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Os Números Divinos

por Javier Ruiz

Platão, ao falar sobre as ideias puras ou os arquétipos, diz-nos a mesma coisa. Que os objetos físicos e os seres vivos nada mais são do que vestígios na matéria das ideias puras presentes no reino do inteligível.

A origem dos números naturais ($1, 2, 3 ...$) sempre foi objeto de controvérsia entre matemáticos e filósofos de todos os tempos. Assim, para Filolau, filósofo pitagórico do século V a.C. … grande, toda-poderosa, aperfeiçoadora e divina é a força do número, início e governante da vida divina e humana, participante de tudo e em tudo. Sem número, nada tem limites e é confuso e sombrio. Porque a natureza do número proporciona conhecimento e é guia e professor para todos em tudo o que é duvidoso ou desconhecido. Porque nenhuma das coisas seria clara, nem no seu próprio ser, nem nas suas relações mútuas, se o número e a sua essência não existissem. Este é quem harmoniza na alma as coisas com a sua perfeição, tornando-as cognoscíveis e congruentes entre si segundo a sua natureza, dotando-as de corporeidade

Assim vemos que para os pitagóricos a própria constituição do Universo é número e harmonia. Esta ideia foi formulada pelo físico Galileu Galilei, no século XVII, quando disse que o livro da Natureza estava escrito em caracteres matemáticos e geométricos: tal livro está aberto diante dos nossos olhos, mas nem todos podem lê-lo, porque o seu alfabeto é composto de números, proporções e figuras geométricas.

Toda a Matemática se baseia na noção de números naturais e nas suas operações aritméticas. Agora podemos perguntar-nos: como se fundamenta a aritmética? Qual é a base dos números naturais? Vejamos brevemente os cinco axiomas da aritmética.

1. O $1$ é um número natural;

2. A cada número natural $x$ corresponde univocamente outro denominado o seguinte: $s(x)$. [ou seja, $s: \mathbb{N} \rightarrow \mathbb{N}$ também chamada função sucessor];

3. O $1$ não tem número precedente;

4. Se $s(x)=s(y)$, deduz-se que $x=y$. [injetividade];

5. Princípio de indução completa. Se um conjunto $C$ de números naturais atende às duas seguintes condições:

a) $C$ contém o número $1$;

b) Se $C$ contém $x$, também contém $s(x)$, então $C$ contém todos os números naturais.

Os cinco axiomas anteriores eram o objetivo do programa formalista da Matemática: reduzir a aritmética à lógica, derivar os conceitos da aritmética a partir de conceitos lógicos e deduzir princípios aritméticos a partir de princípios lógicos. Se isso fosse possível, poderíamos dizer que os números naturais e toda aritmética têm a sua base no cérebro, ou melhor, na mente humana. Toda a Matemática seria criação da mente humana, e não só a Matemática, mas também a Física, a Química, a Biologia, a Geologia; ou seja, todas as ciências que em maior ou menor grau utilizam estruturas matemáticas nas suas definições e nos seus métodos empíricos. Não esqueçamos que existe uma relação íntima entre os fenómenos experimentais e as estruturas matemáticas, o que é verdadeiramente surpreendente quando meditamos sobre eles.

Como vemos, uma fundamentação lógica da Matemática resolveria muitas questões sobre a natureza do mundo e do homem. De certa forma, embora com certo exagero, poderíamos dizer que todo o Universo, com todas as suas leis, os planetas, as estrelas, as galáxias, seria criação da mente humana.

Contudo, em 1931, um matemático checo, Kurt Gödel, declarou um teorema segundo o qual a coerência lógica não pode ser provada de qualquer sistema formal axiomático rico o suficiente para ser capaz de conter a aritmética pelo raciocínio matemático. O máximo que se pode esperar é que tal sistema seja incoerente. Este teorema deixa claro, entre outras coisas, a incapacidade da Matemática de colocar os seus fundamentos fora de qualquer dúvida (impossibilidade de demonstrar autoconsistência, isto é, a ausência de contradição lógica da construção matemática).

Voltando aos números naturais, devemos então distinguir entre os números que usamos na vida cotidiana e os verdadeiros números. Para o filósofo Jorge Angel Livraga, cada número distingue-se de qualquer outro número por um não-número, mas mesmo assim “valor”, que os diferencia. Sempre haverá algo entre fração e fração que não pode ser capturado com os padrões atuais.

Os números naturais são geralmente representados como pontos numa linha reta, igualmente espaçados entre si. Dizem-nos que o segmento de reta é ocupado por números racionais (números que podem ser expressos como um quociente de dois números inteiros, por exemplo, $5/3$) e números irracionais (números que, como a raiz quadrada de dois, não podem ser expressos como um quociente de dois inteiros). A hipótese do contínuo, expressa pelo matemático Georg Cantor, diz que o conjunto dos números reais (naturais, inteiros, racionais e irracionais) preenche completamente a reta. Esta hipótese não pode ser comprovada, o que acrescenta valor à teoria do Professor Livraga sobre a diferenciação de números por não-números. Esses não-números são governados pela matemática dinâmica ou viva, enquanto os números naturais são governados pela matemática estática, a única que conhecemos no momento (lembre-se que esta última não pode dar coerência lógica às suas bases, que são os números naturais).

Por mais que procuremos uma fundamentação lógica para a Matemática, que é a nossa ferramenta para o estudo da Natureza, as suas fundações, que são os cinco axiomas citados, não têm fundamento lógico.

Assim, com um pouco de ousadia, podemos afirmar que o Universo com as suas leis, e o homem com sua mente, têm uma base irracional, ou pararacional, como preferirem; algo que está além da nossa mente e que esta não consegue justificar. Com a nossa mente racional, focada em nós mesmos, não podemos saber nem a origem dos números naturais nem a origem do Cosmos.

Esta ideia não é nova. O filósofo ateniense Platão, no século V a.C. dizia-nos: …o que dá verdade aos objetos do conhecimento, e a faculdade de conhecer aquele que conhece, é a Ideia do Bem, que deverás conceber como objeto do conhecimento, mas também como causa da ciência e verdade; e assim, por mais belos que sejam o conhecimento e a verdade, julgarás corretamente se considerares essa ideia como algo diferente e ainda mais belo do que eles. E, quanto ao conhecimento e à verdade, assim como neste mundo é possível acreditar que a luz e a visão se assemelham ao sol, mas não que sejam o mesmo sol, também nesse mundo é correto considerar que um e outro são semelhantes ao bem, mas não o é ter qualquer um dos dois pelo bem, pois a consideração que se deve à Natureza do Bem é muito maior [1].

Não devemos pensar que a Matemática e as Ciências que utilizam as suas estruturas perdem a sua validade; eles simplesmente assumem validade relativa. Para Platão, o matemático toma certas noções como certas, como os cinco axiomas da aritmética mencionados acima. Destas noções, que não podem ser demonstradas, são de onde ele inicia a sua caminhada dedutiva rumo às conclusões; caminhada na qual não pode apoiar-se em ideias puras, mas deve recorrer a representações materiais dessas ideias puras (números). Os números não são ideias puras, mas a sombra (mental, acrescentaremos nós) de ideias puras. Por outro lado, o dialético, imagem do filósofo, também parte de hipóteses, mas essas hipóteses nada mais são para ele do que algo provisório, degraus, trampolins ou qualquer outra coisa que sirva para passar de um estado a outro no processo. Assim, vai ascendendo passo a passo até o início de tudo, um princípio não hipotético, e nesta ascensão nunca é obrigado a recorrer a outra coisa senão às ideias tomadas por si próprias. Isto não significa que o estudo da Natureza perca toda a sua validade. É conveniente lembrar a máxima socrática: conhece-te a ti mesmo, ó homem! e conhecerás o Universo e os Deuses.

[...]

Se há algo verdadeiramente fascinante no mundo que nos rodeia, é que podemos compreendê-lo, que é acessível às nossas mentes. Embora os primeiros princípios e os fins últimos nos escapem, o universo em geral está sujeito a leis que podemos descobrir através da observação, da pesquisa e do estudo. Nas palavras de John D. Barrows, físico inglês: A razão pela qual temos tido tanto sucesso em desvendar o funcionamento interno do universo é que descobrimos a linguagem em que o livro da natureza parece estar escrito. Em essência, ele está apenas citando Galileu Galilei, que disse que Deus criou o universo e escreveu as suas leis na linguagem da matemática.

Por que isto é desta forma é no fundo um verdadeiro mistério; serão a matemática, as formas geométricas, uma ferramenta fabricada pela nossa mente, ou antes, têm existência independente e estão fora dela? Para Roger Penrose, um dos melhores matemáticos atuais e co-criador com Stephen Hawking da entropia dos buracos negros, a matemática está de alguma forma “lá”, e a única coisa que o matemático faz é descobri-la. Ele é um fervoroso defensor do platonismo e da teoria dos arquétipos platônicos, imagens ou primeiros modelos que existem na mente de Deus e que utiliza ao criar o universo. Assim, a filosofia profunda e a matemática superior caminham juntas.

Dentre os números infinitos, escolhemos para estudo simbólico os mais conhecidos, como o número áureo, o número π, o número e, a base dos logaritmos naturais, e os números transfinitos de Cantor. Com o estudo destas belas sombras do pensamento divino que os referidos números nos mostram, a nossa mente terá a possibilidade de intuir as maravilhas da criação e poder seguir os seus passos de forma harmoniosa.

O número de ouro, Φ

Não há melhor impressão desta harmonia universal, deste desenho inteligente do universo, conforme postulado pela ciência moderna, que a velha ideia da Proporção Divina (segundo Luca Pacioli), a secção áurea para Leonardo da Vinci, simplesmente o número dourado, para nós.

