sagrado bispo, contrariando o costume, e continuou em Birmingham, no seu amado oratório, onde permaneceu escrevendo e orientando espiritualmente os fiéis. Por ocasião de sua morte, em 1890, cerca de 15 mil pessoas acompanharam o cortejo. O Cardeal Newman foi beatificado pelo Papa Bento XVI em 2010, e canonizado pelo Papa Francisco aos 13 de outubro de 2019.

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A Educação dos Filhos. Antonio Royo Marín, Editora Katechesis, 2023.

Sinopse: Chegamos a um dos temas mais culminantes da santificação do leigo por meio da família cristã. A educação cristã dos filhos é de importância tão capital e decisiva no seio do lar e em toda a sociedade humana que, sem ela, seria totalmente impossível não só a santificação dos pais, que deixariam de cumprir um de seus mais graves deveres, senão também a de seus filhos e, por consequência, a da sociedade humana em geral, já que essa sociedade não é, em definitivo, senão o resultado do agrupamento orgânico de todos os seus membros componentes.

Como já indicamos em outra parte, sem a educação cristã dos filhos, a vinda ao mundo destes, mais que um feliz acontecimento e uma benção de Deus, haveria que considerá-la como uma verdadeira desgraça e o começo de sua desventura eterna: «Melhor seria para esse homem não ter nascido», disse o próprio Cristo sobre o traidor Judas (cf. Mc 14,21). Por isso a Igreja, nossa mãe, perfeitamente consciente dessa gravíssima obrigação dos pais, declara reiteradamente que «a geração e a educação da prole é o fim primário do matrimônio» (cn. 1013, I.º). Não basta, pois, para cumprir o fim primário, a mera geração dos filhos: é preciso, ademais, educá-los cristãmente para lhes assegurar a sua felicidade temporal e eterna, como filhos de Deus que são.

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O verme roedor ou o paganismo na educaçãoMons. J. Gaume. Editora Katechesis, 2021.

Sinopse

Que fará um médico na presença de um infeliz, vítima de fatal doença que ameaça a cada momento precipitá-lo no túmulo? Se não for cego ou criminoso, lançará logo mão não dos paliativos, ou dos remédios usuais, mas sim dos recursos extremos da arte para operar uma crise salutar. Se preciso for empregará o ferro e o fogo, sem atender às resistências e gritos do doente.




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Da vanglória e da educação dos filhos. São João Crisóstomo. Editora Katechesis, 2017.

Sinopse:

"Se desde a primeira infância carecem as crianças de mestres, que será delas? Se alguns, educados e instruídos desde o ventre materno até a velhice, não conseguem triunfar, que males serão capazes de cometer os que nunca foram educados? O certo é que todas as pessoas se esforçam para que seus filhos se instruam nas artes, nas letras e na eloqüência, mas a ninguém ocorre pensar em como exercitar sua alma. Portanto, não cesso de vos exortar, rogando-vos e suplicando-vos que, antes de qualquer coisa, eduqueis bem os vossos filhos. Se tendes consideração por vossos filhos, aqui o haveis de mostrar."


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Corrija seu filho - A formação do homemMonsenhor Álvaro Negromonte. Editora Calvariae Editorial, 2019.

Sinopse: Para os que procuram mais o próprio sossego que o progresso moral dos filhos, castigar é mais cômodo: umas palmadas no pequenino que jogou a merenda no chão, uns bofetões no rapazola que respondeu com arrogância, chineladas na menina que entornou tinta no vestido novo, um mês sem passeio para quem não teve média na prova parcial, trancar as crianças no quarto dos fundos porque perturbaram o silêncio de que precisa o pai, e outras medidas policiais do mesmo teor dão “soluções” imediatas, que contentam o adulto desprevenido, mas nada adiantam à educação, e, pelo contrário a prejudicam.

Não julguemos, porém, sejam essas umas fórmulas mágicas que resolvam tudo, rapidamente e que, quando não resolverem, o caso é irremediável. Não há fórmulas mágicas em educação. As soluções rápidas são pedidas em geral pelos que “não têm tempo a perder com os filhos”, e por isso perdem os filhos.

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A educação da sexualidade: Um guia para pais e educadoresMonsenhor Álvaro Negromonte. Editora Calvariae Editorial, 2019.

Sinopse: Ora, é dever dos educadores preparar os homens para viverem no seu tempo, e não nos tempos idos. O que lhes incumbe é preparar os homens para resistirem aos perigos da sua época, e poderem praticar a virtude, quaisquer que sejam as dificuldades. 

É natural que os educandos de hoje, tomem tão errada orientação na vida, como a que até hoje têm tomado. É natural que nunca se acostumem a encarar como coisas respeitáveis e dignas essas que lhes foram ensinadas sem nenhum respeito nem dignidade. 

Eis porque só sabem falar ou ouvir desses assuntos com risinhos inconvenientes e maliciosos, pondo maldade em todas as coisas. Eis porque o corpo é para eles um instrumento de prazer e não um templo do Espírito Santo.

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A educação dos filhos - A missão dos pais e educadoresMonsenhor Álvaro Negromonte. Editora Calvariae Editorial, 2019.

Sinopse: Para muitos a grande preocupação é o bem-estar dos filhos: a saúde, os estudos, a condição econômica. Os próprios estudos são orientados num sentido utilitário, com uma finalidade prática, a mais imediata possível. As profissões são escolhidas em vista das possibilidades econômicas. Daí a primazia das carreiras técnicas, e o desprestígio dos estudos clássicos ou filosóficos, desprezados por nada “adiantarem” na vida...

As atenções com a saúde superam a formação moral. Se o menino adoece, tomam-se logo todas as medidas, à custa dos maiores sacrifícios. Mas se ele tem uma tendência ao vício, pouco se cuida: “é da idade, passa com o tempo”, “o pai também foi assim”, “hoje ninguém repara mais certas tolices”... Considera-se “vencedor” o jovem que conseguiu uma rendosa colocação. Ainda melhor, se for um emprego público, bem remunerado e sem trabalho. A satisfação dos pais rivaliza então com a inveja dos que não “venceram” na vida com tanta rapidez e eficiência! Para chegar a esses resultados, às vezes são bons todos os processos. Não os censurem, que a explicação vem cabal e definitiva: o mundo hoje é assim; o que ontem era imoral, hoje não é; o que hoje ainda é proibido, talvez amanhã seja obrigatório; a vida tem dessas coisas... Por outras palavras: não há valores morais definitivos!

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Sobre o autor: Monsenhor Álvaro Negromonte nasceu em 26 de outubro de 1901, no Engenho Gameleira, em Timbaúba. Entrou no Seminário de Olinda aos treze anos de idade e ordenou-se sacerdote em 08 de junho de 1924. Foi designado logo após diretor do Colégio Diocesano e capelão do Colégio Santa Cristina, em Nazaré da Mata. Em 1927, transferiu-se para Minas Gerais, onde passou a exercer a capelania do hospital de Ituna, para depois fixar-se em Belo Horizonte. E foi na capital mineira que o padre Álvaro iniciou realmente sua brilhante carreira sacerdotal. Foi secretário do Arcebispado, capelão do Hospital Carlos Chagas, professor de catequética no seminário de Belo Horizonte, fundador e reitor do Instituo Católico de Cultura. Vice-presidente da Sociedade Pestalozzi e vice-diretor Arquidiocesano do Ensino Religioso. Seu primeiro livro, “O Caminho da Vida”, ao qual se seguiu Pedagogia do Catecismo, de 1936, que sintetiza os princípios pedagógicos de renovação catequética. De Minas, onde seu nome se propagara com brilho, como educador dos mais ilustres, foi para o Rio de Janeiro, centro irradiador por excelência, onde foi designado, em 1945, orientador educacional do Serviço de Assistência a Menores do Ministério da Justiça, cargo que exerceu com brilhantismo. Já no Rio, publica os livros: “Educação Sexual, Noivos e Esposos” e “O que fazer de seu filho”, onde já encara de frente, com prudência mas sadia e indispensável objetividade já louvada por Tristão de Athayde, os complexos e difíceis problemas da educação sexual e do matrimônio no primeiro livro e os da educação dos filhos no último. Em 1950, foi diretor do ensino religioso na Arquidiocese do Rio e nesse mesmo ano representou o Brasil no Congresso Internacional de Catequética realizado em Roma. Em 1956, foi Monsenhor (camareiro) de S.S. o Papa Pio XII.

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A Arte da Memória

por Eduardo Rocha do Instituto Hugo de São Vitor.

Grandes intelectuais dedicaram tempo a um tema recorrente: A arte da memória. Cícero é um dos mais antigos que temos registro, outros tratam do tema com mais detalhes ainda, como Santo Tomás de Aquino, Santo Agostinho, monges e professores do século XV e até mesmo, mais recentemente, Sertillanges, que escreve sobre o tema num capítulo de A Vida Intelectual, assim como outro livro mais abrangente, de abordagem mais histórica, de Frances Yates, dentre um manancial de títulos. Sabemos que ao nos depararmos com uma grande quantidade de novos vocábulos ou textos e retê-los na memória não encaramos uma atividade fácil nem mesmo aos que se submetem a uma vida de muito estudo; pois, um observador atento e consciente dos próprios passos que dá, enquanto estuda, nota que boa parte do sucesso está ligada ao interesse específico, esforço e habilidade para memorizar uma série de itens.

A arte da memória já foi considerada a rainha de todas as artes e por ela podemos conhecer ainda mais sobre nosso próprio intelecto, assim como dominá-la.

Não somos capazes de crescer nem mesmo em virtudes se exercitamos pouco a memória. Reavivando certos momentos em que reconhecemos esse aspecto, vemos, por exemplo, que ao nos esforçarmos por lembrar de algo, as informações, as imagens antes simbolizadas e todas as lembranças se misturam pelo menos um pouco; há no intelecto, nesse momento, não só uma simples mistura, mas também a perda de informações ou o distanciamento delas.

O remédio contra isso permanece ainda um mistério para muitos que guardam escondida, por exemplo, a vergonha de não conseguirem cantar músicas inteiras ou declamar poesias, dominar técnicas – com sequências de itens a serem repetidas, como uma escala de acordes no piano, aprender línguas, melhorar no que já praticam, dentre muitas atividades que dependem dessa habilidade; então, em decorrência do problema, muitos dizem “li há pouco tempo um texto enorme, mas agora não consigo dizer muito sobre ele” ou alguns piores “tento aprender gramática desde a quinta série e nunca lembro de nada” e também “estudo espanhol há mais de 3 anos, leio bem os textos, mas escrevo mal por causa dos tempos verbais e das regras ortográficas”.

No entanto, algumas pessoas passam menos por isso sendo normal reterem muitos itens na memória, mesmo por talento natural, característica que lhes dá vantagem para tudo que aprendem. Portanto devemos ter pelo menos, se formos minimamente responsáveis, alguma noção de como isso funciona.

