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O que é o Ensino Explícito?

Um novo conto de fadas, 1891,
por Nikolai Petrovich Bogdanov-Belsky

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Tempo de leitura: 45 minutos.

Apresentamos o texto O Ensino Explícito: Um meio para tornar eficaz nosso saber pedagógico – entrevista com Clermont Gauthier, publicado pela Revista Teias v. 15, n. 39 - 268-280, 2014: Currículo, Políticas e Trabalho Docente, disponível no LINK.

O ENSINO EXPLÍCITO: Um meio para tornar eficaz nosso saber pedagógico – entrevista com Clermont Gauthier

Andressa Aita Ivo [*]
Marie Pierre Dencuff [**]

Clermont Gauthier é Professor Titular do Departamento de Estudos sobre o Ensino e a 2da Cadeira de Pesquisa do Canadá em estudos para a Formação de Professores da Universidade Laval (Quebec) e membro fundador do Centro de Pesquisa Interuniversitária para a Formação e a Profissão Docente (CRIFPE). Ao longo de sua carreira universitária publicou, como autor ou em colaboração, mais de 40 livros e mais de uma centena de artigos e capítulos de livros sobre os temas pedagogia – suas origens e fundamentos – correntes pedagógicas, práticas pedagógicas eficazes e formação de professores.

A entrevista foi realizada em 18 de dezembro de 2012, ocasião em que a entrevistadora [1] realizava seu Doutorado Sanduíche na Universidade Laval de Quebec sob orientação de Clermont Gauthier. As entrevistadoras acrescentaram notas explicativas, com o intuito de facilitar a compreensão de alguns aspectos.

***

Entrevistadora: Prof. Clermont Gauthier, dentre sua numerosa publicação, seu livro Por uma teoria da pedagogia, publicado em 1998, permanece no Brasil uma referência para grande parte dos professores. Uma vez que temos a chance de lhe receber hoje, gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas acerca de sua pesquisa e seus questionamentos atuais. Minha primeira questão: O seu livro Por uma teoria da pedagogia mostra o quanto a intervenção pedagógica do professor se transforma com a sociedade e o quanto ela permanece como uma chave para a aprendizagem dos alunos. O senhor escreveu que o ensino, no seu entendimento, compreende duas grandes funções: a gestão da classe e a gestão da aprendizagem. Você poderia nos explicar isso?

Gauthier: Sim, na verdade, nós poderíamos dizer que o objetivo da educação, ao menos na escola, o objetivo do ensino sempre foi o de instruir e educar, transmitir uma série de conteúdos culturais dados, seja pela língua, pela escrita, pela história, etc. Ao mesmo tempo, o objetivo também sempre foi o de transmitir ou de inculcar uma série de valores que a sociedade considera desejável. O que se refere à transmissão de conteúdos ou à aprendizagem de conteúdos eu chamei de gestão de aprendizagem, e o que se refere à inculcação de valores e comportamentos eu chamei de gestão da classe. Qualquer professor em situação de trabalho com os alunos na sala de aula trabalha continuamente sobre esses dois planos. Não podemos transmitir um conteúdo ou fazer aprender um conteúdo uma vez que não há sempre transmissão. Podemos colocar os alunos em situação de aprendizagem de conteúdos, mas não podemos o fazer isto se não houver alguma ordem na classe. Se não houver um ambiente relativamente calmo, o professor fala e os alunos não são capazes de escutar, não são capazes de entender o que o professor diz; do mesmo modo simplesmente não poderemos mais ter procedimentos para gerir a classe se o ensino de conteúdos não ocorrer. Então, esses dois elementos, essas duas grandes funções são complementares e necessárias para o trabalho do professor na sala de aula.

Entrevistadora: Suas pesquisas atuais, neste domínio, apresentam novos caminhos sobre este sujeito?

Gauthier: Sim, na verdade entre o livro Por uma teoria da pedagogia, publicado em 1997-98, e o trabalho que publicamos em 2012 existe uma diferença significativa. Em 1997 tentamos sintetizar as pesquisas sobre ensino. Existiam desde os anos 70, especialmente no contexto norte-americano, pesquisas realizadas em salas de aula que apontavam elementos interessantes, eram pesquisas baseadas na observação dos professores em classe. Nós chamamos essas pesquisas de “processo-produto”, no sentido de que elas tentaram estabelecer correlações entre o comportamento do professor em sala de aula e a aprendizagem dos alunos. Na tentativa de multiplicar as observações e mensurar as correlações entre diversas variáveis, demo-nos conta de que existiam alguns comportamentos dos professores que estavam associados a um maior sucesso escolar dos alunos. Comparamos vários contextos, mais favorecidos e menos favorecidos, professores mais experientes e em início da profissão, no ensino primário e secundário [2], nas diversas disciplinas, etc., e finalmente identificamos uma série de comportamentos que pareciam estar relacionados com o sucesso dos alunos. Na época eu me perguntei se éramos capazes de reconstruir um perfil do “Bom professor”, ao final do trabalho eu não tive a impressão de que tínhamos conseguido reconstruir o perfil do “Bom professor”. Eu tive mais a impressão de que existiam vários tipos de “Bom professor” e que cada comportamento que havíamos identificado – por exemplo, retomar os conhecimentos prévios – era uma estratégia de um “Bom professor”, mas ele poderia ao mesmo tempo ter muitas outras estratégias, sem que eu soubesse. Na verdade, eu não poderia reconstruir um perfil único do que seria um “Bom professor”. Eu dizia a mim mesmo que isso era como as partes do quebra-cabeça dentro de um saco, os comportamentos são como as partes do quebra-cabeça e eu não sei se dentro do saco há apenas partes dispersas que pertencem a um único ou a diferentes perfis de “Bom professor” sem reconstituir a totalidade de qualquer um deles. Então, com a evolução que se passou depois deste tempo, com os trabalhos que foram realizados sobre o Ensino Explícito, é que nós podemos dizer que agora temos um perfil integrado do “Bom professor”, daquele que se utiliza de estratégias para fazer os alunos aprenderem. Agora dispomos de uma abordagem pedagógica que funciona, de uma abordagem pedagógica integrada que toca por vezes a gestão de aprendizagem e também a gestão da classe. Podemos fazer o Ensino Explícito dos conteúdos e o Ensino Explícito dos comportamentos. A este respeito, eu penso que é uma evolução muito interessante. Isso não quer dizer que esta é a única forma de ensino que pode funcionar. O que sabemos, no entanto, é que esta forma de ensino funciona, é eficaz. Essa constatação pode ser comprovada empiricamente, e eu penso que é algo fundamental para o plano de pesquisa em ensino. A coisa mais interessante trata-se de estratégias formalizadas pela pesquisa e relativamente fáceis de serem aprendidas pelos professores.

Entrevistadora: O Ensino Explícito é uma abordagem pedagógica que se aproxima de qual(is) corrente(s) de pensamento?

Gauthier: O Ensino Explícito encontra sua fundamentação na psicologia cognitiva. Ao longo dos anos 1970, os trabalhos de pesquisadores norte-americanos começaram a versar sobre a observação de professores em sala de aula. Como já mencionei anteriormente, observamos que algumas práticas de ensino estavam associadas a uma melhor performance dos alunos, contudo não sabíamos realmente os motivos. Nós sabíamos que existiam relações entre os fenômenos, mas não sabíamos a razão. A psicologia cognitiva no seu desenvolvimento dos últimos anos, particularmente com o trabalho de Jonh Sweller [3], permitiu fornecer um quadro teórico para compreender por que algumas abordagens pedagógicas, como o Ensino Explícito, funcionam e por que outras não. O motivo é que quando a Memória de Trabalho fica sobrecarregada, o aprendizado não pode ocorrer. Lembremo-nos que a Memória de curto prazo, também chamada de Memória de Trabalho, tem pouca capacidade de reter informações e funciona durante pouco tempo, antes de se tornar sobrecarregada. A teoria da carga cognitiva de Sweller diz que a Memória de Trabalho do aprendiz torna-se rapidamente sobrecarregada, por isso é necessário dividir, separar o saber para aprender em partes mais simples, para assegurar que a Memória de Trabalho possa absorver e transferir esta informação corretamente para a Memória de longo prazo, onde elas serão organizadas. Numa exposição oral o professor fala sem parar. Num dado momento, a capacidade de escutar de seus alunos torna-se limitada porque a Memória de Trabalho torna-se completamente sobrecarregada. Então, o que Sweller nos diz é que nos interessa separar o saber em partes mais simples, para dar sequência a esse saber do mais simples ao mais complexo e, dessa maneira, poderemos conseguir facilitar a aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, a psicologia cognitiva se afasta muito do construtivismo, que é a ideologia pedagógica da moda nos últimos anos aqui no Quebec, mas também no restante do mundo. Embora o modelo por projeto possa ser interessante, a verdade é que para os alunos, especialmente para os alunos com dificuldade, a aprendizagem se torna ainda mais complicada no modelo por projetos do que no modelo de aprendizagem cuja sequência é bem gradual.

Entrevistadora: O senhor poderia nos expor as principais características do Ensino Explícito?

Gauthier: Para começar, de um ponto de vista muito geral, poderíamos dizer que o Ensino Explícito visa “tornar explícito o que é implícito”. É um pouco óbvio, mas neste momento ainda tem sua importância. Isso significa, por exemplo, para o professor, explicitar desde o início da lição seus objetivos de aprendizagem, o que ele quer que seus alunos aprendam. Isso deve estar claro para o professor que ensina, mas também para os alunos, para que eles saibam o que se espera deles. Tornar explícito o que é implícito também significa que os alunos não chegam em sala de aula com a mente vazia. Eles chegam cheios de conhecimentos, conhecimentos precisos e conhecimentos errôneos. Para alguns conteúdos, o professor deverá tornar explícitos os conhecimentos que os alunos já possuem; ele faz o que chamamos de recordar os conhecimentos prévios a fim de mensurar a precisão e a solidez. Se ele quer ensinar um novo saber que se baseia nos conhecimentos já ensinados no mês anterior, ele deve retomar a consciência, tornar esse saber explícito. Ele poderá, então, verificar se os alunos o dominam suficientemente ou não. Se eles ainda não o dominam, ele deverá retomar este conteúdo antes de ensinar novos conteúdos. Tornar explícito também significa utilizar uma tripla estratégia de apoio: a modelagem, a prática guiada e a prática autônoma. Para que seja mais explícito, o professor executará a operação para seus alunos: nós dizemos que ele deve no início “conectar um alto-falante na sua mente”. Se, por exemplo, ele faz uma multiplicação, vai raciocinar o processo da multiplicação em voz alta diante dos alunos ao fazê-la. Ele pode fazer a mesma coisa com a concordância verbal ou com as correções gramaticais. O primeiro momento, muito importante, é tornar explícito seu pensamento para resolver uma operação – é o que chamamos de etapa de modelagem. A segunda etapa é a prática guiada. Uma vez realizada a modelagem, o professor vai colocar os alunos em situação de prática ou de exercício e acompanhará de perto a realização da atividade. Contrariamente ao ensino tradicional, não é “eu explico alguma coisa, coloco os alunos no trabalho e corrijo as atividades enquanto os alunos estão trabalhando”; ao contrário, quando os alunos estão sob prática guiada, o professor vai estar atento, observando constantemente os alunos no que estão fazendo: ele vai, desse modo, verificar se compreendem, vai perguntar aqui e ali para ter certeza de que não há nenhum mal-entendido comum entre muitos. Se ele percebe que a metade da turma não compreendeu, vai re-ensinar o conteúdo, não deixará os alunos continuarem a praticar os mesmos erros que cometeram. A prática guiada é importante para que o professor saiba se os alunos compreendem. Enfim, o Ensino Explícito visa desenvolver um bom nível de autonomização e gradualmente os alunos trabalham sozinhos de maneira autônoma. O Ensino Explícito implica, então, no treinamento. Há vários anos, nós pensávamos que o exercício, o treinamento, era alguma coisa negativa. A expressão inglesa Drill and Kill representa bem esta ideia. Archer [4] disse em contrapartida: Drill and Skill para mostrar que a prática desenvolve também habilidades. Nesta perspectiva, podemos pensar nos atletas, nos artistas, nos músicos, não importa quem quer desenvolver uma competência, deve treinar; o treinamento é uma característica do Ensino Explícito. Uma outra característica do Ensino Explícito é dar apoio aos alunos para que avancem na aprendizagem. A modelagem é uma forma de apoio, a prática guiada igualmente estrutura o ensino do mais simples ao mais complexo. Em inglês nós chamamos scaffold. O scaffold é como a construção de um edifício: no início colocamos uma moldura para apoiar a estrutura e, à medida que o cimento seca, removemos as molduras. Da mesma maneira o professor no Ensino Explícito, no início vai apoiar os alunos, vai lhes ajudar muito: ele pode fornecer listas de palavras, lembretes, listas de etapas para não serem esquecidas; depois, progressivamente, ele vai remover o suporte para chegar ao estágio onde eles são capazes de fazer tudo sozinhos.