Pitágoras é creditado com a descoberta da proporção áurea, o teorema que leva o seu nome e o pentagrama, uma estrela regular de cinco pontas onde o número áureo é um suporte básico. Ele fez da estrela de cinco pontas o símbolo distintivo dos membros da escola filosófica que fundou, o pitagorismo. Os pitagóricos destacavam-se pela sua sobriedade, pela sua altura moral, pela sua coerência. O princípio fundamental da filosofia pitagórica era que todas as coisas são números ou são compostas de números.

Platão, no Timeu, ecoa os ensinamentos pitagóricos. Bem, quando quaisquer três números, sejam lineares ou planos, o do meio é de tal tipo que tem em relação ao último a mesma relação que o primeiro tem em relação a ele; e inversamente, quando é de tal tipo que tem em relação ao primeiro a mesma relação que o último tem com ele, sendo então o primeiro e o último ao mesmo tempo o termo médio dos dois, acontece que todos os termos têm necessariamente a mesma função, que todos desempenham o mesmo papel uns em relação aos outros e, nesse caso, todos formam uma unidade perfeita. Aqui encontramos a definição matemática do número de ouro. O que Euclides coletará mais tarde nos seus Elementos de Geometria como a divisão em razão média e extrema.

Precisamente a estrela de cinco pontas contém o número dourado nas suas proporções. É um conceito matemático cuja aplicação na arte produz sensações belas e agradáveis. Desperta-nos uma ressonância, pois o homem e o universo são regidos pelas mesmas leis. Consequentemente, os antigos encerravam o ser humano perfeito dentro de uma estrela de cinco pontas, um símbolo de beleza e harmonia proporcional. Que estávamos sujeitos a leis e proporções semelhantes, reflexo do Demiurgo, do Divino Criador ao ordenar o mundo.

1. A sequência de Fibonacci.

Um matemático dos séculos XII-XIII, Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci, descobriu essa sequência ao estudar a reprodução e a morte de coelhos na sua quinta. Cada termo da sequência é gerado pela soma dos dois anteriores. Assim, $1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233...$ Esta sequência tem propriedades muito curiosas, entre elas que o quociente entre dois termos consecutivos é próximo do número dourado. Aparece no triângulo de Pascal, em algoritmos de cálculo de máximos e mínimos para funções complicadas, uma das suas aplicações é na física óptica, no cálculo das trajetórias dos raios de luz quando atingem duas lâminas planas de vidro e em contato (aplica-se à leitura e gravação de dados digitais através de laser), etc. Os exemplos poderiam ser incontáveis.

2. O número de ouro na natureza.

Se tivermos um retângulo áureo e eliminarmos o quadrado do lado menor, o retângulo resultante terá ainda a proporção áurea e assim por diante. Isto dá origem a uma das espirais mais belas e recorrentes da natureza; a espiral logarítmica. Esta espiral logarítmica governa o crescimento de muitas formas vegetais e animais; por exemplo a concha do caracol marinho Nautilus, ou os caramujos marinhos tão presentes nas nossas costas. Também na dupla espiral das flores de girassol aparecem termos consecutivos da sequência de Fibonacci, o crescimento das pinhas segue a proporção áurea, um ovo de galinha pode ser inscrito em um retângulo áureo, etc. E, claro, a estrela do mar segue um padrão pentagonal no seu desenvolvimento. Se levarmos em conta que aqui ocorre o salto evolutivo crucial dos vertebrados para os invertebrados, verificamos empiricamente a importância da nossa proporção. A simetria pentagonal e a estrela de cinco pontas são a base do desenvolvimento formal de muitas flores e arbustos.

Até nas proporções do corpo humano aparece o número dourado. A distância do chão ao umbigo em relação à altura humana segue a proporção áurea. A proporção áurea também rege outras medidas anatómicas do homem, como A. Zeising estudou em meados do século XIX.

3. O número de ouro na arte

Como meio e modelo para retratar a beleza, a proporção divina tem sido utilizada por todas as culturas, e os povos com sentido estético aplicaram-na nos seus monumentos. Encontramos os seus vestígios na grande pirâmide, onde a altura do triângulo de suas faces tem dupla proporção áurea com a base, na Porta do Sol de Tiahuanaco aparece o triângulo dourado, numa tumba rupestre em Mira, Turquia, do século II a.C. surge novamente. Não está perdido durante a Idade Média. O número dourado é a base do arco parabólico e do arco pontiagudo, inovações geométricas que foram aplicadas no gótico. Mesmo em numerosos portais românicos e góticos, o triângulo áurico aparece como borda e fronteira.

No Renascimento foi recuperado novamente de forma maciça na arte. O Homem de Vitrúvio de Leonardo foi concebido para ilustrar o livro do frade Luca Paccioli, A Proporção Divina. Também aparece na Anunciação da Virgem Maria, as dimensões de La Gioconda são 89×55 cm., curiosamente dois números consecutivos da série Fibonacci. Devemos precisamente o nome da secção áurea a Leonardo. Na bela pintura de El Greco, O Enterro do Conde de Orgaz, vemos como o mundo terrestre inferior é governado pelo retângulo dourado, e o mundo celestial superior é governado pelo pentagrama místico e pelo pentágono no qual está inscrito. A nível matemático, Kepler enfatiza a proporção áurea no âmbito das suas teorias cosmológicas e cosmogónicas.

O número áureo foi recuperado novamente no século XIX, justamente com o surgimento do já mencionado trabalho de Zeising sobre medidas anatómicas no homem, e como este autor trabalhando em milhares de medições encontrou novamente o aparecimento do número áureo. Assim, na obra de Theodore Cook, The Curves of Life, a proporção áurea é aplicada ao estudo das formas botânicas e zoológicas. No início do século XX, uma exposição de obras pictóricas foi inaugurada em Paris sob o título La Section d’Or. A sua influência é inegável nas obras de Juan Gris, Picasso e Dalí. Isto pode ser visto na pintura Leda Atómica, onde um esboço de Dalí indica a estrutura da pintura em torno do pentagrama.

Um dos principais arquitetos do século XX, Le Corbusier, recupera o uso da proporção no desenho urbanístico e na construção. Em 1929 projetou o Mundaneum, um complexo localizado em Genebra que serviria como instituição mundial e sede da Liga das Nações. O layout do design segue a proporção áurea. Na sua obra El Modulor, realizada em 1950, e novamente baseada nesta proporção, onde tenta sistematizar o desenho das obras para que sejam úteis ao movimento humano. Einstein veio comentar esse trabalho, é uma gama de proporções que torna o mau mais difícil e o bom fácil.

A sua influência também se faz notar na música, na linguagem musical criada por Bela Bartok e baseada no sistema da secção áurea, que integra movimentos pentatônicos primitivos e afinidades primitivas. Podemos traçar a influência da secção na sua obra Concerto para Orquestra e Quatro Peças para Orquestra. E anteriormente, Robert Schuman nas suas Cenas Infantis também havia usado a proporção áurea para regular o número de compassos e os intervalos entre eles.

O número π

Estudado por todos nós durante os anos escolares, o número π contém em si próprio um grande mistério. Na escola dizem-nos que é a razão entre o comprimento da circunferência e o seu diâmetro, dizem-nos que vale 3,1416, e começam a ditar-nos uma fórmula atrás da outra, com múltiplas aplicações, efetivamente. A verdade é que esta relação entre a circunferência e o diâmetro que hoje conhecemos como π sempre atraiu a atenção de cientistas e matemáticos de todos os lugares e de todos os tempos. A Bíblia declara o valor de π como 3 [2]. Os antigos egípcios calcularam o valor de π como 256/81, ou 3,16…, o que é uma boa aproximação. Para os antigos chineses, π valia 355/113, uma aproximação mais próxima do que a de Arquimedes, que, através de métodos de inscrição e circunscrição de polígonos num círculo, aumentando o número de lados dos polígonos, conseguiu limitar o valor de π entre 3,141590… e 3,141601…, uma aproximação que continua a ser usada até hoje. Nos séculos XVII e XVIII, através do desenvolvimento de séries numéricas, foi possível calcular o valor de π com um número crescente de casas decimais. Atualmente, mais de 206 bilhões de casas decimais de π foram calculadas usando métodos computacionais. Além do interesse dos decimais em si, a precisão do cálculo é usada para determinar o poder computacional dos computadores e a sua confiabilidade.

O número π, assim como o número áureo, é um número irracional, ou seja, não pode ser expresso como quociente de dois inteiros. Noutras palavras, o seu número de decimais nunca terminará nem seguirá um padrão de repetição. Desta forma, o valor de π nunca pode ser calculado exatamente. Sempre haverá uma sequência numérica infinita e não periódica subsequente, não importa quão grande seja o decimal a que chegamos através dos cálculos. Embora a irracionalidade de π só tenha sido demonstrada no século XVIII pelo brilhante matemático suíço Leonard Euler, o filósofo grego Aristóteles no século IV a.C. e o filósofo judeu Maimônides, no século XII, já haviam intuído essa irracionalidade e ficaram fascinados por ela.

O resultado desse fascínio tem sido tentar conseguir a quadratura do círculo, ou seja, construir um quadrado com a mesma área de um círculo usando apenas régua e compasso. Este foi, juntamente com a duplicação do cubo e a trissecção do ângulo, um dos problemas clássicos da geometria grega. Hoje sabemos que são insolúveis, mas estimularam a imaginação dos matemáticos de todos os tempos e, até que o matemático alemão Lindeman demonstrasse a sua impossibilidade, foram um incentivo contínuo aos trabalhos e às descobertas matemáticas. Conseguir a quadratura do círculo é impossível porque o número π é um número transcendente. O número π não pode ser encontrado pelas operações aritméticas de adição, subtração, multiplicação, divisão ou extração de raízes. No entanto, o número dourado Φ não é um número transcendente, daí a enorme variedade de formas naturais em que aparece. O número π praticamente não aparece na natureza, pelo menos tão explicitamente quanto Φ.

