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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 2

Jan Davidsz de Heem 
Still Life with Books 1625-30
Em um texto passado (disponível nesse link), eu trouxe a parte 1 de uma lista com alguns livros em língua portuguesa sobre educação. Agora trago uma parte 2. O critério daquela lista foi e continua sendo o mesmo: livros sobre educação que não contivessem influências ideológicas e que estivessem preocupados em explanar sobre uma verdadeira educação. Novamente muitos desses livros foram publicados pela primeira vez ou republicados recentemente no Brasil. Obviamente esta parte 2 complementa e amplia a lista anterior. Pode ser que saia uma parte 3 posteriormente.


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Como Ler Livros - O guia clássico para a leitura inteligenteMortimer Adler e Charles Van Doren. Editora É Realizações, 2010.

Sinopse: Neste clássico, Mortimer Adler nos ensina a praticar a leitura em diferentes níveis – elementar, inspecional, analítica e sintópica – e nos ajuda a adequar nossa expectativa e forma de leitura ao tipo de livro que pretendemos ler. Não se lê um romance da mesma forma que se lê ciência. Não se lê ciência da mesma forma que se lê história. Mais que um livro de técnicas de leitura, trata-se de um verdadeiro tratado de filosofia da educação.





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O Trivium - As artes liberais da lógica, da gramática e da retórica. Irmã Miriam Joseph. Editora É Realizações, 2014

Sinopse: O Trivium, da Irmã Miriam Joseph, resgata a abordagem integrada dos componentes da ciência da linguagem praticada na Idade Média e conduz o leitor por uma esclarecedora exposição da lógica, da gramática e da retórica. Mais importante do que o domínio destes assuntos, este livro pretende fornecer as ferramentas necessárias para o aperfeiçoamento da inteligência.






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Quadrivium - As quatro artes liberais clássicas da aritmética, da geometria, da música e da cosmologia. Org. John MartineauEditora É Realizações, 2014.

Sinopse: Um almanaque ilustrado de curiosidades sobre a presença da matemática no mundo à nossa volta. Trata da simbologia dos números, das proporções na natureza, na arte e na arquitetura; mostra a relação entre música e matemática e nos ajuda a compreender o funcionamento do nosso sistema solar.






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Coleção 7 Artes liberais: O Guia da Educação Clássica. Vários AutoresEdições Hugo de São Vitor, 2020-2023.

Sinopse: A Coleção 7 Artes Liberais: o Guia da Educação Clássica. Não é mais um livro, mas uma coleção completa. Não é só um livro que fala sobre Trivium e/ou Quadrivium, mas sim os livros necessários para o estudo pleno, os quais seguem a doutrina clássica sobre o assunto.

E isso faz toda a diferença, pois no mercado vemos muitos livros úteis, mas que falam só de forma teórica ou histórica das Artes Liberais. Agora você terá o material apropriado para realmente aprender e se exercitar nelas; um material que leva em conta o tempo necessário, o rigor dos estudos, bem como os resultados pretendidos.

Pensamos esta Coleção com o fim de que você possa obter todo o material e a orientação necessários para, finalmente, adquirir a formação de base, aquela que prepara e conduz aos estudos superiores e à vida refletida.

Trivium e Quadrivium:

Trivium e Quadrivium é o primeiro volume da Coleção 7 Artes Liberais e trata da doutrina geral das Artes Liberais.

O livro abre com uma introdução que discorre sobre a origem e a função da Coleção. Em seguida vêm as cartas ao aluno escritas pelo Prof. Clístenes Hafner Fernandes, as quais tratam dos diversos aspectos da pedagogia das Artes; na segunda parte do livro, as sete Artes são apresentadas uma a uma em detalhe, preparando o aluno para os livros específicos.

Além desse conteúdo, este primeiro volume traz no apêndice 5 obras clássicas sobre as Artes Liberais traduzidas pelo Prof. Clístenes; são opúsculos dos seguintes autores: Hugo de São Vítor, Rabano Mauro, Santo Alcuíno de Iorque, São Boaventura e Flávio Magno Aurélio Cassiodoro.

Gramática:

No primeiro livro sobre a Gramática, os temas são literatura e gramática do português. Estas disciplinas vêm para suprir o material e para conferir uma ordenação mais fina ao pensamento do estudante que está iniciando sua jornada intelectual pelas Artes Liberais.

Sabe-se bem que existe um déficit nos estudos literários, bem como no de gramática básica do português, no Brasil. Projetamos este volume com vistas a sanar estes problemas, antes de o aluno começar a avançar para águas mais profundas.

Este livro constitui-se num introito. A boa assimilação do seu conteúdo fará toda a diferença no prosseguimento dos estudos.

O terceiro e quarto livro da Coleção são os mais densos; eles reúnem uma gama de estudos que demandará muito tempo e esforço do aluno para dominá-la.

Estamos diante da mais grandiosa e influente obra didática que já existiu.

As Institutições Gramaticais de Manuel Álvares foram expressamente recomendadas na Ratio Studiorum para o ensino de latim em todos os colégios jesuítas. A obra recebeu nada mais, nada menos do que 530 edições em vinte e dois países, sendo a mais comentada e mais referida gramática latina de todos os tempos. Depois de ter caído no esquecimento de brasileiros e portugueses desde os tempos do Marquês do Pombal, chegou a hora de revermos o mais completo e eficaz curso de gramática já publicado na história.

A gramática de Álvares é dividida em três livros. Cada um trata de uma das partes da gramática: a etimologia, a sintaxe e a prosódia. Depois de 270 anos de exílio, a monumental obra de Manuel Álvares está de volta para terror dos pombalinos, e para nossa alegria. Em dois volumes majestosos de quase 900 páginas cada.

Arrematando os estudos de gramaticais, o aluno aprenderá a respeito da crítica dos poetas, uma disciplina que não tem o mesmo significado atualmente, mas é um aprofundamento em todos os aspectos de um texto literário.

Retórica:

No quinto livro da Coleção, apresentamos a doutrina retórica do grande Cipriano Soares, mestre jesuíta e um clássico da disciplina, em uma edição bilíngue.

O livro inicia com um tratado sobre a arte poética como ligação entre a gramática e a retórica, que mostra como as duas artes têm íntima conexão, revelando a transição de uma para outra a fim de que o aluno não fique boiando.

Segue-se a doutrina segura de Cipriano Soares comentada à luz de Aristóteles, Cícero e Quintiliano, os quais foram os autores que estruturaram a retórica no formato que se tornou célebre e aceito durante 2000 anos no Ocidente.

O sexto livro é uma antologia de discurso clássicos, que dá ênfase aos nomes de Demóstenes, Cícero e do Pe. Antônio Vieira, isto é, um grego, um romano e um cristão, perfazendo assim as culturas formativas da nossa civilização.

A seleta de discursos tem como finalidade ser matéria para assinalar e ilustrar os preceitos estudados no livro anterior. Finalizando o volume, há a parte que trata da arte da composição de discursos retóricos, com regras adaptadas ao mundo atual, sem, porém, perder de vista os cânones sempre aceitos.

Dialética:

Os livros sétimo e oitavo da Coleção são dedicados ao estudo da teoria da dialética. Isto se dará principalmente através do famoso tratado de Pedro da Fonseca, o Aristóteles português, que estará na íntegra em edição bilíngue, em latim e português. Caso o aluno ainda tenha problemas em alguma passagem mais difícil, os volumes contarão com aportes explicativos dos autores clássicos na matéria.

Exercitam-se os conceitos aprendidos, mediante a leitura ativa de diálogos de Platão. De maneira guiada, o aluno se imaginará no lugar dos personagens da trama, como se estivesse participando da discussão.

Assim, ele poderá aproximar-se do espírito dialético, que busca a verdade entre as contradições, onde quer que ela possa ser encontrada. Após essa experiência, ele fará o mesmo com as questões disputadas de Santo Tomás de Aquino e Duns Scotus — o que exigirá mais esforço, tanto imaginativo, quanto analítico.

Ao findar este volume, o aluno terá completado o curso do Trivium.

Quadrivium:

Eis os volumes do Quadrivium, o conjunto de disciplinas que tratam dos números aplicados às coisas.

A Aritmética sempre foi considerada a disciplina introdutória do Quadrivium, pois lida com os números enquanto tais. Para embasar este volume, adotamos o livro de Tomás Vicente Tosca, mestre da disciplina do Sec. XVIII, o qual, porém, segue de perto os clássicos do assunto. Aprofundam o texto principal passagens de Cassiodoro, Boécio, Santo Alcuíno de Iorque e Nicômaco de Gerasa. O volume único divide-se em três partes temáticas: a doutrina dos números enquanto quantidades puras, seguida pela exposição de suas qualidades simbólicas (aspecto esquecido ou desprezado, sem razão, nos dias de hoje), terminando com problemas matemáticos confeccionados para desenvolver agudez mental e maior intimidade com o cálculo.

No volume de Geometria o expoente maior, não pode haver qualquer dúvida, é Euclides, cujas lições nos serão trazidas ainda pelo mestre Tomás Vicente Tosca, o qual dará guiamento para que o aluno entenda bem do que se está tratando. Trar-se-ão, contudo, as definições iniciais que constam do livro original de Euclides, as quais fundamentam tudo que se segue, em três línguas, Grego, Latim e Português.

Na segunda parte do livro, o aluno estudará a teoria simbólica das figuras geométricas, com todas as ramificações cosmológicas que possuem e ênfase especial nos sólidos platônicos.

O assunto do décimo primeiro livro é a música. A espinha dorsal é a obra de José Bernardo Alzedo, teórico e compositor de primeira monta. Junto dele, trazem-se passagens de obras clássicas de Boécio, Santo Isidoro de Sevilha e Santo Agostinho de Hipona. Expõe-se, assim, a teoria musical de amplo espectro, isto é, que leva em conta não só a música instrumental, mas também as músicas, ou harmonias, que se encontram na alma e no mundo — esta última, a famosa música das esferas.

O volume de Astronomia está dividido em três partes: primeiramente, trata do aspecto material e visível do céu, a mecânica celeste; a parte intermediária visa a suprir a lacuna com referência aos conceitos da cosmologia e da física clássicas que ainda possam ser aproveitados; por fim, o aluno estudará o simbolismo do céu, que para os antigos era uma súmula do conhecimento, de onde se poderiam colher analogias para ilustrar argumentos, e até para se aproximar da verdade pela via da imaginação.