Entrevistadora: O Ensino Explícito tem a particularidade de aumentar a eficácia da prática de ensino? O senhor poderia nos explicar como você define o ensino eficaz?

Gauthier: A eficiência no ensino se traduz pelos melhores resultados dos alunos. Sabemos também que o sucesso do aluno tem efeitos sobre outras partes de sua pessoa, incluindo o sócio-emocional, por isso não é exagero dizer que o desempenho acadêmico leva a uma melhora na autoestima dos alunos. É mais fácil desenvolver a estima de si dos alunos tornando-os bem-sucedidos academicamente do que o inverso, ou seja, tentar trabalhar a autoestima dos alunos sem que eles tenham sucesso no plano escolar. Em suma, como uma criança poderia ter uma boa estima de si se ao sair do ensino primário ela não sabe nem ler, nem escrever, nem contar?

Entrevistadora: Professor Gauthier, é sabido que todos os alunos não aprendem na mesma velocidade e que hoje, de acordo com a realidade escolar, os professores estão rotineiramente sobrecarregados pela multiplicação de tarefas que devem fazer. Na sua visão, como o Ensino Explícito pode contribuir para o sucesso dos alunos diante desse tipo de situação? Como em um determinado contexto, em uma realidade escolar, você pensa que o Ensino Explícito pode trazer elementos adicionais?

Gauthier: Várias pesquisas e experiências tratam sobre a pedagogia diferenciada. Nós temos examinado isso e estamos convencidos de que na maior parte do tempo os trabalhos que falam da pedagogia diferenciada são mais do tipo prescritivo ou exortativo do que científico. Nós ficamos um pouco surpresos com isso porque pensávamos que existia uma base de pesquisa empírica mais forte para sustentar a pedagogia diferenciada, que é uma abordagem amplamente prescrita e difundida. Nós percebemos, igualmente, que as definições variam e que nem sempre existem avaliações sistemáticas sobre o impacto dessa abordagem sobre a aprendizagem. E, finalmente, nunca sabemos exatamente do que se está a falar quando falamos de pedagogia diferenciada. Abordamos a questão da diferenciação de outra forma, a partir do modelo “1, 2, 3”, no início do trabalho do Ensino Explícito em aula com todos os alunos (Nível 1). Este primeiro nível de intervenção é, na realidade, uma medida preventiva para a utilização de uma abordagem do Ensino Explícito em sala de aula, para favorecer a aprendizagem de todos os alunos (em torno de 80%). Contudo, como esse primeiro nível não pode garantir a aprendizagem de todos os alunos, é preciso, então, implementar intervenções de segundo nível para os 15% dos alunos que estão com dificuldade. Estes últimos podem se beneficiar de um ensino adicional em subgrupos na sala de aula. Enfim, os 5% que ainda possuem dificuldade recebem um Ensino Explícito e intensivo fora da sala de aula. Este modelo “1, 2, 3” é uma maneira de diferenciar a pedagogia, mas no âmbito da instrução explícita. O Ensino Explícito não é a solução perfeita, mas é a melhor abordagem pedagógica disponível para abordar este problema da diferença de aprendizagem entre os alunos.

Entrevistadora: Existe um princípio em educação que deseja que todo o ensino formal seja avaliado. Quais são as especificidades na avaliação no programa do Ensino Explícito?

Gauthier: Existem dois elementos que eu gostaria de colocar em evidência. O primeiro é o princípio do alinhamento curricular. O alinhamento curricular significa que o que está previsto no currículo deve ser ensinado em sala de aula e depois avaliado. Nós não avaliamos o que não foi ensinado; avaliamos o que foi ensinado e ensinamos o que foi previsto no currículo. Este alinhamento entre o currículo, o ensino propriamente dito e a avaliação é importante. Cada um teve em seu percurso escolar, em um determinado momento, aqueles professores que avaliaram outra coisa além do que ensinaram. O que tornou, então, impossível para a maioria dos alunos responderem corretamente, porque eles não receberam a instrução necessária para atender à avaliação. Em segundo lugar, é preciso mencionar que no Ensino Explícito utilizamos a avaliação somativa e formativa. Sobre isso o Ensino Explícito não traz nenhuma novidade. Salientamos constantemente a importância da avaliação formativa como forma de procurar regularmente as informações sobre o que o aluno sabe ou pensa e, assim, reafirmar que a fim de adaptar o ensino para melhor assegurar a aprendizagem é possível utilizar a estratégia da diferenciação “1, 2, 3”. A avaliação somativa tem lugar em termos de aprendizagem e permite saber se os alunos estão sendo bem sucedidos ou não, e em qual proporção. Permite também que se tome as decisões administrativas acertadas no final do ano ou do semestre escolar. As modalidades de avaliação somativa e formativa estão presentes no Ensino Explícito como em outras formas de ensino. Em suma, existem três elementos para lembrar: o alinhamento curricular, a importância das avaliações formativas para os ajustes na rota e a avaliação somativa a ser realizada no final do percurso.

Entrevistadora: Vários pesquisadores apontaram a influência do meio socioeconômico sobre a formação dos alunos. Contudo, muitas pesquisas sobre o “efeito professor” não consideram estas variáveis. Quais são as vantagens do Ensino Explícito para os alunos menos favorecidos?

Gauthier: Eu gostaria de acrescentar uma nuance à sua questão. O Ensino Explícito leva em conta a questão do nível socioeconômico no sentido de procurar neutralizar os efeitos negativos dos meios socioeconômicos desfavorecidos. Eu me explico: as observações realizadas nas turmas de meios socioeconômicos equivalentes nos permitem verificar que alguns professores, em situações relativamente semelhantes, são capazes de fazer seus alunos aprenderem mais do que seus colegas docentes em semelhantes meios socioeconômicos. Então, a questão que se coloca é: O que fazem estes professores? O que os diferencia daqueles que possuem alunos menos bem sucedidos?

As nossas observações têm mostrado que algumas estratégias utilizadas pelos “melhores professores” eram as mais apropriadas para os alunos desses meios. Os alunos precisam de mais apoio de scaffold e o Ensino Explícito se caracteriza precisamente pela sustentação, do tipo: a fragmentação do conteúdo complexo nos seus elementos mais simples, a modelagem, a prática guiada, e outras formas já indicadas. Esses elementos de apoio convêm para todos os alunos, mas especialmente para os alunos com dificuldade de aprendizagem que precisam de mecanismos de apoio intensivos.

Entrevistadora: Nessas condições, quais são os pontos importantes a modificar na formação dos professores?

Gauthier: Nós fizemos, nos últimos vinte anos, muitas mudanças na formação dos professores, aqui no Quebec, como também em muitos países. Eu penso que a formação dos professores está muito mais próxima do exercício real da profissão, ou seja, de seu contexto. Por exemplo, a proporção de tempo dado aos estágios em sala de aula tem aumentado; os cursos de gestão de classe fazem, igualmente, parte dos programas de formação. Antes a abordagem era mais teórica. Nós tínhamos um curso sobre Piaget, como na minha época, mas convenhamos que não se pode fazer muita coisa com Piaget numa turma, embora seja uma personagem importante na história da educação. Uma vez que a gente pensa um pouco na ideia dos estágios em desenvolvimento, isso não vai muito longe, no plano operacional, como orientação a um professor com os seus alunos. Eu acho que depois dos últimos vinte anos nos aproximamos mais da formação do ensino no contexto real, naquele em que o trabalho do professor se desenvolve. Contudo, a formação dos professores tem ainda um impacto fraco sobre o desenvolvimento de competências profissionais usadas para favorecer a aprendizagem dos alunos. Em outras palavras, a formação de professores não permite aos que são formados realmente trabalhar de maneira competente com os alunos. A formação continuada, ao contrário, tem um impacto maior. Então, a minha explicação para este fenômeno é que não ensinamos nas Faculdades de Educação adequadamente como ensinar. Isso mostra como comportamentos e estratégias pedagógicas ou didáticas – e isso é quase generalizado no Quebec e em outros lugares – referem-se a abordagens construtivistas que estão centradas na descoberta de algo que, na realidade, somente atingem a mais improvável das situações em salas de aula. Na verdade, os alunos não descobrem, ou descobrem muito pouco, e nós tentamos nas faculdades de educação formar os futuros professores para que utilizem abordagens construtivistas que, praticamente, não podem ser aplicadas em sala de aula. Os alunos se desenvolvem mais facilmente em um quadro mais estruturado, como aquele proposto pelo Ensino Explícito. Uma consequência de nossa reforma na formação de professores, no Quebec, foi a multiplicação de cursos de didática. De acordo com o que pode ser observado, os didáticos são quase todos construtivistas, de tal modo que a ideologia construtivista é onipresente nos programas de formação. Esta abordagem de ensino não é verdadeiramente eficaz, ou, mais precisamente, ela é útil apenas para uma pequena proporção de alunos – para aqueles que podem operar em uma situação de descoberta – enquanto que o professor tem que trabalhar com um grupo muito maior de alunos com dificuldades. Em suma, a razão pela qual a formação de professor não tem impacto é porque não formamos os professores com boas estratégias para fazer com que os alunos aprendam.

Entrevistadora: Pesquisadores norte-americanos identificaram práticas eficazes a partir de observações de professores experientes, mas os professores no início da carreira ainda não possuem experiência e, portanto, ainda não são capazes de criar estratégias para serem realmente eficazes em seu ensino. O que o senhor pensa sobre isso?

Gauthier: Eu faço uma ligação com o trabalho de meu colega Maurice Tardif que, há muitos anos, fez uma pesquisa na qual entrevistou professores. Ele lhes perguntou, entre as questões, como haviam desenvolvido seus conhecimentos na sua profissão, na sua formação na Universidade ou como professor? A grande maioria dos professores responderam que não foi a formação recebida que lhes permitiu desenvolver sua perícia, ao contrário, foi por meio de tentativas e erros, através da experiência no trabalho. Eu penso que ainda hoje isso é verdade, salvo que agora nos beneficiamos com muito mais informações sobre as boas práticas pedagógicas que podem ter efeitos positivos sobre a aprendizagem. Então, por que não as integrar na formação inicial imediatamente para que os futuros professores aprendam a utilizá-las nos seus estágios de formação para o ensino, ao invés de esperar que eles as descubram ao longo de anos de experiência? Se a formação quer ser relevante, é necessário que ela permita reduzir o tempo de aprendizagem de comportamentos ou de estratégias pedagógicas eficazes. Se nós formamos durante quatro anos [5] os jovens que se destinam ao ensino e no final deste processo conclui-se que não aprenderam nada ou que vão aprender com a experiência, eu diria que é preciso fechar as faculdades de educação! Mas isso seria um erro porque nós dispomos agora de resultados de pesquisas interessantes sobre as boas práticas pedagógicas. É preciso simplesmente integrá-las nos currículos de formação e fazendo isso vamos melhorar o desempenho de futuros professores.

Entrevistadora: A introdução do Ensino Explícito terá um impacto sobre os currículos escolares?

Gauthier: Com a reforma nos anos 2000 no Quebec, o currículo das escolas foi elaborado numa perspectiva construtivista. Foi proposta a integração de anos de ciclos de aprendizagem, primeiro ao segundo, terceiro ao quarto, quinto ao sexto, desenvolvendo-se as competências por meio dos projetos. Os manuais foram construídos em torno de projetos. Um Ensino Explícito vai funcionar melhor numa divisão por anos, 1, 2, 3, 4, 5 e 6 com objetivos determinados para o final de cada ano. A organização dos conteúdos é estruturada do mais simples ao mais complexo. Então, a meu ver, sobre o plano do currículo um Ensino Explícito pode ter também um impacto importante.