O que significa tudo isto? Vamos fazer uma análise simbólica do número π e dos elementos que lhe dão origem. Lembremos que π é a razão entre o comprimento da circunferência e seu diâmetro. No simbolismo tradicional, a circunferência representa a Divindade Absoluta. Citemos Blavatsky, a grande esoterista do século XIX. Parabrahman, a Realidade Única, o Absoluto, é o campo da Consciência Absoluta; isto é, aquela essência que está fora de qualquer relação com a existência condicionada e da qual a existência consciente é um símbolo condicionado [3]. A circunferência sem um ponto central é impossível de conceber, porém o universo sempre foi descrito como um círculo cujo centro está em toda parte e a circunferência em lugar nenhum. O círculo é o símbolo da Divindade, e ao representá-lo com um ponto no centro simboliza a primeira emanação desta Divindade. Sigamos Blavatsky, um disco com um ponto no centro representa, no símbolo arcaico, a primeira diferenciação nas manifestações periódicas da Natureza eterna, assexuada e infinita, “Aditi em AQUILO” ou Espaço potencial no Espaço abstrato. Na terceira etapa, a ponta é transformada em diâmetro. Então simboliza uma Mãe-Natureza imaculada e divina, no Infinito absoluto que tudo abrange [4]. Noutras palavras, a relação entre a circunferência e seu diâmetro é o equivalente entre a Divindade e a Natureza no seu estado de pureza imaculada. Esse é o significado de π.

Não é surpreendente, então, que π seja irracional e transcendente, uma vez que a sua relação não é com o mundo natural, como a de Φ, mas com o mundo das ideias puras ou arquétipos platónicos. É neste mundo geométrico, sombra das ideias puras, que π ganha significado e valor. A irracionalidade e a transcendência de π simbolizam os esforços vãos da mente humana para tentar raciocinar sobre o Mistério de Deus e da Criação. Porém, π é um número fascinante e ao qual, como humanos, temos acesso, pois podemos capturá-lo em formas geométricas. Mas sempre haverá um decimal de π que nos escapará, e não poderemos reduzir o seu cálculo a uma equação racional, pois a natureza de π é semelhante à natureza da Divindade. Está acima da nossa simples razão, mas não da nossa intuição, graças à qual elevamos a nossa mente ao reino dos arquétipos e captamos as ideias geométricas puras nele presentes.

O número e

A história deste número só começa no século XVIII, quando foi descoberto pelo matemático Leonard Euler como a constante para a qual tende a soma de numerosas séries convergentes de números naturais. É um número definido por um limite que pode ser consultado em qualquer manual de matemática. O que nos interessa aqui é saber que também é um número irracional e transcendente, como π.

Com a descoberta do número e nasceu a função exponencial e logarítmica, que rege numerosos processos físicos de crescimento e variação de unidades, como o decaimento radioativo ou a absorção de luz ou ondas por um meio contínuo. É surpreendente como um número irracional e transcendente aparece em numerosos processos físicos e biológicos. Um número que não pode ser expresso como uma fracção ou calculado por uma equação racional está continuamente presente na natureza. É uma impressão direta do mundo arquetípico no mundo natural, como um selo direto que nos diz que a natureza segue leis matemáticas profundamente belas e harmoniosas.

Deve-se notar que e rege tanto o crescimento quanto a diminuição de uma quantidade, desde que esta não dependa do restante da quantidade que esteja presente. Ou seja, e aparece sempre que a substância que varia não possui informações sobre o ambiente restante. Só assim o crescimento exponencial aparece como uma lei. Para explicar isto, vamos dar um exemplo clássico. Se semearmos uma bactéria que se duplica a cada vinte minutos num meio rico em alimentos, depois de uma hora teremos 8 bactérias, depois de 2 horas 499 bactérias, e depois de 12 horas cerca de 18.000. Evidentemente, mais cedo ou mais tarde, a comida deve impor um limite no crescimento, caso contrário o número de bactérias acabaria tomando conta da terra. Mas este é o poder do número e, que governa o crescimento ilimitado ou a decadência sem fim, mas mais cedo ou mais tarde a oferta do meio imporá uma limitação ao seu poder.

O que significa tudo isto? Que a matéria tem um limite, que pelas suas próprias leis ela tem o seu lugar bem definido dentro do Grande Cosmos e que se tentar ultrapassá-lo, as leis nela inscritas acabarão por fazê-la retornar ao crescimento harmonioso. É importante então que o homem aprenda o mesmo, porque o crescimento ilimitado que o nosso mundo propõe como solução para todos os problemas sociais e ambientais acabará por cair numa recessão. É inevitável. Mas, como humanidade, podemos voltar ao curso natural das coisas. Para isso recebemos a inteligência, não só para resolver problemas matemáticos e descobrir teoremas, mas também para aplicá-los ao nosso ambiente no seu significado filosófico.

Os números transfinitos

Pode haver números além do infinito? Esta foi a pergunta feita pelo matemático Georg Cantor, descobridor da moderna teoria dos conjuntos. Para nos aprofundarmos nesta questão, vamos começar por estudar a sequência dos números naturais.

$1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, ...$

Obviamente esta sequência não tem fim, pois podemos adicionar 1 a qualquer número natural e obter o próximo desta lista, e assim por diante. É um conjunto sem fim ou infinito. Podemos dizer que esta sequência tende ao infinito, e iremos designá-la com o símbolo . Agora, é um número real? Obviamente que não, pois não podemos incluir o infinito nos números naturais e ao mesmo tempo manter os axiomas fundamentais da aritmética que vimos anteriormente. Não podemos adicionar nada ao infinito, porque não é um número. No entanto, o conceito de infinito invade toda a matemática. Dizemos então que o conjunto dos números naturais é composto por infinitos elementos.

Para ver alguns dos paradoxos do infinito, vejamos o seguinte caso; a sequência de números pares,

$2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, ...$

Está incluída na sequência de números naturais. Mas nenhuma delas tem fim, ambas têm elementos infinitos, pois ambas podem ser colocadas lado a lado, de modo que o primeiro par corresponda ao número $1$, o segundo par corresponda ao número $2$, o terceiro par corresponda ao número $3$ e assim por diante. Certamente parece que ambas possuem o mesmo número de elementos, ou seja, . Mas a sequência dos números pares está incluída na sequência dos números naturais. Este é um dos paradoxos que aparecem quando se considera o infinito como um número. É melhor então, como fez Cantor, falar em termos de conjuntos e dizer que dois conjuntos são equivalentes se ambos puderem ser numerados da mesma maneira, de modo que cada elemento do primeiro conjunto corresponda a um e apenas um do segundo. Desta forma podemos começar a estabelecer uma aritmética do infinito.

Cantor demonstrou que o conjunto dos números naturais, o dos inteiros e o dos números racionais era enumerável, ou seja, que uma relação termo a termo pode ser estabelecida com cada um dos elementos dos conjuntos vistos acima e com cada um dos números naturais. Um conjunto de elementos enumerável ​​é composto por um número infinito de elementos. Agora, o conjunto dos números reais (racionais e irracionais) é enumerável? Por outras palavras, os números reais têm elementos infinitos? Cantor mostrou, utilizando um método de diagonalização, que este não é o caso. O conjunto dos números reais não é enumerável. Foi assim que nasceram os números transfinitos. Os números reais têm um grau de infinitude maior, por assim dizer, do que os números naturais. Lembremos, como vimos anteriormente, que os números reais segundo a hipótese do contínuo preenchem a reta. Portanto, o número de pontos na reta é transfinito.

Para denotar esta hierarquia de infinitos, Cantor tomou emprestada uma letra do alfabeto hebraico, o aleph, $(\aleph)$. Ele chamou o infinito contável dos números naturais aleph sub-zero, $(\aleph_0)$ e ao infinito incontável dos números reais ou ao infinito do contínuo numérico da linha reta, ele o chamou de aleph sub-um, $(\aleph_1)$. Além disso, no aleph sub-um apresenta-se também o mesmo paradoxo do infinito, pois o número de pontos de um segmento de reta e o número de pontos de toda a reta são equivalentes, ou seja, pode-se estabelecer uma correspondência termo a termo (neste caso ponto a ponto) entre o número de pontos de um segmento e o número de pontos de toda a reta. Além do mais, esta correspondência também pode ser estabelecida entre o número de pontos na reta, o número de pontos no plano e o número de pontos no espaço tridimensional. Assim, o número de pontos de um determinado segmento, da reta, do plano bidimensional e do espaço tridimensional é o mesmo, número transfinito denominado $\aleph_1$ por Cantor.

Procurando o significado filosófico de tudo isto, podemos equiparar o dos números naturais à ideia de tempo sucessivo, ao passado, ao presente e ao futuro. Da mesma forma que o presente é um ponto incompreensível no tempo, a sucessão temporal sucessiva que chamamos de passado e futuro nada mais é do que uma ilusão da nossa mente. O infinito sucessivo é $\aleph_0$. Agora, pode haver algo além disso sucessão temporal ilusória? A matemática transfinita nos diz que sim, é $\aleph_1$. E curiosamente, há cerca de dois mil e quinhentos anos, um homem que deixou uma marca muito profunda na filosofia disse-nos que o tempo é a imagem em movimento da eternidade. Esse homem era Platão, e o diálogo em que ele o faz é o Timeu. Vamos pensar sobre as propriedades de $\aleph_1$. Está incluído em qualquer segmento geométrico que possamos conceber. Não é enumerável e da mesma forma que é impossível captar um ponto no espaço, também não podemos captar o momento presente. E além disso, a lógica simplista que nos diz que o todo é maior que a soma das suas partes desmorona, pois em cada região do plano ou espaço encontramos o mesmo número transfinito de pontos. O $\aleph_1$ é o símbolo matemático da eternidade, pois é igual a todo e qualquer uma de suas partes, independentemente do tamanho aparente.