A primeira parte será aprendida por meio de um tratado que parte da descrição que Camões fez dos Céus para ensinar a antiga visão cosmológica, tratado chamado a Astronomia de Os Lusíadas. A segunda parte será apresentada principalmente por meio do Tratado clássico de Plotino, a segunda Enéada. A terceira parte se embasará de novo em Tomás Vicente Tosca.

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O Trivium Clássico - O lugar de Thomas Nashe no ensino de seu tempo. Marshall McLuhanEditora É Realizações, 2012.

Sinopse: Marshall McLuhan se mostra neste livro um historiador da cultura clássica e o arquiteto de um projeto educacional para as gerações futuras. Trata das disciplinas do trivium (gramática, lógica e retórica) em recortes temporais que vão até S. Agostinho, de S. Agostinho a Abelardo e, depois, de Abelardo a Erasmo. Por fim, dedica uma seção a Thomas Nashe, romancista e dramaturgo britânico contemporâneo de Shakespeare.





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Trivium de Santo Agostinho. Edições Kírion, 2021 e Edições Hugo de São Vitor, 2016 (texto latino)

Sinopse: Na primeira fase de sua vida, Santo Agostinho foi professor de gramática em Tagaste, e de retórica em Cartago, Roma e Milão; e foi Santo Ambrósio, mestre de retórica mais velho e experiente, a principal influência sobre o futuro bispo de Hipona. Portando em si, como excelente humanista, toda a cultura romana, a conversão do jovem retor africano no grande Padre Latino representou a assimilação do saber antigo pelo cristianismo, e a fundação da Idade Média européia.





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A Vida Intelectual: Seu espírito, suas condições, seus métodos. A.-D. Sertillanges. Editora É Realizações, 2010 e Edições Kírion, 2019.

Sinopse: A Vida Intelectual, do padre A.-D. Sertillanges, redigida originalmente em 1920, ainda se mantém atual para os leitores do novo milênio. Para aqueles que desejam não apenas um manual prático que permita esboçar orientações de como entrar na vida dos estudos, o livro vai além e também oferece um exemplo de vida bem-sucedida no mundo intelectual – a do próprio padre Sertillanges, que por meio de dicas preciosas permite e disponibiliza, para qualquer pessoa que tenha abertura e coragem necessárias, uma nova forma de viver que abrange gradualmente a dimensão intelectual e todos os percalços que essa vida traz consigo. Para aqueles que desejam não apenas um manual prático que permita esboçar orientações de como entrar na vida dos estudos, o livro vai além e também oferece um exemplo de vida bem-sucedida no mundo intelectual – a do próprio padre Sertillanges, que por meio de dicas preciosas permite e disponibiliza, para qualquer pessoa que tenha abertura e coragem necessárias, uma nova forma de viver que abrange gradualmente a dimensão intelectual e todos os percalços que essa vida traz consigo. Assim, o espírito de uma vida intelectual está no fato de que se ela transcende a vida prática, deve ser no sentido de propiciar um maior entendimento dela. Suas condições são os valores éticos, como a honestidade intelectual e a sinceridade. Seu método consiste nos exemplos que percorrem toda a escrita do padre Sertillanges. Este livro é dedicado a todos aqueles que desejam uma vida plena – em todas as suas potencialidades, e não há nada mais atual que esse desejo.

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De Magistro, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, Edições Kírion, 2017.

Sinopse: Esta edição bilíngue reúne dois livros de mesmo título: o De magistro de Santo Agostinho e a questão 11 do De veritate, o De magistro de Santo Tomás de Aquino. Separados por quase um milênio, esses dois textos carregam, compactamente, todo o problema do ensino no nível dos princípios, mirando o ponto central da atividade do magistério: é possível que um homem ensine outro? O De magistro de Agostinho é a transcrição de um diálogo com seu filho Adeodato, então com 15 anos, que veio a falecer no ano seguinte. O de Santo Tomás, por sua vez, é uma questão disputada, procedimento característico da escolástica Embora curtos, ambos merecem leitura repetida e constante meditação, a fim de que possamos captar as idéias de pedagogia e de verdade subjacentes a ambos, e descobrir, na profundidade e no alcance que têm em cada detalhe, tesouros de valor inestimável.


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As Sete Artes Liberais: Um Estudo sobre a Cultura Medieval. Paul Abelson. Edições Kírion, 2019

Sinopse: Este é um exame detalhado do material didático usado nas escolas medievais, com o intuito de compreender os objetivos, os limites e os traços característicos do ensino de cada uma das sete artes liberais. O autor parte do princípio de que a educação liberal da Idade Média foi um desdobramento do sistema grego e romano, alterado em vista dos ideais cristãos até atingir a forma estável que perdurou por séculos. Ele acaba por revelar, assim, a relação entre a concepção pedagógica e a riqueza da cosmovisão medieval. Serve ao estudioso como introdução à história e à concepção das artes liberais e como excelente base para mapear um estudo aprofundado de cada uma delas.




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Sobre O Modo de Aprender. Gilberto de Tournai. Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Gilberto de Tournai nasceu no início do século XIII, que foi, sob muitos aspectos, o apogeu da civilização medieval, no qual traçou-se o destino intelectual da Europa. Foi frade franciscano, grande pregador e diretor espiritual, amigo e conselheiro do Rei São Luís IX e sucessor de São Boaventura como mestre regente dos franciscanos na Universidade de Paris. O tratado “Sobre o modo de aprender” é um retrato perfeito da educação medieval. Ele é a terceira parte de uma obra mais ampla, o “Rudimentum doctrinae”, a primeira tentativa sólida de compor uma enciclopédia pedagógica que abarcasse, sistematicamente, toda a teoria da educação. Fiel à tradição filosófica que vigorava na escola franciscana e aos ensinamentos dos mestres monásticos do século XII, como Hugo e Ricardo de São Vítor, frei Gilberto descreveu técnicas de estudo e traçou um plano de trabalho inteiramente voltados para o seu elevado ideal de aperfeiçoamento espiritual e impregnados do anseio de alcançar, através do estudo, a meta final de união com o próprio Deus.

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Meditar e aprender. Hugo de São Vítor. Edição bilíngue Latim-Português. Tradução: Roger Campanhari. Edições Kírion, 2024

Sinopse: Hugo de São Vítor foi certamente um dos homens mais célebres de seu tempo por suas virtudes e por sua ciência, o mais renomado de todos os vitorinos. Nascido na Saxônia em 1096, foi professor e diretor da escola do Mosteiro de São Vítor, além de prior deste mesmo mosteiro e bispo. Baseada na tradição cristã e nas Escrituras, toda a sua pedagogia visava formar os estudantes para alcançarem a contemplação, o último grau da Sabedoria — com a qual “tem-se um antegosto nesta vida do que será a recompensa futura” —, uma formação integral que proporcionasse a união com Deus.

Nos dois escritos aqui reunidos, o pequeno tratado Sobre o modo de aprender e meditar e o Opúsculo áureo sobre a arte de meditar, o mestre de São Vítor tratou propriamente da meditação. Se o princípio do conhecimento reside na leitura, que estimula o pensamento, a sua consumação está na meditação, na atenta e assídua recondução do pensamento com vistas a esclarecer o que é obscuro e penetrar o que está oculto. Hugo explica os diferentes gêneros de meditação e que frutos se podem tirar deles, e expõe, com uma descrição precisa e exemplos muito concretos, como devem operar nossas faculdades e como devemos proceder nesse labor, de tal modo que, “avançando sem desanimar, alcemos, no tempo devido, aquilo que vem depois”.

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A Instrução Dos Principiantes. Hugo de São Vítor. Edições Kírion, 2021.

Sinopse: Na Instrução dos principiantes, Hugo apresenta o treinamento em que eram conduzidos, sob a guia do mestre de noviços, os recém-chegados à escola, cujo objetivo era aprender “o bom termo e a medida adequada em todas as palavras e ações”, isto é, a disciplina: como se comportar e governar o corpo — no caminhar, nos gestos, na fala, no tratamento dos outros e nos modos à mesa. Esse aprendizado de autodomínio corporal era anterior ao estudo das letras descrito no Didascalicon, pois, segundo o mestre, “os movimentos desordenados do corpo refletem a corrupção e a dissolução da mente”, e, para ingressar no caminho da sabedoria, é preciso antes imprimir na mente, pela disciplina do corpo, a forma da virtude.



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Institutiones. Introdução às Letras Divinas e Seculares. Cassiodoro. Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Com a queda do Império Romano, a transmissão de todo o saber antigo à Idade Média teve de ser operada por meio da laboriosa cópia dos manuscritos conservados nos mosteiros e nas igrejas e da elaboração de manuais e coletâneas. Ao lado de Marciano Capela, Boécio e Isidoro de Sevilha, Cassiodoro foi um dos próceres da cultura cristã. Conselheiro dos reis ostrogodos, fundou em 555 o mosteiro do Vivarium, embrião dos centros culturais medievais. Ali desenvolveu métodos e estabeleceu preceitos para a produção de códices fidedignos, agrupando em sua biblioteca tudo o que pôde colher do tesouro literário greco-romano. Foi Cassiodoro quem imprimiu à vida monástica do Ocidente o culto apaixonado dos livros.

Suas Institutiones, uma introdução ao estudo das letras, possuíam o objetivo primeiro de instruir os monges do Vivarium, mas acabaram como uma das obras mais influentes e difundidas na Idade Média. No primeiro livro, a Introdução às letras divinas, o pedagogo disserta sobre os textos da Sagrada Escritura, sobre seu estudo e seus comentadores; no segundo, Introdução às letras seculares, trata das sete artes liberais, fixadas mais tarde como o trivium e o quadrivium, a base mesma da educação oferecida nas escolas monásticas e catedrais e, posteriormente, em todas as universidades medievais.

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Proposta Paideia. Mortimer J. Adler. Edições Kírion, 2021.