Entrevistadora: Conforme sua visão existem fatores que poderiam interferir na introdução do Ensino Explícito no currículo?

Gauthier: Sim. O que acontece agora é que assistimos ao fim do construtivismo nas escolas. Este discurso, que há longo tempo foi dominante, está morrendo e se desagrega pouco a pouco. O Ensino Explícito está ganhando força. Por quanto tempo? Eu não tenho a menor ideia. No entanto, eu não penso que isso seja um modismo. Na base do Ensino Explícito existe a ideia dos dados provados, que as estratégias pedagógicas apresentadas antes foram validadas pela pesquisa, o que não é o caso do construtivismo. Nesse ponto, eu penso que isso ajudará o Ensino Explícito a permanecer por um certo tempo. Outras razões militam a favor do Ensino Explícito – trata-se de estratégias que não são difíceis de serem aprendidas pelos professores. É muito menos complicado do que trabalhar com projetos pedagógicos. Ademais, estas são estratégias que não exigem materiais sofisticados; nós podemos utilizar o Ensino Explícito nos contextos econômicos mais pobres, com poucos recursos. Esses elementos me fazem crer que o Ensino Explícito pode ter uma certa duração. Mas como a educação é um meio fortemente ideológico, é inútil explicar ou dar provas a quem não quer ouvir nada. Como dizia Jean Chall, mesmo se há cinquenta anos as pesquisas mostram que a abordagem global, o whole language, para a aprendizagem da leitura não fornece bons resultados, não é necessário ter 10 anos suplementares de pesquisas, a questão mais importante é: o que faz com que as pessoas continuem acreditando nela? Isso é porque nós estamos na ordem da crença. Então, o que poderia talvez prejudicar, a meu ver, o Ensino Explícito ou a sua difusão são aqueles que são absolutamente refratários a esta abordagem e que permanecem a fazer o de sempre, mesmo que os dados mostrem que o Ensino Explícito produz bons resultados.

Entrevistadora: Para o senhor o Ensino Explícito no nível da formação de professores é difícil de ser transmitido?

Gauthier: Eu penso que não, ao contrário. O Ensino Explícito é fácil de ser aprendido porque ele se apoia sobre as estratégias que os professores experientes utilizam em sala de aula. Os estudantes em formação inicial observaram, em um momento ou outro no seu percurso escolar, os seus professores utilizarem essas estratégias. Não existem novidades, há professores que já utilizam essas estratégias, tais como as da modelagem, as da prática guiada ou as do uso dos conhecimentos prévios. A aprendizagem dessas estratégias não é nada muito complicado. Em alguns aspectos o Ensino Explícito se assemelha ao ensino tradicional, mas não se confundem. O Ensino Explícito é muito melhor do que o ensino tradicional. Esta abordagem possui uma série de limitações – por exemplo, um professor faz uma exposição oral mas não verifica o nível de compreensão que seus alunos possuem, ele apenas fala como se tudo o que ele tenha dito fosse retido na mente dos alunos, tal como ele havia dito, o que não é absolutamente o caso. O importante é questionar os alunos, para saber o que eles compreenderam, para identificar aqueles que realmente entenderam e os que não.

Entrevistadora: Até aqui as grandes correntes pedagógicas, que nasceram de alguns homens que foram pensadores, ou filósofos, ou pesquisadores em psicologia, deram uma orientação a todos os pedagogos e professores. O senhor não pensa que hoje em dia existe uma mudança de paradigma, com o Ensino Explícito que busca o ator dos comportamentos que são eficazes, e não estaríamos mais numa corrente pedagógica, mas em atividades eficazes que, postas juntas, programam o ensino?

Gauthier: Eu acho que o que há de interessante no que se produz agora é a contribuição da pesquisa empírica para tentar isolar algumas estratégias que funcionam no ensino. É o que Raymond Bourdoncle [6] chama de “profissionalismo”, ou seja, a formalização de ações profissionais, gestos que são executados no contexto real da profissão. Por meio da pesquisa nós conseguimos isolar os comportamentos eficazes, boas práticas, e o ensino tornou-se pouco a pouco “analógico”. Outras profissões formam seus profissionais para realizar essas ações que são identificadas como eficazes. Neste momento podemos dizer que o saber coletivo é compartilhado por todos os atores de uma mesma profissão. É o que não temos ainda na educação. Nós temos pensadores e pedagogos que escreveram (Freinet, Montessori, Paulo Freire, Neill, etc.) e foram colocados em muitos aspectos prescritivos, sem se dispor de evidências empíricas sobre a eficácia do que afirmaram. Eles provavelmente tinham um senso prático e intuitivo muito elevado, mas sobre o plano de evidências da eficácia de seus dispositivos, não mensuraram muita coisa. Eles persuadiam, eles tinham grande carisma, treinaram as pessoas a seguir seu rastro. Isto teve sua importância, mas, a meu ver, não fundamos uma profissão a partir de crenças; uma profissão funda-se a partir de estudos precisos e rigorosos sobre o efeito de ações realizadas, a eficácia dos gestos profissionais dos atores, para integrá-las, em seguida, na formação, de modo a obter um saber profissional compartilhado. Um saber compartilhado limita a autonomia profissional. A meu ver, um profissional não faz aquilo que quer, um profissional é responsável por utilizar os melhores meios para cumprir com sua função. No que concerne ao ensino, o profissional deve utilizar os melhores meios para fazer com que os alunos aprendam. Ele não pode utilizar qualquer meio, deve utilizar somente os melhores meios para que os alunos aprendam, é a sua responsabilidade como profissional. Da mesma maneira, um médico não pode tratar da fratura de um braço de qualquer forma, ele deve seguir um protocolo com as melhores práticas para reparar o braço; o médico, mesmo tendo sua autonomia profissional, possui uma autonomia limitada por um saber coletivo compartilhado da sua profissão. Eu vejo da mesma forma o ensino. Não podemos mais ensinar a ler conforme a abordagem da Whole Language porque já foi comprovado que não funciona. Eu não vejo por que os professores devem aceitar, como grupo profissional, que uma abordagem pedagógica que não funciona, ou não funciona bem, seja utilizada para ensinar. Com o tempo nós vamos, provavelmente, descobrir melhores estratégias, o Ensino Explícito não é o fim do percurso. Existirão outras abordagens que vão, sem dúvida, emergir; outras estratégias que vão, sem dúvida, ser implementadas. Contudo, elas terão que passar por testes que mensurem a sua eficácia. A medida, a meu ver, é o nosso amuleto contra os excessos; é preciso proteger os alunos, senão a porta estará aberta para qualquer coisa entrar, não importa o quê!

Entrevistadora: Como o senhor disse há pouco, o Ensino Explícito não é contra as abordagens de ensino. Em outras palavras, ele pode possuir elementos que provêm de professores que adotam correntes construtivistas, ou outras.

Gauthier: Há vários anos eu examinei os tratados da pedagogia do século XVII. Os trabalhos são muito interessantes. Eu lembro que no prefácio de “A conduta das escolas cristãs”, o trabalho pedagógico almirante dos Irmãos das Escolas Cristãs estava escrito para expressar o tratado que tinha reunido todas as estratégias dos melhores professores. Havia sido solicitado aos melhores Irmãos professores que, a partir de seus saberes da experiência, descrevessem como trabalhavam em sala de aula. Foram reunidas as estratégias desses professores experientes, o que resultou em “A conduta das escolas cristãs”. Estas práticas de saber-fazer foram utilizadas durante séculos. Muitas foram questionadas no final do século XX e outras estratégias foram ajustadas, algumas se mantiveram e outras desapareceram. Na verdade, para além das divergências das escolas construtivistas versus não-construtivistas, o principal a ser lembrado é que o teste de eficácia é que diz tudo. Se ele mostrar que a estratégia utilizada permite facilitar a aprendizagem, então simplesmente ela merece ser conservada.

Entrevistadora: Os Organismos Internacionais e Organizações não-governamentais (ONGs) também produzem programas educativos para apoiar os países em desenvolvimento. No Brasil, como o senhor sabe, estas políticas são muito influentes. Conforme o senhor, o Ensino Explícito é conhecido ou reconhecido por estes organismos no momento atual?

Gauthier: Eu penso que não. Existe um discurso dominante, o discurso do construtivismo, e as ONGs propagam este discurso e o reproduzem. Em pesquisa que estamos realizando sobre o discurso pedagógico dos Organismos Internacionais, nos demos conta da utilização de expressões, tais como “abordagem centrada no aluno”, “pedagogia ativa”, “desenvolver as competências” – termos gerais que são usualmente entendidos por todos. Ora, estes termos são habitualmente traduzidos pelos Organismos Internacionais por meio da ideologia construtivista e produzem uma série de consequências sobre o plano das estratégias de ensino preconizadas. Eu acredito que é um problema para os países que recebem ajuda destas organizações, pois são prescritas abordagens pedagógicas difíceis de serem aprendidas e que necessitam de condições especiais para sua aplicação. Por exemplo, trabalhar com abordagens por descobertas requer professores qualificados e experientes. Do mesmo modo, são necessários recursos materiais, número adequado de alunos por turma, condições de trabalho, coisas que não necessariamente os países possuem. Nesse contexto, propor abordagens por descoberta torna-se uma aberração. É preciso funcionar de outro modo e, a meu ver, o Ensino Explícito é mais fácil de ser aprendido, custa menos e produz melhores resultados. Cada professor pode introduzir no seu repertório pequenas estratégias do Ensino Explícito, seu repertório pode gradualmente ser ampliado, de modo que ele possa pensar o que é possível de se fazer. Pouco a pouco ele acrescenta estratégias sobre o plano da gestão da classe ou sobre o plano da gestão da aprendizagem. Certa vez uma pessoa me disse “eu não pensava que o ensino era tão complicado!” E não é, na realidade! Mas, ainda existem dezenas de pequenas estratégias que um professor eficiente mobiliza. Roma não foi construída em um dia!

Submetido em: setembro de 2014
Aprovado em: dezembro de 2014


Notas:

[*] Andressa Aita Ivo é atualmente Bolsista de Pós-Doutorado – DOCFIX na Universidade Federal de Santa Maria. Graduada em Educação Física, Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 2007. Especialista em Gestão Educacional (UFSM) em 2008. Especialista em Educação Física Escolar (UFSM) em 2008. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em 2010. Doutora em Educação (UFPel) em 2013. Contato: dessaaita@gmail.com.

[**] Marie Pierre Dencuff é professora da Universidade Laval de Quebec – Canadá, atualmente realiza seu Pós-Doutorado na Faculdade de Ciências de Educação da Universidade Laval, junto ao Centro de Pesquisa Interuniversitária sobre formação e trabalho docente (CRIFPE). Mestre em Comunicação pela Universidade Montpellier da França em 2000. Doutora em Educação pela Universidade de Provence da França em 2010. Contato: mpdencuff@gmail.com.

[1] A acadêmica Andressa Aita Ivo – hoje doutora em educação – realizou um ano de seu doutorado na Universidade Laval de Quebec – Canadá, sob orientação de Clermont Gauthier, junto ao Centro de Pesquisa Interuniversitária para a Formação e a Profissão Docente (CRIFPE).

[2] O ensino educacional no Quebec é composto por quatro etapas, o Ensino Primário, com duração de seis anos; o Ensino Secundário, com duração de cinco anos; o Colegial, com duração de três anos na modalidade técnico integrado, e de 2 anos na modalidade de formação preparatória para a Universidade; e a Universidade cuja duração dos cursos varia entre três e quatro anos.

[3] Foi consultado com proveito: Sweller, J.; van Merrienboer, J.; & Paas, F. (1998). Cognitive architecture and instructional design. Educational Psychology Review, 10, 251-296. Ver também: Sweller, J. (2003) Evolution of Human Cognitive Architecture, In The Psychology of Learning and Motivation, Volume 43. Brian Ross (eds.). San Diego: Academic Press. Do mesmo modo, Sweller, J.; Kirschner, P.A.; Clark, R.E. (2006). Why Minimal Guidance During Instruction Does Not Work: An Analysis of the Failure of Constructivist, Discovery, Problem-Based, Experiential, and Inquiry-Based Teaching, Educational psychologist, 41(2), 75–86.