Segundo Frances Yates, em A Arte da Memória, há uma produção bibliográfica muito intensa que começa a se acumular a partir do início do século XV, na qual encontramos obras de escolásticos e outras reescritas de livros mais antigos contendo muitas técnicas de memorização, cada uma conforme suas necessidades específicas, em grande parte para serem usadas para a leitura das Escrituras Sagradas. Para entendermos um pouco como a mnemotécnica funciona, devemos pensar primeiro sobre uma questão, até bem simples: do que somos capazes de lembrar com mais facilidade? Se compararmos a qualidade das memórias que temos, podemos facilmente reconhecer que as coisas de nosso maior interesse nas quais detemos a atenção, com uma curiosidade maior, são muito mais fáceis de guardar, assim como momentos intensos e ambientes pelos quais frequentamos por certo tempo; resumidamente podemos dizer que esta atenção nos levou a um trabalho imaginativo mais rico, mais denso, como se produzisse em nosso intelecto um material pesado de difícil remoção, o que também é típico daqueles que precisam desvendar mistérios urgentes e lembram-se da investigação nos mínimos detalhes.

No caso contrário, quando passamos muito tempo encarando um assunto que nos seja desagradável ou para o qual sejamos indiferentes ou, por exemplo, num texto que corramos os olhos apenas uma vez, temos muito mais dificuldade com a memorização. Desse modo, o básico é ler ou aprender algo sempre com uma imaginação ativa, que produza as imagens referidas ou listadas com a maior qualidade possível, como, por exemplo, ao ler “maçã”, não só lembrar da cor vermelha e do formato arredondado, mas também do brilho, cheiro, gosto, temperatura, dentre outros tantos atributos possíveis do objeto; e num momento seguinte, em se tratando de uma narrativa ou discurso lógico, vincular todas as imagens produzidas com a ordem que foram dadas, de forma que guardemos uma cadeia de informações do início ao fim e a imagem do todo – já para itens sem ligação entre si, depositá-los próximos uns dos outros como se os enxergássemos de perto dispostos num ambiente. Esses passos podem nos ajudar a entender a técnica talvez mais popular, denominada “palácio da memória”, na qual deixamos os itens que desejamos memorizar espalhados por um lugar que tenha de preferência uma arquitetura bem conhecida, valendo-se da afirmação de que a memória espacial é a mais forte.

Tomemos isso tudo como dicas bem resumidas, pois há uma multidão de livros e materiais sobre o tema, assim como inúmeras formas de usar as mesmas técnicas mnemônicas. O assunto é vasto e complexo, nunca deixará de fazer parte de nenhuma atividade humana, hoje limitadas por não termos mais consciência da liberdade que a inteligência cria. Desse modo, a exemplo de tantos que se empenharam por enrijecer a memória e detiveram soluções incríveis da mnemotécnica - que não servem para evitar esforços, visto que as próprias ferramentas demandam os seus, mas sim para melhorar a qualidade do estudo – também alavanquemo-nos nas atividades mais complexas como no domínio das línguas e de textos literários, caminhemos de encontro às questões de nosso interesse verdadeiro sem medo e façamos esforços com toda a nossa capacidade.

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Texto retirado do link.


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Princípios Fundamentais de Pedagogia - parte 2

Continuando com o texto Princípios Fundamentais de Pedagogia, apresentamos a parte 2. Caso não tenha lido parte 1, ela está disponível no link.

ENSAIO SOBRE A FUNDAÇÃO DA ESCOLA DE SÃO VÍTOR DE PARIS

por Monsenhor Hugonin, Bispo de Bayeux

1. O Ensino em Paris no século XII.

Estamos agora em pleno século XII, assistindo a um renascimento geral das ciências, das letras e das artes. Os mestres se multiplicam, as escolas rivais se elevam de todas as partes, professores ilustres aparecem e reúnem ao seu redor numerosos discípulos.

Entre as escolas célebres desta época as de Paris se colocam no primeiro lugar. Nenhuma oferece um ensino mais completo, nenhuma conta com tão grande número de estudantes e de mestres mais distintos, nenhuma goza de maiores privilégios. O trivium e o quadrivium são ensinados em toda a sua extensão; a medicina tem ali os seus doutores; o direito canônico e a teologia as suas cátedras públicas. Sua reputação é tão grande que chega-se de todas as partes do mundo para receber suas lições cheias de sabedoria. Lá nós encontraremos italianos, alemães, ingleses, suecos, dinamarqueses, e até mesmo eslavos não são desconhecidos em Paris.

Da mesma forma, nada iguala os títulos pomposos que lhe dão os autores contemporâneos. Paris é para eles a árvore plantada no paraíso terrestre, a fonte de toda a sabedoria, a chama da casa do Senhor, a Arca da Aliança, a Rainha das Nações, o Tesouro dos Príncipes. Em sua presença, Atenas e Alexandria empalideceriam.

Não foi, porém, somente a reputação dos mestres que trouxe a Paris esta multidão de estrangeiros, foi também a beleza de seus arredores, as honras que eram conferidas aos clérigos, as comodidades de todo gênero e a abundância de todos os bens. A escola episcopal não é mais a única que goza de celebridade; outras se elevam às suas alturas e participam de sua glória. Todas elas formam, ao longo do curso deste século, a mais brilhante Academia que dará daqui a cem anos nascimento à primeira Universidade. Nosso desígnio não será o de abraçá-las todas em um mesmo estudo. Ao contrário, dela visitaremos uma só, a Escola de São Vítor, e mesmo assim, nos limitaremos a assistir à sua fundação.

Três homens nos parecem ter especialmente concorrido para tanto: Guilherme de Champeaux, que reuniu os primeiros discípulos; Guilduíno, que foi o seu legislador; e Hugo de São Vítor, o primeiro doutor de quem conhecemos positivamente sua doutrina e seus métodos.

2. Primeiras origens de São Vítor.

As origens de São Vítor de Paris exercitaram a sagacidade de muitos críticos. Os anais manuscritos desta abadia mencionam, entretanto, a existência ali de uma capela anterior ao XIIo século. A existência desta pequenina capela, anterior a Guilherme de Champeaux, é, entretanto, incontestável. Se acreditarmos em Simon Gourdan, autor da "História dos Homens Ilustres de São Vítor", esta capelinha servia àqueles solitários piedosos que vinham, longe do tumulto da cidade, consagrarem-se à oração e à meditação das verdades cristãs.

Esta prática não era nova. Já nos primeiros séculos da Igreja, e antes da fundação dos primeiros mosteiros, as grandes cidades tinham as suas ermidas. Antioquia no Oriente, Roma e Milão no Ocidente, estas cidades nos fornecem mais de um exemplo. Suas ermidas não estavam submetidas a uma regra comum. A vida nelas estava dividida entre a oração, a meditação e o trabalho manual.

De qualquer maneira, apesar das controvérsias existentes sobre outros aspectos da questão, é uma coisa certa que não é senão a Guilherme de Champeaux que remonta a escola de São Vítor que estamos nos propondo a conhecer.

3. Primeiros anos de Guilherme de Champeaux.

Guilherme de Champeaux, assim chamado por causa do nome do local de seu nascimento, foi arquidiácono e estudante da Igreja de Notre Dame de Paris. Estudou teologia sob a orientação de Anselmo de Laon, que havia sido discípulo de S. Anselmo. As lições de um mestre tão bom foram como uma semente ditosa depositada em um campo fértil. O discípulo de Anselmo foi um dos sábios professores que viriam a ilustrar a escola de Paris. Ele soube dar-lhe, sobre as suas rivais, uma superioridade que ela não havia tido antes e que soube posteriormente conservar para sempre.

Jovens provenientes das províncias as mais afastadas, e mesmo de países estrangeiros, para aí vinham ávidos de escutar o célebre professor cujo nome despertava em todo lugar sentimentos de respeito e admiração. O próprio Abelardo, depois de ter percorrido as escolas mais renomadas, fixou-se em Paris por não ter encontrado em lugar algum mestre mais sábio e mais hábil.

Nos claustros de Notre Dame Guilherme ensinava retórica, dialética e teologia, circundado pela estima de seu bispo Galon, do amor e do respeito de seus discípulos, e da consideração do clero. Em 1107 foi honrado com uma prova de estima ao ser chamado para o Concílio de Troyes convocado e presidido pelo Papa Pascal II.

Porém, se ele se deixou seduzir pelo brilho de tanta glória, como parece dar a entender a carta de Hildeberto de Mans, a sedução não durou muito. Em 1108 Guilherme abandona a sua cátedra e seu arquidiaconato para se retirar em São Vítor onde toma o hábito de cônego regular de Santo Agostinho. Guilduíno, Godofredo, Roberto, Goutier, Tomás e vários outros de seus alunos o seguiram em seu retiro.

4. Origem da escola de São Vítor

Ao se retirar para São Vítor, a crônica de Morigny não nos apresenta Guilherme de Champeaux simplesmente como um homem bastante versado nas Sagradas Escrituras, mas também como um homem

"cheio de zelo, de piedade
e de religião".

Retirando-se para São Vítor, Guilherme renunciou ao ensinamento e aos aplausos da escola; quis viver somente com Deus na meditação das verdades eternas.

Seus antigos alunos, porém, não puderam consentir com o seu silêncio. Solicitaram-lhe que continuasse suas aulas mesmo no retiro que havia escolhido, e o bispo de Mans achou por bem unir suas instâncias àquelas de tantos amigos, escrevendo ao novo solitário uma carta de que possuímos o texto inteiro:

"Vossa vida e vossa conversão",

diz o bispo,

"encheram nossa alma de alegria
e a fizeram estremecer de felicidade".

Ele o felicita em seguida por ter abraçado a verdadeira filosofia. Mais adiante acrescenta:

"Mas de que serve uma sabedoria encoberta
e um tesouro enterrado?
O ouro melhor brilha ao dia do que nas trevas,
e as pérolas não diferem de pedras vis
se não são expostas aos olhos.
A ciência que se comunica aumenta;
não estanqueis, pois,
o regato de vossa doutrina,
mas segui o conselho de Salomão,
e que vossas águas se dividam sobre as praças públicas".

Guilherme não pôde resistir a pedidos tão amáveis e tão insistentes. Retomando suas lições, deu origem à célebre Escola de São Vítor de Paris.

5. Guilherme é elevado a bispo. Morte de Guilherme.

Foi nesta mesma época que Guilherme foi elevado à sede episcopal de Chalons. Daí para a frente sua vida se tornou bastante ativa. Mostrou-se grande no episcopado como havia-se mostrado sábio e competente nas cátedras públicas, tornando-se a alma de todos os concílios, tão numerosos nesta época nas Gálias.

São Bernardo o escolheu para receber de suas mãos a bênção de abade. Seu episcopado foi, entretanto, de uma duração extremamente curta para o bem e a glória da Igreja. Guilherme de Champeaux morreu em 18 de janeiro de 1121, após haver governado a diocese de Chalons durante sete anos e seis meses.

Temos de sua mão um pequeno tratado sobre a alma, um opúsculo sobre a Eucaristia publicado por Mabillon e uma coletânea de sentenças contidas em um manuscrito inédito, que se encontra na Biblioteca Imperial, sob o número 220 do fundo de Notre Dame. Tais escritos, porém, são insuficientes para nos fazer conhecer a doutrina de Guilherme.

6. Guilduíno abade de São Vítor.

Antes de abandonar seu retiro, Guilherme havia confiado a comunidade de São Vítor a Guilduíno, o mais querido de seus discípulos.