Sinopse: A proposta Paidéia o projeto de Mortimer Adler para uma reforma radical do ensino público dos Estados Unidos. O filósofo partia do princípio de que uma sociedade democrática deve fornecer oportunidades educacionais iguais, não apenas proporcionando a mesma quantidade de ensino básico — isto é, o mesmo número de anos na escola —, mas também deve garantir a todos, sem exceção, uma educação da mesma qualidade. O programa Paidéia pretende estabelecer um plano de estudos que seja geral, e não especializado; liberal, e não vocacional; humanista, e não técnico. Apenas desse modo é possível atingir o significado das palavras paidéia e humanitas, ou seja, a erudição geral que todo ser humano deve possuir. Dividindo o ensino e o aprendizado em três modalidades — a instrução didática, expositiva; o treinamento, que se dá pela repetição; e o seminário, uma discussão à moda socrática —, o programa abrange o ensino de língua e literatura, matemática e ciências naturais, história e estudos sociais, educação física e artes manuais, e uma introdução geral ao mundo do trabalho; enfim, uma escolarização básica capaz de preparar toda criança para ser um eleitor instruído da democracia, ganhar a vida e viver bem. Publicado em 1982, o manifesto explicava e defendia a proposta, que depois foi completada, nos dois anos subseqüentes, pela discussão de suas questões práticas e dos problemas de sua implementação, e por ensaios complementares dos membros do Grupo Paidéia — além do próprio Adler, Charles van Doren, James O’Toole, Jacques Barzun e muitos outros — esclarecendo pontos específicos do programa. Este volume o leitor tem nas mãos traz, juntos, os três livros que delinearam a teora pedagógica de Mortimer Adler.

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As ferramentas perdidas da aprendizagemDorothy L. Sayers. Edições Kírion, 2023.

Sinopse“Vivemos por aí soltando frases sobre a importância da educação — soltando frases e, quando muito, uma graninha ou outra; adiamos a idade de saída da escola, planejamos a construção de instalações maiores, em melhores condições; os professores se acabam feito escravos, com toda a diligência do mundo, por horas e horas de trabalho extra, até que a responsabilidade se torna um fardo insuportável, um pesadelo; e mesmo assim, creio eu, todo esse esforço é jogado no lixo, porque nós perdemos as ferramentas da aprendizagem; e, na ausência delas, só o que podemos fabricar é uma versão estragada e em frangalhos daquilo que um dia foi a educação.” — Dorothy Sayers

“O diagnóstico de Dorothy Sayers é demolidor — e, como é evidente, aplica-se de modo preciso à situação da educação no Brasil: repetimos frases sobre a importância da educação, gastamos dinheiro, sobrecarregamos os professores, sem percebermos que deixamos de lado o mais importante: o ensino das ferramentas de aprendizagem. Aquilo a que chamamos ‘educação’ não passa de escolarização — uma educação imperfeita, e muitas vezes uma verdadeira deseducação.” — Gustavo Bertoche, na introdução

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Carlos Magno e a restauração da educaçãoJames Bass Mullinger. Edições Kírion, 2022.

Sinopse: Pode-se afirmar com tranqüilidade que a história do imperador Carlos Magno, cujo gênio penetrante soube reconhecer num jovem clérigo inglês, Alcuíno de York, a promessa de uma ajuda eficaz para um gigantesco renascimento cultural, se confunde com a própria história da Europa, e que a história de suas escolas não difere da própria história da nossa civilização.

O período histórico que este livro retrata é aquele em que se encontra a verdadeira fronteira entre a história antiga e a moderna, e que encerra a chave de compreensão para aquelas tradições que, desde então, prevaleceram na educação ocidental, e que não podem, ainda hoje, ser menosprezadas ou consideradas ultrapassadas.



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A Inveja dos Anjos — as Escolas Catedrais e os Ideais Sociais na Europa Medieval (950 – 1200)C. Stephen Jaeger. Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Antes do surgimento das universidades, a máxima das escolas catedrais do século XI era formar os alunos nas “letras e costumes”, ou seja, aperfeiçoar neles não só o conhecimento teórico, mas sobretudo a postura, os modos e a eloquência. Muitos foram os jovens que ingressaram nessas escolas para de lá ressurgirem como grandes bispos, conselheiros reais, santos e beatos. Com frequência referiam-se a esses centros de ensino como “uma segunda Atenas”, “uma segunda Roma”; os mestres eram chamados de “nosso Platão”, “nosso Sócrates”, “um segundo Cícero”. Seu princípio fundamental era que a verdade se expressa na personalidade humana, em sua conduta, em seu porte, e sua pedagogia se baseava na irradiação, a partir da presença física do mestre, de uma virtude transformadora. Tão maravilhosa é essa força que os próprios anjos poderiam invejar dos homens esse magnífico dom. Neste livro, Jaeger explora esse intrigante capítulo da história da educação e inaugura uma nova visão sobre a vida intelectual e social dos séculos XI e XII na Europa. “visitaremos aqui as escolas catedrais do século XI. Nós as tomaremos desde o ponto de vista dos seus objetivos, valores e ideais. Essas instituições foram humanistas em diversos sentidos da palavra: miravam o desenvolvimento do indivíduo como um todo, sua integração à sociedade, seu papel na política e na administração; buscavam humanizar o indivíduo, e por meio do ser humano individual, a sociedade. Baseadas em modelos clássicos, cultivavam a poesia, a oratória e a conduta”.

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A falácia socioconstrutivista: Por que os alunos brasileiros deixaram de aprender a ler e escreverKátia Simone Benedetti. Edições Kírion, 2020.

Sinopse: Os dois grandes flagelos da educação brasileira, seja pública ou privada, são a indisciplina e a incapacidade de leitura e escrita dos alunos, que chegam aos anos finais do ensino fundamental sem as noções mais básicas do processo de alfabetização. Isso é resultado da maneira como foram alfabetizados, e de como o ensino da língua foi abordado pelos currículos do ensino fundamental. São seqüelas decorrentes da metodologia global socioconstrutivista e da abordagem sociointeracionista do ensino de língua portuguesa, ambas inteiramente contrárias à natureza neurobiológica do aprendizado da escrita e da compreensão leitora. Nesta obra, procuro trazer para a educação o que as ciências do cérebro, em especial a psicologia cognitiva e as neurociências da aprendizagem, têm descoberto sobre a natureza do aprendizado da leitura e da escrita, e esclarecer por que os alunos acabam chegando à universidade sem saber ler e escrever.

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Sobre alguns autores:

Flávio Aurélio Cassiodoro nasceu em 490 d.C. em Squillace, na Itália. Figura importante no fim do Império Romano, substituiu Boécio como conselheiro do rei ostrogodo Teodorico, o Grande. Em 555 fundou o mosteiro do Vivarium, embrião dos centros culturais medievais. Ali desenvolveu métodos e estabeleceu preceitos para a produção de códices fidedignos, agrupando em sua biblioteca tudo o que pôde colher do tesouro literário greco-romano, permitindo que todo o saber antigo passasse em herança à Idade Média por meio da laboriosa cópia dos manuscritos conservados nos mosteiros e nas igrejas. Foi ele quem imprimiu à vida monástica do Ocidente a marca do estudo das letras, sagradas e profanas. Faleceu em 591 d.C.

A.-D. Sertillanges, Filósofo, teólogo e padre dominicano, foi um dos maiores expoentes do neotomismo na primeira metade do século XX, exercendo grande influência sobre Étienne Gilson e Jacques Maritain. Também estudou Aristóteles e Blaise Pascal. Foi membro da Académie des Sciences Morales et Politiques e grande amigo de Henri Bergson.

Irmã Miriam Joseph

Interessada desde muito nova pelas letras e pela arte da comunicação, graduou-se em Jornalismo, mestrou-se em Inglês pela Universidade de Notre Dame e doutorou-se em Inglês e Literatura Comparada, com uma tese sobre William Shakespeare, pela Universidade de Columbia. Também estudou na Universidade de Chicago, sob os auspícios de Mortimer Adler. Pertenceu à Congregação das Irmãs da Santa Cruz e escreveu inúmeros artigos sobre Shakespeare e o trivium.

Santo Agostinho, Religioso e teólogo cristão. Doutor da Igreja, sistematizou a doutrina cristã com enfoque neoplatônico.

"O último dos antigos" e o "primeiro dos modernos", santo Agostinho foi o primeiro filósofo a refletir sobre o sentido da história, mas tornou-se acima de tudo o arquiteto do projeto intelectual da Igreja. Católica.

Aurélio Agostinho, em latim Aurelius Augustinus, nasceu em Tagaste, atualmente Suk Ahras, na Argélia, em 13 de novembro de 354, filho de Patrício, homem pagão e de posses, que no final da vida se converteu, e da cristã Mônica, mais tarde canonizada. Agostinho estudou retórica em Cartago, onde aos 17 anos passou a viver com uma concubina, da qual teve um filho, Adeodato. A leitura do Hortensius, de Cícero, despertou-o para a filosofia. Aderiu, nessa época, ao maniqueísmo, doutrina de que logo se afastou. Em 384 começou a ensinar retórica em Milão, onde conheceu Santo Ambrósio, bispo da cidade.

Cada vez mais interessado pelo cristianismo, Agostinho viveu longo conflito interior, voltou-se para o estudo dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos prazeres físicos e em 387 foi batizado por Santo Ambrósio, junto com o filho Adeodato. Tomado pelo ideal da ascese, decidiu fundar um mosteiro em Tagasta, onde nascera. Nessa época perdeu a mãe e, pouco depois, o filho. Ordenado padre em Hipona (391), pequeno porto do Mediterrâneo, também na atual Argélia, em 395 tornou-se bispo-coadjutor de Hipona, passando a titular com a morte do bispo diocesano Valério. Não tardou para que fundasse uma comunidade ascética nas dependências da catedral.

Em sua vida e em sua obra, Santo Agostinho testemunha acontecimentos decisivos da história universal, com o fim do Império Romano e da antiguidade clássica. O poderoso estado que durante meio milênio dominara a Europa estava a esfacelar-se em lutas internas e sob o ataque dos bárbaros. Em 410 santo Agostinho viu a invasão de Roma pelos visigodos e, pouco antes de morrer, presenciou o cerco de Hipona pelo rei dos vândalos, Genserico. Nesse clima, em que os cismas e as heresias eram das poucas coisas a prosperar, ele estudou, ensinou e escreveu suas obras.

Pensamento. As obras mais importantes de Santo Agostinho são De Trinitate (Da Trindade), sistematização da teologia e filosofia cristãs, divulgada de 400 a 416 em 15 volumes; De civitate Dei (Da cidade de Deus), divulgada de 413 a 426, em que são discutidas as questões do bem e do mal, da vida espiritual e material, e a teologia da história; Confessiones (Confissões), sua autobiografia, divulgada por volta de 400; e muitos trabalhos de polêmica (contra as heresias de seu tempo), de catequese e de uso didático, além dos sermões e cartas, em que interpreta minuciosamente passagens das Escrituras.

