Criação do Cosmos - Cristo criando o cosmos Gênesis 1 No princípio |
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Texto original retirado da Nueva Revista nº 72, 2000, págs. 106-111 e disponível no LINK e publicado originalmente AQUI.
Título original: Las matemáticas llevan a Dios - Euclides, Hilbert... y el futuro de las Matemáticas, por Isidoro Rasines [*]
Tradução e grifos nossos.
Resumo
A experiência milenar dos matemáticos ensina que as relações abstratas que podemos descobrir não são criação da mente humana; e que a informação de que dispõe a Matemática em um momento determinado existiu antes e seguirá existindo sempre. Isidoro Rasines, com uma longa e fecunda tarefa como investigador da CSIC, sugere, entre outras coisas, que a Matemática atual remete à Mente divina. Este artigo foi publicado por NUEVA REVISTA.
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A União Matemática Internacional (UMI) concordava, há uns dez anos, celebrar a chegada do século XXI ao estilo de David Hilbert no Congresso Internacional de Paris, em 1900, quando propôs una coleção de 23 problemas para resolver ao longo do século XX. Em 6 de maio de 1992, em sua declaração de Rio de Janeiro, a UMI proclamava no ano 2000 como Ano Matemático Mundial, e se propunha:
1) determinar os grandes problemas que tem surgido na Matemática ao começar o século XXI;
2) conseguir para a maioria dos países membros da UNESCO um nível nesta ciência que lhes permita ingressar na UMI;
3) melhorar mais ainda a imagem da Matemática.
Comentarei as conquistas da comunidade científica em cada um destes isolados.
Apontando o primeiro destes objetivos, a UMI nomeou um comité com a função de definir os desafios do próximo século; e desde que começou o ano 2000, foi se sucedendo as reuniões científicas relacionadas com a questão, especialmente a celebrada durante o mês de agosto nos EUA sobre desafios matemáticos do século XXI. O segundo dos objetivos, que tem ajudado muitas sociedades matemáticas nacionais com atividades e projetos diversos, responde à convicção de que na Matemática reside uma das chaves principais do desenvolvimento.
Em vez de abordar temas próprios de especialistas como o balanço das conquistas do século XX ou um esboço dos desafios do futuro, importa focar aqui uma das questões de interesse mais geral que os matemáticos resolveram ao longo do século XX: quais são os limites próprios da ciência que cultivam, que questões fundamentais mostram estes limites, e como afetam os mesmos limites às expectativas de futuro.
Em 1900, pensava-se que qualquer problema matemático tinha solução, e que esta sempre poderia ser encontrada; que os sistemas formais como a Geometria ou a Teoria de Números se apoiam solidamente em um base firme de axiomas inabaláveis e de definições precisas, que conectam por sua vez com os teoremas, mediante uma corrente muito sólida de argumentos lógicos. E se concluía que, em Matemática, toda verdade poderia ser provada, que seria possível demonstrar a verdade ou a falsidade de qualquer enunciado matemático.
Um pouco depois, em 1928, Hilbert e Ackerman mostravam o Entscheidungsproblem, o problema da decisão, ao se perguntar se encontraremos no futuro um método que permita decidir sobre qualquer problema matemático, quer dizer, resolvê-lo combinando axiomas e teoremas. Inicialmente, Hilbert compartilhava o otimismo habitual e respondia de modo positivo à questão, mas em 1931, Gödel provava que nunca teremos um programa capaz de resolver qualquer problema; que em um sistema formal como a Aritmética ou a Geometria, uma declaração pode ser formulada que não se pode provar, nem não provar, demonstrar ou nem recusar, sobre os quais, portanto, não cabe decidir; e que isto é algo inerente ao próprio sistema. Além disso, entre as questões sobre as quais não é possível decidir, está a consistência mesma dos axiomas, porque não é possível demostrar que os próprios axiomas não levam a uma catástrofe lógica... e até poderia acontecer que impliquem tanto a verdade como a falsidade do mesmo enunciado. O castelo de pedras de 1900 se converte, da noite para a manhã, em castelo de cartas.