Guilduíno era nativo de Paris, gozando de uma justa reputação, que ele havia adquirido mais ainda pela sua sabedoria e virtude que pela sua ciência. Luís VI o escolheu para seu confessor e o tratou sempre com afeto filial. Sob a administração de Guilduíno a comunidade de São Vítor tornou-se uma abadia rica e poderosa. Nisto Luís VI o ajudou com uma munificiência verdadeiramente real, outorgando-lhe uma carta que é como que a carta de fundação de São Vítor.

Nesta carta Luís VI declara que depois de ter consultado os bispos e os senhores de sua corte, resolve estabelecer na igreja de São Vítor alguns cônegos regulares que se ocupem em orar a Deus por ele e pelo seu reino, aos quais ele dota e enriquece por sua liberalidade para que não se afastem deste santo exercício pela solicitude de prover às necessidades da vida. Com esta carta, Luís VI dava aos cônegos a inteira liberdade de escolha de seu abade, não sendo eles obrigados a pedir o consentimento do rei nem de outras pessoas. Entretanto, assim que tivesse sido feita a escolha do abade por eles mesmos, pelos membros de sua comunidade ou de alguma outra casa pertencente à sua ordem, eles teriam que apresentá-lo ao bispo de Paris para receber a bênção abacial. Não se faz, nesta carta, nenhuma menção da regra de Santo Agostinho.

A data desta carta tão importante é o quinto ano do reino de Luís VI, e o ano 1113 de Jesus Cristo: esta data coincide com aquela que pode ser lida em São Vítor no túmulo do mesmo rei. No ano seguinte o Papa Pascoal II confirma a nova fundação.

O aumento dos rendimentos da fundação permite que os cônegos de São Vítor se multipliquem. Ao morrer, Luís VI deixa como legado 2.000 livros a 20 abadias de sua ordem. No ano de 1138 eles já formam uma congregação considerável. Quando Guilduíno, o primeiro abade de São Vítor, veio a falecer, a ordem contava com 44 casas.

A história é testemunha, também, que os cônegos fizeram um bom uso de suas riquezas: foram consagradas ao amparo dos pobres e sobretudo dos jovens estudantes que o amor da ciência atraía a Paris. Há ainda hoje diversos documentos comprovando estas afirmações. Os cônegos de São Vítor tratavam com a mesma bondade estudantes franceses ou de qualquer outra nacionalidade. Entre eles estava Pedro Lombardo, para lá encaminhado a pedido de São Bernardo, o amigo mais devotado dos cônegos de São Vítor.

Caridosos e benfeitores para com aqueles que pediam o seu auxílio, os cônegos vitorinos se mostraram também respeitosos e devotados para com os bispos de Paris. Foram seus mais sábios conselheiros, os mais firmes apoios de sua autoridade, que eles também frequentemente compartilhavam, e os mais zelosos defensores de seus direitos.

A esta conduta deveram a estima e a confiança de todos. Os outros seus contemporâneos celebraram sua piedade e sua ciência. O Papa Inocêncio II, em uma carta endereçada a Estevão, bispo de Paris, louva sua religião, sua regularidade, sua fiel observância das regras canônicas e da disciplina da Igreja, dizendo que sua conduta dá glória a Deus e que o seu exemplo edifica os povos.

Jacques de Vitry, em sua História Ocidental, louva sua humildade, sua santidade e sua doutrina:

"Esta congregação",

diz ele,

"é como a chama do Senhor
elevada sobre o candelabro.
Ela ilumina não somente a cidade,
mas também os lugares mais afastados;
ela ensina os povos a conhecer a Deus;
ela os incentiva a amá-lo.
Desde sua origem",

continua Jacques,

ela foi ornada e embelezada
por alguns doutores parisienses,
homens literatos e honestos,
que brilharam em seu meio
como estrelas cintilantes,
ou como pedras preciosas".

Várias dioceses quiseram possuir religiosos cuja reputação era assim tão grande e sua vida tão exemplar. Os grandes homens que se formaram em seus meios justificaram esta reputação. A abadia de são Vítor deu à Igreja sete cardeais, dois arcebispos, seis bispos, cinquenta e quatro abades estabelecidos em diversos lugares e outros homens que adquiriram uma merecida reputação em todos os ramos da ciência cultivada nesta época.

7. O governo dos cônegos de São Vítor.

Os desígnios de Luís VI se cumpriram; os cônegos de São Vítor, enriquecidos pela liberalidade de seus poderosos e generosos protetores, puderam se dedicar em paz aos seus estudos e aos exercícios da vida religiosa. Estas riquezas, porém, fariam elas próprias nascer entre eles a dispersão e a desordem, se não estivessem submetidos a uma sábia disciplina e se uma forte constituição não houvesse mantido no mosteiro uma perfeita regularidade. Esta foi a obra de Guilduino.

A constituição e suas regras nos foram conservadas até aos dias de hoje, mas neste trabalho somente alguns de seus detalhes serão de nosso interesse.

O superior dos cônegos era o abade, que devia ter entre eles o lugar de pai. Sua eleição se fazia com uma grande solenidade; quando de sua morte, os irmãos jejuavam e guardavam silêncio até seus funerais.

Após as cerimônias das exéquias, o prior tocava um sino convocando a todos para o capítulo. Sete entre os membros mais distintos eram escolhidos então para formarem um conselho; entre eles deliberariam e escolheriam o religioso que julgassem mais capaz de governar a comunidade; os demais permaneceriam em oração. Era proibido que os cônegos se reunissem antes disso entre si para tratarem da próxima eleição. Se os eleitores não podiam chegar a um acordo, aumentava-se o seu número.

Assim que a escolha do conselho caía sobre um dos cônegos, reunia-se o capítulo e o membro mais velho anunciava haver sido eleito tal homem, prelado de tal ou qual casa. O eleito era conduzido à cadeira do abade onde recebia a homenagem de todos os irmãos.

No dia seguinte, todos os que faziam parte de sua obediência dirigiam-se ao capítulo e, prostrados diante do novo abade, este lhes dirigia a pergunta:

"Prometeis a mim a obediência que me deveis,
segundo as regras de Santo Agostinho,
e segundo as promessas que fizestes
no dia de vossa profissão?"

No capítulo geral seguinte à eleição o abade por sua vez fazia também a sua promessa:

"Eu, fulano de tal,
humilde abade de São Vítor,
salvo a liberdade, os privilégios
e os demais direitos de nossa igreja,
prometo obediência ao capítulo geral
e fidelidade por mim e por nossa casa".

A eleição terminada, o prior, o sub prior e alguns irmãos dirigiam-se ao bispo, apresentando-lhe o abade eleito e marcando o dia em que iria receber de sua mãos a bênção abacial.

O dia fixado, os religiosos permaneciam no coro e esperavam em silêncio o retorno do abade. Este voltaria entrando pela porta da igreja maior, atravessando o coro enquanto todos se prostravam.

Estas cerimônias imponentes eram naturalmente próprias para estimular a imaginação e despertar a fé daqueles homens simples. Eles viam na pessoa do abade o representante de Deus. O respeito que lhe era tributado lhes tornava a obediência mais segura e mais fácil.

Este respeito deveria manifestar-se também após as cerimônias. Ninguém poderia passar diante do abade sem saudá-lo. Com exceção do coro, levantava-se quando o abade entrava e não se sentava enquanto o próprio abade não o tivesse permitido.

O que se deve admirar aqui é a delicadeza que os pensamentos da fé inspiravam a estes bons religiosos que viviam ainda no meio de uma sociedade mal saída da barbaridade e que não se tinha ainda depurado da violência de seu caráter e da grosseria de seus costumes. Exemplos como estes não eram de fato inúteis para o próprio progresso da civilização.

A autoridade do abade era doce e soberana, mas não era nem arbitrária, nem sem controle. Ela devia ser exercida de acordo com as leis da ordem e sob a vigilância do capítulo geral e do bispo. Embora o cargo de abade fosse vitalício, ele poderia ser deposto ou mesmo expulso da comunidade se abusasse de seu poder.

O prior substituía o abade ou o auxiliava no exercício do cargo. Era escolhido pelo abade o qual deveria, para tanto, ouvir primeiro o conselho dos mais velhos. Era o prior o encarregado principal de vigiar a disciplina, e exercia esta vigilância sobre todos os demais cargos inferiores, embora não tivesse o poder de elegê-los ou destituí-los.

8. A biblioteca.

Entre os diversos cargos e atividades previstos pela regra do mosteiro de São Vítor, interessam-nos aqui o ofício de bibliotecário, o trabalho dos copistas e as regras da escola anexa ao mosteiro.

Todos os livros do mosteiro estavam confiados aos cuidados de um bibliotecário. O bibliotecário possuía o seu catálogo e fazia duas ou três vezes por ano o recenseamento dos livros, examinando atentamente se eles tivessem sofrido algum dano e providenciando os reparos necessários.

Os livros preciosos não podiam ser emprestados sem a permissão do abade. Entre estes estavam todos os documentos e escrituras que diziam respeito ao mosteiro.

Era o próprio bibliotecário que fornecia aos copistas as coisas necessárias ao seu trabalho. O bibliotecário velava não só para que não lhes faltasse nada como também para que não copiassem senão as obras que tivessem sido indicadas pelo próprio abade. Todos aqueles que no mosteiro sabiam escrever deviam se submeter às ordens do bibliotecário se este julgasse que havia necessidade de seus préstimos.

No mosteiro cada cargo tinha seus regulamentos bem determinados e o trabalho de todos concorria para o estabelecimento de uma ordem perfeita. Esta ordem era o princípio e o guardião da paz e da tranquilidade de alma tão necessário para as especulações da ciência e para o progresso da piedade cristã.

De modo geral a regra prescrevia diversos exercícios de piedade e estudo que se alternavam com o trabalho manual, que deveria ser executado em rigoroso silêncio. Apenas os copistas estavam isentos do trabalho manual, e eram ordinariamente os clérigos ou os monges mais instruídos que eram convocados para este trabalho considerado nobre. Mas não era o amor das letras que inspirava este zelo: foram os pensamentos da fé, o desejo de conservar intactos e de multiplicar os exemplares dos santos livros e das obras dos Santos Padres da Igreja que foram os principais motivos de estímulo para a multidão de copistas que houve na história do monasticismo cristão.

Entre os cônegos de São Vítor este trabalho foi tido em alta conta. Os que se sentavam ao trabalho deveriam guardar entre si o mais rigoroso silêncio. Ninguém deveria perder o seu tempo andando de um lado para outro. Nenhuma pessoa entraria no lugar a eles reservado, a não ser o abade, o prior, o sub prior ou o bibliotecário. Se alguém quisesse fazer em particular uma comunicação inadiável a algum dos copistas, o bibliotecário tinha a permissão de conduzi-lo ao parlatório do mosteiro para uma troca rápida de palavras.

Em um grande número de mosteiros os copistas eram divididos em duas seções. Os primeiros copiavam. Os outros, os mais instruídos, revisavam e corrigiam as cópias. Ainda hoje temos um grande número de manuscritos onde se percebem os traços destas correções.