Mais ainda, o mesmo raciocínio que fizemos para o tempo pode ser estendido ao espaço. Um número de pontos que se encontra ao longo de uma reta e em qualquer segmento desta, por menor que seja, um número que se encontra igualmente em qualquer região do plano e do espaço que tomemos, não importa o tamanho deste, indica-nos que o conceito de dimensão e extensão espacial também é ilusório. A ideia de comprimento desaparece, assim como a comparação entre o grande e o pequeno, da mesma forma que desapareceu a temporalidade do passado e do futuro. O tempo e o espaço nada mais são do que uma ilusão criada pela nossa mente. Platão, ao falar sobre as ideias puras ou os arquétipos, diz-nos a mesma coisa. Que os objetos físicos e os seres vivos nada mais são do que vestígios na matéria das ideias puras presentes no reino do inteligível.

À primeira vista, tudo isto nos parece absurdo. Isto porque estamos habituados a pensar que dois segmentos de comprimentos diferentes contêm um número diferente de pontos e que o tempo é uma sucessão discreta de instantes, um após o outro. Mas a matemática do infinito mostra-nos que uma sucessão ordenada de eventos extrapolados em direção ao infinito leva a uma série de paradoxos. O grande e o pequeno, o passado e o futuro nada mais são do que uma ilusão criada pela tendência da nossa mente de pensar sucessivamente. Como diriam os antigos hindus, nada mais são do que as vestimentas da Deusa Maya, a deusa da ilusão com aparência de realidade.


Notas:

[1] Platão, A República, livro VII, Ed. Alianza.

[2] É a opinião comumente aceite. Mas não é exatamente assim. Um rabino do século XVIII calculou através da gematria ou cábala o valor de π na Bíblia, encontrando 3.1416, que é uma aproximação muito boa. Veja-se o livro La proporción trascendental, págs. 26 e 27, editorial Ariel.

[Ver 1 Reis 7, 23: Fez também o mar de bronze de dez côvados (de diâmetro), duma borda à outra, redondo em toda a volta; a sua profundidade era de cinco côvados, e a sua circunferência media-se com um fio de trinta côvados.]

[3] A Doutrina Secreta, Volume I, pág. 88, ed. Sirio.

[4] A Doutrina Secreta, Volume I, pág. 74.

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Texto completo está disponível no link.


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Introdução geral ao Quadrivium (Matemáticas)

Sobre a imagem: O tetraktys dos pitagóricos ampliado pelo lambda do Timeu. Platão manteve três números escondidos e revelou apenas sete: $1, 2, 3, 4, 8, 9$ e $27$, em relação aos planetas. Seixos ou khálix (forma grega para “cal’’: resíduos de minerais ou metais após a calcinação) era a norma grega para a matemática.

Introdução Geral

O Quadrivium foi inicialmente formulado e ensinado por Pitágoras como o Tetraktys [1], por volta de 500 a.C., em uma comunidade em que todos eram iguais, até materialmente e moralmente, e na qual as mulheres possuíam um status equivalente ao dos homens. Foi a primeira estrutura de ensino europeia a aprimorar a educação enfocando em sete temas essenciais, depois conhecidos como as sete artes liberais.

Educação vem do latim educere [2], que significa "conduzir para fora" [3], apontando para a doutrina central que Sócrates, sob a pena de Platão, elucidou tão claramente — o conhecimento é parte inerente e intrínseca da estrutura de nossa alma. O Trivium da linguagem está estruturado sobre os valores fundamentais e objetivos da Verdade, da Beleza e da Bondade [4]. Seus três temas são: a Gramática, que assegura a boa estrutura da linguagem; a Lógica, para encontrar a verdade; e a Retórica, para o belo uso da linguagem ao expressar a verdade. O Quadrivium surge do mais reverenciado de todos os assuntos disponíveis à mente humana: o número. A primeira dessas disciplinas é a Aritmética. A segunda é a Geometria ou a ordem do espaço como número no espaço. A terceira é a Harmonia, que, para Platão, significava o número no tempo. A quarta é a Astronomia ou o número no espaço e no tempo. Todos esses estudos oferecem uma escada segura e confiável para alcançar os valores simultâneos da Verdade, da Beleza e da Bondade. Por sua vez, isso leva ao valor essencial e harmonioso da Totalidade.

A alma humana, que Sócrates provou ser imortal no Fédon, vem de uma posição de completo conhecimento antes de nascer no corpo. Recordar [5] — o ponto principal da educação — significa trazer novamente ao coração algo que ficou esquecido. O objetivo de estudar essas disciplinas era ascender de volta à Unidade através de uma simplificação, baseada na compreensão adquirida pela prática em cada área do Quadrivium [6]. A finalidade residia em encontrar sua fonte (tradicionalmente, este era o único propósito da busca do conhecimento).

Em sua discussão sobre os ideais da educação, Sócrates revela seu modelo de continuidade da consciência. Era como uma "linha" traçada verticalmente, atingindo desde os primórdios do conhecimento consciente em avaliações até o clímax da consciência como noesis, que é o entendimento unificado. Para além disso, está o indescritível e o inefável. Há, significativamente, quatro fases (outro quadrivium ou tetraktys) dadas pela divisão de Sócrates da "linha ontológica". A primeira divisão encontra-se entre o mundo sensorial e o mundo inteligível, que são fundamentais, assim como entre mente e matéria. A seguir, cada um deles é dividido. Esse é o lugar onde as avaliações podem ser distinguidas das opiniões — mesmo as opiniões corretas, porém ainda baseadas na experiência sensorial. Acima da primeira linha divisória, entramos no mundo inteligível da Mente e encontramo-nos no reino que "comporta a verdade" do Quadrivium. Este é agora o conhecimento objetivo. A última e mais elevada divisão do inteligível é o Nous ou Conhecimento Puro propriamente dito, em que conhecedor, conhecido e conhecimento se tornam Um. Essa é a finalidade e a fonte de todo o conhecimento. Assim, com tempo e sabedoria testados, o Quadrivium oferece ao buscador sincero a oportunidade de recuperar a própria compreensão interna da natureza integral do universo e de si mesmo como parte inseparável desse universo.

A aritmética possui três níveis: o materialmente numerado, o número dos matemáticos (indefinido) e o número ideal ou arquetípico completo no dez. A geometria desdobra-se em quatro estágios: o ponto não dimensional, que se move para se tomar uma linha; a linha move-se para se tornar um plano; e, finalmente, o plano alcança a solidez como o tetraedro. A harmonia, que é igualmente a natureza da alma, possui quatro "escalas", como a música: a pentatônica [7], a diatônica [8], a cromática [9] e a shruti [10]. A palavra cosmos foi criada por Pitágoras e significa "ordem" e "ornamento". Esta última era a forma com que os gregos descreviam o céu que podemos ver como um "ornamento" dos princípios puros, o número dos planetas visíveis relacionado aos princípios da harmonia proporcional. O estudo da "perfeição" do céu servia como uma forma de aperfeiçoar os movimentos da própria alma.

Dentre os estudantes do Quadrivium estão: Cassiodonus, Filolau (de Crotona), Timeu, Arquitas (de Tarento), Platão, Aristóteles, Eudemus, Euclides, Cícero, Fílon, o Judeu (de Alexandria), Nicômaco, Clemente de Alexandria, Orígenes, Plotino, Jâmblico, Macróbio, Capella (a versão mais divertida disponível), Dionísio Areopagita, Beda (o Venerável), Alcuíno, Al-Khwarizmi, Al-Kindi, Eurigena, Gerbert d’Aurillac (Papa Silvestre II), os Irmãos da Pureza, Fulbert, Ibn Sina (Avicena), Hugo de São Vitor, Bernardo Silvestre, Bernardo de Claraval, Hildegard von Bingen, Alanus ab Insulis (Alain de Lilles), Joaquim de Fiore, Ibn Arabi, Robert Grosseteste (o grande cientista inglês), Roger Bacon, Tomás de Aquino, Dante e Kepler.

Terminemos com uma citação dos pitagóricos, dos Versos Dourados: "E saberás que a lei [...] estabeleceu a natureza interna de todas as coisas de modo idêntico"; e com outra de Jâmblico: "Não foi por tua causa que o mundo (cosmos) foi gerado, mas foste tu que nasceste para o bem dele".

Keith Critchlow

Notas:

[1] Representação pitagórica em forma de triângulo, denominado "triângulo perfeito". Para os pitagóricos, os números mantinham uma relação direta com a matéria, considerando, por exemplo, o número $1$ como um ponto, o $2$ como uma reta, o $3$ como uma superfície, e o $4$ como um sólido. Assumindo que $1 + 2 + 3 + 4 = 10$, o número $10$ era visto como uma espécie de conjunto de $4$ elementos, o alicerce das coisas do mundo. Assim, de acordo com os pitagóricos, o $10$ corresponderia a um tetraktys. (N. T.)

[2] Verbo composto, formado pelo prefixo ex (fora) e pelo verbo ducere (conduzir, levar). (N. T.)

[3] Do inglês lead out, o verbo, aqui, não se aplica a um movimento físico de direcionamento, mas à ação de preparar um indivíduo para o mundo. (N. T.)

[4] Ver Irmã Miriam Joseph, O Trivium — As Artes Liberais da Lógica, da Gramática e da Retórica. São Paulo, É Realizações, 2014.

[5] Do latim, verbo composto pelo prefixo re (novamente) e pela palavra cordis (coração). (N. T.)

[6] É importante lembrar que. para os antigos romanos e gregos, o coração não era a sede dos sentimentos, como hoje pensamos, mas a localização física da mente, do pensamento. Além disso, a mente não estava situada na cabeça ou no cérebro, mas dentro do peito. Por isso, voltar a passar pelo coração significava a mesma coisa que voltar à mente ou retomar ao pensamento No original em inglês deste texto, o autor utilizou o verbo remember (lembrar, relembrar, recordar), associando-o literalmente à reunião de membros separados ou dispersos novamente em uma totalidade Por essa razão, segue-se a afirmação sobre a subida de volta à Unidade. (N. T.)