Ao ler o trabalho de Godel, Hilbert ficou em grande desgosto. Como era excelente matemático, reconheceu prontamente que não havia nada que objetar à demostração do teorema da indecisibilidade, e acabou criticando vivamente a ideia de Kant sobre a Matemática como um conhecimento a priori. Na verdade, de acordo os pressupostos epistemológicos kantianos, o mundo que conheço resulta de meus modos de pensar; meu conhecimento não provem a partir da realidade, senão que é precisamente a realidade a que provem de meu conhecimento; e só posso conhecer, portanto, o que minha mente concebe a priori.
Os pressupostos kantianos prevaleceriam se existisse um método universal de decisão. Com efeito, como as questões aritméticas devem estar contidas ou fundamentadas em alguma inteligência, no caso de que o homem fosse capaz de decidir, apenas calculando, se as séries de números naturais, antes mencionadas, são ou não são infinitas, se poderia dizer que toda a verdade aritmética está contida na mente humana. Mas a demostração do teorema de Gödel implica que o saber matemático é e sempre será intrinsecamente incompleto. Isto afeta a origem mesmo das verdades matemáticas: o acesso do homem a essas verdades é fundamentalmente incompleta; ou, dito de outro modo, as verdades matemáticas não tem sua origem na mente humana, não podem se considerar nem ainda, em princípio, contidas em nossas formas de pensar.
A Matemática chegou a demonstrar no século XX que, da mesma forma que o sistema solar não é obra do homem, a sabedoria matemática deve estar contida em um princípio inteligente diferente do homem. O conjunto dos números naturais e suas propriedades são parte de um universo real que tem existência própria. A experiência milenar dos matemáticos ensina que as relações abstratas que podemos descobrir não são criação da mente humana; e que a informação de que dispõe a Matemática em um momento determinado existiu antes e seguirá existindo sempre.
Surgem então questões como quem ou que princípio ativo apoia em último termo essa informação; em que mente está fundamentada toda a Matemática; senão, será que esta ciência resida na mente do que as pessoas entendem por Deus. Porque as pessoas, na verdade, chegam à ideia de Deus diante de um fenômeno, algo que acontece, mas que não conseguem entender nem explicar bem nem controlar. Como disse Feynman, Deus está sempre associado às coisas que não se entende. Agora sabemos, graças ao conhecimento científico, que sempre haverá algo — toda a Matemática — que não conheceremos nunca. Em outras palavras, concluímos cientificamente que sempre haverá coisas que não compreenderemos. É, portanto, razoável contar com Deus.
O Deus ao que chegamos assim é a inteligência onisciente, que possui imediatamente todo o conhecimento matemático possível; o ser que não necessita investigar para encontrar a relação entre um problema e sua solução; o ser infinitamente criativo cuja mente não há diferença entre pergunta e resposta. Dado o caráter incompleto de nosso saber, ou a verdade matemática é possuída totalmente de forma imediata, ou não se possuirá jamais. E se nunca a possuirmos completamente, sempre necessitaremos da mente de Deus.
A indecisibilidade sugere que o processo de pensar e o dialogo interno próprio da tentativa de resolver um problema matemático, é uma espécie de diálogo com a inteligência onisciente, uma tentativa de acessar o conhecimento que já existe nessa mente. Perguntar, por exemplo, se a série dos números perfeitos é infinita, equivale a tentar conectar-se com essa mente superior. E encontrar a resposta equivale a ter apreendido uma parte da verdade infinita contida na mente divina.
A limitação da Matemática descoberta no século que acaba é, ao mesmo tempo, promessa firme de fecundidade futura. Ainda que o avanço desta ciência ao longo do século XX tenha sido — também no âmbito aplicado — impressionante, ainda há muitas verdades matemáticas por conhecer. Para alcançá-las são necessários matemáticos com o talento, a diligência e o entusiasmo de Hilbert, as mesmas qualidades que refletem suas últimas palavras, quando agradecia em 1930 a nomeação como filho ilustre de sua cidade natal, Königsberg: Wir mussen wissen, wir werden wissen: devemos conhecer, conheceremos.
Nota:
[*] Isidoro Rasines é Investigador do Centro Superior de Investigações Científicas (CSIC).
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N.d.T: A posição do autor do texto é uma corrente em Filosofia da Matemática chamada Conceptualismo Divino. Mais informações no LINK.
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