Mãe e filha, George Goodwin Kilburne (1839 - 1924) |
Tempo de leitura: 12 minutos.
Prefácio do livro O problema da Educação Brasileira, de Cláudio Titericz, Editora ISA, 2023.
O QUE É EDUCAÇÃO?
Depois de mais de 33 anos de vida militar, alguns deles passados na sala de aula como professor de Escolas Militares, resolvi me dedicar ao estudo da educação. Esta vontade me veio ao saber das constantes ingerências do Ministério da Educação no ensino nacional, da minha curta passagem por aquele órgão e pelo interesse em estudar Filosofia, principalmente Filosofia da Educação. Este livro é fruto direto deste tempo dedicado a este estudo.
Inicialmente, descobri que há uma profunda diferença entre Educação e Ensino. Observei, então, que o nosso Ministério da Educação não estava, e não está ainda hoje, preocupado com a educação, mas, tão somente, com o ensino. E, qual é a diferença básica? Posso responder de forma muito coloquial, que educar é mudar o comportamento, enquanto o ensinar é transmitir uma habilidade ao indivíduo.
Verifiquei que a educação, assim entendida, é uma obra de toda a vida porque envolve a construção de todo o ser da pessoa que é educada. Dessa maneira, podemos ser educados até o fim de nossa existência terrena e, uma vez educado, pode-se melhorar como ser humano. Claro que precisei aprender qual era e é a natureza deste ser humano, qual o seu fim último, qual a história de como se educou antes de nós e cheguei a algumas conclusões preocupantes.
A primeira coisa que fiz foi entender como funciona o ser humano, uma vez que teria que mudar seu comportamento, caso quisesse educar alguém. Grandes obstáculos surgiram uma vez que as ciências atuais classificam o ser humano cada qual como um objeto distinto. Ou seja, as ciências biológicas pensam em uma máquina biológica, as ciências sociais imaginam como um ser social, as psicológicas como ser emocional, as ciências religiosas como um ser imortal, as ciências econômicas como um ser trabalhador, entre outras.
Mas, afinal, o que é o ser humano? Qual o seu fim? A resposta para esta pergunta é fundamental, pois irá definir claramente o que deve, ou deveria, ser a educação. Ao caminharmos com os gregos antigos observei que entendiam que este ser era especial em relação a todo o restante da natureza. Tinha uma psicologia diferente que podia ser moldada por meio de um processo chamado educação. Uma palavra em especial me chamou a atenção nesta parte inicial do estudo grego que era a "arete", a qual poderíamos traduzir por virtude. Não poderia haver educação ("Paideia") sem "arete". E este conjunto de virtudes que levava este nome passava pela coragem, pela eloquência e pelo discernimento, que fazia a pessoa ser conduzida ao seu mais alto grau de potencialidade intelectual. Este estado intelectual era chamado de contemplação. Ficava claro para os gregos que o ser humano era corpo ("soma") e alma ("psique"). O corpo estava relacionado ao material e a alma era a parte mais importante porque era ali que se encontrava o intelecto capaz de contemplar. Esta alma era considerada imortal, justamente por não ser material e, na morte, não se corromperia. O fim do ser humano era, para os gregos, a contemplação natural, atingida por intermédio do desenvolvimento máximo da inteligência.
Continuando na busca de entender o que é a antropologia humana, verifiquei que no Cristianismo a interpretação do que é o ser humano ganhou algo a mais. Além de entender que existia corpo e alma, São Paulo (1Ts 5,23) acrescentou o espírito ("pneuma") que é algo sobrenatural. Neste caso, a educação que os cristãos desenvolveram por determinação do Cristo (Mt 28,20), incluiu este fator no processo educativo. Com o espírito, podia se ter a infusão de virtudes diretamente na alma que iam além da "arete" e estas eram as virtudes infusas apresentadas tão bem por Santo Tomás de Aquino. Este fator espiritual influenciou sociologicamente toda a história do ocidente e, porque não dizer, de todo o mundo. O fim do ser humano, para o cristão, é unir-se a Deus por meio de Jesus Cristo, para isto precisaria desenvolver uma vida espiritual. Mas foi nesta época, e por diversas razões, que esta educação foi sendo atacada e o entendimento de que o ser humano seria muito mais que corpo e alma foi decrescendo. Diante da Reforma Protestante, a Igreja Católica tentou retomar, por meio dos jesuítas, a mesma educação cristã do primeiro milênio, mas não conseguiu. Atingiu o que podemos chamar de Escola Clássica, a qual era muito semelhante à dos gregos, entretanto, sem a consideração adequada do espírito.