No pensamento de Santo Agostinho, o ponto de partida é a defesa dos dogmas (pontos de fé indiscutíveis) do cristianismo, principalmente na luta contra os pagãos, com as armas intelectuais disponíveis que provêm da filosofia helenístico-romana, em especial dos neoplatônicos como Plotino. Para pregar o novo Evangelho, é indispensável conhecer a fundo as Escrituras, que só podem ser bem interpretadas através da fé, pois apenas esta sabe ver ali a revelação de verdades divinas. Compreender para crer e crer para compreender, tal é a regra a seguir.

Baseado em Plotino, Santo Agostinho acha que o homem é uma alma que faz uso de um corpo. Até naquele conhecimento que se adquire pelos sentidos, a alma se mantém em atividade e ultrapassa o corpo. Os sentidos só mostram o imediato e particular, enquanto a alma chega ao universal e ao que é de pura compreensão, como os enunciados matemáticos. Mas se não é através dos sentidos, por qual via a alma consegue alcançar as verdades eternas? Será através do sujeito particular e contingente, ou seja, o homem que muda, adoece e morre?

Tudo indica que, se o homem mutável, destrutível, é capaz de atingir verdades eternas, sua razão deve ter algo que vai além dela mesma, não se origina no homem nem no mundo externo, mas em Deus. Portanto, Deus faz parte do pensamento e o supera o tempo todo. Desse modo só pode ser achado e conhecido no fundo de cada um, no percurso que se faz de fora para dentro e das coisas inferiores para as coisas superiores. Ele não pode ser dito ou definido: é o que é, em todos os tempos e em qualquer lugar (é clara, nessa concepção, a influência de Platão, que Santo Agostinho assume em vários pontos de sua obra).

Outra contribuição decisiva é sua doutrina sobre a Santíssima Trindade. Para Agostinho a unidade das três pessoas é perfeita: não se podem separar, nem uma se subordina à outra, como defenderam Orígenes e Tertuliano, mas a natureza divina seria anterior ao aparecimento das três pessoas; estas se apresentam como os três modos de se revelar o mistério de Deus. A alma, para Santo Agostinho, se confunde com o pensamento, e sua expressão, sua manifestação é o conhecimento: por meio deste a alma -- ou o pensamento -- se ama a si mesma. Assim, o homem recompõe nele próprio o mistério da Trindade e se vê feito à imagem e semelhança de Deus: se ele ama e se conhece dessa maneira, ele conhece e ama a Deus, conseqüentemente mais interior ao ser humano do que este mesmo.

O famoso cogito de Descartes ("Penso, logo existo"), em que a evidência do eu resiste a toda dúvida, é genialmente antecipado por santo Agostinho em seu "Se me engano, sou; quem não é não pode enganar-se". Ele valoriza, pois, a pessoa humana individual até quando erra (o que, neste aspecto, não a torna diferente da que acerta). Talvez por isso dê o mesmo peso à parte humana e à parte divina no que diz respeito à encarnação do Cristo.

A salvação do homem, na teologia agostiniana, é algo completamente imerecido e que depende tão só da graça de Deus; graça que, no entanto, se manifesta aos homens por meio dos sacramentos da Igreja visível, católica. Importantes para a salvação, esses sacramentos compreendem todos os símbolos sagrados, como o exorcismo e o incenso, embora a eucaristia e o batismo sejam os principais para ele.

Da mesma forma que concebe a natureza divina, Santo Agostinho concebe a criação, idéia pouco tratada pelos gregos e característica dos cristãos. As coisas se originaram em Deus, que a partir do nada as criou. Pois o que muda e se move, o que é relativo e passa ou desaparece requer o imutável e o absoluto, essência do próprio Deus, que criou as coisas segundo modelos eternos como ele mesmo. Assim, o que o platonismo chamava de lugar do céu passa a ser, no pensamento agostiniano, a presença de Deus. Tudo o que existe no mundo foi criado ao mesmo tempo, em estado de germe e de semente. Como estes existem desde o início, a história do mundo evolui continuamente, mas nada de novo se cria. Entre os seres da criação existe uma hierarquia, em que o homem ocupa o segundo lugar, depois dos anjos.

Santo Agostinho afirma-se incapaz de solucionar a questão da origem da alma e, embora tão influenciado por Platão, não acha a matéria por si mesma condenável, assim como não encara como castigo a união da alma com o corpo. Não seria este, como se disse tanto, a prisão da alma: o que faz do homem prisioneiro da matéria é o pecado, do qual deve libertar-se pela vida moral, pelas virtudes cristãs. O pecado leva o corpo a dominar a alma; a religião, porém, é o contrário do pecado, é a dominação do corpo pela alma, que se orienta livremente para Deus, assistida pela graça.

Uma das mais belas concepções de Santo Agostinho é a da cidade de Deus. Amando-se uns aos outros no amor a Deus, os cristãos, embora vivam nas cidades temporais, constituem os habitantes da eterna cidade de Deus. Na aparência, ela se confunde com as outras, como o povo cristão com os outros povos, mas o sentido da história e sua razão de ser é a construção da cidade de Deus, em toda parte e todo tempo. A obra de santo Agostinho, em si mesma imensa, de extraordinária riqueza, antecipa, além disso, o cartesianismo e a filosofia da existência; funda a filosofia da história e domina todo o pensamento ocidental até o século XIII, quando dá lugar ao tomismo e à influência aristotélica. Voltando à cena com os teólogos protestantes (Lutero e, sobretudo, Calvino), hoje é um dos alicerces da teologia dialética. Santo Agostinho morreu em Hipona, em 28 de agosto de 430. E nessa data, 28 de agosto, é festejado como doutor da Igreja.

(retirado de http://www.veritatis.com.br/patristica/biografias/8477-biografia-de-santo-agostinho) [link atual: https://www.veritatis.com.br/biografia-de-santo-agostinho/]

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Sobre Rabano Mauro

Rabano Mauro (à direita) apresenta uma
obra a Gregório IV, sentado 
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 3 de Junho de 2009

 

Rabano Mauro

Caros irmãos e irmãs

Hoje gostaria de falar de uma personagem do Ocidente latino verdadeiramente extraordinário: o monge Rabano Mauro. Juntamente com homens como Isidoro de Sevilha, Beda o Venerável e Ambrósio Autperto, de quem já falei em catequeses precedentes, ao longo dos séculos da chamada Alta Idade Média ele soube manter o contato com as grandes culturas dos antigos sábios e dos Padres cristãos. Recordado frequentemente como "praeceptor Germaniae", Rabano Mauro teve uma fecundidade extraordinária. Com a sua capacidade de trabalho absolutamente excepcional, talvez tenha contribuído mais do que todos para manter viva a cultura teológica, exegética e espiritual, da qual teriam haurido os séculos sucessivos. Nele inspiram-se quer grandes personagens pertencentes ao mundo dos monges, como Pier Damiani, Pedro o Venerável e Bernardo de Claraval, quer também um número cada vez mais consistente de "clérigos" do clero secular, que durante os séculos XII-XIII deram vida a um dos florescimentos mais bonitos e fecundos do pensamento humano.

Tendo nascido em Mainz por volta de 760, Rabano entrara no mosteiro extremamente jovem: foi-lhe acrescentado o nome de Mauro precisamente com referência ao jovem Mauro que, segundo o Livro ii dos Diálogos de São Gregório Magno, fora confiado quando era ainda criança pelos seus pais, nobres romanos, ao abade Bento de Núrsia. Esta inserção precoce de Rabano como "puer oblatus" no mundo monástico beneditino, e os frutos que obteve para o seu crescimento humano, cultural e espiritual, abririam sozinhos uma espiral interessantíssima não só sobre a vida dos monges e da Igreja, mas também sobre toda a sociedade da sua época, habitualmente qualificada como "carolíngia". Deles, ou talvez de si mesmo, Rabano Mauro escreve: "Há alguns que têm a sorte de ser introduzidos no conhecimento das Escrituras desde a tenra infância" ("a cunabulis suis") e foram tão bem nutridos com o alimento oferecido pela Santa Igreja que, com a educação apropriada, puderam ser promovidos às ordens sagradas mais altas" (pl 107, col. 419bc).

A cultura extraordinária, pela qual Rabano Mauro se distinguia, chamou depressa a atenção dos grandes do seu tempo. Tornou-se conselheiro de príncipes. Empenhou-se para garantir a unidade do império e, a nível cultural mais amplo, nunca deixou de oferecer a quem o interrogava uma resposta ponderada, que tirava preferivelmente da Bíblia e dos textos dos santos Padres. Eleito primeiro Abade do famoso mosteiro de Fulda e depois Arcebispo da cidade natal, Mainz, não cessou por isso de continuar os seus estudos, demonstrando com o exemplo da sua vida que se pode estar simultaneamente à disposição dos outros, sem se privar por isso de um tempo côngruo para a reflexão, o estudo e a meditação. Assim Rabano Mauro foi exegeta, filósofo, poeta, pastor e homem de Deus. As dioceses de Fulda, Mainz, Limbourg e Wroclaw veneram-no como Santo ou Beato. As suas obras completam seis volumes da Patrologia Latina do Migne. É a ele que se deve, provavelmente, um dos hinos mais bonitos e conhecidos da Igreja latina, o "Veni Creator Spiritus", síntese extraordinária de pneumatologia cristã. O primeiro compromisso teológico de Rabano manifestou-se, com efeito, sob a forma de poesia e teve como objeto o mistério da Santa Cruz, numa obra intitulada: "De laudibus Sanctae Crucis", concebida de maneira a propor não somente conteúdos de conceito, mas também estímulos mais requintadamente artísticos, utilizando tanto a forma poética como a pictórica no interior do mesmo códice manuscrito. Propondo iconograficamente nas entrelinhas do seu escrito a imagem de Cristo crucificado, ele por exemplo escreve: "Eis a imagem do Salvador que, com a posição dos seus membros, torna sagrada para nós a salubérrima, dulcíssima e amadíssima forma da Cruz, a fim de que, acreditando no seu nome e obedecendo aos seus mandamentos, possamos obter a vida eterna graças à sua Paixão. Por isso, cada vez que elevarmos o olhar para a Cruz, recordemo-nos daquele que padeceu por nós para nos tirar do poder das trevas, aceitando a morte para nos tornar herdeiros da vida eterna" (Lib. 1, Fig. 1, pl 107 col. 151c).