[4] Archer, A.L.; Hugues, C. A. Explicit Instruction. Effective and Efficient Teaching. Guilford Press (2011).

[5] No Quebec os cursos de Licenciatura têm a duração de quatro anos.

[6] A quem se interesse pelo tema ver BOURDONCLE, R. La professionnalisation des enseignants: analyses sociologiques anglaises et américaines. Revue Française de Pégagogie, Paris, n. 94, jan./mar. 1991; BOURDONCLE,R. La professionnalisation des enseignants: les limites d’um mythe. Revue Française de Pégagogie, Paris, n. 105, 1993; BOURDONCLE, R.; MATHEY-PIERRA, C. Autour du mot profissionalité. Recherche et Formation, Paris, n. 19, 1995. 

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Leia mais em O declínio da escola tradicional

Leia mais em Edith Stein e a educação



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Sobre o Ensino em S. Tomás de Aquino

Santo Tomás de Aquino, escrevendo em
frente do crucifixo, por Antonio Rodríguez

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Tempo de leitura: 46 minutos. 

Texto retirado do livro Sobre o ensino (De magistro) e Os sete pecados capitais, de S. Tomás de Aquino, com tradução e estudos introdutórios por  Luiz Jean Lauand, Editora Martins Fontes, 2000.

Apresentação

Apresentamos ao leitor dois importantes estudos de Tomás de Aquino: um dedicado ao ensino, outro à ética: Sobre o ensino e Os sete pecados capitais.

No estudo e apêndices que os acompanham, mais do que esmiuçar as teses que o leitor irá encontrar no próprio texto de Tomás, optamos por privilegiar, em cada caso, o referencial mais amplo que permita situar - no quadro de sua filosofia - cada um desses opúsculos do Aquinate: assim, apresentamos os conceitos fundamentais da antropologia e do conhecimento como prólogo ao Sobre o ensino e um enquadramento da ética - em sentenças do próprio Tomás - como Apêndice aos Pecados capitais, além de uma seleção especial de sentenças sobre a inveja e a avareza.

Sobre o ensino, o De magistro, é a questão 11 das Quaestiones Disputatae de Veritate [1] de Tomás e segue o sistema geral dessas aulas do Aquinate (por essa razão, retomamos em sua introdução algumas considerações que tecíamos ao apresentar, para esta mesma coleção, as questões sobre a verdade e o verbo [2]).

O opúsculo Os sete pecados capitais compõe-se de uma seleção de trechos das obras Questões disputadas sobre o mal [3] e da Suma teológica.

LUIZ JEAN LAUAND
março de 2000


Introdução

Sendo o De magistro de Tomás uma das questões disputadas sobre a verdade (a de nº 11), comecemos por relembrar o papel que essas questões tinham na universidade medieval .

A quaestio disputata, essência da universidade medieval

Da primeira regência de Tomás na Universidade de Paris procedem as Quaestiones Disputatae de Veritate. Essas questões foram disputadas em Paris de 1256 a 1259: as questões 1 a 7 (sobre a verdade; o conhecimento de Deus; as idéias divinas; o verbum; a Providência Divina; a predestinação e o "livro da vida") são do ano letivo 1256-7; as de 8 a 20 (sabedoria angélica; comunicação angélica ; a mente como imagem da Trindade; o ensino; a profecia como sabedoria; o êxtase; a fé; a razão superior e a inferior; a sindérese; a consciência; o conhecimento de Adão no Paraíso; o conhecimento da alma depois da morte e o conhecimento de Cristo nesta vida), de 1257-8, e as de 21 a 29 (a bondade; o desejo do bem e a vontade; a vontade de Deus; o livre-arbítrio; o apetite dos sentidos; as paixões humanas; a gra­ça; a justificação do pecador e a graça da alma de Cristo), de 1258-9.

A quaestio disputara, como bem salienta Weisheipl [1], integra a própria essência da educação escolástica: "Não era suficiente escutar a exposição dos grandes livros do pensamento ocidental por um mestre; era essencial que as grandes idéias se examinassem criticamente na disputa." E a disputatio, na concepção de um filósofo da universidade como Pieper, transcende o âmbito organizacional do studium medieval e chega até a constituir a própria essência da universidade em geral [2].

Para que o leitor possa bem avaliar o significado de uma quaestio disputara em S. Tomás, apresentaremos o modus operandi dessas quaestiones, procurando também indicar a ratio pedagógica que as informa.

Uma quaestio disputata está dedicada a um tema - como por exemplo a verdade ou o verbum - e divide-se em artigos, que correspondem a capítulos ou aspectos desse tema . Naturalmente, por detrás da "técnica pedagógica" está um espírito: a quaestio disputata, como analisaremos em tópico ulterior, traduz a própria idéia de inteligibilidade - devida ao Verbum (o Logos divino, o Filho) -, ao mesmo tempo que a de incompreensibilidade, a de pensamento "negativo" , também fundada no Verbum...

Procurando veicular, operacionalizar em método a vocação de diálogo polifônico - que constitui a razão de ser da universitas -, primeiro enuncia-se a tese de cada artigo (já sob a forma de polêmica: "Utrum... [3]") e a quaestio começa por um videtur quod non... ("Parece que não..."), começa por dar voz ao adversário pelas obiectiones, objeções à tese que o mestre pretende sustentar. 

Já aí se mostra o caráter paradigmático e atemporal (e atual...) da quaestio disputara, a essência da universidade, assim discutida por Pieper: "Houve na universidade medieval a instituição regular da disputatio, que, por princípio, não recusava nenhum argumento e nenhum contendor, prática que obrigava, assim, à considera­ção temática sob um ângulo universal. Um homem como Santo Tomás de Aquino parece ter considerado que precisamente o espírito da disputatio é o espírito da universidade." [4] E prossegue: "O importante é que, por trás da forma externa de disputa verbal regulamentada, a disputa - com toda a agudeza de um confronto real - dá-se no elemento do diálogo. Este ponto decisivo é hoje, para a universidade, mil vezes mais importante do que pode ter sido alguma vez para a universidade medieval."

Nos textos de Tomás, após as objeções, levantam-se contra-objeções (sed contra, rápidas e pontuais sentenças colhidas em favor da tese do artigo; ou algumas vezes in contrarium, que defendem uma terceira posição que não é a da tese nem a das obiectiones). Após ouvir estas vozes, o mestre expõe tematicamente sua tese no corpo do artigo, a responsio (solução) . Em seguida, a responsio ad obiecta, a resposta a cada uma das objeções do início.

Torna-se dispensável dizer que não se entende por quaestio disputata nada que tenha que ver com sutilezas enfadonhas e estéreis. Por outro lado, o que afirmamos acima sobre o diálogo e a impossibilidade de dar resposta cabal, de esgotar um assunto filosófico não significa, evidentemente, que na quaestio disputata não se deva tomar uma posição e defendê-la: não se trata, de modo algum, de agnosticismo. Podemos conhecer a verdade, mas não podemos esgotá-la. Posto que o homem pode conhecer a verdade (e na medida em que o pode fazer), a discussão filosófica chega a uma responsio, a uma certa determinatio.

Finalmente, dentre as características da quaestio disputata de S. Tomás de Aquino, destaquemos a de dar voz ao adversário com toda a honestidade, formulando sem distorções, exageros ou ironia (o que, em geral, nem sempre ocorre nas polêmicas e debates de hoje), as posições contrárias às que se defendem. Nesse sentido, Pieper faz notar que em S. Tomás a objetividade chega a tal ponto que o leitor menos avisado pode tomar como do Aquinate aquilo que ele recolhe dos adversários a modo de objeção. A propósito [5], é o caso do tão celebrado Carl Prantl, que interpretou como se fosse a posição de Tomás objeções brilhantemente por ele apresentadas às suas próprias teses.

O De magistro e a Antropologia Filosófica

Na "questão disputada" De magistro, Tomás de Aquino expõe sua concepção de ensino/aprendizagem em oposição às doutrinas dominantes da época. Por detrás de questões pedagógicas encontram-se, na verdade, concepções filosóficas - a Filosofia da Educação é inseparável da Antropologia Filosófica - e teológicas.

A antropologia de Tomás - revolucionária para a época - afirma o homem em sua totalidade (espiritual, sim, mas de um espí­rito integrado à matéria) e está em sintonia com uma teologia (também ela dissonante para a época) que, precisamente para afirmar a dignidade de Deus criador, afirma a dignidade do homem e da criação como um todo: material e espiritual. Sugestiva nesse sentido é, por exemplo, a luta que Tomás teve de travar na Universidade de Paris para defender a tese da unicidade da alma no homem: a mesma e única alma é responsável pelos atos mais espirituais e mais prosaicos no homem (a teologia dominante - pensando dar glória a Deus - separava "a alma espiritual" das "outras duas" - sensitiva e vegetativa - em favor de uma antropologia "espiritualista" e desencarnada).

Nesse quadro de oposição a um cristianismo demasiadamente espiritualista e que pretende exagerar o papel de Deus e aniquilar a criatura, compreendem-se as colocações de Tomás e até mesmo os artigos selecionados para a questão: art. 1 - Se o homem - ou somente Deus - pode ensinar e ser chamado mestre; art. 2 - Se se pode dizer que alguém é mestre de si mesmo; art. 3 - Se o homem pode ser ensinado por um anjo; art. 4 - Se ensinar é um ato da vida ativa ou da vida contemplativa.

Não é de estranhar, portanto, que Tomás comece discutindo a objeção: "Se o homem - ou somente Deus - pode ensinar e ser chamado mestre" (o fato curioso é que Tomás discuta isso precisamente como professor em sala de aula...). O exagero do papel de Deus - no caso em relação à aprendizagem - é por conta daquela teologia que considera tão sublime a intelecção humana que, em cada caso que ela ocorre, requereria uma iluminação imediata de Deus . Tomás, em seu realismo, admite uma iluminação de Deus, mas esta iluminação Deus no-la deu de uma vez por todas, dotando-nos da "luz natural da razão", aliás, dependente das coisas mais sensíveis e materiais...

Assim, no debate acadêmico no qual se gera o De magistro encontraremos - uma e outra vez - a objeção com que se abre o trabalho: "Diz a Escritura (Mt 23, 8): 'Um só é vosso mestre' (...) ao que diz a Glosa [6]: 'não atribuais a homens a honra divina e não usurpeis o que é de Deus'."

Para bem entender este e outros temas do De magistro é oportuno oferecer um resumo dos conceitos básicos da antropologia filosófica de Tomás (como se sabe, em boa medida tomada de Aristóteles).

O homem e a alma em Tomás

A palavra-chave para entendermos a doutrina de Tomás sobre o homem é "alma" , que, classicamente, designa o princípio da vida. Chamemos, desde já, a atenção para o fato de que, ao longo deste estudo, aparecerão outras palavras cujo sentido filosófico clássico não coincide exatamente com o sentido usual que lhes damos hoje: "potência", "ato", "matéria", "forma" etc.

O referencial a que Tomás se remete nestes temas é a doutrina basicamente estabelecida por Aristóteles em seu Peri PsychéSobre a alma. A "psicologia" de Aristóteles emergiu como uma reação de equilíbrio e moderação ante o exagerado espiritualismo da antropologia de Platão (que tem encontrado sucessivas versões tanto no Ocidente como no Oriente...). O espiritualismo platônico é uma certa tomada de posição radicalmente dualista diante da questão: "O que é o homem?". Platão situa espírito e matéria como realidades justapostas, disjuntas, em união fraca e extrínseca no homem. O homem, para Platão, seria primordialmente espírito (e o corpo seria, nessa visão, algo assim como um mero cárcere do espírito) [7].

Do ponto de vista aristotélico, esse dualismo platônico atenta contra a intrínseca unidade substancial do homem, ao desprezar a dimensão material do ser humano, exagerando a separação entre o espiritual e o corpóreo. E é esta unidade o que, afinal, permite a cada homem proferir o pronome "eu", englobando tanto o espírito quanto o corpo. Para os platônicos (e para a teologia dominante em Paris no tempo de Tomás), o homem seria essencialmente espírito, em extrínseca união com a matéria: a matéria não faria parte da realidade propriamente humana. Já para Tomás há, no homem, uma união intrínseca de espírito e matéria [8].