O processo de parar a derrocada da educação cristã foi retardado, mas não parou. O Barão de Montesquieu algum tempo depois, já próximo da Revolução Francesa, definiu que para haver uma nação sólida e democrática a virtude que deveria ser passada de geração em geração seria a virtude chamada de cívica. O fim, para este filósofo, era formar um cidadão de alto nível intelectual e que tivesse um grande apresso pelo bem comum. E foi com estas ideias que se formaram e desenvolveram os Estados Unidos da América, fato que os levou a ser a primeira potência mundial. Verifiquei que neste país, a escola clássica foi adotada juntamente com as ideias de virtude cívica, levando a concluir que este sucesso global deve ter sido atribuído a este modelo educacional adotado. Esta conclusão é baseada na ideia de que se uma nação for educada convenientemente irá progredir.
Entretanto, o processo de decadência educacional foi continuando. Mesmo nos Estados Unidos, a educação foi apagando a ideia de alma, ficando apenas com o corpo. Isto ocorreu com o surgimento de um movimento econômico iniciado na Revolução Industrial e veio paulatinamente alterando a ordem social, tornando-a secundarizada e a educação começou a preocupar-se apenas com o lado material e econômico e é isto o que chamamos ensino. Esquecendo-se da alma e do espírito, o que resta é o corpo material. Desta forma, para o ensino não é mais necessário receber nem a virtude cívica, nem a virtude infusa e nem a "arete". Verifiquei que foi necessário nesta mudança educacional uma nova formulação cosmológica, a qual se adaptasse a esta nova estrutura sociológica.
Ao chegar com meu estudo à atualidade, observei meu equívoco em confundir educação e ensino. Estava crendo que o ser humano era apenas corpo e que, portanto, não precisa desenvolver a inteligência que está na alma, bastava ensinar o corpo, bastava ensinar aos meus filhos uma profissão e pronto. Mas os educadores americanos também viram isto e admitiram que a educação nacional estava sendo tratada como uma linha de montagem, onde se colocava um "input" e se esperava no fim do processo de ensino apenas um "output". O objetivo era colocar a criança o mais cedo possível na produção econômica e retirá-la do convívio familiar o quanto antes, pois este atrapalhava o ensino voltado para o consumo. O fim último deste ser humano atual é ser um agente econômico.
Como conclusão simples, rápida e óbvia, verifiquei que o ensino atual, centralizado e voltado exclusivamente para a economia, o qual muitos ainda pensam tratar-se de educação, considera os estudantes como seres humanos incompletos que têm uma finalidade muito diferente daquela dos gregos, dos cristãos ou da escola clássica. E uma pergunta me veio ao finalizar este estudo: será que temos uma saída para resgatar este ser humano e elevá-lo ao patamar que sua dignidade merece?
Este livro traz uma síntese de como responder esta questão, além de pretender introduzir o leitor no mundo da educação. Várias pessoas auxiliaram em algum momento o trabalho e desde já agradeço suas colaborações. Este é um conjunto de temas que contém uma sequência que se inicia com uma ideia de como se formou a educação no Brasil. Depois, passamos pela legislação pertinente, mostrando a evolução da mesma e pelo estudo da montagem de um currículo e dos problemas da avaliação. Em seguida, veremos o atual estágio da economização da educação no nosso país e no mundo e provaremos a ampla e determinante influência desta na nossa situação atual. Seguindo no estudo básico sobre a educação no Brasil, temos que entender como pensava um verdadeiro educador que é Anísio Teixeira e, chegando ao final, mergulhamos nas diversas siglas que perpassam o ambiente acadêmico e do dia a dia da educação e do ensino nacionais.
Cada um dos capítulos pode ser estudado independentemente, mas ficará melhor entendido quando feito em conjunto com os demais, pois, de uma forma ou de outra se complementam. São conhecimentos iniciais para quem deseja adentrar no ambiente educacional atual.
Espero que tenha um bom proveito no estudo.
Notas:
[1] Coronel da reserva do Exército Brasileiro, Dr. Cláudio é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith (Nota da Revisora).
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