A função tão honrada de copista não era confiada ao acaso. O costume de São Vítor nos ensina que era o próprio abade que indicava quem a deveria exercer. Uma grande prática de ler textos antigos e um talento comprovado na arte de escrever conferiam o direito de ocupar uma cadeira no escritório. Quando alguém obtinha este cargo, deveria dirigir-se ao bibliotecário encarregado de distribuir o trabalho entre os copistas, que lhes prescrevia de copiar tal capítulo de tal livro, de começar naquela página e terminar naquela outra. Por uma disposição expressa de um decreto abacial, era proibido que o copista fizesse ele mesmo, para seu próprio uso, qualquer outra transcrição.

Foi devido a estas rigorosas disposições, escrupulosamente observadas, que nós devemos os belos manuscritos da idade média. Foi assim que se formaram as ricas bibliotecas de Saint Gall, de Bec, de York, de São Martin de Tournay, de Fulda, e, em particular, aquela de São Vítor.

9. A Escola de São Vítor.

Percorrendo as constituições e as regras dos cônegos de São Vítor, percebe-se que ali não se menciona em nenhum lugar a escola de São Vítor. Somente pode-se ler que certas horas eram consagradas à leitura ou ao estudo. Mais do que isso, com exceção de uma conferência sobre matérias de piedade, ascese e a leitura pública, não encontramos menção alguma de aulas regulares estabelecidas nesta abadia. Não se pode daqui concluir que esta escola não existiu. Isto seria contradizer os autores da época que falam dela com elogios, e tornar inexplicável a produção de um tão grande número de obras de filosofia, teologia, gramática, história e mesmo de literatura que deram aos vitorinos uma grande fama de sabedoria e ciência. A única consequência que se pode tirar daí é que o autor do Liber Ordinis não reportou senão as regras mais gerais do mosteiro. Deveria haver outras mais particulares para aqueles que se dedicavam ao estudo.

É coisa certa que Guilherme de Champeaux, rogado pelos seus amigos, e sobretudo por Hildeberto de Mans, retomou, em seu retiro, as lições de dialética, retórica e filosofia. Isto é atestado pelo próprio Pedro Abelardo.

Tolouse reporta que em uma antiga crônica da abadia de São Vítor, celebrava-se a santidade dos cônegos e o nome de seus estudantes:

"Havia",

acrescenta ele,

"na mesma casa de São Vítor, cursos de letras.
Eram ministradas aos jovens cônegos
e mesmo àqueles que eram mais avançados em anos.
Este uso data de Guilherme de Champeaux".

Ele cita em seguida os sucessores de Guilherme na cátedra de São Vítor. O primeiro foi o bem aventurado Tomás, mártir de seu devotamento ao bispo de Paris. Veio em seguida Hugo de São Vítor e uma sucessão de outros até Teobaldo, este já contemporâneo de São Boaventura e São Tomás de Aquino. A partir desta data já não temos mais dúvida alguma: em São Vítor encontramos aulas de teologia e os mesmos exercícios públicos que na Universidade de Paris.

Entretanto, tanto os historiadores de São Vítor, como os próprios manuscritos que nós temos consultado, nos dizem muito pouco sobre o ensino que era lá ministrado. Foi para suprir esta lacuna que escolhemos, entre os professores desta escola, a Hugo de São Vítor, o primeiro dos quais possuímos as obras. Elas nos fornecerão, sobre este assunto, ensinamentos muito interessantes.

10. Nascimento e juventude de Hugo de São Vítor

O nome e a pátria de Hugo levantaram frequentes controvérsias. Houve quem afirmasse que o seu verdadeiro nome fosse Herman. Outros, considerando que nesta época o nome Hugo fosse desconhecido ou pelo menos muito raro na Alemanha, julgaram que ele deveria ter-se chamado Heymon, e que foi por ignorância que os franceses lhe deram o nome pelo qual nós o conhecemos hoje.

É um pouco mais difícil fixar o lugar de seu nascimento. Entretanto, o autor de sua vida, o historiador de São Vítor, todos os escrivães desta abadia sem exceção, o segundo editor de suas obras, o epitáfio de seu túmulo, diversos autores e em geral todos os historiadores e os críticos até Mabillon lhe deram como pátria a Saxônia. Nós seguiremos, no relato a seguir, uma tese sustentada em 21 de dezembro de 1745 por Christian Gottfried Derling, o qual teve em suas mãos antigos manuscritos de Halberstadt, ignorados até então, que pensamos ter trazido à luz provas que nos parecem sólidas e que reportam detalhes da família e dos primeiros anos de Hugo dignas de interesse.

Hartingam foi uma das regiões mais célebres da Saxônia. Lá floresceu, no século XII, a família dos condes de Blankemburg, poderosa pelos seus ricos domínios e por sua influência.

Soube-se, todavia, que no fim do século XI um dos membros da família dos condes de Blankemburg faleceu deixando dois filhos, Hugo e Poppen.

Hugo abraçou o estado eclesiástico.

Poppen herdou o título e o domínio de seus pais. Sua administração foi ditosa, tendo governado a herança paterna até o início do século XII.

Três filhos sobreviveram a Poppen: Reinardo, Conrado e Sigfrido.

Sigfrido foi elevado à cadeira episcopal de Halberstadt.

Conrado sucedeu a Poppen no governo do condado dos Blankemburg. De sua esposa, que as crônicas não nomeiam, mas que lhe louvam o caráter e as virtudes, Conrado teve dois filhos: Hugo, que foi o nosso vitorino, e Burcardo.

Reinardo, o tio de Hugo que seria consagrado bispo, distinguiu-se desde cedo no estudo e nas letras. Seus pais assim resolveram enviá-lo a Paris para que pudesse prosseguir os seus estudos. Foi nesta época que Guilherme de Champeaux acabava de se retirar em São Vítor, e Reinardo o seguiu e acabou se tornando um de seus mais ilustres discípulos. Após ter-se formado em sua escola pelo estudo e pela prática das virtudes cristãs, Reinardo volta à sua pátria quando então foi elevado à dignidade episcopal em Halberstadt.

Mas na sede de Halberstadt Reinardo conservou pelo resto de seus dias uma grande estima pelos cônegos de São Vítor, os quais ele os fez vir à Saxônia para acender nos mosteiros que ele próprio havia fundado ou restaurado em sua diocese o amor pelo estudo e para estabelecer uma perfeita disciplina.

Mais tarde, foi Reinardo que exortaria Hugo, seu sobrinho, a frequentar nesta abadia vitorina na Saxônia as lições de ciência e sabedoria.

Reinardo era, pois, o tio de Hugo de S. Vítor. Conrado, o seu pai. Poppen, o pai de Conrado e avô de Hugo de São Vítor. Porém Poppen, avô de Hugo de S. Vítor, dissemos acima, tinha um irmão também chamado Hugo, que havia abraçado o estado eclesiástico. Este outro Hugo, pelos méritos da pureza de seus costumes e a inocência de sua vida, havia sido elevado a arquidiácono de Halberstadt. Em uma idade já avançada, entretanto, acabou cedendo aos pedidos do jovem Hugo e resolve acompanhá-lo em uma viagem a Paris onde ambos, o velho e o jovem Hugo, são admitidos na abadia de São Vítor. O velho Hugo foi benfeitor de São Vítor tanto quanto o jovem Hugo viria a ser a sua luz. A grande igreja do mosteiro de São Vítor foi então quase que totalmente construída às despesas do velho Hugo.

Hugo de São Vítor, o jovem, nasceu, portanto, em Hartingam, na Saxônia, filho de Conrado, conde de Blankemburg, no ano de 1096, e não em 1098, como quer Ellies Dupin. De fato, Osberto, cônego e enfermeiro de São Vítor e colega de Hugo, que nos deixou o relato tocante de sua morte, nos diz que Hugo morreu em 1140 com a idade de 44 anos.

Desde sua infância, Hugo mostrou ditosas disposições conferidas pela natureza. Seus pais viram nele as mais belas esperanças e resolveram não confiar sua educação senão a mãos hábeis, Reinardo, seu tio, bispo de Halberstadt, foi consultado sobre a escolha dos mestres que deveriam formá-lo na fé, nos estudos e na prática das virtudes. Naquela época, porém, na Alemanha, as únicas escolas para a juventude eram os mosteiros. O bispo Reinardo indicou para seu sobrinho o mosteiro de São Pancrácio de Hamerleve. Foi esta uma das fundações com que Reinardo havia enriquecido a sua diocese. Para lá ele havia chamado os cônegos de São Vítor, dos quais ele conhecia a piedade e os talentos. Sua confiança não foi traída: os vitorinos trouxeram para Hamerleve as virtudes religiosas e o amor pelo estudo. O mosteiro de São Pancrácio tornou-se para a inteira Saxônia uma escola de sabedoria e ciência. As cartas de fundação do bispo de Halberstadt nos mostram que foi frequentada por uma numerosa juventude.

Foi no meio deste movimento literário e científico, que deveria ser retardado pela guerra civil, que Hugo entrou no mosteiro de Hamerleve para começar seus estudos.

Hugo de S. Vítor manifestou, em uma tenra idade ainda, seu amor pela ciência. No início do livro sexto do Didascalicon, em uma das pouquíssimas páginas de suas obras em que ele fala de si próprio, Hugo escreve:

"Eu ouso afirmar que nunca desprezei nada
que pertencesse ao estudo;
ao contrário,
frequentemente aprendi muitas coisas
que outros as tomariam por frívolas ou mesmo ridículas".

Em seguida, na mesma passagem, ele nos descreve diversas destas atividades de quando era ainda jovem estudante. Entre elas incluem-se estudos relacionados com a ampliação do vocabulário, como primeiro passo para compreender a natureza das coisas; resumir no fim do dia todos os raciocínios feitos durante o mesmo, para guardar na memória suas seleções e seus números; procurar sempre investigar a causa de tudo; anotar as disposições controversas das coisas; estar sempre alerta para distinguir o discurso de um orador do discurso de um sofista; cálculos matemáticos executados no chão com pedaços de carvão; cálculos geométricos; teoria musical; e afirma também haver passado numerosas noites contemplando as estrelas do céu. No fim, Hugo acrescenta:

"Algumas destas coisas são pueris, é verdade.
Todavia não foram inúteis.
Não estou te dizendo isto
para jactar-me de minha ciência,
mas para te mostrar que o homem
que prossegue melhor
é o que prossegue com ordem,
não o homem que,
querendo dar um grande salto,
se atira no precipício.
Assim como as virtudes,
assim também as ciências
têm os seus degraus.
É certo, tu me poderias replicar:

`Mas há coisas
que não me parecem
ser de utilidade.
Por que eu deveria manter-me
ocupado com elas?'

Bem o disseste.
Há muitas coisas que,
consideradas em si mesmas,
parecem não ter valor para que se as procurem,
mas, se as olhares à luz das outras
que as acompanham,
e começares a pesá-las em todo o seu contexto,
verificarás que sem elas as outras não poderão
ser compreendidas em um só todo e,
portanto, de forma alguma devem ser desprezadas.
Aprende-as a todas,
verás que depois nada será supérfluo.
Uma ciência resumida não é uma coisa agradável".