[7] Conjunto de todas as escalas formadas por cinco notas ou, em outras palavras, uma escala com cinco notas musicais por oitava. Escalas pentatônicas são muito comuns e podem ser encontradas em todo o mundo. As mais usadas são as pentatônicas menores e as maiores, que podem ser ouvidas em estilos musicais como o blues, o rock e a música popular. Muitos músicos chamam-na simplesmente penta. (N. T.)

[8] Escala de oito notas, com cinco intervalos de tons e dois intervalos de semitons (menor intervalo utilizado nessa escala) entre as notas. Esse padrão se repete a cada oitava nota, numa sequência tonal de qualquer escala É típica da música ocidental e concerne à fundação da tradição musical europeia. As escalas modernas maior e menor são diatônicas, assim como todos os sete modos tonais utilizados atualmente. (N. T)

[9] Escala que contém doze notas com intervalos de semitons entre elas. (N. T.)

[10] Termo sânscrito utilizado em diversos contextos ao longo da história da música indiana. Literalmente, significa "aquilo que é ouvido" e representa o menor intervalo de altura do som que o ouvido pode detectar. (N. T.)

***

Trecho extraído da introdução do livro O Quadrivium: as quatro artes liberais clássicas da aritmética, da geometria, da música e da cosmologia. John Martineau (org.). É Realizações, 2014. 


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O ensino da Matemática (Quadrivium) no período clássico

Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion, Campinas em 2017).

OS ESTUDOS CIENTÍFICOS

Mas não eram tão somente os estudos literários que, em princípio, integravam o programa do ensino secundário: Platão e Isócrates, concordes por uma vez, recomendavam, a exemplos de Hípias, o estudo das matemáticas, tão preciosas para a formação do espírito.

ENSINO DAS MATEMÁTICAS

Diversos indícios permitem-nos entrever que esses conselhos não passaram desaparecidos na época helenística. No quadro que, por volta de 240 antes de Cristo, traçou das penas da vida humana (1) (quadro que dois séculos mais tarde seria retomado, por sua vez, pelo autor de Axiochos (2)), Teles escolhe precisamente os professores de aritmética e de geometria (άριθμητικός, γεωμέτρης) para caracterizar, juntamente com o monitor de equitação, o grau secundário da educação, interposto entre a escola primária e a efebia.

Um catálogo dos vencedores dos concursos escolares de Magnésia do Meandro, datado do segundo século antes de Cristo, menciona uma competição de aritmética (3), ao lado de provas de desenho, de música e de poesia lírica, num contexto que, por conseguinte, evoca o ensino do segundo grau. Assim também no colégio do "Diogeneion", em Atenas, os (futuros) efebos aprendiam, como nos diz Plutarco (4) [1], geometria e música, ao mesmo tempo que letras e retórica. Em Delfos, no primeiro século antes de Cristo, um astrônomo pronuncia conferências no ginásio (5).

Estes testemunhos, como se vê, são bastante esparsos, e devemos perguntar-nos se sua relativa raridade não constitui, precisamente, um indício do pequeno interesse que, na prática, o ensino helenístico dispensava às ciências.

O IDEAL DA ΕΓΚΥΚΛΙΟΣ ΠΑΙΔΕΙΑ

Teoricamente, pelo menos, tal princípio jamais foi posto em causa: as ciências matemáticas jamais cessaram de figurar, como as disciplinas literárias, no programa ideal da "cultura geral" dos gregos helenísticos, a έγκύκλοις παιδεία [2].

Com efeito, nos escritores da época helenística e romana encontram-se numerosas menções deste termo, que não caberia transcrever literalmente por "enciclopédia", noção esta bem moderna (a palavra data apenas do século XVI) [3] e que não corresponde, absolutamente, à expressão antiga. "Enciclopédia" evoca, para nós, um saber universal: por mais elástico que possam ter sido seus limites, a έγκύκλοις παιδεία jamais pretendeu abarcar a totalidade do saber humano: na verdade, de acordo com o sentido que reveste normalmente o vocábulo έγκύκλοις no grego helenístico, έγκύκλοις παιδεία significa, simplesmente, "educação vulgar, corrente, comumente transmitida" -- donde a tradução que propus: "cultura geral".

Tal noção sempre apresentou contornos bastante vagos: o uso que dela se faz hesita entre duas concepções: ora é a cultura geral que convém ao perfeito cavalheiro, sem referência explícita ao ensino, e que reúne o teor de toda a educação, secundária e superior, escolar e pessoal; ora é a cultura de base, a propedêutica, as προπαιδεύματα (6), que devem preparar o espírito para receber as formas superiores do ensino e da cultura, ou, numa palavra, o programa ideal do ensino secundário. Esta concepção é, em particular, a dos filósofos, seja quando denunciam a inutilidade da έγκύκλοις παιδεία para a cultura filosófica, como a fazem Epicuro (7) e, com ele, os cínicos (8) e cético (9) de todas as escolas, seja quando insistem em sua necessidade, como convêm em fazê-lo a maioria das seita (10) e, notadamente, desde Crisipo (11), os estóicos (12).

Depois disso, as fronteiras ficam muito mal definidas: entendida no sentido perfectivo do vocábulo "cultura", a έγκύκλοις παιδεία tendeu a absorver não somente a própria filosofia, mas também diversas técnicas, em número que varia segundo os autores: medicina, arquitetura, direito, desenho, arte militar [4]. Mas a essência de seu programa, aquela a que se restringem os filósofos, permanece sempre constituída pelo conjunto das sete artes liberais, que a Idade Média herdaria da tradição escolar da baixa Antiguidade e cuja lista, encerrada definitivamente pelos meados do primeiro século antes Cristo, entre Dionísio o Trácio e Varrão, compreendida, como se sabe, além das três artes literárias, o Trivium dos carolíngios --- gramática, retórica e dialética ---, as quatro disciplinas matemáticas do Quadrivium --- geometria, aritmética, astronomia e teoria musical ---, cuja divisão era tradicional desde Arquitas de Tarento (13), senão desde o próprio Pitágoras [5].

Podemos fazer ideia precisa do que seria a iniciação de um jovem grego em cada uma dessas ciências através da farta coleção de manuais que a época helenística nos legou [6]. Conquanto desde Arquimedes até Papo e Diofanto as épocas helenísticas e romanas tenham vista a ciência grega realizar ainda grandes progressos, o traço dominante desde período é dado por um esforço de acerto final de maturação dos resultados obtidos pelas gerações que se haviam sucedido a partir de Tales e de Pitágoras. É então que a ciência grega atinge esta forma perfeita que jamais ultrapassaria.

A GEOMETRIA

No domínio da geometria, a ciência grega por excelência, o grande clássico é, sem dúvida, Euclides (330-275 aproximadamente), cujos Elementos alcançaram a glória de todos conhecida: diretamente ou indiretamente, forma eles a base de todo o ensino da geometria, não somente entre os gregos, mas também entre os romanos e os árabes e, depois entre os modernos (é sabido que, até uma data recente, os escolares britânicos utilizavam, como manual de geometria, uma tradução, levemente retocada, dos Elementos).

Não é, pois, necessário analisar longamente, aqui, o conteúdo e o método deste livro célebre: um e outro nos são familiares. A essência da exposição é formada pela seqüência dos teoremas às demonstrações. encadeadas a partir de uma série de definições e de αἰτήματα (termo que agrupa o que hoje distinguimos em axiomas e postulados). Ressaltarei, depois de tantos outros, o rigor lógico dessas demonstrações, o caráter estritamente racional da ciência: o geômetra raciocina sobre figuras inteligíveis e procede com extrema desconfiança em relação a tudo o que lembra a experiência sensível. Diversamente da pedagogia matemática de hoje, Euclides evita, tanto quanto possível (para escapar às dificuldade teóricas levantadas pela crítica eleata da noção de movimento), os procedimentos, a nós familiares, da rotação e da superposição: assim à demonstração de que num triângulo isósceles ABC os ângulos da base B e C são iguais, propriedade fundamental que demonstramos sem esforço, por simples giro, Euclides só chega à custa de longos rodeios; traça no prolongamento de AB e de AC, segmento iguais BD e CE, de modo a obter dois pares de triângulos iguais ABE e ACD, BCD e BCE... (14).

Ao método sintético sintético das demonstrações encadeadas, o ensino grego associava, intimamente aquilo que chamamos de análise, isto é, problemas, particularmente problemas, particularmente problemas de construção; os Elementos abrem-se com um exemplo característico: construir um triângulo equilátero sobre uma base dada (15). A importância metodológica dos problemas é, realmente, considerável (somente platônicos como Espeusipo, fechados em seu apriorismo, podiam pô-la em dúvida (16)): a construção permite demonstrar a existência real da figura considerada. O método que geralmente se seguia era o mesmo que hoje seguimos: supor o problema resolvido e, por ἁπαγωγή, reduzi-lo a proposições já estabelecidas. É sabido que a história da ciência grega mostra-se-nos toda balizada pelo estudo de tais problemas, os quais bem depressa, após a elementar duplicação do quadrado, deparam com dificuldades enormes ou intransponíveis: duplicação do cubo, trissecção do ângulo, quadratura do círculo.

Naturalmente, tais problemas se enquadram numa ordem estritamente especulativa: as aplicações numéricas e práticas, cálculos de áreas ou de volumes, não correspondem à geometria, mas a outras disciplinas, como a geodésia ou a metrologia, que eram, também por sua vez, objeto de ensino: possuimos manuais, como os de Hierão de Alexandria (segundo século antes de Cristo (17)), e papiro que oferecem exemplos concretos dos exercícios que eram propostos aos alunos (18); mas esse ensino dirigia-se somente aos futuros práticos agrimensores, empreiteiros, engenheiros ou carpinteiros; era um ensino, que não fazia parte da educação liberal e permanecia estranho ao ensino, propriamente dito, das matemáticas.