Este método de combinar todas as artes, o intelecto, o coração e os sentidos, que vinha do Oriente, teria tido um desenvolvimento enorme no Ocidente, atingindo níveis inigualáveis nos códices miniaturados da Bíblia e em outras obras de fé e de arte, que floresceram na Europa até à invenção da imprensa e além dela também. De qualquer modo, isto demonstra que Rabano Mauro tem uma consciência extraordinária da necessidade de empenhar, na experiência da fé, não apenas a mente e o coração, mas também os sentidos mediante aqueles outros aspectos do gosto estético e da sensibilidade humana que levam o homem a fruir da verdade com a totalidade do seu ser, "espírito, alma e corpo". Isto é importante: a fé não é só pensamento, mas refere-se a todo o nosso ser. Dado que Deus se fez homem em carne e osso, entrando no mundo sensível, nós em todas as dimensões do nosso ser temos que procurar e encontrar Deus. Assim a realidade de Deus, mediante a fé, penetra no nosso ser transformando-o. Por isso Rabano Mauro concentrou a sua atenção sobretudo na Liturgia, como síntese de todas as dimensões da nossa percepção da realidade. Esta intuição de Rabano Mauro torna-o extraordinariamente atual. Dele permaneceram inclusive os famosos "Carmina", propostos para ser utilizados principalmente nas celebrações litúrgicas. Com efeito, dado que Rabano era acima de tudo um monge, era totalmente evidente o seu interesse pela celebração litúrgica. Porém, ele não se dedicava à arte poética como fim em si mesma, mas subordinava a arte e qualquer outro tipo de saber ao aprofundamento da Palavra de Deus. Por isso, com compromisso e rigor extremos, procurou introduzir os seus contemporâneos, mas em primeiro lugar os ministros (bispos, presbíteros e diáconos), na compreensão do significado profundamente teológico e espiritual de todos os elementos da celebração litúrgica.

Assim, tentou compreender e propor aos outros os significados teológicos escondidos nos ritos, inspirando-se na Bíblia e na tradição dos Padres. Não hesitava em declarar, por honestidade mas também para dar maior importância às suas explicações, as fontes patrísticas às quais devia o seu saber. Todavia, servia-se das mesmas com liberdade e discernimento atento, dando continuidade ao desenvolvimento do pensamento patrístico. Por exemplo, no final da "Epistola prima", dirigida a um "corepiscopo" da diocese de Mainz, depois de ter respondido aos pedidos de esclarecimento a respeito do comportamento que se devia ter no exercício da responsabilidade pastoral, prossegue: "Escrevemos-te tudo isto do modo como o deduzimos das Sagradas Escrituras e dos cânones dos Padres. Tu porém, santíssimo homem, toma as tuas decisões como melhor te parecer, caso por caso, procurando moderar a tua avaliação de forma a garantir em tudo a discrição, porque esta é a mãe de todas as virtudes" (Epistulae, I, PL 112, col. 1510c). Assim, vê-se a continuidade da fé cristã, que tem os seus primórdios na Palavra de Deus; porém, ela é sempre viva, desenvolve-se e exprime-se de modos novos, sempre em coerência com toda a construção, com todo o edifício da fé.

Dado que uma parte integrante da celebração litúrgica é a Palavra de Deus, a ela se dedicou Rabano Mauro com o máximo empenhamento durante toda a sua existência. Ofereceu explicações exegéticas apropriadas praticamente para todos os livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamento com uma intenção claramente pastoral, que justificava com palavras como estas: "Escrevi estas coisas... resumindo explicações e propostas de muitos outros para oferecer um serviço ao leitor pobre que não pode ter à disposição muitos livros, mas também para ajudar aqueles que em muitas coisas não conseguem entrar em profundidade na compreensão dos significados descobertos pelos Padres" (Commentariorum in Matthaeum praefatio, PL 107, col. 727d). Com efeito, quando comentava os textos bíblicos, hauria a mãos-cheias dos Padres antigos, com especial predileção por Jerónimo, Ambrósio, Agostinho e Gregório Magno.

Depois, a acentuada sensibilidade pastoral levou-o a enfrentar sobretudo um dos problemas mais sentidos pelos fiéis e pelos ministros sagrados do seu tempo: o da Penitência. Efetivamente, foi compilador de "Penintenciários" — assim eram chamados — nos quais, segundo a sensibilidade dessa época, eram enumerados pecados e penas correspondentes, utilizando na medida do possível motivações tiradas da Bíblia, das decisões dos Concílios e das Decretais dos Papas. De tais textos serviram-se inclusive os "Carolíngios" na sua tentativa de reforma da Igreja e da sociedade. A esta mesma intenção pastoral correspondiam obras como "De disciplina ecclesiastica" e "De institutione clericorum", nos quais, inspirando-se principalmente em Agostinho, Rabano explicava aos simples e ao clero da sua diocese os rudimentos fundamentais da fé cristã: tratava-se de uma espécie de pequenos catecismos.

Gostaria de concluir a apresentação deste grande "homem de Igreja", citando algumas das suas palavras em que se refletem a sua convicção de base: "Quem é negligente na contemplação ("qui vacare Deo negligit"), priva-se sozinho da visão da luz de Deus; além disso, quem se deixa surpreender de modo indiscreto pelas preocupações e permite que os seus pensamentos sejam alterados pelo tumulto das coisas do mundo, condena-se à absoluta impossibilidade de penetrar os segredos do Deus invisível" (Lib. I, PL 112, col. 1263a). Penso que Rabano Mauro dirige estas palavras também a nós, hoje: nas horas de trabalho, com os seus ritmos frenéticos, e nos períodos de férias, temos que reservar momentos para Deus, abrir-lhe a nossa vida, dirigindo-lhe um pensamento, uma reflexão, uma breve oração e principalmente não podemos esquecer que o domingo é o dia do Senhor, o dia da liturgia, para vislumbrar na beleza das nossas igrejas, da música sacra e da Palavra de Deus, a própria beleza de Deus, deixando-O entrar no nosso ser. Somente assim a nossa vida se tornará grande, verdadeira.


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Sobre S. Isidoro de Sevilha

Santo Isidoro de Sevilha
por Miguel Zitow
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 18 de Junho de 2008


Santo Isidoro de Sevilha

Amados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de falar de Santo Isidoro de Sevilha: era o irmão mais jovem de Leandro, Bispo de Sevilha, e grande amigo do Papa Gregório Magno. O relevo é importante, porque permite ter presente uma aproximação cultural e espiritual indispensável para a compreensão da personalidade de Isidoro. Com efeito, ele deve muito a Leandro, pessoa muito exigente, estudiosa e austera, que tinha criado à volta do irmão mais jovem um contexto familiar caracterizado pelas exigências ascéticas próprias de um monge e pelos ritmos de trabalho exigidos por uma séria dedicação ao estudo. Além disso, Leandro preocupou-se em predispor o necessário para fazer face à situação político-social do momento: de facto, nestas décadas os Visigodos, bárbaros e arianos, tinham invadido a península ibérica e dominado os territórios que pertenciam ao império romano. Era necessário conquistá-los para a romanidade e para o catolicismo. A casa de Leandro e de Isidoro dispunha de uma biblioteca muito rica de obras clássicas, pagãs e cristãs. Isidoro, que se sentia atraído simultaneamente por umas e outras, foi por isso educado a desenvolver, sob a responsabilidade do irmão maior, uma disciplina mais forte dedicando-se ao seu estudo com discrição e discernimento.

Por isso, no paço episcopal de Sevilha vivia-se num clima sereno e aberto. Podemos deduzi-lo dos interesses culturais e espirituais de Isidoro, assim como sobressaem das suas próprias obras, que incluem um conhecimento enciclopédico da cultura clássica pagã e um aprofundado conhecimento da cultura cristã. Explica-se assim o eclectismo que caracteriza a produção literária de Isidoro, que passa com extrema facilidade de Marcial a Agostinho, de Cícero a Gregório Magno. A luta interior que teve de empreender o jovem Isidoro, tornando-se sucessor do irmão Leandro na cátedra episcopal de Sevilha em 599, não foi de modo algum ligeira. Talvez se deva precisamente a esta luta constante consigo mesmo a impressão de um excesso de voluntarismo que se sente ao ler as obras deste grande autor, considerado o último dos Padres cristãos da antiguidade. Poucos anos depois da sua morte, em 636, o Concílio de Toledo de 653 definiu-o: "Ilustre mestre da nossa época e glória da Igreja católica".

Sem dúvida, Isidoro foi um homem de acentuadas oposições dialéticas. E, mesmo na sua vida pessoal, experimentou um conflito interior permanente, muito semelhante ao que já São Gregório Magno e Santo Agostinho tinham sentido, entre desejo de solidão, para se dedicar unicamente à meditação da Palavra de Deus, e exigências da caridade para com os irmãos de cuja salvação, como Bispo, se sentia responsável. Por exemplo, a propósito dos responsáveis das Igrejas ele escreve: "O responsável de uma Igreja (vir ecclesiasticus) deve por um lado deixar-se crucificar no mundo com a mortificação da carne e, por outro, aceitar a decisão da ordem eclesiástica, quando ela provém da vontade de Deus, de se dedicar ao governo com humildade, mesmo que não o queira fazer" (Sententiarum liber III, 33, 1: PL 83, col. 705 B). Então, somente um parágrafo depois, ele acrescenta: "Os homens de Deus (sancti viri) não desejam de modo algum dedicar-se às realidades seculares e gemem quando, por um misterioso desígnio de Deus, são carregados com certas responsabilidades... Eles fazem de tudo para as evitar, mas aceitam aquilo que gostariam de eludir e levam a cabo o que quereriam evitar. Com efeito, entram no segredo do coração e, ali dentro, procuram compreender o que exige a misteriosa vontade de Deus. E quando se dão conta que se devem submeter aos desígnios de Deus, humilham o pescoço do coração sob o jugo da decisão divina" (Sententiarum liber III, 33, 3: PL 83, coll. 705-706).

Para entender melhor Isidoro é necessário recordar, em primeiro lugar, a complexidade das situações políticas do seu tempo, à qual já me referi: durante os anos da infância, experimentou a amargura do exílio. Não obstante, vivia imbuído de entusiasmo apostólico: experimentava o entusiasmo de contribuir para a formação de um povo que finalmente encontrava a sua unidade nos planos político e religioso, com a providencial conversão do herdeiro ao trono visigodo Hermenegildo, do arianismo à fé católica. Todavia, não se deve subestimar a enorme dificuldade de enfrentar de modo adequado problemas muito graves, como aqueles com os hereges e com os judeus. Toda uma série de problemas que parecem muito concretos hoje, sobretudo se se considera o que acontece em certas regiões onde parece que assistimos ao repropor-se de situações muito semelhantes, presentes na península ibérica naquele século VI. A riqueza dos conhecimentos culturais de que Isidoro dispunha permitia confrontar continuamente a novidade cristã com a herança clássica greco-romana, embora mais que o dom precioso da síntese, parece que ele tivesse o da collatio, ou seja, do recolhimento, que se manifestava numa extraordinária erudição pessoal, nem sempre ordenada como se poderia desejar.