Esta vida tranquila e laboriosa teve para Hugo tantos atrativos que ele resolve consagrar-se à mesma definitivamente. Resolve abraçar a Regra de Santo Agostinho, apesar dos conselhos de seus pais em contrário. Tivesse, porém, se tornado o Conde de Blankemburg, teria se tornado ilustre pelo seu valor em algum campo de batalha, ou por sua sabedoria no governo de seu Condado, mas seu nome jamais teria chegado até nós. Agora, porém, seu nome está inseparavelmente ligado às coisas que não perecerão jamais, à ciência teológica da qual ele foi um dos restauradores, aos nomes imortais de Pedro Lombardo e de São Tomás de Aquino, que sempre o viram como ao seu mestre.

11. Hugo professor em São Vítor. Sua morte.

Entretanto, as guerras políticas e religiosas que se elevaram sob o reinado de Henrique IV obrigaram o jovem Hugo a abandonar a sua pátria. Reinardo, seu tio, aconselhou-o a buscar em Paris a ciência e a paz que ele não mais podia encontrar na Saxônia.

Hugo então parte assim como em outra época o fez Abraão, dizem os seus antigos biógrafos. O velho Hugo, irmão de seu avô, consentiu em acompanhá-lo em seu exílio. Juntos percorreram a Saxônia, a Flandre e a Lorena. Em todo lugar foram acolhidos com hospitalidade e honra, por causa da nobreza de seus nascimentos. Chegará, enfim, em São Vítor de Marselha e depois em São Vítor de Paris, onde Hugo pode, de alguma forma, reencontrar seus antigos mestres e êmulos de seu trabalho.

Em São Vítor de Paris não sabemos quase nada da vida de Hugo, a não ser que continua seus estudos sob o priorado de Thomas, sucessor de Guilherme de Champeaux, e que depois disso sucedeu ele próprio ao seu mestre como diretor da escola de São Vítor, cargo que exerceu com brilho até a sua morte.

Osberto, cônego de São Vítor, onde exerceu as funções de enfermeiro, nos deixou um tocante relato dos últimos instantes de Hugo em uma carta a um outro cônego chamado João.

Sua memória durante bastante tempo foi muito querida aos cônegos de São Vítor. Seu nome é frequentemente citado nos seus anais com veneração e amor. Mas sua luz se estendeu bem além dos claustros de sua abadia. Hugo foi certamente um dos homens mais ilustres de seu tempo por suas virtudes e por sua ciência. Jacques de Vitry, em sua História Ocidental, depois de um elogio pomposo da comunidade de São Vítor e dos grandes homens que ela produziu, acrescenta:

"O mais célebre e o mais renomado de todos foi Hugo.
Ele foi a harpa do Senhor, e o órgão do Espírito Santo:
um símbolo de virtudes e um símbolo de pregação.
Levou um grande número de cristãos à prática do bem
pelo seu exemplo e pela sua pia conversação;
dando-lhes a ciência pela sua doutrina
tão doce quanto o mel".

Tritheme o representa como um homem muito versado nas Sagradas Escrituras, sem igual entre os antigos em filosofia, como um outro Agostinho, como o mais célebre doutor de seu tempo, de um gênio penetrante, eloqüente em seu estilo, tão venerável pelos seus costumes quanto pelo seu conhecimento. Chega a atribuir-lhe alguns milagres. É certo que foi venerado por sua santidade e honrado por sua ciência. A posteridade, porém, que não pôde conhecê-lo senão por meio de suas obras, não pôde também desmentir o testemunho universal de seus contemporâneos.

12. Doutrina de Hugo de São Vítor.

Aristóteles não reina sozinho na Idade Média; Platão teve os seus discípulos; e depois de Boécio, que parece ter querido reconciliar as duas escolas rivais, a cadeia de filósofos platônicos não foi nunca mais inteiramente quebrada. Hugo de São Vítor foi um dos anéis desta cadeia; ele professa a doutrina de Platão, não porém aquela que este filósofo ensinou, mas aquela que Santo Agostinho corrigiu, purificou e completou pelo dogma cristão.

Cultivava-se, porém, pouco, à sua época, a filosofia por ela mesma. A ciência sagrada era quase que a única matéria sobre a qual se exercia a atividade intelectual. Felizmente, porém, a teologia não é inimiga da filosofia: são duas irmãs que se dão as mãos, e as dão ao homem para conduzí-lo ao mesmo fim.

A simples exposição da doutrina de Hugo de São Vítor será um testemunho novo em favor desta verdade que tantos homens esclarecidos se esforçam hoje em dia em estabelecer. Nosso ponto de partida para tanto será a própria noção de ciência:

"A ciência",

diz Hugo,

"é o resultado natural
do exercício das faculdades da alma.
Ela se divide em dois ramos principais,
a teologia propriamente dita
e a filosofia que abarca todas as artes" [1].

Estas duas partes da ciência se distinguem uma da outra pelo seu objeto:

"Deus",

diz ele,

"fez duas obras
que abraçam a universalidade dos seres:
a criação e a restauração.
A criação é a produção do mundo
e de todos os seus elementos.
A restauração é a encarnação do Verbo
e todos seus Sacramentos,
aqueles que o precederam depois do início do mundo,
e aqueles que o seguiram até a consumação dos tempos.
Todos os santos que houve antes de sua vinda
são como soldados que o precedem,
e aqueles que vieram e que ainda virão depois dele
são como soldados que o seguem.
A ciência da criação, isto é a filosofia;
a ciência da restauração, isto é a teologia" [2].

Se a filosofia e a teologia têm por objeto uma o conhecimento científico do mundo natural, e outra o conhecimento científico do mundo sobrenatural, elas são distintas, porque estes dois mundos são distintos; elas são unidas, porque estes dois mundos são a revelação do mesmo Verbo de Deus.

"A filosofia",

diz Hugo,

"é o amor, o estudo e a amizade com a sabedoria,
desta sabedoria que não tem necessidade de nada,
desta sabedoria que é um espírito vivo,
desta sabedoria que é a única
e a primeira razão de todas as coisas.
Este amor da sabedoria é
uma iluminação de um espírito inteligente
por parte daquela pura sabedoria que o atrai e o chama;
é, ao que parece, um estudo da sabedoria divina
e uma amizade entre esta mente pura e Deus" [3].

A filosofia é o "amor da sabedoria que de nada necessita". Por estas palavras Hugo quer dar a entender a sabedoria divina. Ela é chamada de um espírito vivo porque nada pode obscurecer o que está impresso na razão divina; ela não está sujeita a nenhum esquecimento.

A filosofia, portanto, diz Hugo, é o conhecimento e o amor da razão ou da sabedoria de Deus manifestada pela criação. Esta sabedoria não é distinta de Deus: é sua inteligência, é seu Verbo, é o seu Filho eternamente unigênito no seio de seu Pai.

Em seu Comentário ao Evangelho de São João, Hugo explica esta passagem: "Todas as coisas foram feitas pelo Verbo, e nada do que foi feito foi feito sem ele; a vida estava nele" (Jo. 1, 3-4). Depois de reportar as duas versões deste texto, Hugo adota a de Santo Agostinho e diz:

"Todas as coisas foram feitas por ele,
e nada foi feito sem ele;
e tudo o que foi feito era nele vida.
Assim como o artífice concebe em seu espírito um tipo
que permanece e que não muda ao mudar a obra
que exteriormente o manifesta,
assim Deus, criador de todas as coisas, compreende,
desde toda a eternidade, em sua sabedoria,
todas as coisas que viria a fazer,
e esta sabedoria é imutável.
É isto que faz dizer ao evangelista
que o que foi feito era nele vida,
isto é, que Deus de quem provém todas as coisas,
as previu desde toda a eternidade,
e o que ele dispôs em toda a eternidade,
sem mudança em si mesmo,
o realizou no tempo.

Assim, todas as coisas receberam
a vida e a existência da sabedoria de Deus.

É, portanto, justo dizer que em Deus
elas eram vida
porque de lá receberam a vida.

Ou também lá estava a vida,
porque tudo o que foi feito,
foi feito segundo a sabedoria de Deus
que é a vida de todas as coisas.
Ela foi o exemplar de Deus,
à semelhança de cujo exemplar
todo este mundo sensível foi feito" [4] .

Pode-se reconhecer neste comentário mais ao discípulo de Santo Agostinho que ao de Platão. Santo Agostinho desenvolveu a mesma doutrina ao comentar a mesma passagem, e ele o fez em circunstâncias que mostram de quanta importância isto era aos seus olhos. Não o fez, de fato, em algum sábio comentário, em algum tratado dogmático ou na presença de homens de elite exercitados nas meditações das ciências; foi, ao contrário, em um discurso popular, em uma instrução familiar e no meio de simples fiéis. Não se sabe o que mais admirar aí, a versatilidade do gênio do santo doutor, que se esforça por tornar sensível estas verdades tão sublimes, fazendo-as penetrar nas inteligências simples e às vezes até incultas, ou se a avidez de seus ouvintes, que não o largam enquanto não o entendem, e que, em seu entusiamo, o interrompem por meio de freqüentes aplausos.

Nós desejamos comparar esta passagem com aquela de Hugo; isto nos fará conhecer como o discípulo soube se apropriar das lições do mestre:

"Todas as coisas foram feitas pelo Verbo,
e sem ele nada do que existe foi feito.
Mas como tudo o que existe foi feito por ele?

O que foi feito era vida nele.
Entretanto, se tudo o que foi feito era vida nele, nós não afirmamos que tudo é vida.

Seria desonesto entender assim,
e não podemos fazê-lo,
com receio de que a sordíssima seita dos maniqueus
se nos apresente e nos diga que uma pedra tem vida,

que uma muralha é animada,
que uma pequena corda,
que a lã e os vestidos têm uma alma.
É isto, com efeito,
que eles ensinam em seu delírio.
A terra foi feita, e ela não é vida.
Mas há na própria sabedoria uma idéia espiritual
pela qual a terra foi feita,
e esta idéia é vida.

Vou explicar isto
do modo como me é possível.

Um artesão faz uma arca.
Ele possui esta arca primeiro em sua arte,
ele concebe em seu espírito a idéia de uma arca,
porque se ele não tivesse esta idéia,
como a poderia executar?
Mas esta idéia que está em seu espírito
não é a arca que é vista pelos olhos.
A arca, que em sua obra será visível,
existe invisivelmente em sua obra.
A arca material não é vida, embora seja real,
mas a arca que há na arte é vida,
porque a alma do artesão,
onde estão todas as coisas
antes que elas se manifestem,
é vida.

Assim também, irmãos caríssimos,
a sabedoria de Deus continha todas as coisas em sua arte
antes que tivessem sido feitas.
É por isto que tudo o que foi feito por esta mesma arte
em si mesmo não é vida;
mas tudo o que foi feito é vida no Verbo de Deus.
Externamente, são corpos;
na arte, são vida.

Compreendei, se podeis como",

conclui Santo Agostinho,

"que vos disse uma grande verdade" [5] .

Hugo está persuadido, assim como seu mestre, da importância desta doutrina. Ele a reproduz sob todas as formas em muitas de suas obras.

No De Sacramentis ele diz:

"Toda criatura possui uma causa e uma imagem
na razão de Deus e em sua providência eterna;
e é por esta causa e sobre o modelo desta imagem
que ela foi criada em sua substância" [6].