Do ponto de vista de Aristóteles e Tomás, a questão "O que é o homem?" é inquietante porque a realidade humana se apresenta como fenômeno muito complexo, integrando em si a unidade harmônica de espírito e matéria. Assim, a dimensão corporal é plenamente afirmada e reconhecida como integrante da natureza humana: o fato, afinal evidente, de que o homem é um animal , compartilhando uma dimensão material - um corpo, uma bioquímica... - com os outros animais [9]. Mas, se por um lado afirma-se a realidade corpórea, por outro afirma-se, com igual veemência, que há também, no homem, uma transcendência do âmbito meramente biológico: certas características que, classicamente, têm sido chamadas de espirituais, ligadas - como veremos mais adiante - às duas faculdades espirituais da alma humana : a inteligência e a vontade.

Potência-Ato. Matéria-Forma. Alma

O realismo aristotélico é considerado um dualismo equilibrado e apresenta uma grande unidade em sua concepção teórica, uma unidade centrada no conceito de "alma". É muito importante destacar essa unidade. Para Aristóteles e para Tomás a filosofia do homem é uma extensão da filosofia do ser vivo em geral, e esta, por sua vez, continua a mesma linha de análise filosófica do ser material em geral. Afirma-se pois, plenamente, a realidade espiritual, mas em articulação, em íntima conexão com a matéria.

A filosofia de Tomás reconhece uma impressionante unidade no mundo material: a mesma estrutura de análise filosófica do ente físico em geral, de uma pedra, digamos, é aplicada a todos os viventes e, também, ao homem, que é um ente espiritual.

Não é o caso aqui de examinarmos com detalhes técnicos os conceitos filosóficos que integram essa análise. Em todo caso, vale a pena mencionar, brevemente, alguns desses conceitos como: potência e ato; matéria e forma; alma e espírito.

Potência e ato são dois modos distintos e fundamentais de ser. Sendo modos fundamentais de ser são, a rigor, indefiníveis. Aristóteles contenta-se com descrevê-los: potência é a possibilidade, a potencialidade de vir a ser ato. E o ser-em-ato é aquele que propriamente é, enquanto o ser-em-potência pode vir a ser ato. O exemplo clássico é o da semente (potência) que pode vir a ser árvore (a árvore real é o ato contido na potência, na potencialidade da semente). Encontramos, ainda hoje, vestígios desse uso aristotélico da palavra "ato". Nesse sentido, é interessante notar o tributo que a língua inglesa paga a Aristóteles : para referir-se ao que realmente é, à realidade de fato, o inglês diz actually, que significa, ao pé da letra, o advérbio do ato, atualmente, significando: de verdade, de fato. E quando, em português, dizemos que algo é exato, estamos pensando em ex-actu, ex - a partir de / - actu, a realidade [10]

Para a análise do ser vivo (como para a análise do ser físico em geral) Tomás, seguindo Aristóteles, aplica o binômio ato-potência, sob a formulação matéria-forma. Devemos pensar estas palavras "matéria" e "forma" não no sentido usual que lhes damos hoje, mas num outro sentido, naquele que recebem no quadro da filosofia aristotélica da natureza, denominada hilemoifismo (literalmente: matéria-forma; hilé-morjé).

Assim, matéria ou matéria-prima [11] deve ser entendida simplesmente como potencialidade, como pura possibilidade de ser ente físico. Uma potência que se vê realizada (atualizada) pela união com o ato que é a forma (substancia [12]) . Desse modo, um ser físico qualquer, digamos, um diamante é composto de maté­ria e forma, em união intrínseca : a matéria-prima é a pura potência de ser ente físico e a forma substancial é o ato primeiro, fundamental, que determina a atualização dessa potência. Assim, se o diamante é um ser físico, é porque tem possibilidade, potencialidade de sê-lo (e assim todo ser físico tem matéria-prima, potencialidade de ser um ente físico).

Essa potencialidade da matéria-prima é realizada, atualizada, recebe seu ato, sua realidade, pela forma substancial: aquele componente que faz com que o diamante seja diamante e não, digamos, um gato ou uma orquídea . O diamante, a orquídea, o gato e o homem têm algo em comum: todos são seres físicos que se constituem, portanto, da pura potencialidade indeterminada que é a matéria-prima. Mas são distintos pela forma que cada um tem e que faz com que cada um seja o que é: o diamante é diamante porque tem forma substancial de diamante; Mimi é gato porque tem forma substancial de gato; João é homem porque tem forma substancial de homem [13].

E é tal a unidade de sua consideração do cosmos, que Tomás emprega o mesmo binômio matéria-forma para indicar tanto a composição substancial de uma pedra quanto a de um homem, que é um ser espiritual.

Nesse contexto é fácil entender o conceito de alma. Alma é pura e simplesmente uma forma: a forma substancial do vivente. Certamente, a alma é uma forma muito especial (daí que também receba um nome especial), mas é uma forma [14].

Sempre que houver vida - e a vida caracteriza-se por um modo especial de interagir com o exterior a partir de uma interioridade - essa vida implica uma especialidade de forma do vivente: a alma. Desse modo, pode-se falar em alma de um vegetal, alma de uma samambaia, em alma de uma formiga ou de um cão e, também, em alma humana (neste caso, trata-se de uma alma espiritual) . A alma (como, aliás, todas as formas substanciais) é um princípio de composição substancial dos viventes. Ou melhor, um co-princípio (em intrínseca união com o outro co-princí­pio: a matéria-prima). É pela alma que se constitui e se integra o vivente enquanto tal , e ela é também a fonte primeira de seu agir, de suas operações.

Estas são, aliás, as duas definições que Aristóteles e Santo Tomás dão da alma.

1ª definição: Alma é o ato primeiro do corpo natural organizado (Tomás de Aquino, De anima II, 1, 412, a 27, b.S).

Esta definição diz, pura e simplesmente, que a alma é forma substancial para o vivente: o princípio ativo constituinte da unidade e do ser do vivente.

2ª definição: Alma é aquilo pelo que primeiramente vivemos, sentimos, mudamos de lugar e entendemos... (Tomás de Aquino, De anima II, 2, 414, a 12).

Também esta segunda definição caracteriza a alma como forma substancial, mas, neste caso, enfatizando a forma substancial enquanto fonte radical das operações do sujeito. O cão late ou morde não porque tem boca, sim, mas em última instância, porque é vivo, porque tem forma substancial, alma de cão.

A alma e suas potências: os fatores na operação

A alma não opera diretamente, e é por esta razão que Aristó­teles diz: "A alma é aquilo pelo que primeiramente sentimos, mudamos de lugar etc." "Primeiramente" , aqui, significa que não é a alma diretamente que vê, anda, conhece ou quer, mas o vivente opera tudo isto por meio das potências ("potências" aqui, não no sentido entitativo, mas no sentido de potências operativas: faculdades) da alma: a potência visual, a potência motriz etc.

É conveniente, portanto, distinguir os diversos fatores presentes numa operação qualquer de um vivente. O mesmo vivente pode estar exercendo ou não tal operação e, no entanto, está continuamente vivo, está sendo informado pela alma. Daí que seja necessário distinguir a alma (substancial, sempre atuante) de suas potências operativas (que podem estar operando ou não). A potência visual ou a motriz não estão atuando quando, por exemplo, estou dormindo, mas a alma, princípio vital, está sempre presente, como forma substancial do vivente.

Enumeremos os diversos fatores que concorrem nas opera­ções do vivente.

1) O próprio vivente. O sujeito, João, que faz esta ou aquela operação (por exemplo, ver ou ouvir).

2) A alma. Se João realiza tais e tais operações é porque é vivente e, em última instância, porque é dotado de alma. Se ele fosse pedra, não veria nem ouviria.

3) As potências da alma. Pois não é a alma diretamente que vê , ouve, se locomove etc. Ela realiza estas operações por meio de suas potências. A alma é dotada de uma potência visual, que realiza o ato de ver; de uma potência auditiva , que realiza o ato de ouvir etc.

4) Os atos das potências. Sabemos que a alma é dotada de diferentes faculdades, precisamente porque são distintos os atos que o vivente realiza: o ato de ver é diferente do de ouvir; pensar é distinto de querer etc.

5) Os objetos (formais) dos atos. Podemos dizer que se esses atos (de ver e de ouvir, por exemplo) são diferentes é porque são diferentes seus objetos: o objeto do ato de ver é a cor; o objeto do ato de ouvir é o som.

6) O objeto material. Claro que o mesmo objeto material - uma fogueira, por exemplo - pode ser apreendido por diversas potências, mas cada uma o apreende pelo seu particular objeto formal (a potência visual capta a cor do fogo; a auditiva , seu crepitar; o olfato se ocupa do cheiro de queimado etc.).

Os três graus de vida. Espírito e inteligência no homem

Vida é a capacidade de realizar operações com espontaneidade e imanência, portanto, por iniciativa própria, a partir de si mesmo e operações que terminam no próprio sujeito.

Três graus de vida correspondem a três graus de espontaneidade e de imanência na realização das operações. E correspondem também a três tipos de alma: vegetativa, sensitiva e intelectiva.

Ao primeiro grau de vida - a vida vegetativa - corresponde um ínfimo grau de espontaneidade e imanência: o vegetal é senhor apenas da mera execução da operação: do seu "nutrir-se", do seu crescimento, de sua reprodução.

Note-se de passagem que, na medida em que subimos na escala da vida, ao mesmo tempo que a alma vai crescendo em espontaneidade e imanência ocorre também uma ampliação de seu campo de relacionamento: desde o limitado meio que circunda uma planta ao mundo sem fronteiras do espírito humano.

A alma em cada grau de vida é - como princípio vital - única e realiza todas as funções dos graus inferiores: a alma espiritual responsável pelas delicadas poesias que João da Silva compõe é a mesma e única que é o princípio de operações vegetativas, como a circulação de seu sangue ou sua digestão.

Para além da mera execução das operações - que caracteriza a vida vegetativa -, a alma sensitiva do animal é responsável também - e isto diferencia o animal da planta - pelo sentir, pelo conhecimento sensível: pela apreensão (cognoscitiva) de realidades concretas e particulares que o circundam.

Assim, pelo conhecimento, que é claramente um fator importante em suas operações, o animal é mais dotado de espontaneidade e imanência do que o vegetal : o gato Mimi percebe este pires de leite, apreende-o com seus sentidos, e este conhecimento é responsável pelo seu movimento em direção a ele. Assim, os animais têm uma dimensão de vida superior à das plantas: são mais donos de suas operações e de suas interações com o ambiente, porque são capazes de sentir, isto é, são capazes de conhecimento de realidades sensíveis, de conhecimento de realidades particulares e concretas.

Essas faculdades do sentir ou faculdades do conhecimento sensível são os sentidos: a visão, a audição etc. [15]. Estão presentes nos animais e no homem. O conhecimento dos outros animais, porém, não transcende o âmbito do sensível, do concreto: esta cor, este cheiro, este som...

No caso do homem (que é o caso da vida intelectiva), sua alma, além das características próprias e peculiares, realiza todas as operações dos graus inferiores de vida. A alma humana não só é responsável pela realização das operações ligadas às faculdades da vida vegetativa - a circulação do sangue, a digestão etc. -; a mesma e única alma realiza também as operações sensitivas (pró­prias da vida animal, como o conhecimento sensível) e, além de tudo isto, essa mesma alma irrompe numa dimensão nova: a do espírito.

A alma humana está dotada de duas potências espirituais: a inteligência e a vontade.

Para nossa questão, interessa-nos especialmente a inteligência. Se o conhecimento sensível versa sobre a realidade particular e concreta (este vermelho, este sabor salgado, esta forma triangular etc.), a inteligência humana transcende, supera esse âmbito do particular, do material e do concreto e pode versar sobre o universal. A geometria, por exemplo, como conhecimento intelectual humano, não se ocupa desta forma triangular do recorte de papel que tenho diante dos olhos; ela trata, sim, do triângulo abstrato. E diz: "A soma dos ângulos internos do triângulo vale dois retos. "Destaquemos, nessa afirmação, seu caráter abstrato e universal: pouco importa se o triângulo é azul ou amarelo, se é acutângulo, retângulo ou obtusângulo; a inteligência versa sobre "o triângulo". E para "o triângulo": "A soma dos ângulos internos é dois retos. " Já a medicina estuda hepatologia, independentemente deste ou daquele fígado concreto.