De qualquer maneira, é motivo de admiração a sua preocupação de nada descuidar daquilo que a experiência humana tinha produzido na história da sua pátria e do mundo inteiro. Isidoro nada queria perder daquilo que fora adquirido pelo homem nas épocas antigas, quer fossem pagãs, judaicas ou cristãs. Portanto, não nos devemos admirar se, em vista desta finalidade, acontecia que às vezes ele não conseguia transmitir adequadamente, como desejaria, os conhecimentos que possuía através das águas purificadoras da fé cristã. De fato, todavia, nas intenções de Isidoro, as propostas que ele apresenta permanecem sempre em sintonia com a fé católica, por ele sustentada com determinação. No debate dos vários problemas teológicos, ele demonstra que compreende a sua complexidade e propõe muitas vezes com perspicácia soluções que resumem e exprimem a verdade cristã completa. Isto permitiu que os fiéis, ao longo dos séculos, fruíssem com gratidão das suas definições até aos nossos tempos. Um exemplo significativo, a este respeito, é-nos oferecido pelo ensinamento de Isidoro sobre as relações entre vida ativa e vida contemplativa. Ele escreve: "Aqueles que procuram alcançar o descanso da contemplação devem preparar-se primeiro no estádio da vida ativa; e assim, livres dos resíduos do pecado, serão capazes de exibir aquele coração puro, o único que permite ver Deus" (Differentiarum Lib II, 34, 133: PL 83, col. 91 A). Porém, o realismo de um verdadeiro pastor convence-o do risco que os fiéis correm de reduzir-se a ser homens unidimensionais. Por isso, acrescenta: "O caminho do meio, composto por uma e outra forma de vida, é normalmente mais útil para resolver aquelas tensões que muitas vezes são aumentadas pela escolha de um só gênero de vida e por vezes são melhor temperadas por uma alternância das duas formas" (o.c., 134: ibid., col. 91 B).

Isidoro procura a confirmação definitiva de uma justa orientação de vida no exemplo de Cristo, e diz: "O Salvador Jesus ofereceu-nos o exemplo da vida ativa quando, durante o dia, se dedicava a oferecer sinais e milagres na cidade, mas mostrou a vida contemplativa quando se retirava no monte e ali pernoitava dedicando-se à oração" (o.c., 134: ibid.). À luz deste exemplo do Mestre divino, Isidoro pode concluir com este ensinamento moral específico: "Por isso o servo de Deus, imitando Cristo, dedique-se à contemplação sem se negar à vida ativa. Não seria justo comportar-se de outra forma. Com efeito, assim como se deve amar a Deus com a contemplação, também se deve amar o próximo com a ação. Por conseguinte, é impossível viver sem a presença simultânea de uma e de outra forma de vida, nem é possível amar, se não se vive a experiência de uma e de outra" (o.c., 135: ibid., col. 91 C). Na minha opinião, esta é a síntese de uma vida que busca a contemplação de Deus, o diálogo com Deus na oração e na leitura da Sagrada Escritura, assim como a ação ao serviço da comunidade humana e do próximo. Este resumo é a lição que o grande Bispo de Sevilha deixa a nós, cristãos de hoje, chamados a dar testemunho de Cristo no início de um novo milênio.


Texto disponível no link

Leia mais sobre S. Isidoro aqui.

Leia A Matemática de Isidoro de Sevilha e a Educação Medieval.



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Princípios Fundamentais de Pedagogia - parte 1

Hugo de São Vítor. Teólogo
 e filósofo francês. Século XII.
Gravura do século XVII.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE PEDAGOGIA

Parte 1

Introdução Geral

1. Princípios fundamentais de pedagogia

O objetivo deste livro é o de apresentar uma concepção de pedagogia bastante diversa do que a maioria dos mais arrojados educadores modernos ousaria conceber.

E, não obstante isso, não se trata de uma utopia, como tantas que foram registradas nos anais da história da educação, nem apenas um projeto, mas algo que foi realidade durante gerações, não em alguma civilização distante, mas na Europa do século XII. E, no entanto, ainda apesar disso, a pedagogia aqui descrita transcende a época em que se realizou como fato histórico; ela pertence, pensamos também nós, ao número daquelas coisas que não passam mais. Foi por isto que demos a este livro o título simplesmente de Princípios Fundamentais da Pedagogia.

Procuramos descrever esta pedagogia através dos textos de um dos educadores daquela época, responsável que foi pela escola anexa ao mosteiro de São Vítor. Limitando-nos aos seus textos, porém, e à sua escola, não apresentamos apenas as idéias educacionais de um só homem, pois ele próprio é o primeiro que se esforça por apresentar em seus textos, nas suas linhas gerais, não as suas idéias pessoais, mas as da tradição em que vive e em que desenvolve o seu trabalho de educador.

A escola de São Vítor, de que foi responsável, tem sua origem em Paris, no fim do século XI, anexa à abadia de São Vítor. Desempenhou no século seguinte papel de elevada importância nos acontecimentos culturais e espirituais da Europa. Fundada por Guilherme de Champeaux, depois de alguns anos teve o nome de Hugo de São Vítor ligado a si própria de uma forma muito semelhante àquela pela qual no século seguinte o de S. Tomás de Aquino se ligaria aos inícios da história da ordem dominicana.

Hugo de São Vítor, o autor dos trabalhos traduzidos neste livro, nasceu provavelmente no ano de 1096 na Saxônia, atual território da Alemanha, onde recebeu sua primeira educação em uma escola monástica. De lá transferiu-se para Paris, o maior centro de estudos da Europa de seu tempo, ingressando no mosteiro de São Vítor, ainda há pouco tempo fundado por Guilherme de Champeaux.

Em 1125 tornou-se professor no mosteiro; em 1133, diretor da escola anexa; logo depois, também prior. Faleceu em São Vítor aos 11 de fevereiro de 1141.

Foi provavelmente o maior dos teólogos do século XII; assim como S. Tomás de Aquino, S. Boaventura, Pedro Lombardo, foi também professor de teologia. Pode parecer redundante hoje em dia acrescentar que um teólogo tenha sido professor de teologia; mas o fato é que os maiores teólogos antes da idade média não o foram.

Ao contrário, porém, de seus demais colegas medievais, Hugo de São Vítor, além de professor, foi também diretor de uma escola, de um dos principais centros de ensino superior do mundo de seu tempo e que, não obstante esta importância, mal acabava de ter sido fundada. Ambas estas características, a direção de uma escola deste porte juntamente com a sua recente fundação, iriam conferir à obra de Hugo de São Vítor contornos inexistentes nas de seus colegas.

Sua obra ocupa três volumes da Patrologia Latina de Migne, respectivamente, os volumes 175, 176 e 177. Para os que não conhecem a coleção, cada um destes livros tem aproximadamente o mesmo tamanho dos volumes da Enciclopédia Britânica; o que temos traduzido neste trabalho é, assim, bem menos do que um por cento da obra de Hugo.

Os trabalhos de Hugo de São Vítor, em uma primeira aproximação, podem ser divididos em quatro grupos: os exegéticos, os ascéticos, os dogmáticos e os pedagógicos. Para os fins deste trabalho, nos interessarão os dois últimos, e mais especialmente os pedagógicos.

Entre os trabalhos dogmáticos os principais são um breve tratado intitulado Summa Sententiarum e outro bem maior, considerado a obra prima de Hugo, o De Sacramentis Fidei Christianae. Nesta última, o autor se propõe a expor o conteúdo teológico das Sagradas Escrituras, nela demonstrando uma capacidade de síntese e sistematização desconhecidas até então, comparáveis, em sua novidade, à especulação metafísico teológica contida nos trabalhos de Santo Anselmo. Ambas estas características seriam posteriormente assimiladas, aprofundadas e fundidas em um mesmo todo por São Tomás de Aquino na sua Summa Teologiae.

De maior interesse, porém, para o presente trabalho, são as obras pedagógicas de Hugo de São Vítor, únicas, talvez, em seu feitio, não só na idade antiga e média, como talvez mesmo em toda a história da pedagogia. Esta singularidade deve sua causa ao fato de que poucas vezes na história pode ter-se reunido, em uma só pessoa, uma inteligência notavelmente brilhante, uma vida de manifesta santidade, a vocação e a atividade docente e a direção de uma das mais importantes escolas do mundo que, não obstante a importância que já desfrutava, ainda estava em fase de formação. Por causa desta confluência de fatores, Hugo se viu obrigado não só a ensinar, mas também a explicar aos alunos como se deveria aprender, aos professores orientar como se deveria ensinar, e à escola como se deveria organizar.

O resultado desta conjunção de fatores foi o surgimento de alguma coisa que merece estar com pleno merecimento tanto na história da pedagogia como na história da espiritualidade: parece ser uma forma de ascese cujo lugar próprio é uma escola.

É um caso particularmente notável de uma pedagogia em que não há interferência destrutiva entre vida intelectual e vida espiritual, nem separação entre estas atividades como coisas independentes uma da outra. Ao contrário, cria-se propositalmente uma situação em que ambas agem entre si no sentido de se amplificarem mutuamente. Que estas duas coisas sejam mutuamente possíveis temos diversos exemplos históricos, entre os quais figuram, de um lado, o exemplo de São Tomás de Aquino, e de outro, o de Santo Antônio de Pádua.

Mas destes dois talvez o que fale mais alto seja o de Santo Antônio de Pádua. Quem conhece um pouco melhor a sua vida não pode deixar de ter a viva impressão de assistir a uma representação literal das palavras de Hugo de São Vítor escritas no fim de sua principal obra pedagógica:

"Olhai, vos peço,
o que seja a luz,
senão o dia,
e o que sejam as trevas,
senão a noite.

E assim como os olhos do corpo
tem o seu dia e a sua noite,
assim também os olhos do coração
tem o seu dia e a sua noite.

Três são os dias da luz invisível,
pelos quais se distingue o curso interior
da vida espiritual.

O primeiro é o temor,
o segundo é a verdade,
o terceiro é o amor".

2. Influência da escola de São Vítor.

Uma lista de quem passou ou esteve em contato com a escola de São Vítor pode dar uma idéia do papel que esta desempenhou no contexto do século XII.