Na meditação desta magnífica doutrina seu coração se inflama e seu espírito se exalta; ele não sabe como exprimir os sentimentos de admiração e de amor que se apresentam diante de sua alma:

"O verbo de bondade
e a vida de sabedoria que fez o mundo",

diz Hugo,

"se manifesta na contemplação da criação.
O Verbo em si mesmo era invisível,
mas se fez visível, e foi visto pelas suas obras" [7].

"Pudesse eu compreender
a beleza das criaturas com tanta sutileza
e narrá-la com tanta dignidade
quanto é o ardor com que a amo!
É para mim doce e agradável,
e um inefável deleite
tratar com frequência desta matéria.
Nela simultaneamente a razão
apreende o sentido,
a alma dilata-se pela suavidade,
o coração inflama-se pela emulação e,
cheios de admiração,
exclamamos com o salmista:

`Como são belas as vossas obras, ó Senhor:
o homem insensato ignora estas coisas, ele não as compreende' " [8].


"O mundo é, de fato,
um livro escrito pelo próprio dedo de Deus.
Cada criatura é como um sinal,
não por convenção humana,
mas estabelecido pela vontade divina.
O homem ignorante vê um livro aberto,
percebe certos sinais,
mas não conhece nem as letras nem o pensamento
que elas manifestam.
Assim também o insensato,
o homem animal que não percebe as coisas de Deus,
vê a forma exterior das criaturas visíveis,
mas não compreende os pensamentos
que eles manifestam.
Assim como em uma única e mesma obra
um homem admira a cor e a forma das letras,
enquanto outro louva os pensamentos que elas expressam.
É bom, portanto,
contemplar assiduamente e admirar as obras de Deus,
mas para aquele que souber converter
a beleza das coisas corporais em uso espiritual" [9].

A criação é, portanto, a manifestação do pensamento e da sabedoria de Deus, assim como a palavra é a manifestação do pensamento e da sabedoria do homem. O mundo é um imenso livro; o homem, portanto, deve ser neste livro, deve escutar este discurso, não somente por dedução, como quando nos elevamos do efeito até a causa, mas por contemplação, como quando nos elevamos do sinal à coisa significada, da palavra ao pensamento.

Esta era a ordem primitiva. Mas a inteligência do homem, enfraquecida pelo pecado, se detém até hoje no elemento sensível e grosseiro, no sinal exterior e material. A criação ela mesma se tornou tenebrosa, é um véu que cessou de ser transparente para a inteligência. Ela vive mais de sensações do que de verdades; a parte animal domina e mantém em cativeiro a parte inteligente. Foi por isso que Deus quis fazer, pela Encarnação, uma nova manifestação de seu Verbo, que foi ao mesmo tempo uma reparação e uma continuação da criação.

No Comentário de Hugo à Hierarquia Divina pode-se ler o seguinte:

"Dois sinais foram propostos ao homem
nos quais pudesse ver as coisas invisíveis:
um da natureza, e outro da graça.
O sinal da natureza é o mundo sensível;
e o sinal da graça é a humanidade do Verbo" [10].

"Os anjos, cujos sentidos eram interiores,
contemplavam as coisas interiores e por estas as exteriores.
Os animais brutos, cujos sentidos eram exteriores,
alcançavam as coisas visíveis exteriores,
mas não mediante elas as invisíveis que eram interiores.
Assim, havia uma criatura cujos sentidos
eram totalmente interiores,
e outra criatura cujos sentidos
eram totalmente exteriores.
Entre ambas foi posto o homem,
possuindo sentidos interiores e exteriores,
interiores para as coisas invisíveis e exteriores para as visíveis,
para que contemplasse entrando e contemplasse saindo:
contemplasse interiormente a sabedoria,
exteriormente as obras da sabedoria e,
contemplando a ambas,
em ambas encontrasse alimento.
Os sentidos do homem foram feitos
para que o homem pudesse se dirigir a ambos
e em ambos encontrasse alimento.
Iria pelo conhecimento,
alimentar-se-ia pelo amor" [11].

Estes dois sentidos de que Hugo nos fala são evidentemente o sentido e a apreensão da verdade. O sentido corresponde ao mundo físico, e a idéia ao mundo espiritual, que não é outro senão o próprio Verbo de Deus de quem o mundo físico não é mais do que a manifestação. O sentido alcança o sinal; a idéia, a coisa significada. Assim, a sensação liga o corpo, de quem o mundo físico não é mais do que uma extensão, à alma; da mesma maneira, a idéia liga a alma a Deus.

Hugo desenvolve estes pensamentos nesta linguagem alegórica que lhe era tão familiar:

"Moisés",

diz ele,

"sobe a montanha,
e Deus desce sobre a montanha.
Se Moisés não tivesse subido,
e Deus não tivesse descido,
ambos não se teriam encontrado.
Grandes sinais há em todas estas coisas.
O espírito sobe, e Deus desce;
ele sobe pela contemplação,
e Deus desce pela revelação.
Esta também foi a escada de Jacó;
apoiava-se sobre a terra
e sua extremidade tocava o céu.
A terra é o corpo; o céu é Deus.
Os espíritos se elevam pela contemplação
das coisas inferiores às coisas superiores,
do corpo ao espírito,
por meio da contemplação e da revelação.
Deus, porém, se apóia sobre a extremidade da escada
para que as coisas superiores se inclinem
em direção às inferiores" [12].

Tal é, segundo Hugo, o plano de Deus na primeira manifestação de sua sabedoria através do mundo natural, o primeiro livro no qual ele escreveu seu nome, para que toda inteligência pudesse lê-lo e, em o lendo, o conhecesse, e em o conhecendo, o glorificasse.

Mas Hugo acrescenta:

"A sabedoria quis, depois disso,
que fosse ainda escrita de uma outra maneira,
de uma forma ainda externa,
para que aparecesse mais manifestamente
e fosse conhecida mais perfeitamente,
e para que o olho do homem fosse iluminado
para esta segunda escrita,
já que havia se obscurecido para a primeira.
Fez, então,
uma segunda obra após a primeira,
a qual era mais evidente do que a anterior,
porque não somente demonstrava,
mas também iluminava" [13].

A criação e a encarnação são assim as duas grandes obras de Deus. Elas são, tanto uma quanto a outra, a manifestação de sua inteligência e de seu Verbo. Mas na primeira nós o conhecemos pelas suas obras; na segunda, o Verbo vem pessoalmente até nós. A primeira é um livro escrito pela sua mão, a segunda é antes uma palavra saída de sua boca.

O que é a arte? O que é o artista? Que são as suas obras, senão palavras reveladoras de uma idéia? O artista toma a matéria bruta, um mármore, uma pedra; ele a trabalha, lhe dá forma, lhe confere um semblante. Mas há um tipo interior em que ele fixa o olhar de sua inteligência e que guia sua mão e sua arte. A matéria a exprime, a revela, e, se soubermos ler esta escrita, se houver em nós algo de artista, ao contemplar sua obra, contemplamos sua idéia, participamos de sua alegria.

Mas este tipo em si mesmo é algo de real? Será uma pura imaginação, uma simples modificação de minha alma? Não, o sentimento do belo é de uma ordem mais elevada que as alegrias materiais. Se este tipo possui uma realidade objetiva, será a inteligência que a criou? Mas como o homem, que não pode produzir a matéria informe, criaria esta idéia que é mais excelente do que a matéria, pois é ela que lhe dá sua unidade e sua beleza? Resta somente reconhecer que o artista nada mais faz do que apenas contemplá-la. Ela não era porque ele a quis; ela era antes que ele a descobrisse; ela era eternamente a inteligência divina. Deus as possui como um bem próprio e natural; o homem as possui como um bem alheio que lhe é comunicado.

Nós não podemos senão indicar estes pensamentos que emergem naturalmente da doutrina de Hugo e que a completam. Será suficiente para nós mostrar como ele concebeu o plano geral de Deus em todas as suas obras, e diante deste plano a distinção e a união do mundo natural com o mundo sobrenatural. Eles se distinguem e se unem no seu objeto, que é a verdade; eles se distinguem, porque Deus realizou uma dupla manifestação dessa verdade na Criação e na Encarnação; eles se unem, porque não há senão uma só verdade eterna, uma só luz que ilumina todo homem que vem a este mundo, uma só sabedoria e um só Verbo de Deus. É a unidade, a identidade e a inalterável pureza da verdade que une todas as inteligências entre si, que as une a Deus, e que estabelece, no mundo intelectual, uma santa e viva harmonia.

É evidente que Hugo reconhece o valor da razão natural, e que a revelação divina, longe de a destruir, a aperfeiçoa. No capítulo 5 do De Sacramentis ele afirma:

"Importa considerar como a mente humana,
que está tão longe de Deus,
pode compreender tanto de Deus,
ou diretamente pela sua própria razão,
ou auxiliada pela revelação divina".

Estas duas revelações distintas fornecem os princípios distintos de duas ciências que se harmonizam entre si como elas, mas que não se confundem jamais. A inteligência humana, recebendo a verdade, adere a ela, e a ela aderindo, entra em possessão da vida natural ou sobrenatural, de acordo com que esta verdade, que lhe é comunicada, pertença a uma ou outra destas ordens. Mas sua atividade não se confina a este primeiro ato; o homem estuda esta verdade que possui, a contempla, a analisa, a aprofunda, a torna mais sua, se ilumina, se inflama e se vivifica pelos seus raios; ele se transforma, de alguma maneira, nela própria: como um puro cristal que se ilumina pelos raios de sol, espalhando ao seu redor luz e calor, e, sem perder a sua natureza, se torna como um outro sol. Este trabalho é o trabalho da ciência. Assim, a ciência é o resultado do exercício de nossas faculdades; é essencialmente a obra do homem, como a inteligência e a fé são essencialmente a obra de Deus.

13. Método pedagógico de Hugo.

O método de Hugo está ligado naturalmente aos princípios gerais de sua doutrina. De fato, se todos os seres são palavras reveladoras, se todas as obras exteriores de Deus formam um grande livro que exprime sua sabedoria e sua verdade, nós devemos chegar ao seu conhecimento assim como se chega pela palavra ao conhecimento do pensamento, e pelo sinal ao conhecimento da idéia, isto é, pela meditação e pela contemplação. É com base nisto que Hugo se põe a traçar as suas regras. Nós as encontramos em mil lugares de seus escritos. Ele próprio as recolheu e as resumiu em um pequeno tratado intitulado "Sobre o Modo de Aprender e de Meditar", o qual nos foi conservado por Dom Martinho.

O texto deste pequeno, mas precioso trabalho, encontrado na PL 176 de Migne, traz o título "De modo dicendi et meditandi". Considerando, porém, o desenvolvimento de todo o opúsculo, e, ademais, seus parágrafos iniciais, julgamos que o original latino estaria mais correto grafado "De modo Discendi et Meditandi", que talvez seja o seu verdadeiro título (Nota do Tradutor).

Três coisas são necessárias ao verdadeiro estudante para realizar progressos na ciência: certas disposições na vontade, certas qualidades na inteligência, e uma sábia cultura.