Esta capacidade da inteligência de apreender o universal e abstrato abre um mundo sem fronteiras para o conhecimento: ele não se limita à realidade concreta que o circunda, mas atinge todo o ser. E precisamente essa abertura para a totalidade do real é o que se chama de espírito. Espírito é a capacidade de travar relações com a totalidade do real. Daí que Tomás repita, uma e outra vez, a sentença aristotélica: "Anima est quodammodo omnia", "A alma humana, sendo espiritual, é, de certo modo, todas as coisas"...

Podemos agora, com base na definição de inteligência como faculdade de conhecimento espiritual do homem, rever, com luzes novas, os conceitos básicos de Tomás.

Contra todo dualismo que tende a separar exageradamente no homem a alma espiritual e a matéria, Tomás afirma a intrínseca união, a substancial união de ambos os princípios: a alma espiritual, como forma, requer - em tudo e por tudo - a integração com a matéria. Pense-se, por exemplo, em todo o tema - hoje mais agudo e atual do que nunca - das doenças psicossomáticas: da relação, digamos, entre um desgosto ou uma crise existencial, por um lado, e uma gastrite ou uma úlcera, por outro. Mas o exemplo mais veemente dessa integração é encontrado na discussão do objeto próprio da inteligência humana.

Como dizíamos, não operamos diretamente pela alma, mas por meio de suas potências operativas. Ora, cada potência da alma é proporcionada a seu objeto: a potência auditiva não capta cores, a potência visual não atua sobre aromas.

Dizer que a inteligência é uma potência espiritual é dizer que seu campo de relacionamento é a totalidade do ser: todas as coisas - visíveis e invisíveis - são inteligíveis, "calçam" bem, combinam com a inteligência. Contudo, a relação da inteligência humana com seus objetos não é uniforme. Dentre os diversos entes e modos de ser, há alguns que são mais direta e imediatamente acessíveis à inteligência. É o que Tomás chama de objeto próprio de uma potência: aquela dimensão da realidade que se ajusta, por assim dizer, "sob medida" à potência (ou, melhor dizendo, é a potência que se ajusta àquela realidade). Não que a potência não incida sobre outros objetos, mas o objeto próprio é sempre a base de qualquer captação: se pela visão captamos, por exemplo, nú­mero e movimento (e vemos, digamos, sete pessoas correndo), é porque vemos a cor, objeto próprio da visão. Ora, próprio da inteligência humana - potência de uma forma espiritual acoplada à matéria - é a abstração: seu objeto próprio são as essências abstratas das coisas sensíveis. Próprio da inteligência humana é apreender a idéia abstrata de "cão" por meio da experiência de conhecer pelos sentidos diversos cães: Lulu, Duque e Rex...

Assim, Tomás afirma: "O intelecto humano, que está acoplado ao corpo, tem por objeto próprio a natureza das coisas existentes corporalmente na matéria. E, mediante a natureza das coisas visíveis, ascende a algum conhecimento das invisíveis" (S. Th. I, 84, 7). E nesta afirmação, como dizíamos, espelha-se a própria estrutura ontológica do homem: mesmo as realidades mais espirituais só são alcançadas, por nós, através do sensível. "Ora - prossegue Tomás -, tudo o que nesta vida conhecemos, é conhecido por comparação com as coisas sensíveis naturais." Esta é a razão pela qual o sentido extensivo e metafórico está presente na linguagem de modo muito mais amplo e intenso do que, à primeira vista, poderíamos supor.

Contra todo dualismo que tende a separar exageradamente no homem a alma espiritual e a matéria, Tomás afirma a intrínseca união e mútua ordenação de ambos os princípios. Contra todo "espiritualismo", Tomás conclui: "É evidente que o homem não é só a alma, mas um composto de alma e de corpo" (Summa theologica I, 75, 4). E esta união se projeta na operação espiritual que é o conhecimento: "A alma necessita do corpo para conseguir o seu fim, na medida em que é pelo corpo que adquire a perfeição no conhecimento e na virtude" (C.G. 3, 144.).

Para Tomás o conhecimento intelectual (abstrato) requer o conhecimento sensível. É sobre os dados do conhecimento sensí­vel que atua o intelecto, em suas duas funções: intelecto agente e paciente.

A seguir apresentaremos um resumo tipificado (com as limitações que se dão nesses casos...) de como ocorre uma apreensão intelectual: o sujeito cognoscente está diante de um objeto determinado, digamos, João diante de um gato, Mimi. O que se conhece, segundo Tomás, é a própria realidade (ainda que para isso sejam necessários certos intermediários: as espécies...). Na passagem da impressão sensível para a idéia abstrata, o intelecto vai exercer duas funções: a de intelecto agente e a de intelecto paciente (ou passivo). Por isso, Tomás compara o intelecto a um olho que emite luz sobre aquilo que ele mesmo vê.

Todo conhecimento começa pelos sentidos: uma vez que os sentidos apreendem uma imagem (imagem em qualquer dimensão sensível, não só visual, mas também auditiva etc.), essa imagem assim interiorizada (que recebe o curioso nome de "fantasma") é oferecida ao intelecto (agente) para que - para além das impressões sensíveis (a determinada cor, aspecto, cheiro etc. deste gato concreto) - torne "visível" sua essência abstrata de gato. Nesse sentido, um filósofo contemporâneo, ]ames Royce, compara a ação do intelecto agente a um tubo emissor de raios X que torna visí­vel a estrutura óssea (na comparação: a essência) subjacente à pele (comparada aos aspectos sensíveis): esta é visível em nível de luz normal (conhecimento sensível); aquela (a essência), em nível de raios X (na comparação: o conhecimento intelectual). Esse "fantasma" despojado de suas características particularizantes [16], abstraído, é oferecido ao intelecto passivo (que só é passivo no sentido de que depende da ação do intelecto agente), para que produza o conceito. Na metáfora, o intelecto paciente poderia ser comparado ao filme virgem de raios X (com a ressalva de que o filme é totalmente passivo, enquanto o intelecto reage ativamente para formar o conceito) . O conceito, por sua vez, é meio para a união com o próprio objeto. O intelecto agente está assim ligado à atividade de aquisição do conhecimento; o paciente, ao estado de saber.

O conhecimento é assim uma apropriação imaterial, intencional [17] de formas (acidentais ou substanciais) sensíveis ou não, pelas quais o sujeito se une à própria realidade do objeto (que tem a forma materialmente, constituindo-o como tal ente). A potência intelectiva de posse de formas está in-formada, conhece.

A segunda potência espiritual: a vontade

Mas o homem - tal como os outros animais - não é só inteligência. Há nele, além disso, uma dinâmica , um tender à posse efetiva (e não meramente cognoscitiva) de objetos, e isto é o que se chama, classicamente, apetite. Um animal, um cachorro, por exemplo, não só tem um conhecimento, digamos, de um osso (conhecimento que, no caso do animal, não supera o âmbito do sensível, do particular, do concreto), mas tende a esse osso realmente, tende à posse efetiva do osso: é o que, como dizíamos, se chama apetite (um apetite que, no caso dos animais, está limitado também ao âmbito do sensível, do particular, do concreto).

Apetite é a tendência a aproximar-se do bem (daquilo que o conhecimento apresenta como bem) e afastar-se do mal. Naturalmente, o apetite está ligado ao conhecimento e dele decorre: porque farejou o osso é que o cachorro procura roê-lo; porque viu o lobo é que a ovelha foge... Ora, assim como no homem há, além do conhecimento sensível um conhecimento intelectual, assim também, além do apetite sensível, estamos dotados de uma outra potência apetitiva que se articula com o conhecimento intelectual: é a vontade. A vontade é, pois, a potência apetitiva espiritual, o apetite que decorre do conhecimento intelectual. Esta é a razão pela qual podemos nos motivar não só pela obtenção de uma realidade particular e concreta, digamos, um sorvete de creme, mas também ser motivados por: "a justiça", "a dignidade", "o bem", "os direitos do homem", "a honra" etc. Se o objeto formal de todo apetite é o bem, o objeto formal da vontade, enquanto apetite intelectual, é o bem intelectualmente conhecido como tal.

O problema do ensino no De magistro

O problema do ensino, como não poderia deixar de ser, é proposto por Tomás nos quadros de sua antropologia e doutrina sobre o conhecimento.

A própria palavra "educação", ainda que não apareça em Tomás, é como que sugerida diversas vezes em suas análises: trata-se de um eduzir o conhecimento em ato a partir da potência: "scientia educatur de potentia in actum (art. 1, obj. 10); a mente extrai o ato dos particulares dos conhecimentos universais (ex universalibus cognitionibus mens educitur - art. 1, solução); leva ao ato (educantur in actum - art. 1, ad 5) [18].

Ensinar é, pois, uma edução do ato; uma condução da potência ao ato que só o próprio aluno pode fazer. Tomás está distante de qualquer concepção do ensino como transmissão mecâ­nica; o professor, tudo o que faz é en-signar (insegnire), apresentar sinais para que o aluno possa por si fazer a edução do ato de conhecimento, no sentido da sugestiva acumulação semântica que se preservou no castelhano: enseñar (ensinar/mostrar): o mestre mostra! Nesse contexto, é altamente sugestiva a genial comparação da aprendizagem com a cura e a do professor com o médico, no art. 1.

Tomás, ainda no art. 1 (solução) , contesta algumas concep­ções da época, como a da existência de um único intelecto agente, separado, para todos os homens. Para ele, os que afirmam que Deus é o único agente (também no caso do ensino) atentam contra o plano do próprio Deus, causa primeira que age também pelas criaturas (causas próximas): "Ignoram a dinâmica que rege o universo pela articulação de causas concatenadas: Deus pela excelência de sua bondade confere às outras realidades não só o ser, mas também que possam ser causa."

No art. 2, Tomás aprofunda na discussão do ensino em oposição à aquisição de conhecimentos por si próprio. E conclui afirmando a superioridade do ensino.

O art. 3 é dedicado à curiosa questão da possibilidade de o homem ser ensinado por um anjo: "se bem que só Deus infunda na mente a luz da verdade, o anjo ou o homem podem remover impedimentos para a percepção da luz" (Em contr. 6). E estuda também de que formas o homem pode ser ensinado por um anjo (o anjo, ao contrário do homem, não raciocina - o intelecto angé­lico atinge diretamente o conhecimento e não precisa dos enlaces lógicos e dos silogismos, que classicamente se chamam razão).

No art. 4, Tomás mostra o caráter, ao mesmo tempo ativo e contemplativo, do ensinar

Cronologia

Contexto em que ocorre o nascimento de Tomás

c. 1170. Nascimento de São Domingos em Caleruega (Castela).

1182. Nascimento de Francisco de Assis. Francisco e Domingos irão fundar, no começo do séc. XIII, as ordens mendicantes: franciscanos e dominicanos. As ordens mendicantes, voltadas para a vida urbana, e, posteriormente, para a Universidade, sofrerão duras perseguições em Paris.

c. 1197. Nascimento de Alberto Magno, um dos primeiros grandes pensadores dominicanos, mestre de Tomás.

1210. Primeira proibição eclesiástica de Aristóteles em Paris.

1215. Estatutos fundacionais da Universidade de Paris. Inglaterra: Carta Magna.
Fundação da Ordem dos Pregadores.

1220. Coroação do imperador Frederico II.

1224-5. Nascimento de Tomás no castelo de Aquino, em Roccasecca (reino de Nápoles). Filho de Landolfo e Teodora. Seu pai e um de seus irmãos pertencem à aristocracia da corte de Frederico II.
Frederico II funda a Universidade de Nápoles para competir com a Universidade de Bolonha (pontifícia).

1226. Morte de São Francisco de Assis.

Infância e adolescência no Reino de Nápoles

1231. Tomás é enviado como oblato à abadia de Monte Cassino (situada entre Roma e Nápoles). Monte Cassino, além de abadia beneditina, é também um ponto crucial na geopolítica da região: é um castelo de divisa entre os territórios imperiais e pontifícios.

1239-44. Tomás estuda Artes Liberais na Universidade de Nápoles e toma contato com a Lógica e a Filosofia Natural de Aristóteles, em pleno processo de redescoberta no Ocidente. Conhece também a recém-fundada ordem dominicana, que - junto com a franciscana - encarna o ideal de pobreza e de renova­ção moral da Igreja.