Pedro Abelardo já era aluno de Guilherme de Champeaux quando este ensinava na escola anexa à catedral de Notre Dame. Após Guilherme ter abandonado a escola catedralícia para fundar o mosteiro de São Vítor, consta Pedro Abelardo ainda ter continuado a ser seu aluno.

Após a fundação de São Vítor, São Bernardo de Claraval fez questão de ser ordenado sacerdote por Guilherme de Champeaux, já bispo. Conserva-se até hoje na Patrologia Latina de Migne uma troca de correspondência entre São Bernardo e Hugo de São Vítor acerca de matéria teológica.

Em 1134 São Bernardo escreveu uma carta ao superior de São Vítor pedindo que o mosteiro recebesse como hóspede o jovem Pedro Lombardo até o dia da festa da natividade de Maria. O jovem, porém, não voltou mais. Ficou em Paris até morrer, quase trinta anos depois, em 1160, ocupando o cargo de bispo daquela cidade. Ao que tudo indica, Pedro Lombardo foi aluno de Hugo de São Vítor; antes de ter sido nomeado bispo de Paris, ensinou teologia na escola anexa à catedral de Notre Dame onde já antes havia ensinado Guilherme de Champeaux. Enquanto professor em Notre Dame, redigiu os célebres Quatro Livros das Sentenças, que no século seguinte se tornaria livro a ser obrigatoriamente comentado por todos os candidatos ao doutoramento em teologia. Os primeiros trabalhos teológicos de São Boaventura e São Tomás de Aquino foram comentários aos Livros das Sentenças de Pedro Lombardo, texto tornado básico para o ensino e aprendizado da teologia no século XIII.

A influência de Hugo de São Vítor na teologia posterior exerceu-se também através de sua obra mais extensa, o De Sacramentis Fidei Christianae, aproximadamente traduzível por Os Mistérios da Fé Cristã, uma obra de síntese como até então não havia surgido no cristianismo. Esta obra foi o primeiro exemplo e o precursor de todas as Summas Teológicas que iriam aparecer logo em seguida. Tomás de Aquino e Boaventura testemunham, conforme veremos, terem estudado e muito se aproveitado das obras de Hugo.

Discípulo de Hugo de São Vítor e seu sucessor na escola São Vítor foi também Ricardo de São Vítor, contado, juntamente com ele, entre os grandes teólogos do século XII.

Consta que na época em que Ricardo de São Vítor era prior de São Vítor, foi ali que S. Thomas Beckett, o arcebispo da Cantuária expulso da Inglaterra pelo Rei Henrique VII, foi buscar seu primeiro refúgio.

Em relação aos futuros povos de língua portuguesa, nos séculos XII e XIII o principal centro lusitano de estudos era o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, dos Cônegos Agostinianos, onde por mais de uma década estudou Santo Antônio de Pádua antes de transferir-se à ordem franciscana. Os principais professores de Santa Cruz de Coimbra haviam estudado em São Vítor no século XII e organizado os estudos de Coimbra segundo o modelo da escola de São Vítor. Apesar de não ter estado nunca em Paris, pode-se dizer que a formação de Antônio de Pádua foi, não só do ponto de vista da doutrina teológica, como também do ponto de vista ascético e pedagógico, baseado no modelo de São Vítor, cuja doutrina, ascese e pedagogia haviam sido moldados por Hugo.

No ano de 1190 o rei de Portugal Dom Sancho I fundou uma bolsa permanente de manutenção para os clérigos de Coimbra que iam estudar em Paris. Durante o século XIII, quando já havia sido fundada a Universidade, consta que os clérigos portugueses que se aproveitavam desta bolsa para estudarem na Universidade de Paris hospedavam-se no mosteiro de São Vítor durante sua permanência em território francês.

3. Obras pedagógicas de Hugo de São Vítor.

Hugo de São Vítor escreveu três obras que a nosso ver podem ser classificadas como estando entre as obras de caráter mais nitidamente pedagógico.

A primeira delas é o opúsculo intitulado Sobre o Modo de Aprender e de Meditar*; a segunda é o opúsculo Sobre a Arte de Meditar; e a terceira e mais conhecida é um verdadeiro tratado sobre a pedagogia da época, conhecido como Didascalicon.

O Didascalicon é dividido em seis ou sete livros, de acordo com a edição. Alguns editores, como foi o caso na Patrologia Latina de Migne, apresentam todos os sete livros como sendo uma só obra. Outros editores julgam que o Didascalicon termina no livro sexto; e que o sétimo é na verdade um tratado à parte, denominado De Tribus Diebus, o Tratado dos Três Dias. Seja como for, ambas as obras são de Hugo, e uma é a continuação natural da outra.

4. Uma pedagogia centrada no aluno.

A primeira impressão que temos ao analisar as obras pedagógicas de Hugo de São Vítor é o fato de todas elas se dirigirem, na íntegra, ao aluno; não ao professor, para quem nada têm a dizer sobre organização escolar; não a mais ninguém, senão unicamente ao aluno, não obstante a tarefa de Hugo fosse a de organizar a escola em todos os seus aspectos.

Esta aparente enorme lacuna se explica pelo fato de que a pedagogia no século XII era manifestamente centrada no aluno e não no professor.

Em dois textos do século XIII, geralmente mais conhecidos entre os estudiosos modernos do que as obras de Hugo de S. Vítor, São Tomás de Aquino (1) afirma que no ensino o professor não pode, por necessidade ontológica, ser a causa principal do conhecimento. Esta causa é a atividade do aluno; o papel do mestre não é o de infundir a ciência, mas a de auxiliar o discípulo. "Assim como o médico é dito causar a saúde no enfermo através das operações da natureza, assim também o mestre", diz Tomás de Aquino, "é dito causar a ciência no discípulo através da operação da razão natural do discípulo, e isto é ensinar" (2) . Se o mestre tentar seguir uma conduta diversa, diz ainda Tomás, o resultado será que ele "não produzirá no discípulo a ciência, mas apenas a opinião ou a fé" (3).

Nos textos de São Tomás de Aquino estas conclusões são deduzidas a partir de princípios da filosofia aristotélica; como, porém, quando muito, dificilmente se conhece atualmente da pedagogia desta época, alguma coisa além destes dois textos, torna-se difícil ao homem de hoje imaginar ao que S. Tomás de Aquino estava se referindo na prática.

Os textos de Hugo de S. Vítor fornecem em parte uma ilustração para tais princípios. Ao redigir uma série de textos para organizar os métodos educacionais que seriam usados em sua escola, Hugo não dirigiu quase uma única palavra aos professores, e sim aos alunos. É exatamente o contrário do que vemos na literatura pedagógica do século XX: toda a literatura sobre metodologia é escrita para a leitura do professor, não do aluno. Aquele era um ensino centrado no aluno; este, embora às vezes se diga o contrário, é um ensino centrado no mestre.

Os resultados destes modos diversos de encarar a pedagogia são também diversos. O primeiro, encontrado no mestre, tende a tornar-se uma transferência mecânica de conhecimento do professor para o aluno; o segundo, centrado no aluno, tende a tornar-se uma aventura do espírito. A escola centrada no mestre só irá produzir um discípulo melhor do que o mestre por acaso, quando o discípulo, apesar do método utilizado, puder fugir espontaneamente às regras desta pedagogia; a escola centrada no aluno tende a produzir por sua natureza um certo número de alunos melhores do que o mestre. Consequência destes fatos é que os professores da escola centrada no mestre são, no que depende da escola, a cada geração possuidores de um nível cada vez mais baixo, enquanto que na escola centrada no aluno a tendência é a oposta.

É um fato conhecido na história da educação que desde a renascença, quando o centro de gravidade do ensino passou a deslocar-se, todas as gerações sempre têm reclamado que o nível do ensino estava caindo, e que o ensino na geração anterior era melhor do que o então ministrado. Tal constatação pode parecer à primeira vista paradoxal, porque, pensamos nós, se isto fosse realmente verdade, após tanto tempo, há muito que o ensino teria sido totalmente pulverizado. A explicação para este fenômeno é que realmente houve muitos momentos históricos desde então em que o ensino não só não decaiu, como inclusive subiu de nível, e às vezes acentuadamente. Mas, se isto aconteceu, não se deveu a fatores internos à pedagogia, e sim a contingências externas ao método educacional: a fundação, por exemplo, de uma nova ordem religiosa; uma reforma educacional; os decretos de algum príncipe. Nestes momentos dava-se uma melhora da qualidade de ensino para, a partir daí, entregue às suas forças intrínsecas, cair gradualmente sem perspectiva aparente de reversão, senão por uma nova interferência externa.

5. Um princípio básico da educação vitorina.

Uma das idéias fundamentais em torno da qual construiu-se a pedagogia vitorina está contida no opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar.

Nele, Hugo afirma que há três operações básicas da alma racional, as quais constituem entre si uma hierarquia, e que devem, portanto, ser desenvolvidas uma em sequência à outra.

A primeira ele a denomina de pensamento. A segunda, de meditação. A terceira, de contemplação.

O pensamento ocorre, diz Hugo, "quando a mente é tocada transitoriamente pela noção das coisas, ao se apresentar a própria coisa, pela sua imagem, subitamente à alma, seja entrando pelo sentido, seja surgindo da memória".

Entre os ensinamentos de Hugo de São Vítor entra aqui o papel que a leitura adquire na pedagogia. A importância da leitura reside em que ela pode ser utilizada para estimular a primeira operação da inteligência que é o pensamento. Mas ao mesmo tempo a limitação da leitura está em que ela não pode estimular as operações seguintes da inteligência, a meditação e a contemplação, a não ser indiretamente, na medida em que a leitura estimula o primeiro estágio do pensamento que é pressuposto dos demais. Isto significa que requer-se uma teoria da leitura em que o mestre saiba utilizar-se dela para produzir o pensamento, e ao mesmo tempo compreenda que há outros processos mentais mais elevados que devem também ser desenvolvidos mas que podem vir a ser impedidos por uma concepção errônea por parte do mestre que não conseguisse compreender que estes não dependem mais diretamente da leitura. A importância do assunto é tão grande que os seis primeiros livros do Didascalicon serão dedicados à teoria da leitura.

A segunda operação da inteligência, continua Hugo, é a meditação. A meditação baseia-se no pensamento, e é "um assíduo e sagaz reconduzir do pensamento, esforçando-se para explicar algo obscuro, ou procurando penetrar no que ainda nos é oculto".