A primeira disposição é uma grande estima pela verdade, que nos leve a não negligenciar nenhum conhecimento; a segunda é não se envergonhar de aprender, mesmo com aqueles que nos são inferiores; a terceira é a de praticar a humildade quando já possuirmos a ciência.

O engenho se desenvolve pela leitura e pela meditação, que são os dois grandes meios pelos quais a verdade se comunica à inteligência.

A meditação começa pela leitura, mas ela não é submetida às suas regras.

A leitura é o começo da ciência, e a meditação o seu coroamento. Aquele que ama a meditação e que se torna familiar com ela por um exercício freqüente prepara para si mesmo uma vida agradável e encontrará, na tribulação, uma grande consolação. É ela sobretudo que separa nossa alma do ruído tumultuoso das coisas terrenas, e que nos faz gozar, ainda nesta vida, como que as primícias da bem aventurança eterna. Na meditação a alma aprende a conhecer, pelas criaturas, aquele que as fez.

Hugo distingue três graus na meditação: o pensamento, a meditação propriamente dita e a contemplação.

Ele estabelece esta distinção entre a meditação e a contemplação: a meditação tem como objeto uma verdade ainda obscura, e a contemplação uma verdade evidente. Na meditação o espírito procura descortinar um véu; na contemplação ele goza da verdade que possui. A contemplação começa pelas criaturas, e se eleva ao Criador, repousando n'Ele.

É, portanto, pela meditação e pela contemplação que se alcança a ciência. Não é somente a curiosidade que nos deve mover em busca da verdade, deve ser também o desejo da perfeição, porque, para Hugo, a finalidade da ciência é o pleno desenvolvimento das faculdades do homem. A ciência coloca o homem em possessão da verdade que é o princípio da vida, e dá ao amor o seu objeto próprio. A inteligência marcha em conquista da verdade; o amor repousa em sua posse; é o triunfo após o combate, a paz depois da guerra. A inteligência principia a obra, o amor a coroa. A ciência não deverá jamais separar estas duas grandes faculdades; ela deverá desenvolver e aperfeiçoar tanto uma quanto a outra, de outra maneira não cultivaria senão uma parte do homem e seria incompleta.

Esta doutrina era comum na Idade Média e, embora Hugo a tivesse desenvolvido de um modo que lhe é característico, é também a doutrina de São Boaventura e de São Tomás de Aquino. Eles não pregam a negação da razão e a destruição da ciência; não pregam uma absorção da alma em Deus que faça desaparecer a personalidade humana; não negam a Criação, ao contrário, a idéia da criação é o seu ponto de partida.

A doutrina pedagógica de Hugo faz parte de uma filosofia generosa e elevada: ela repousa sobre princípios sérios que merecem ao menos que se os estudem antes de condená-los. Nós os poderíamos resumir em alguns pontos básicos:

1. Todas as obras exteriores de Deus são manifestações de seu pensamento e de seu Verbo, assim como a palavra é a manifestação do pensamento humano.

2. Esta manifestação é feita pela Criação: é o mundo natural; pela Encarnação: é o mundo sobrenatural.

3. Para se chegar à verdadeira ciência de Deus pelas suas obras, é necessário ter o coração puro, porque a verdadeira ciência une a alma a Deus, e o pecado é um obstáculo a esta união. A meditação é o caminho que a ela nos conduz.

4. Sendo o objetivo da ciência a perfeição do homem, isto é, o pleno desenvolvimento de sua atividade e de sua vida, deverá exercitar a inteligência e o amor, e fornecer a estas duas faculdades o alimento que lhes é necessário.

5. A ciência será sempre imperfeita sobre a terra: não será senão no outro termo de nossa peregrinação que nós encontraremos, em nosso fim, aquela plena possessão da verdade pela inteligência e pelo amor.

14. Os estudos no XIIº Século.

Hugo não ocupou somente uma cátedra em São Vítor; era também o diretor da escola, tendo que fixar os objetivos do ensino e traçar o caminho que deveriam seguir os professores e alunos. Nós conhecemos o plano que ele havia adotado; e se o compararmos àquele que servia de regra às escolas de seu tempo, constataremos que Hugo não se separa das antigas tradições; ele até as respeita e as defende contra os ataques dos inovadores temerários.

O curso dos estudos não era constituído no décimo segundo século como o é atualmente. A literatura não tinha a importância que ela adquiriu nos tempos modernos. Não era, porém, o medo dos autores profanos que afastava os discípulos deste estudo, ou o temor de tornar-se pagão lendo Cícero, Virgílio e Horácio. A cultura literária nesta época não era senão uma preparação às demais ciências e se estendia pouco além do domínio das gramáticas. Nós sabemos por testemunhos positivos que as obras dos autores pagãos estavam entre as mãos dos estudantes, e, é verdade, estudavam-se os grandes modelos; mas este estudo era geralmente pouco sério. Toda a atividade intelectual era encaminhada para as artes liberais onde a literatura não ocupava senão um lugar muito acanhado.

Os ensinamentos que serviam de estudos preparatórios à Teologia se limitavam, de fato, ao Trivium e ao Quadrivium.

O trivium, o primeiro dos dois ciclos, constituía-se de gramática, retórica e lógica. O quadrivium, o segundo, constituía-se de matemática, geometria, astronomia e música. Apesar da diferença sugerida pelos nomes das quatro matérias, todas podem, pelo menos genericamente, serem reduzidas à matemática. A relação entre a geometria e matemática é evidente. A astronomia da época era o estudo matemático das posições e movimentos dos corpos celestes e da previsão dos fenômenos celestes ou relacionados com eles, como os eclipses e as estações do ano. A música, pelo menos a ensinada no Quadrivium, não era a arte musical, mas uma teoria da harmonia entre os diversos sons produzidos pelos instrumentos. O quadrivium remonta à obra filosófica de Platão, que, no livro intitulado "A República", aponta o papel relevante da matemática na formação do pensamento abstrato do aluno como pré-requisito para o estudo da Filosofia, afirmando que nenhum aluno deveria iniciar os estudos de Filosofia antes dos 30 anos de idade e sem terem sido longamente treinados desde a primeira infância em uma vida moralmente virtuosa e desde a adolescência no estudo destas quatro matérias. Na época de Platão somente existia a Geometria Plana; em seu livro "A República", Platão foi um dos primeiros homens da História que levantou a necessidade de se desenvolver o estudo da Geometria no Espaço, fundado em motivos puramente pedagógicos. Semelhantemente ao que Hugo iria posteriormente afirmar no quinto livro do Didascalicon, o ensino destas disciplinas não poderia ser imposto pela força. Na República diz Platão que "o homem livre não deve ser escravizado na aquisição de qualquer espécie de conhecimento, pois o conhecimento que entra na alma pela força não cria raízes nela". "Os que nestas disciplinas tiverem demonstrado sempre maior agilidade passarão, quando tiverem alcançado a idade dos trinta anos, a se dedicarem à Filosofia em que, sendo já capazes de renunciar ao uso da vista e dos outros sentidos, procurarão atingir o ser absoluto. Antes dessa idade, porém, não, porque tomarão a filosofia como um jogo e, em vez de se proporem a investigar a verdade, a transformarão em um jogo de contradições e fim de se divertirem" (Nota do Trad.).

Todos os documentos desta época constatam a existência geral e o caráter preparatório destes dois ciclos de estudos. Nós encontramos em todos os lugares os mesmos objetos de ensino e mais ou menos a mesma divisão das ciências. Hugo nada inovou sobre este ponto, esforçando-se, porém, por ligar estes diversos estudos e um pensamento filosófico que é a própria finalidade a que devemos nos propor ao cultivá-los. Esta finalidade é o aperfeiçoamento do homem.

Assim, a ciência não terá como finalidade direta o aumento da fortuna pública e o aumento dos prazeres materiais. O corpo do homem vale mais do que o mundo material, e sua alma vale mais do que o seu corpo. Ora, em toda a obra, o fim é superior aos meios, porque os meios são para o fim e não o fim para os meios. É, pois, reverter esta ordem colocar a alma a serviço do corpo e o corpo a serviço da matéria. É algo que deveria ser repetido constantemente a um século materialista: a primeira finalidade da ciência é a perfeição do homem, e não é senão sob esta condição que seus progressos e os progressos das demais artes são também o progresso da humanidade.

Não somente Hugo tinha uma estima profunda da ciência por causa de sua finalidade, que ele determina com tanta precisão mas também por causa de seu objeto que ele considera sempre em Deus.

"O homem",

diz Hugo de São Vítor no sétimo do Didascalicon,

"costuma amar a ciência por causa de suas obras.
Ele ama a agricultura, por exemplo,
por causa dos frutos que ela produz.
Mas se nós aplicarmos este princípio em Deus,
teremos que dizer que sua obra é mais excelente
que sua sabedoria,
e preferir a criatura ao Criador;
o que seria um erro.
De onde que é necessário reconhecer
que a ciência é preferível às suas obras,
e que deve ser amada por si mesma.
Se, porém,
às vezes a obra é preferida à sabedoria,
este julgamento não procede da verdade,
mas do erro;
porque a sabedoria é vida,
e o amor da sabedoria é a felicidade da vida.
É por isto que quando se diz,
nas Sagradas Escrituras,
que o Pai da sabedoria se compraz nela,
longe de nós pensarmos
que ele ama sua sabedoria por causa
das obras que ele produz por seu intermédio.
Devemos, ao contrário,
dizer que ele ama as suas obras
por causa de sua sabedoria.
De fato, tanto mais dignas de seu amor
são as obras de Deus,
quanto mais se aproximam de sua semelhança:
não é, portanto,
a sabedoria por causa das obras,
mas as suas obras que Deus ama por causa da sabedoria".

Mas em que ordem deve o estudante se dedicar aos diversos ramos da ciência? Hugo aqui permanece fiel ao velho método. Ele quer que se percorra sucessivamente as diversas partes do trivium e do quadrivium, cuja classificação ele remonta a Pitágoras. Ele inclusive se queixa, no Didascalicon, que os estudantes de seu tempo se afastam desta via batida e estudam sem ordem e sem fruto.

15. Obras de Hugo de São Vítor.

Expusemos os princípios fundamentais da doutrina de Hugo de São Vítor; agora só nos resta completar este estudo por alguns detalhes que nos serão oferecidos por um percurso rápido de alguns de seus outros escritos.

Hugo exercitou desde a sua primeira juventude a arte da composição escrita. Segundo testemunha o autor da vida de Reinardo, seu tio, Hugo já escrevia no mosteiro de Halberstadt. Mas estes primeiros ensaios não eram mais do que esboços que não chegaram até nós. Foi em São Vítor que ele compôs as obras que hoje possuímos, numerosas e variadas, atestando um espírito elevado, um coração amante, um trato costumeiro com a meditação, uma erudição extensa, uma piedade plena de doçura e de sensibilidade, e uma cultura literária imperfeita, sem dúvida, mas notável para a sua época.