A ARITMÉTICA

As mesmas observações podem-se fazer com relação à aritmética: ciência teórica do número, negligencia ela, fiel aos conselhos de Platão, os problemas realísticos tão caros ao nosso ensino primário: problemas de lucro, de preço de venda ou de renda; a Antigüidade gabava o grande Pitágoras como tendo sido o primeiro a elevar a aritmética acima das necessidades dos comerciantes (19).

Não dispondo de um sistema de símbolos apropriados, a aritmética grega não pode ascender a um nível de generalidade e de perfeição tão alto como a geometria. É sabido (lembramo-lo mais acima) que os gregos utilizavam símbolos alfabéticos: três séries de noves sinais correspondiam às unidades, dezenas e centenas. Com um iota subscrito à esquerda, indicavam-se os milhares: o sistema permitia assim, teoricamente, nota todos os números inteiros de $1$ a $999.999$.

Menos maleável que o nosso sistema "árabe" de posição (que a civilização maia também descobriu, de seu lado), a notação grega, bastante cômoda para o uso prático, não permitia distinguir números elevados. Com efeito, os gregos não faziam a notação direta dos números superiores a $100.000$ (à diferença dos matemáticos da Índia dos séculos IV e V da nossa era, que gostavam de especular com números enormes, como $1.577.917.828$, diante dos quais um grego teria experimentado a angústia do ἄπειρον, do temível infinito). E, o que é mais grave, essa notação não permitia introduzir os números fracionários ou irracionais: é sob a forma geométrica que as matemáticas gregas levavam mais longe o estudo da noção de grandeza: isto se vê, particularmente, no livro X dos Elementos de Euclides, consagrado às grandezas irracionais.

A aritmética grega deve ser entendia, portanto, como a ciência do ἀριθμός no sentido preciso deste termos, isto é. do número inteiro. São ainda os Elementos de Euclides (20) que nos fornecem dele uma cômoda exposição, embora a Introdução Aritmética de Nicômaco de Gerasa (cerca de 100 anos depois de Cristo) tenha sido o manual que maior papel histórico desempenhou: logo adotado no ensino, abundantemente comentado, traduzido para o latim (e, mais tarde, para o árabe), sua influência foi tão profunda que desde então a aritmética suplantou a geometria e se tornou, em substituição a esta, a base e o campo mais importante do ensino das matemáticas.

Estudavam-se, então, as propriedade do número inteiro; distinguiam-se os números pares e os ímpares, e, em seguida, entre os pares, distinguiam-se números parmente pares (do tipo $2^n$), parmente ímpares (2 multiplicado por um número ímpar), imparmente pares, $2^{n+1}(2m +1)$. De outro ponto de vista, distinguiam-se os números primos, compostos primos entre si, de fatores comuns; os números iguais e desiguais, múltiplos e sub-múltiplos, superparciais e sub-superparciais (ou sejam, os números de fórmula $\dfrac{m+1}{m}$), etc. As proporções e as médias (aritméticas, geométricas, harmônicas, esta última estabelecida pela relação $\dfrac{a}{b} = \dfrac{m-a}{b-m}$)...

A esse estudo, surpreendentemente desenvolvido em suas minúcias, mas que, na verdade, pertence à ciência matemática, juntavam-se --- o que nos causa bastante estranheza --- considerações qualitativas e estéticas acerca das propriedade dos números. Não me refiro às classificação dos números compostos (isto é, dos números formados pelo produtos de diversos fatores), classificação esta de origem pitagórica, que a aritmética helenística levara, como se vê pela obra de Nicômaco, a um alto grau de precisão: números planos (produtos de dois fatores) e números sólidos (produtos de três fatores), e, entre os primeiros, números quadrado, triangulares, retangulares (distinguiam-se os "promekes", de fórmula $m(m+1)$ e os "heteromekes", de fórmula $m(m+n)$ sendo $n> 1$); entre os números sólidos, distinguiam-se os cúbicos, os piramidais, os paralelepipóides: $m^2(m+1)$, etc. Tal nomenclatura era perfeitamente legítima: os antigos representavam-se o número (inteiro) como uma coleção de unidade, de mônadas, figuradas por pontos materiais, e era, pois, cabível estudar-lhes os modos de reunião e unir, assim, a aritmética e a geometria.

Refiro-me, antes, à interpolação de juízos de valor, de ordem estética e às vezes moral, que se patenteia, por exemplo, na designação de números perfeitos, dada a números que, como 28, são iguais à soma de suas parte alíquotas ($28 = 1 + 2 + 4 + 7 + 14$), de números amigos (φίλιοι), como 220 e 284, cada um dos quais é iguais soma das partes alíquotas do outro ($220 = 1 + 2 + 4 + 71 + 142$ e $284 = 1 + 2 + 4 + 5 + 10 + 11 + 20 + 22 + 44 + 55 + 110$). Refiro-me, ainda, às especulações, por vezes espantosamente pueris, feitas acerca das propriedades maravilhosas dos dez primeiros números, desta década a que se reduza a toda série numérica: o fascínio pelas virtudes da unidade, princípio de todas as coisas, indivisível e imutável, que jamais extravasa de sua natureza própria através da multiplicação $(1\times 1 = 1)$... E, ainda, à "perfeição" do número três, o primeiro número que tem começo, meio e fim, representado cada um destes termos pela unidade $(1 + 1 + 1 = 3)$; também à estrutura harmoniosa e à pujança do quaternário, da τετρακτύς: $1 + 3 = 2 \times 2 = 4$, e à soma $1 + 2 + 3 + 4 = 10$, o quaternário engendrando a década... Era natural que se passasse, daí, à associação de um valor simbólico a cada um desses primeiros números: é sabido que os Pitágoras juravam pelo quaternário, "fonte da natureza eterna" (21). A unidade, isto é, a mônada, era objeto de uma verdadeira mística: "É nela que resida todo o Inteligível e o Inengendrado, a natureza das Ideias, Deus, o Espírito, o Belo, o Bem e cada uma das essências inteligíveis..." (22); o número Sete é Atena, a deusa sem genitora e sem genitura: não é ele o único número que não gera nenhum dos outros números da década e que não é, ele próprio, gera por nenhum outro? (23) Mas o Sete é também (e não apenas isto) Ares, Osíris, a Fortuna, a Ocasião, o sono, a voz, o canto, Clio ou Adrastéia (24).

Tudo isto provém do velho pitagorismo, mas a ciência grega jamais conseguiu despojar desses elementos qualitativos sua concepção do número: Nicômaco de Gerasa, o mesmo que nos legou a Introdução Aritmética, dedicou a esta aritmologia, a esta teologia do número, uma obra especial, os Theologoumena arithmetica; dela nos apenas o comentário, pormenorizado aliás, feito pelo patriarca Fócion (25), mas encontramos seu eco em vários tratados da baixa época romana (26).

A MÚSICA

É também a Pitágoras que remonta a terceira das ciências matemáticas, a das leis numéricas que regem a música. Dispomos de uma farta literatura, escalonada desde Aristóxeno até Boécio, que nos permite avaliar com exatidão, a amplitude dos conhecimentos da Antigüidade neste domínio [7]. A ciência "musical" compreendia duas partes: o estudo da estrutura dos intervalos e o estudo da rítmica. O primeiro, harmônico ou canônico, analisava as relações numéricas que marcam os intervalos da gama: $\dfrac{2}{1}$ para a oitava, $\dfrac{3}{2}$ para a quinta, $\dfrac{4}{3}$ para a quarta, $\dfrac{5}{4}$ e $\dfrac{6}{5}$ para as terças, maior e menor, e assim por diante: $\dfrac{9}{8}$, o excesso da quinta sobre a quarta ($\dfrac{3}{2}:\dfrac{4}{3} = \dfrac{9}{8}$), mede o tom (maior); a teoria leva muito adiante: para dar conta das sutilezas de acorde que os músicos gregos chamavam χροαί, era preciso chegar a medir o duodécimo de tom.

Todos estes números encontram-se, ainda hoje, em nossos tratados de acústica: sabemos que representam a relação das frequências que marcam a altura de cada som. Os antigos não dispunham de meio de medir, diretamente, a frequência das vibrações sonoras; faziam-no indiretamente, medindo, no monocórdio, o comprimento da corda vibrante, ou, então, o comprimento do tudo sonoro (comprimento estes que são inversamente proporcionais à frequência das vibrações). A descoberta de tais relações constitui uma das mais  notáveis proezas da ciência grega, e hoje podemos compreender por que não somente a escola pitagórica, mas todo o pensamento antigo, ficou por ela deslumbrado: não se havia conseguido estabelecer correspondência entre um número definido e, além disso, simples $(2, 3/2, \cdots)$, e a impressão subjetiva e o valor estético que constitui a noção de intervalo justo, de consonância (oitava, quinta ...)? Como duvidar, diante disto, de que seja o número a tessitura secreta do cosmos, de que todo o universo seja número?

Menos complicada em sua elaboração numérica, mas não menos precisa e não menos fecunda, era a teoria do ritmo: sequência de durações determinadas, o ritmo podia ser, mais facilmente ainda, reduzido a combinações simples de valores aritméticos, iguais, duplos ou sesquiálteros (exatamente como falamos, ainda, em ritmos binários e ternários). À diferença da nossa, a rítmica musical (e poética) dos gregos procedia não por divisão e subdivisões de um valor inicial (nossa semibreve), mas da adição de valores unitários indivisíveis, o "primeiro tempo" (χρόνος πρῶτος) de Aristóxeno: sistema mais matizado, compreendo ritmos mais ricos e mais complexos do que a nossa incipiente teoria do solfejo. Neste terreno, também, o luminoso gênio racional da Hélade construiu um monumento imperecível (κτῆμά ἐς ἀεί), que pertence ao tesouro de nossa tradição ocidental: seja-me permitido lembrar que o estudo dos fragmentos que conservaram dos Elementos Rítmicos de Aristóxeno permitiu a Westphal fazer uma sugestiva e aprofundada análise do ritmo das fugas do Cravo bem temperado [8].