Juventude na Ordem dos Frades Pregadores

1244. Tomás integra-se aos dominicanos de Nápoles, sob forte oposição da família, que tinha para o jovem Tomás outros planos que não o de ingressar numa
ordem de pobreza.

1245-8. Superada a oposição da família, Tomás faz seu noviciado e estudos em Paris. A Universidade de Paris, desde há muito, goza de um prestígio incomparável.

1248. Sexta Cruzada.

1248-52. Tomás com Alberto Magno em Colônia, onde em 1250-1 recebe a ordenação sacerdotal.

1250. Morre Frederico II.

Os anos de maturidade

1252-9. Tomás professor em Paris. Inicialmente (1252-6), como bacharel sentenciário e, de 1256 a 1259, como mestre regente de Teologia. Escreve o Comentário às sentenças de Pedro Lombardo. Em 1259, come­ça a redigir a Summa contra Gentiles. Em defesa da causa das ordens mendicantes, perseguidas, escreve em 1256 o Contra impugnantes Dei cultum et religionem.

1260-1. Tomás é enviado a Nápoles para organizar os estudos da Ordem. Continua a compor a Contra
Gentiles.

1261-4. O papa Urbano IV - pensando numa união entre o Oriente cristão e a cristandade ocidental - leva Tomás por três anos a sua corte em Orvieto.

1264. Tomás conclui a Summa contra Gentiles.

1265. Tomás é enviado a Roma com o encargo da dire­ção da escola de Santa Sabina. Começa a escrever seus comentários a Aristóteles e a Summa theologica. Nascimento de Dante Alighieri.

1266. Nascimento de Giotto.

1267. Um novo papa, Clemente IV, chama Tomás à sua corte em Viterbo, onde permanece até o ano seguinte.

1269-72. Tomás exerce sua segunda regência de cátedra em Paris. Escreve o Comentário ao Evangelho de João. Recrudesce a perseguição contra as ordens mendicantes na Universidade de Paris.

1272-3. Tomás regente de Teologia em Nápoles.

1274. Tomás morre a caminho do Concílio de Lyon.

1277. Condenação, por parte do bispo de Paris, de 219 proposições filosóficas e teológicas (algumas de Tomás) em Paris.

1280. Morte de Alberto Magno.

1323. Tomás é canonizado por João XXII

Notas:

Apresentação

[1] O texto latino de que fundamentalmente nos valemos para essa tradução do De Veritate é o da edição eletrônica feita por Roberto Busa, Thomae Aquinatis Opera Omnia cum hypertextibus in CD-ROM. Milão, Editaria Elettronica Editei, 1992 (Textus Leoninus aequiparatus).

[2] Cf. Tomás de Aquino, Verdade e conhecimento, São Paulo, Martins Fontes, 1999; trad. e estudos introdutórios de Luiz Jean Lauand e M. B. Sproviero. Nessa edição, o leitor encontrará um estudo biobibliográfico sobre Tomás que traz também alguns outros textos do Aquinate (das Questões disputadas sobre a verdade e do Comentário ao Evangelho de João). E em outro volume desta mesma "Coleção Clássicos"- Cultura e Educação na Idade Média, L. J. Lauand (org.) - encontram-se outros quatro pequenos estudos de Tomás de Aquino sobre o amor, o estudo, o bom humor e o reinado de Cristo (comentário ao salmo 2).

[3] O texto latino de que nos valemos para a tradução dos artigos do De Malo é o texto crítico da edição leonina: S. Thomae Aquinatis Doctoris Angelici, Opera Omnia iussu Leonis XIII, P. M. edita, curo et studio fratrum praedicatorum, Romae 1882 ss., reproduzido na edição I vizi capitali (intr., trad. e nota di Umberto Galeazzi), Milão, Biblioteca· Universale Rizoli, 1996. A Summa e as sentenças seguem a edição eletrônica feita por Roberto Busa, Thomae Aquinatis Opera Omnia cum hypertextibus in CD-ROM. Milão, Editoria Elettronica Editel, 1992.

Introdução

[1] Weisheipl, ]ames A. Tomás de Aquino - Vida, obras y doctrina, Pamplona, Eunsa, 1994, p. 235.

[2] Pieper, Abertura para o todo: a chance da Universidade, São Paulo, Apel, 1989, p. 44.

[3] Utrum é o "se" latino que indica uma entre duas possíveis opções (daí neutrum, "nem um nem outro").

[4] Pieper, Abertura..., pp. 44-5.

[5]. Cf. Pieper, Wahrheit der Dinge, Munique, Kösel, 1951, pp. 113 ss.

[6] Entre as autoridades citadas por Tomás está a Glosa. A Glosa - ordinária e interlinear (esta mais breve) - deriva dos ensinamentos de Anselmo de Laon e de sua escola (séc. XII) e utiliza muito material exegético anterior.

[7] Platão chega a admitir a existência de três almas no homem, que correspondem às três funções da mesma e única alma humana na doutrina aristotélica.

[8] União extrínseca é a que se dá, digamos, entre um indivíduo e sua roupa ou entre o queijo e a goiabada; união intrínseca é a que ocorre, por exemplo, entre um objeto e sua cor (a cor não se dá sem o objeto e nem se dá objeto sem cor).

[9] E aqui é interessante notar a força do realismo de Tomás: a própria expressão "outros animais", em suas diversas formas latinas - alia animalia, aliis animalibus etc. - aparece nada menos do que cerca de quatrocentas vezes na obra do Aquinate.

[10] Um terno exato em suas medidas e feitura é um terno feito a partir da realidade do sujeito que vai usá-lo, e não, digamos, um terno comprado pronto e mal-ajustado a quem o usa...

[11] Conceito que, aliás, não coincide com a acepção industrial que hoje damos à expressão "matéria-prima".

[12] A forma substancial é aquela que, em união com a matéria-prima, constitui a substância do sujeito. Naturalmente, há também formas acidentais (cor, tamanho etc.) que inerem na substância.

[13] Cabe aqui uma breve explicação sobre o modo como a filosofia chegou a esses conceitos. Para analisar a realidade material, Aristóteles parte da experiência dos fenômenos da unidade substancial de cada ente, de cada sujeito. Aristóteles parte também da realidade das mudanças substanciais, isto é, aquelas, por assim dizer, mais sérias, nas quais o que muda é não já esta ou aquela qualidade acidental do sujeito (que ficou mais alto, mais gordo, mais corado, ou mudou de lugar...), mas o próprio sujeito: uma coisa, X deixa de ser o que era e passa a ser outra coisa: Y (para mero efeito de exemplificação didática, pensemos em um pedaço de madeira que se queima e deixa de ser a substância que era - madeira - e passa a ser outra coisa: cinza). Nesses casos de mudança substancial, o novo ser Y não proveio do nada (mas, evidentemente, de X) e o ser X não se reduziu ao nada (deixou de ser X e passou a ser Y). Examinando, portanto, esses casos de mudança de substância, vemos que há algo que permanece e algo que muda (o que indica que a substância é composta de dois elementos: um que permanece, outro que muda). O que permanece é a matéria-prima, realizada, atualizada, em cada caso, por um fator determinante dessa potência que faz com que X seja X e Y seja Y: a forma substancial.

[14] Sempre que falo desse ponto, lembro-me do comentário jocoso (mas pleno de sentido...) feito por um aluno. "Com a palavra 'alma' (em relação às demais formas)- dizia ele- dá-se algo de semelhante ao que ocorre com certas denominações de sanduíche: os sanduíches com queijo são prefixados por cheesecheese-burger, cheese-dog etc. Mas o 'misto quente' é um sanduíche tão tradicional, tão especial, que ninguém o chama de cheese-presunto, mas por um nome também especial: 'misto quente'". Brincadeiras à parte, podemos dizer que a alma é uma forma, mas uma forma muito especial, porque atua, in-forma o vivente, constituindo o princípio da vida e, portanto, recebe o nome especial de alma.

[15] A filosofia clássica divide as potências dos conhecimentos sensíveis, ou seja, os sentidos, em: sentidos externos (basicamente os tradicionais cinco sentidos) e sentidos internos, em número de quatro: sentido comum, imagina­ção, memória e capacidade estimativa.

[16] Outra operação importante nesse processo é a collatio, a confrontação (feita pelo sentido interno chamado "capacidade cogitativa", que participa do intelecto) entre esta impressão e outras semelhantes, preparando a formação do conceito intelectual.

[17] No sentido de intentio, o conhecimento que se apropria de uma forma.

[18] Daí também que Tomás afirme que a aquisição do conhecimento, com as devidas ressalvas, pode ser comparado às "razões seminais", aquelas potencialidades que "não se tornam ato por nenhum poder criado, mas estão inscritas na natureza só por Deus" (obj. 5). Ressalvas, pois se trata de potencialidades que não procedem da criatura, mas que podem ser conduzidas ao ato pela ação do ensino humano (resposta ã obj. 5).

***

Leia mais em O professor e a docência em S. Tomás de Aquino

Leia mais em Progresso e Tradição em Pedagogia



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Como analisar um livro de Matemática do Ensino Médio


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Tempo de leitura: 16 minutos. 

Apresentamos o texto da Apresentação e da Introdução do livro Exame de Textos: Análise de Livros Didáticos de Matemática Para o Ensino Médio, dos seguintes autores:

Elon Lages Lima (editor)

Analistas:

Augusto César Morgado 
Edson Durão Júdice
Eduardo Wagner
Elon Lages Lima
João Bosco Pitombeira de Carvalho 
José Paulo Quinhões Carneiro 
Maria Laura Magalhães Gomes 
Paulo Cezar Pinto Carvalho

e publicado em 2001 por

VITAE - Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social 
IMPA Instituto de Matemática Pura e Aplicada 
SBM Sociedade Brasileira de Matemática.


Apresentação

Este trabalho contém análises de 36 volumes, que compõem 12 coleções de livros didáticos de Matemática, utilizados nos três anos do Ensino Médio das escolas brasileiras.

Ao publicá-lo, moveu-nos o propósito de contribuir para a melhoria da qualidade dos nossos livros-texto, complementando a ação do MEC, que tem avaliado os livros da primeira à oitava série. Devemos esclarecer, entretanto, que há pelo menos duas diferenças fundamentais entre nossa iniciativa e a do MEC. A primeira é que não nos propomos a fazer avaliações; nem sequer temos mandato para isso. A segunda é que nossas análises têm um cunho de orientação, oferecendo (junto com a crítica) sugestões e propostas, numa linha de pensamento objetivo, com base nos princípios estabelecidos na Introdução que dá início a este livro. Depois de apresentadas as 36 análises, o Posfácio resume ao final a impressão que nos deixou essa longa leitura de mais de 15 mil páginas.

Para cumprir esta tarefa, contei com a competente e dedicada colaboração de um seleto grupo de colegas aos quais tive o privilégio de me associar e tenho agora a satisfação de agradecer publicamente. Muito obrigado, pois, a Augusto César Morgado, Edson Durão Júdice, Eduardo Wagner, João Bosco Pitombeira de Carvalho, José Paulo Quinhões Carneiro, Maria Laura Magalhães Gomes e Paulo Cezar Pinto Carvalho.

Cada coleção foi analisada por dois de nós. No índice, após a referência a cada obra escrutinizada, seguem-se os nomes dos respectivos analistas.

A execução deste projeto só foi possível graças ao honroso patrocínio de VITAE, uma organização privada à qual a Educação em nosso país muito deve. Como sempre, contamos com o apoio do IMPA, que vê corretamente o ensino básico como uma etapa indispensável para a pesquisa, e da SBM, cujo suporte nosso trabalho tem sido constante todos esses anos.

Rio de Janeiro, fevereiro de 2001
Elon Lages Lima


Introdução

Fundamentos para a análise dos livros-texto de Matemática para o Ensino Médio

Análise dos livros-texto para o ensino da Matemática na Escola Média deve levar em conta, acima de tudo, sua adequação às três componentes básicas desse ensino, a saber: Conceituação, Manipulação e Aplicação. Em seguida, deve-se indagar se o livro examinado é organizado de modo a permitir ao seu leitor (professor ou aluno) o acesso aos, a familiarização com, e — posteriormente — a utilização efetiva dos conhecimentos adquiridos.