O exercício da meditação, assim entendido, exercita o engenho. Como a meditação, porém, se baseia por sua vez no pensamento e o pensamento é estimulado pela leitura, temos na realidade duas coisas que exercitam o engenho: a leitura e a meditação.

Segundo as palavras de Hugo, "na leitura, mediante regras e preceitos, somos instruídos a partir das coisas que estão escritas. A leitura também é uma investigação do sentido por uma alma disciplinada. A meditação toma, depois, por sua vez, seu princípio da leitura, embora não se realizando por nenhuma das regras ou dos preceitos da leitura. A meditação é uma cogitação frequente com conselho, que investiga prudentemente a causa e a origem, o modo e a utilidade de cada coisa".

Mas acima da meditação e baseando-se nela, existe ainda o que Hugo chama de contemplação. Ele explica o que é a contemplação e no que difere da meditação do seguinte modo:

"A contemplação é uma visão
livre e perspicaz da alma
de coisas que existem em si
de modo amplamente disperso.

Entre a meditação e a contemplação
o que parece ser relevante
é que a meditação é sempre de coisas ocultas
à nossa inteligência;
a contemplação, porém, é de coisas que,
segundo a sua natureza,
ou segundo a nossa capacidade,
são manifestas;
e que a meditação sempre se ocupa
em buscar alguma coisa única,
enquanto que a contemplação se extende
à compreensão de muitas,
ou também de todas as coisas.

A meditação é, portanto,
um certo vagar curioso da mente,
um investigar sagaz do obscuro,
um desatar o que é intrincado.

A contemplação é aquela vivacidade da inteligência,
a qual, já possuindo todas as coisas,
as abarca em uma visão plenamente manifesta,
e isto de tal maneira que aquilo que a meditação busca,
a contemplação possui".

Estas passagens do Opúsculo sobre o Modo de Aprender mostram um dos pontos básicos da pedagogia de Hugo, o de levar o discípulo do pensamento à contemplação. Em outras partes de sua obra ele abordará o modo como isto pode ser feito.

Mas antes que tratemos deste outro aspecto da questão, cumpre fazer a seguinte pergunta, importantíssima para os educadores de hoje. Um dos maiores pensadores educacionais brasileiros de nosso século, Anísio Teixeira, escreveu em um famoso livro intitulado Educação para a Democracia exatamente as seguintes palavras:

"A vida já não é governada
pelos velhos índices de intelectualidade
herdados da idade média.

Hoje todos têm que produzir.

Técnicas científicas e industriais
sobrepuseram-se aos encantamentos da vida do espírito.

Precisamos sentir o problema da educação
conforme ele é,
um processo pelo qual a população se distribui
pelos diferentes ramos do trabalho diversificado
da sociedade moderna" (4).


Ora, Hugo de S. Vítor desenvolve uma pedagogia que desemboca em uma atividade chamada contemplação que se ocupa, conforme ele próprio diz, de coisas que já nos são manifestas. Mas se nos são já manifestas, por que se ocupar ainda nelas? Poderá uma educação assim ter ainda alguma justificativa na sociedade moderna?

Hugo provavelmente responderia a esta pergunta com três argumentos.

Em primeiro lugar, a contemplação se ocupa, é verdade, de coisas já manifestas, e o homem moderno, ocupado em seu utilitarismo imediato, geralmente não percebe as vantagens de se cultivar uma qualidade destas. Pelo fato de se ocupar com coisas manifestas, a contemplação, conforme disse Hugo, não se ocupa em buscar "alguma coisa única, mas se estende à compreensão simultânea de muitas ou também de todas as coisas". Ora, é evidente que esta é a atividade fundamental que está por trás de todas as grandes sínteses filosóficas da história, como as obras de Aristóteles, de Tomás de Aquino, e outras. É evidente que é também esta a atividade fundamental que está por trás das grandes sínteses científicas, como a física Newtoniana e a Teoria da Relatividade. É evidente que esta é a operação intelectual fundamental que deveria estar por trás também de outras atividades tão vivamente exigidas nos dias de hoje como a correta orientação política de uma nação e até mesmo o ordenamento plenamente consciente de um sistema educacional. Em suma, é a contemplação, e não a análise, a atividade básica das mais fundamentais conquistas do pensamento humano em todos os tempos. Foi também, evidentemente, a atividade fundamental que estava por trás do monumento do pensamento que foi em sua época o tratado De Sacramentis Fidei Christianae, uma obra de síntese e sistematização em teologia como até aquela época, conforme já mencionamos, ainda não havia aparecido igual.

Obras filosóficas e sínteses deste porte ainda surgem hoje em dia; mas a diferença é que hoje em dia elas aparecem apesar das escolas, enquanto que na época da escola de São Vítor e na época em que Aristóteles estudou com Platão elas surgiam por causa das escolas. O tipo de gênio que havia em Newton e em Einstein foi desenvolvido por eles próprios sem que, entretanto, o soubessem desenvolver em seus alunos. Na escola de Platão, o gênio do mestre soube reproduzir-se em Aristóteles, e na de São Vítor o gênio de Hugo soube reproduzir-se em Ricardo, e, menos diretamente, em diversos contemporâneos que reproduziram seu sistema de ensino.

Mas, ademais, em segundo lugar, não é necessário produzir obra alguma para que a contemplação seja alguma coisa de enorme importância para o homem. A contemplação sempre foi colocada em todas as épocas da história, com exceção, talvez, da idade moderna, como o mais significativo elemento de enobrecimento da mente humana, algo que não precisava de nenhuma justificativa além de si mesma para ser cultivada. Esta foi a posição de todos os principais filósofos gregos. No cristianismo, também, a experiência religiosa dos primeiros Santos Padres apontou esta capacidade como sendo elemento fundamental para a compreensão profunda das grandes verdades do cristianismo, apesar de, e isto é significativo, em nenhuma parte das Sagradas Escrituras esta capacidade ser descrita nos termos empregados por Hugo de São Vítor. Esta afirmação dos Santos Padres tem sua similar nos antigos filósofos gregos quando estes também colocaram que nenhum dos problemas existenciais básicos do ser humano pode ser convenientemente abordado sem ser por este meio.

Estes dois motivos talvez já bastassem, mas existe ainda um terceiro para Hugo de S. Vítor que talvez seja o mais importante. É que, ao contrário do que parece dar a entender o opúsculo sobre o modo de aprender, a contemplação não é ainda a meta final da pedagogia. Assim como a meditação se fundamenta no pensamento, e a contemplação se baseia na meditação, outras operações se baseiam, por sua vez, na contemplação. Estas, porém, são tratadas em outros trabalhos de Hugo.

6. A presente tradução.

Na presente tradução encontramos, primeiramente, o opúsculo Sobre o Modo de Aprender e de Meditar. Nele encontramos expostos a sequência das fases do aprendizado do pensamento, intimamente relacionado com a leitura, à meditação e desta à contemplação. Nele encontramos também vários conselhos relativamente à leitura.

Em outras obras de Hugo encontramos uma explicação mais pormenorizada sobre cada uma destas fases.

A teoria da meditação é encontrada num opúsculo intitulado Sobre a Arte de Meditar, cuja tradução vem em seguida à do modo de aprender e de meditar.

A contemplação é exposta no livro sétimo do Didascalicon, cuja tradução vem em seguida à da arte de meditar.

Os seis primeiros livros do Didascalicon, não traduzidos neste trabalho senão em parte, se ocupam mais extensamente com o problema da leitura. Os três primeiros tratam da leitura e do estudo dos temas que hoje chamaríamos de profanos; os três últimos tratam da leitura e do estudo das Sagradas Escrituras.

Em ambas estas partes aborda-se o problema da leitura tanto do ponto de vista sobre o que ler, como sobre de que modo ler.

Nos três primeiros livros, em relação a o que ler, Hugo expõe o conteúdo das artes liberais, isto é, as dos ciclos de estudos denominados na idade média de trivium e quadrivium. O trivium, introdução ao quadrivium, constituía-se de gramática, retórica e lógica. O quadrivium, introdução aos estudos superiores, constituía-se de matemática, geometria, astronomia e música. Hugo também expõe o conteúdo de outras artes além destas. Quanto ao problema de como ler, o conteúdo dos três primeiros livros do Didascalicon parece-se muito com o Opúsculo sobre o Modo de Aprender. Os três livros restantes do Didascalicon ocupam-se com a leitura e o estudo das Sagradas Escrituras.

Neste trabalho traduzimos integralmente o livro sétimo do Didascalicon que versa sobre a contemplação. Precedemos a tradução deste sétimo livro de passagens tiradas dos livros primeiro e segundo, sobre o caráter da filosofia, e do livro quinto e sexto, passagens todas que pudessem servir para introduzir o assunto contido no sétimo, reproduzindo-lhe algo do contexto relevante dos livros anteriores.

A omissão quanto ao conteúdo de cada arte e das Escrituras Sagradas, consideravelmente extensa, foi proposital. Já existem traduções em línguas modernas dos seis primeiros livros do Didascalicon, tal como a em língua inglesa de 1961 devida a Jeromy Taylor e publicada pela Columbia University Press; quanto aos três textos aqui traduzidos, entretanto, não nos consta existir tradução alguma.

Por outro lado, estes três textos formam uma sequência muito bem concatenada: interrompê-la, traduzindo os seis primeiros livros do Didascalicon na íntegra e introduzindo assim uma enorme massa de material sobre um aspecto bastante diverso, embora da mesma questão que temos em pauta, seria dificultar ainda mais o acesso a uma concepção de pedagogia que é, já sem isto, bastante difícil para a compreensão do homem moderno.

Precedendo os três trabalhos de Hugo, intitulados, pois, Sobre o modo de Aprender e de Meditar, Sobre a Arte de Meditar, e o último, que neste trabalho pode ser encontrado sob o nome de Tratado dos Três Dias, temos ainda uma tradução condensada da introdução de Monsenhor Hugonin sobre a Fundação da Escola de São Vítor que precede as obras de Hugo no volume 175 da Patrologia Latina de Migne.


Referências

(1) São Tomás de Aquino: Summa Theologiae, Prima Pars, Q. 117, a. l. São Tomás de Aquino: Quaestiones Disputatae de Veritate, Quaestio 11, a. 1.
(2) São Tomás de Aquino: Quaestiones Disputatae de Veritate, Q. 11 a. 1.
(3) São Tomás de Aquino: idem.
(4) Anísio Teixeira: Educação para a Democracia. Anísio Teixeira: Bases para uma programação da Educação Primária no Brasil, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.

Texto retirado do Link.

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