Podemos considerar as obras de Hugo como resumo de suas lições. Ele era, de fato, sobretudo professor como o foram os homens notáveis de sua época. Ora ensinava gramática, ora filosofia, mais frequentemente teologia; ora fazia aos cônegos de São Vítor a conferência da noite, ora nos sínodos diocesanos ele era encarregado pelo seu bispo de endereçar a palavra ao clero de Paris. Daí vieram as suas obras de filosofia, de gramática, de teologia, seus tratados ascéticos, suas piedosas explicações das Sagradas Escrituras:

"Eu resumi",

diz ele no prefácio de seus Comentários sobre o Eclesiastes,

"o que eu vos ensinei diariamente de viva voz
sobre este livro de Salomão".

Uma parte de suas obras é composta pelos comentários. O gênero dos comentários era freqüente no século XII. Antes de escrever, ordinariamente ensinava-se, e o ensino era quase sempre a explicação ou o desenvolvimento de um texto. Este método produziu ditosos resultados, e freqüentemente contribuía ao progresso da ciência. O comentador cultivava muitas vezes uma terra arada e a fecundava pelo seu trabalho; ao mesmo tempo desenvolvia as forças de seu espírito, aumentava seus conhecimentos e preparava-se assim para outras produções mais úteis e mais sérias. Entre o grande número de textos que podiam ser comentados, mereciam lugar de especial destaque os das Sagradas Escrituras. É particularmente nela que os professores mais ilustres amavam exercer a sutilidade de seus espíritos.

Como comentador, os trabalhos de Hugo continham em gérmen todos os seus demais escritos. Às vezes foram apenas pequenas notas ou notas explicativas, sem ligação e sem encadeamento, sobre versículos isolados. Às vezes era o esclarecimento de uma passagem obscura, a solução de uma objeção, mais frequentemente uma piedosa reflexão; outras vezes eram verdadeiras homílias; em outras ocasiões ele procedia, segundo o método escolástico, por questões e respostas, por divisões e subdivisões.

Além dos comentários, Hugo nos deixou outro grande número de obras teológicas que atestam o estudo profundo que ele realizou dos dogmas do cristianismo. Os teólogos se dividiam então em duas classes. Os primeiros se limitavam em estabelecer a doutrina católica pelas Sagradas Escrituras e pela Tradição, constatavam a fé da Igreja e tratavam como temerário qualquer um que procurasse levar suas vistas mais adiante. Este método foi denominado de método positivo. Já outros, possuídos pela necessidade que experimenta toda inteligência elevada de investigar a verdade, de iluminar-se com suas luzes, e se dar conta de sua fé, partiam do ponto onde estacionavam os demais. Os dogmas não eram para eles senão os princípios sobre os quais uma nova ciência, obra do exercício da atividade intelectual, seria erguida. Somente estes merecem o nome de teólogos. Seu método foi geralmente denominado escolástico. Infelizmente, encontraram-se entre estes alguns espíritos mais ardentes do que sólidos, mais curiosos que profundos, devorados por uma atividade inquieta, não procurando na teologia mais do que satisfazê-la e excitar os aplausos pela sutileza e pela novidade de seus raciocínios. No lugar de estudar pacientemente o dogma cristão, de deduzir suas conseqüências, de penetrar nas suas misteriosas profundidades e descobrir-lhes a harmonia, seu trabalho mais parecia consistir em desnaturá-los. Tais diletantes imprudentes fariam perder a teologia, provocando o clamor não só contra eles, como também contra a verdadeira escolástica. Tanto naquela época como hoje, homens mais zelosos que esclarecidos condenariam a ciência em vez de reprimir o abuso. Mas a escolástica triunfa finalmente pelo gênio de Santo Alberto Magno, São Tomás e São Boaventura. A ciência teológica foi finalmente constituída.

Hugo foi o predecessor destes grandes homens. Com a obra De Sacramentis Fidei Christianae Hugo exerceu a maior influência sobre todas as Summas de Teologia que a Idade Média veria surgir, entre as quais as de Pedro Lombardo e de São Tomás de Aquino ocupam o primeiro lugar, no dizer de M. Laforet. É Hugo que inspirou a Pedro Lombardo, o qual se tornou por sua vez o mestre de todos os teólogos. Em suas especulações, sempre sólidas e frequentemente bastante profundas, ele se apoiou ordinariamente sobre os trabalhos de Santo Agostinho. É este incomparável doutor que é seu guia, é na sua escola que Hugo se formou. Hugo alimentou-se a tal ponto das idéias do bispo de Hipona que, ao lermos seus principais escritos dogmáticos, nos surpreenderemos de reencontrar, quase em cada página, certos pensamentos visivelmente emprestados deste Padre, embora o próprio Hugo nem sempre o percebesse.

Hugo de São Vítor continua um teólogo moderno de primeira ordem, tão respeitável por sua virtude quanto por sua ciência, diz M. Laforet. Seria para se desejar que seu tratado De Sacramentis, uma mina muito rica para a ciência teológica, fosse menos esquecida pelos homens que fazem um estudo especial de dogmática. O seu discurso é claro, e não se encontram nele essa quantidade de divisões, subdivisões, objeções e respostas que, sem dúvida, têm sua utilidade quando usadas moderadamente, mas que muito freqüentemente nos escritos dos escolásticos embaraçam o leitor em vez de ajudá-los.

A natureza destes trabalhos nos faz melhor compreender as características de seu tipo e do da escola que dirigiu. Quem se reporta, de fato, ao décimo segundo século, encontra um ambiente onde o espírito humano parece acordar de uma longa letargia, onde o desejo da ciência e a paixão do estudo se inflamam em todos os corações, onde o ensino conduz à glória quase em pé de igualdade com as armas, onde numerosas escolas se elevam e se combatem. Neste primeiro despertar é difícil alcançar a verdadeira ciência, e os espíritos estão impacientes, de modo que a controvérsia se torna o caminho mais fácil e mais curto para se chegar à celebridade. Que glória quando se reduz ao silêncio um adversário ilustre! Os escolásticos se batem as mãos e se juntam mais numerosos e mais ardentes em torno da cátedra do vencedor. As escolas eram como torneios onde se tinha menos em conta a força pessoal dos combatentes que os seus comportamentos e sucessos na luta. O próprio Hugo nos revela que chegou a hesitar em sacrificar a teologia pela dialética e o trabalho de escritor ao das controvérsias públicas. Felizmente o amor da verdadeira ciência triunfou.

Hugo não se intrometeu nas disputas de seus contemporâneos; suas características, seus gestos, seus métodos mesmo e os princípios da filosofia o afastam. Por um trabalho mais sério e mais paciente acabou exercendo sobre seu século uma influência mais útil. Neste ponto, foi o oposto de Pedro Abelardo. Este provocava os aplausos e corria atrás da celebridade; aquele procurava a verdade. Um deles, mais sutil e mais profundo, mais erudito que sábio, agitava as escolas, mas a abundância de seu espírito e o encanto de sua palavra não compensavam senão imperfeitamente a imperfeição de sua ciência. O outro, no meio da solidão, determina com o olhar seguro os limites e o objeto da ciência: ora se eleva até Deus, como que assiste de alguma forma aos seus conselhos, e expõe com nitidez o plano geral que Ele realiza em todas as suas obras; ora penetra no interior do coração do homem e lhe revela seus mistérios e suas grandezas. Ele é mais filósofo e teólogo que controversista.

Entretanto, mesmo assim ele entrou algumas vezes nas disputas. Mas quando Hugo combate é menos atleta que soldado; não procura fazer demonstrações de sua habilidade ou de sua força, mas sim defender a verdade. Não há um erro do décimo segundo século que não tenha sido pelo menos assinalado em seus escritos.

16. Conclusão.

Hugo encontrou entre os estudantes de São Vítor um discípulo digno dele. Chamava-se Ricardo, e ficou posteriormente conhecido como Ricardo de São Vitor. Foi também como Hugo um estrangeiro na França: a Escócia foi a sua pátria; como ele foi discípulo de Santo Agostinho; como ele serviu-se da ciência para chegar ao amor que é a perfeição da vida; como ele aceitou os princípios da fé como fundamentos da ciência teológica, sem condenar a razão à imobilidade e interditá-la de toda especulação. Foi, juntamente com Hugo, luz para a escola de São Vítor e luz para os seus contemporâneos. Seus nomes são inseparáveis assim como seus escritos. É a eles que devemos remontar para encontrar o primeiro elo desta cadeia de teólogos ilustres que estabeleceram a ciência teológica sobre bases tão largas e tão sólidas, e que elevaram este magnífico edifício envolto, é verdade, algumas vezes, em turbilhões de poeira, ou mesmo coberto de lama, mas hoje inquebrantável no meio das maiores tempestades. É lá que damos a esta escola uma importância verdadeiramente histórica. O século XII prepara o século XIII, não pelo brilho de suas controvérsias, mas por um trabalho paciente, iniciado e continuado no seio da solidão mais profunda, e que alcançará seu mais alto ponto de perfeição nas obras de Alberto Magno, São Tomás de Aquino e São Boaventura .

O próprio São Boaventura, mais tarde, assim se expressaria sobre Hugo de São Vítor:

"Todos os livros das Sagradas Escrituras,
além do sentido literal
que as palavras externamente expressam,
ensinam três sentidos espirituais,
a saber, o alegórico,
que nos ensina o que temos de crer sobre
a divindade e a humanidade de Cristo;
o moral,
que ensina o bem viver; e o anagógico,

que nos mostra o caminho de nossa união com Deus; de onde se deduz 
que todas as Sagradas Escrituras
ensinam estas três coisas:

a geração eterna e a encarnação temporal de Cristo, a norma do viver
e a união da alma com Deus,
ou a fé, os costumes e o fim de ambos.

Sobre a primeira destas coisas
devemos exercitar-nos com afinco
no estudo dos Doutores;
sobre a segunda, no estudo dos Pregadores;
sobre a terceira, no estudo das almas contemplativas.

Santo Agostinho ensina de preferência a primeira;
São Gregório, a segunda;
São Dionísio Areopagita, a terceira.

Santo Anselmo segue a Santo Agostinho;
São Bernardo segue a São Gregório;
Ricardo de São Vítor segue a São Dionísio Areopagita;
porque Santo Anselmo se distingue no raciocínio,
São Bernardo na pregação
e Ricardo de São Vítor na contemplação.

Mas Hugo de São Vítor se sobressai nas três".

São Boaventura
"Redução das Ciências à Teologia"


Referências:

[1] Didascalicon, livro 1, cap. 1.

[2] De Sacramentis Fidei Christianae, prólogo.

[3] Didascalicon, livro 1, cap. 3.

[4] Adnot. eluc. in Ev. Joann., cap. 2.

[5] Tract. In Joann. Ev. 1.

[6] De Sacramentis Fidei Christianae, lib. 1, pars 5, cap. 3.

[7] Didascalicon, livro 7, cap. 1.

[8] Didascalicon, livro 7, cap. 4.

[9] Didascalicon, livro 7, cap. 4.

[10] In Explanatione Coelestis Hierarchiae M. Dionysii, cap.1.

[11] De Sacramentis, L. 1, pars 6, cap. 5.

[12] De unione corporis et spiritus.

[13] Speculum de mysteriis Ecclesiae, prólogo.

***

Este texto foi retirado do link.

A parte 3 é Opúsculo sobre o Método de Aprender e Meditar e encontra-se nesse link.


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