A Conceituação compreende a formulação de definições, o enunciado de proposições, o estabelecimento de conexões entre os diversos conceitos, bem como a interpretação e a reformulação dos mesmos sob diferentes aspectos. É importante destacar que a conceituação precisa é indispensável para o êxito das aplicações.

A Manipulação, de caráter essencialmente (mas não exclusivamente) algébrico, está para o ensino e o aprendizado da Matemática assim como a prática dos exercícios e escalas musicais está para a Música. A habilidade no manuseio de equações, fórmulas, operações e construções geométricas elementares, o desenvolvimento de atitudes mentais automáticas, verdadeiros reflexos condicionados, permitem ao usuário da Matemática concentrar sua atenção consciente nos pontos realmente cruciais, sem perder tempo e energia com detalhes.

A Aplicação é o emprego de noções e teorias da Matemática em situações que vão de problemas triviais do dia-a-dia a questões mais sutis provenientes de outras áreas, quer científicas quer tecnológicas. Ela é a principal razão pela qual o ensino da Matemática é tão difundido e tão necessário.

Ainda no  âmbito dessas considerações gerais, o crítico deve ter em mente que o livro didático é, na maioria dos casos, a única fonte de referência com que conta o professor para organizar suas aulas, e até mesmo para firmar seus conhecimentos e dosar a apresentação que fará em classe. Assim, é necessário que esse livro seja não apenas acessível e atraente para o aluno, como também que ele constitua uma base amiga e confiável para o professor, induzindo-o a praticar os bons hábitos de clareza, objetividade e precisão, além de ilustrar, sempre que possível, as relações entre a Matemática e a sociedade atual.

Conceituação

No exame do livro didático sob o aspecto da Conceituação, os seguintes itens devem ser apreciados:

1. Erros. Este é um quesito de natureza ampla, que abrange, entre outros, os tipos abaixo.

(a) Erros provenientes de desatenção, como erros de cálculo e de impressão. Estes são corrigíveis pelo professor cuidadoso mas são muito desagradáveis para o aluno, que fica perplexo, principalmente quando os encontra nas respostas dos exercícios.

(b) Erros de raciocínio, como confundir uma proposição com sua recíproca, tirar conclusões forçadas (exemplo: afirmar que um fato geral é conseqüência de um caso particular), dividir por algo que pode ser zero, etc.

(c) Erros de definição. Uma definição pode ser incorreta por vários motivos. Ela pode estar em flagrante desacordo com a prática universal (exemplo: “chama-se intervalo a todo conjunto de números reais”), pode conduzir a contradições (exemplo: admitir uma reta como paralela a si própria e, noutro local, dizer que um sistema linear com duas incógnitas é impossível quando as retas que representam as equações são paralelas), pode ser incompleta, deixando de lado casos importantes que deveriam ser incluídos nela, pode ser excessivamente abrangente, etc.

(d) Erros resultantes de conceitos mal formulados e vagos, que dão lugar a ambigüidades, das quais resultam conclusões absurdas, como “no sistema $S$, de $3$ equações com $3$ incógnitas, $x$ e $y$ são indeterminados mas $z$ é impossível”.

2. Excesso de formalismo. Isto ocorre, por exemplo, na definição de função como conjunto de pares ordenados, na desnecessária definição de equação e, de um modo geral, nos capítulos que se referem a conjuntos.

3. Linguagem inadequada. Erros gramaticais, como “o objeto $A$ satisfaz a propriedade $P$”, “grau de uma função”, “raiz de uma função”, “variável” em vez de “incógnita”, “interceptar” em vez de “intersectar”, etc.

4. Imprecisão. Principalmente nas definições. O radiano, por exemplo, raramente é definido corretamente. O comprimento de um arco também. Até mesmo seno e cosseno têm definições vagas. O importante conceito de número real, que deve ser apresentado como o resultado de uma medida, é sempre deixado indefinido.

5. Obscuridade. Aqui a Conceituação e a Didática devem juntar-se para que se dê atenção a trechos ambíguos, ininteligíveis ou contraditórios.

6. Confusão de conceitos. Principalmente nos argumentos demonstrativos.

7. Ainda se pode incluir no item “Conceituação” o importante aspecto do livro didático que diz respeito à sua objetividade, que consiste em não dar relevância a pontos triviais e, ao mesmo tempo, destacar os tópicos, os conceitos e as proposições de importância crucial. Exemplos de desatenção a este princípio são abundantes e refletem uma deficiência realmente danosa, a saber, a ignorância do autor sobre as utilizações posteriores do que está apresentando. Esta deficiência é claramente notada no longo e dispersivo tratamento dado à Trigonometria, com exagero de fórmulas sem importância, impedindo o aluno, e o próprio professor, de distinguir o essencial do supérfluo. Esta grave falta ocorre ainda em vários outros tópicos, como PA, PG, Geometria Analítica, etc.

8. Conexões. Os vários assuntos expostos no livro (ou na coleção) devem ser relacionados uns com os outros, sempre que possível. Exemplos: PA com função afim, PG com função exponencial, função linear e função quadrática com áreas e volumes. A maioria dos livros fala em função inversa no vol. 1 e não menciona que exp e log são inversas; muito menos explora este fato. Sistemas lineares não são vistos sob o ponto de vista geométrico, etc. A conexão entre Trigonometria e Números Complexos tem sido pouco explorada. O mesmo ocorre entre Números Complexos e Geometria Plana.

Manipulação

Este aspecto é tão predominante nos livros didáticos brasileiros que praticamente o público em geral (mesmo os professores e alunos também) considera a Matemática como se resumindo a ele.

A manipulação deve estar presente, principalmente, nos exercícios mas precisa também ocorrer no texto, neste caso (sempre que possível) acompanhada de observações visando ajudar o leitor a ganhar eficiência, evitar erros, refletindo a experiência do autor que oferecerá sugestões para que a prática seja proveitosa.

É bem conhecido o abuso de manipulações desnecessariamente complicadas e inúteis, como por exemplo, os famosos “carroções” e mesmo as expressões (e equações) trigonométricas.

Exercícios de manipulação devem ser comedidos, simples, elegantes e, sempre que possível, úteis para emprego posterior.

Aplicações

Aqui reside a principal deficiência dos livros didáticos brasileiros de Matemática. Um teste revelador sobre a qualidade do livro a este respeito é o seguinte: quais são os exercícios e exemplos nele contidos, onde o objeto principal não é o assunto que acaba de ser estudado? Exemplos: exercícios sobre logaritmos onde a palavra “logaritmo” não ocorra no enunciado; problemas que se resolvam com trigonometria mas que não falem em seno, cosseno, etc.

Qualidades didáticas

As qualidades didáticas de um livro são as características nele contidas que ajudam o leitor a entender mais facilmente as noções ali apresentadas, aprendendo como utilizá-las e, principalmente, motivando-o a prosseguir na leitura, atraído pelo estilo do autor, pela elegância e simplicidade dos seus argumentos e pelos desafios que propõe.

A este respeito, uma importante qualidade que o livro deve possuir é que cada novo conceito apresentado seja precedido de situações-problema que justifiquem sua introdução e acompanhado de vários exemplos que visem não somente exibir suas aplicações como também esclarecer o significado desse conceito e familiarizar o leitor com seu uso. As aplicações podem variar do emprego na vida real até as conexões com outros tópicos matemáticos. Por exemplo, o estudo da função quadrática pode ser ilustrado com aplicações físicas ou por meio de problemas geométricos.

Deve ainda ser incluída entre as boas qualidades didáticas do livro a transmissão que seu(s) autor(es) faça(m) de sua experiência para o leitor, ajudando-o a não cometer erros e a corrigi-los caso os cometa. Por exemplo, sempre que cabível, nos exemplos e exercícios resolvidos no texto, deve ser feita uma estimativa preliminar da ordem de grandeza do resultado. O livro deve ainda incentivar o uso do bom-senso, para que erros sejam detectados por conduzirem a resultados absurdos. Isto, naturalmente, levará os autores a fazerem com que os dados e respostas dos problemas sejam realísticos.

Adequação do livro à realidade atual

O livro deve ajudar a preparação do aluno para tarefas relevantes na sociedade de hoje. Para isso, ele deve libertar-se de tópicos e métodos ultrapassados, substituindo-os por outros que correspondam aos dias de hoje.

Um habito arraigado nos textos tradicionais, fortemente impregnado na mente dos professores (e conseqüentemente dos alunos) é o mito das fórmulas e regras: fórmula das raízes de uma equação do segundo grau, regra de Cramer, fórmulas trigonométricas, regra de extração da raiz quadrada, etc. É necessário conscientizar-se da superioridade dos algoritmos sobre as fórmulas e regras, dos métodos iterativos de aproximação sobre as expressões fechadas e pouco utilizáveis.

Outro exemplo de obsolescência são as tabuas de logaritmos, que foram banidas pela calculadora mas ainda sobrevivem em diversos livros didáticos.

De um modo geral, o uso de calculadoras deve ser estimulado, como meio de evitar o desperdício de tempo com cálculos longos, laboriosos e inúteis (mas nunca como substituto para a tabuada).

Ainda dentro deste item se enquadra a escolha dos assuntos tratados pelo livro, que deve conter material que, além de atraente e ilustrativo, seja relevante por seu conteúdo básico e por suas aplicações, tanto a outras áreas da Matemática como a outras Ciências e à vida de hoje. Naturalmente esta seleção, para ser bem feita, requer do autor uma visão ampla, consultas a especialistas diversos e uma pesquisa cuidadosa em fontes variadas.

Papel educativo da avaliação

Cada relatório concernente à análise de uma coleção deverá trazer (além dos destaques dos pontos positivos e das críticas às suas deficiências) sugestões no sentido de corrigir as falhas, dando assim oportunidade a que os autores e editores de boa-vontade possam, em edições posteriores, reformular os textos, adaptando-os aos objetivos do Ensino Médio, conforme definidos na Lei de Diretrizes e Bases.


Livros analisados

Antônio dos Santos Machado - Matemática na Escola do Segundo Grau. Editora Saraiva.

(Analisado por Elon Lages Lima e Eduardo Wagner)


Benigno Barreto Filho e Cláudio Xavier da Silva - Matemática, Aula por Aula. Editora FTD.

(Analisado por Elon Lages Lima e Eduardo Wagner)


Edwaldo Bianchini e Herval Paccola - Matemática. Editora Moderna

(Analisado por Analisado por Paulo Cezar P. Carvalho e João Bosco Pitombeira de Carvalho)


Gelson Iezzi, Osvaldo Dolce, José Carlos Teixeira, Nilson José Machado, Márcio Cintra Goulart, Luiz Roberto da Silveira Castro e Antônio dos Santos Machado - Matemática. Editora Saraiva

(Analisado por Eduardo Wagner e Augusto César Morgado)


Nelson Gentil, Carlos Alberto Marcondes dos Santos, Antonio Carlos Greco, Antônio Bellotto Filho e Sérgio Emílio Greco - Coleção Matemática para o Segundo Grau. Editora Ática

(Analisado por Paulo Cezar P. Carvalho e João Bosco Pitombeira de Carvalho)


José Ruy Giovanni e José Roberto Bonjorno - Coleção Matemática. Editora FTD

(Analisado por José Paulo Q. Carneiro e Augusto César Morgado)


Katia Cristina Stocco Smole e Rokusaburo Kiyukawa - Matemática. Editora Saraiva

(Analisado por Eduardo Wagner e Augusto César Morgado)


Luiz Roberto Dante - Matemática: Contexto e Aplicações. Editora Ática

(Analisado por Elon Lages Lima e Eduardo Wagner)


Manoel Rodrigues Paiva - Coleção Matemática. Editora Moderna

(Analisado por Paulo Cezar P. Carvalho e João Bosco Pitombeira de Carvalho)


Márcio Cintra Goulart - A Matemática no Ensino Médio. Editora Scipione

(Analisado por Elon Lages Lima e Eduardo Wagner)


Maria Helena Soares de Souza e Walter Spinelli - Matemática. Editora Scipione

(Analisado por Paulo Cezar P. Carvalho e João Bosco Pitombeira de Carvalho)


Paulo Bucchi - Curso Prático de Matemática. Editora Moderna

(Analisado por Edson Durão Júdice e Maria Laura Magalhães Gomes)

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