A ASTRONOMIA

De desenvolvimento talvez mais tardio, também a astronomia matemática grega realizou, por sua vez, conquistas notáveis, particularmente no curso do período helenístico, desde Aristarco de Samos (310-250) e Hiparco (fim do segundo século a. C.): suas messes estão reunidas e, de certo modo, codificadas na Suma que representam os trezes livros do Almagesta deste último [9].

Este livro notável --- que alcançou tão grande sucesso na Idade Média bizantina, árabe e latina --- foi usado, como obra didática, por exemplo na escola neoplatônica de Atenas, no Baixo Império; para a iniciação elementar, entretanto, nas escolas gregas dispunha, de manuais mais modestos, como (sem falar na obra de Arato, à qual me reportarei mais adiante) a Introdução aos Fenômenos, do estóico Gemino de Rodes (século I a. C.): pequeno tratado, despretensioso, que começa por uma exposição sobre o zodíaco e as constelações, prossegue pelo estudo da esfera celeste --- eixo, polos, círculos (ártico, trópico, equador...) ---, do dia e da noite, dos meses, das fases da Lua, dos planetas, e termina com um calendário do nascer e do pôr das estrelas, fornecendo, ao mesmo tempo, muito dados numéricos.

Esse manual não é único em seu gênero: sabemos da existência ou possuímos os restos de uma serie bastante numerosa deles; alguns forma encontrados em papiros, como o tratado elementar, em 23 colunas, contido no Papiro de Letronne I (27) e que se apresenta como um resumo dos princípios de Eudoxo, segundo nos revela seu título acróstico --- Εὔδοξον τέχνη.

Das quatro disciplinas matemáticas, a astronomia era a mais popular, e objeto da mais viva curiosidade: esses interesse não era puramente especulativo e deve ser relacionado ao gosto, sempre crescente, que a sociedade helenístico-romana manifestou pela astrologia. Astrologia e astronomia era, de fato, inseparáveis (as duas palavras aparecem, praticamente, como equivalentes): um verdadeiro cientista, como Ptolomeu, pôs seu nome não somente num tratado de verdadeira astronomia, como Almagesta, mas também num manual de astrologia, o famoso Tetrabiblos. Contudo não há nenhum indício que nos permita afirmar que a astronomia houve penetrado nas escolas ou figurasse no programa do ensino liberal.

RETRATAÇÃO NO ESTUDO DAS CIÊNCIAS

É bem fácil, como se viu, fazer uma ideia do conteúdo e dos métodos do ensino das ciências na época helenística. O verdadeiro problema que desafia a sagacidade do historiador não é o de saber em que consistia esse ensino, mas o de averiguar a quem era ele ministrado.

A teoria, tal como fora formulada por Platão e Isócrates, e que na época helenística se exprimia pela fórmula da έγκύκλοις παιδεία, pretendia que as matemáticas fizessem parte de toda educação verdadeiramente liberal. Que se passava, realmente, na prática? A quem se dirigia o ensino das matemáticas: a todos ou a uma elite de especialistas? Estava ele integrado, como o pretendia a teoria, no ensino secundário, ou estava circunscrito apenas aos estudos superiores?

Problema difícil de resolver. O leitor não terá deixado de admirar-se do escasso número de testemunhos diretos que me foi possível reunir, no começo deste capítulo. É claro que se poderia empandeirá-los, mediante a anexação de alguns outros dados, sobretudo daqueles que deparamos nas fichas biográficas e bibliográficas referentes a certo número de escritores ou de personagens conhecidos. Diógenes Laércio fala-nos dos anos de formação do filósofo Arcesilau --- conduzindo-nos, assim, aos meados do século III a. C. (28). Como é natural, sua cultura tinha sólida base literária; ele admirava Píndaro e nunca deixava de começar e encerrar seu dia com uma leitura Homero; havia-se exercitado, ainda, na poesia e na crítica literária. Mas estudara também matemáticas e sabemos até os nomes de seus mestres, Autólico, o músico Xanto e o geômetra Hiponico; além do que a história registra, a propósito dos dois primeiros, que ele lhes seguira curso antes de proceder à decisiva escolha entre a filosofia e retórica, as duas formas rivais do ensino superior: tais estudos matemáticos inscrevem-se, pois, no caso particular de Arcesilau, no período que corresponde ao nosso ensino secundário.

Nicolau de Damasco, historiador contemporâneo de Augusto, informa-nos diretamente, num texto autobiográfico (29), que inicialmente estudara gramática, depois retórica, música e matemáticas, antes de dedicar-se, por fim, à filosofia. O médico Galeno, nascido em Pérgamo em 129 d. C.,  também nos informa, no interessante tratado que dedica a Seus próprios Escritos, que em sua juventude estudara não somente gramática, dialética e filosofia, disciplinas a que mais tarde consagrou muitas obras (30), mais também geometria, aritmética e suas aplicações práticas (logística) (31).

Poder-se-iam juntar, sem dúvida, alguns outros testemunhos do mesmo gênero: não creio, porém, que sejam numerosos a ponto de modificarem nossa impressão de conjunto: na verdade, nota-se que, à medida que se avança, nos tempos helenísticos e romanos, o estudo das ciências, cada vez mais, cede terreno às disciplinas literárias. Invoco, entre meus leitores, o testemunhos de todos os humanistas: a leitura dos clássicos desta época bem mostra que a cultura helenística se havia tornado eminentemente literária e que as matemáticas nela ocupavam um lugar modesto. É de crer-se que estas não mais desempenhavam um papel muito atuante na formação dos espíritos.

Não creio que se possa, no plano educacional, contestar esta conclusão: os estudos literários praticamente acabaram por eliminar as matemáticas do programa do ensino secundário. Não há dúvida que o estudo das ciências não é abandonado, mas os que por ele se interessam, sejam estes especialistas, sejam filósofos que reputem as matemáticas uma propedêutica indispensável, nada mais podem esperar das escolas secundárias: urge-lhes alojar o estudo destas disciplinas no ensino superior. 

É significativo que um Teon de Esmirna tenha, no começo do século II da nossa era, julgado necessário escrever um epítome matemático em cinco livros (aritmética, geometria plana, geometria no espaço, astronomia e "música"), sob o título de Conhecimento Matemáticos Úteis ao Conhecimento de Platão: como ele próprio explica no começo (32), muitas pessoas que gostariam de estudar Platão não haviam tido oportunidade de exercitar-se o necessário, nas ciências matemáticas, desde a infância.

O testemunho dos neoplatônicos do Baixo Império é ainda mais significativo: eles são suficiente fiéis ao ensino da República para insistirem ainda, resolutamente, na necessidade de uma "purificação preliminar" do espírito (προκαθαρσία), através das matemáticas; mas os jovens que vêm sentar-se à sua escola receberam, apenas, uma formação estritamente literária, e é dentro mesmo da escola que urge proporcionar-lhes aquela iniciação científica [10]. Recordarei, a título de exemplo, a experiência de Proclo, cujos anos de aprendizado conhecemos bem, graças à biografia deixada por Marino de Néapoles. Sua primeira formação havia sido puramente literário: gramática e retórica (33); foi somente após sua conversão à filosofia que ele empreendeu o estudo das matemáticas, sob a direção de Héron, ao mesmo tempo que, conduzido por Olimpiodoro, iniciava o estudo da lógica de Aristóteles (34).

ARATO E O ESTUDO LITERÁRIO DA ASTRONOMIA

É-nos possível, num caso particularmente expressivo, surpreender esta invasão das disciplinas científicas pela técnica literária do "gramático". A astronomia, como já observei, era objeto de especial predileção; mas, se procurarmos determinar a forma em que esta ciência figurava nas escolas helenísticas [11], descobriremos surpresos, que seu estudo tinha como ponto de partida não um destes manuais elementares de teor matemático, a que fiz alusões, mas o poema, em 1154 hexâmetros, que Arato de Soles havia composto, por volta de 276-274 a. C., sob o título de Fenômenos (não se devendo destacar-lhe a segunda parte (35), consagrada aos Prognósticos).

Este texto conheceu uma divulgação extraordinária, contou  com uma constante preferência nos círculos escolas, como o atestam, fartamente, comentários, escólios e traduções, sem mencionar os monumentos figurativos: para a arte helênica, Arato é o Astrônomo, como Homero simboliza a poesia [12]. E, todavia, Arato não era um sábio, um técnico em astronomia: sua cultura era de cunho essencialmente literário e filosófico; ele pertencia ao círculo de espíritos de escol, reunidos na corte de Antígono Gônatas. Seu papel constituiu, apenas, em reduzir a versos, de ponta a ponta, dois trabalhos compostos em prosa, a saber, os Fenômenos, de Eudoxo de Cnidos, e a segunda parte do medíocre Περί σημείων, de Teofrasto. Tal como se nos apresenta, o poema de Arato nada tem de matemático; nada de números, algumas indicações bastante sumárias referentes à esferas celeste, seu eixo, os polos (36); o essencial é descrição, pormenorizada e "realista", das figuras tradicionalmente referidas às constelações: mostra-nos (37) Perseu, sustentando nos ombros sua esposa Andrômeda, a mão direita estendida em direção ao leito de sua sogra (Cassiopeia), avançando velozmente em meio a uma nuvem de poeira (uma miríade de estrelas que povoam esta região do céu)... O mesmo antropomorfismo na descrição do nascer e do por das constelações (38), que sucede a uma breve evocação dos planetas e dos círculos da esfera celeste (39). Os erros de observação não faltam: como o assinalava já o comentário de Hiparco (40), Arato ignora que as Plêiades apresentam, na verdade, sete, e não seis estrela visíveis a olho nu (embora a menor seja quase imperceptível (41)). Erros, ainda mais graves, encontram-se na segunda parte, os Prognósticos, que encerra muitas superstições populares.

Tal caráter exotérico era, ainda, fortalecido pela maneira segundo a qual se orientava o estudo de Arato nas escolas helenísticas. Embora matemáticos e astrônomos não se furtassem a comentar os Fenômenos (conforme se vê, no segundo século antes de Cristo, por Átalo de Rodes e Hiparco), o poema era explicado mais frequentemente, por gramáticos. Do ponto de vista científico, o comentário destes limitava-se a uma introdução, bastante sumária, à esfera, definindo o que se entendia por eixo, polos, círculos (ártico, trópicos, equador, eclíptica); é possível que se valessem, para tal exposição, de um modelo da esfera celeste, mas, a julgar pelos escólios que conservaram, essa iniciação não ia muito longe em precisão matemática. O comentário era, antes tudo, literário, e estendia-se às etimologia e, principalmente, às lendas mitológicas relacionadas com a descrição de Arato.

Eis um ponto de capital importância: se a astronomia ocupa um lugar de certo destaque no programa das escolas secundárias, tal lugar ela deve a Arato, e é sob a forma de uma explicação de texto, de uma explicação essencialmente literária, que ela ali aparecia. Não obstante certa resistência da parte dos matemáticos (42), parece que o gramático, ou melhor, o professor de letras conseguiu, praticamente, eliminar os geômetras e outros professores especializados nas ciências. As matemáticas continuam representadas no ensino somente por pequenos detalhes, consignados de passagem num comentário, ou por introduções gerais, extremamente sumárias, elaboradas por alguns gramáticos com alguma tintura de ciência, como este Mnáseas de Corcira, cujo epitáfio foi descoberto, e que nos informa, orgulhosamente, ter-se dedicado à astronomia (43) e à geometria (44), tanto como ao comentário dos poemas homéricos (45).

Na época helenística, a educação clássica acaba com esta evolução, adquirindo um dos traços que vão caracterizar sua fisionomia definitiva. Com efeito, nada é mais característico da tradição clássica (podemos avaliá-lo pela influência que ela exerceu e ainda exerce sobre nossa educação) do que esta preeminência literária, esta adversão a alojar as matemáticas na base da formação geral dos espíritos: as matemáticas são respeitadas, são admiradas, mas entenda-se que permanecem circunscritas apenas aos especialistas, isto é, que exigem uma vocação específica.

Tal caráter manifesta-se na época helenística: estamos, então, longe de Hípias e de Platão, e mesmo de Isócrates. Enquanto ciência particular, as matemáticas, sem dúvida, continuam, como o recordei, a desenvolver-se e a evoluir; senão seu ensino, seu estudo continua difundindo-se amplamente; podemos, graças aos papiros, avaliar sua difusão no Egito: descobrem-se fragmentos dos Elementos de Euclides em Oxirrinco, no Fayum (46), tratados de ciência musical (47), de astronomia (48), problemas de geometria, Tudo isto é, porém, doravante, matéria de especialista: as matemáticas não mais se acham, realmente, representadas na cultura comum, como tampouco neste alicerce profundo, que assegura a unidade de todas as variedades da cultura de uma época, e que é a formação primeira do adolescente, a saber, o ensino secundário.


Referências:

(1) TELES ap. ESTOBEU, Extratos, 98, 72.
(2) [PLATÃO], "Axiochos", 366e.
(3) W. DITTENBERGER, Sylloge Inscriptionum Graecarum (3.ª ed.), 960, 17.
(4) PLUTARCO, Questões de Banquete, IX, 736 D.
(5) Bibliothèque de l'Ecole pratique des Hautes-Êtudes (section des Sciences historiques et philologiques), 272, 15.
(6) FILÃO DE ALEXANDRIA, Sobre os Estudos Preparatórios (ed. Cohn, t. III), 9; ORÍGENES, Carta a São Gregório o Taumaturgo, 1.
(7) DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, X, 6.
(8) [PSEUDO-CEBES], Quadro.
(9) SEXTO EMPÍRICO, Contra os Matemáticos.
(10) DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, II, 79; IV. 10; V, 29-33. 
(11) Idem, VII, 129; cf. QUINTILIANO, Instituição Oratória. I, 10, 15.
(12) SÊNECA O FILÓSOFO, Cartas a Lucílio, 88, 20.
(13) ARQUITAS DE TARENTO, frag. 1 (Diels, Fragmente der Vorsokratiker, § 47).
(14) EUCLIDES, Elementos de Geometria, I, pr. 5.
(15) Idem, I, pr. 1.
(16) PROCLO, Comentário aos "Elementos" de Euclides, I, p. 77, 15 s.
(17) HIERÃO DE ALEXANDRIA, Geometria; Geodésia; Estereometria.
(18) Papiro Ayer (American Journal of Philology, 19, 1898), 25 s; Mizraim, 3 (1936) 18 s.
(19) ESTOBEU, Extratos, I, 9, 2.
(20) EUCLIDES, Elementos de Geometria, VII-IX; cf. II.
(21) [PSEUDO-PITÁGORAS], Os Versos de Ouro. 47-48.
(22) TEON DE ESMIRNA, Aritmética, 40.
(23) Idem, 46.
(24) NICÔMACO DE GERASA ap. FÓCIO O PATRIARCA, Biblioteca (Migne, Patrologie Grecque, t. 103 ou t. 104), 187, 600 B; FILÃO DE ALEXANDRIA, De opficio mundi, 100.
(25) Idem, 187, 591 s. 
(26) ANATÓLIO DE LAODICÉIA, Sobre a Década (P. Tannery, Mémoires Scientifiques, III); TEON DE ESMIRNA, Aritmética, 37-49; [JÂMBLICO], Teologia dos Números; SANTO AGOSTINHO, Sobre a Música, I, 11 (18) - 12 (26).
(27) Notices et Extraits des Manuscrits de la Bibliothèque Nacional (ex-Imperial), XVIII, 2, 25-76.
(28) DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, IV, 29-33.
(29) Ap. SUIDAS, Lexicon, III, p. 468.
(30) GALENO, Sobre seus próprios Escritos (ed. Kühn, t. XIX), 11-18, ps. 39-48
(31) Idem, 11, p. 40.
(32) TEON DE ESMIRNA, Aritmética, 1.
(33) MARINO DE NEÁPOLIS, Vida de Proclo, 8.
(34) Idem, 9.
(35) ARATO DE SOLES, Os Fenômenos, 733 s.
(36) Idem, 19-27.
(37) Idem, 248-253.
(38) Idem, 559-732.
(39) Idem, 454-558.
(40) HIPARCO, Comentário aos "Fenômenos" de Arato, I, 6, 12.
(41) ARATO DE SOLES, Os Fenômenos, 254-258.
(42) Escólios de Arato, 19; 23.
(43) Inscriptiones Graecae, IX, 1, 880, 6-8.
(44) Idem, 8-9.
(45) Idem, 9-13.
(46) B. P. GRENFELL, A. S. Hunt, H. I. BELL, etc., The Oxyrhynchus Papyri, 29; B. P. GRENFELL, A. S. HUNT, D. G. HOGARTH, Fayûm Towns and their Papyri, 9.
(47) B. P. GRENFELL, A. S. Hunt, J. G. SYMLY, E. J. GOODSPEED, The Tebtunis Papyri, 694: TH. REINACH, Papytus Grecs et Démotiques (paris, 1905), 5; B. P. GRENFELL, A. S. Hunt, H. I. BELL, etc., The Oxyrhynchus Papyri, 9; 667; Papiro Hibeh, I, 13.
(48) Papyrus Letronne (Notices et Extraits des manuscrits de la Bibliothèque Nationale, t. XVIII), 1.

Notas complementares:

[1] A que época se refere o depoimento de Plutarco sobre o ensino das ciências do "Diogeneion" (Quaest. Conv., IX, 736 D) ? Parece impossível determiná-la com segurança. Plutarco diz simplesmente: "Sendo estratego, Amônio instituíra um exame no "Dieogeneion" para os efebos (sic: de fato, como vimos, esse colégio recebia os "melefebos", os jovens que, no ano seguinte, entrariam na efebia) que aprendiam as letras, a geometria, a retórica e a música". Muitos personagens tiveram o nome Amônio e não podemos afirmar que algum deles tenha sido estratego; como Plutarco não julga necessário esclarecer esse ponto, poder-se-ia supor que se trate do Amônio mais conhecido do nosso autor: o décimo-segundo referido no artigo dedicado aos Ammonios por PAULY-WISSOWA (I, c. 1862), ou seja, o filósofo platônico de quem Plutarco foi aluno em Atenas e do qual fala, ou faz falar, várias vezes em sua obra (cf. a Introduction de R. FLACELIÈRE à sua edição do tratado Sur l'E de Delphes, Annalaes de l'Université de Lyon, 3, Lettres, 11, ps. 8-10): remontaríamos assim à época de Nero. Mas essa é apenas uma hipótese.

[2] Dediquei à história da έγκύκλοις παιδεία um capítulos de minha tese, Saint Augustin et la Fin de la Culture antique, Paris, 1937, ps. 211-235. Faço questão de sublinhar os dois pontos em que hoje me parece necessário corrigir a doutrina em que me havia detido naquela ocasião: a) o aparecimento desse ideal da formação do espírito não deve ser situado, como eu o afirmava, na geração que sucede Aristóteles; como vimos, ele fora afinal, formulado, nitidamente, ao mesmo tempo por Platão e por Isócrates, concordes em juntar as matemáticas à instrução literária; pode-se, pois, evitar desacreditar (op. cit., p. 221, n. 1) o testemunho de DIÓGENES LAÉRCIO (II, 79) sobre Aristipo que comparava os que negligenciam a filosofia depois de ter estudado os έγκύκλια μαθήματα aos amantes de Penélope; b) já não estou mais tão certo que a concepção de έγκύκλοις παιδεία como "cultura geral" em oposição à "cultura propedêutica" seja o resultado de um "abastardamento", devido à decadência do ensino secundário na época romana (op. cit., ps. 226-227). Integrando a retórica, o programa da έγκύκλοις παιδεία ultrapassava, desde a origem, o domínio do ensino secundário propriamente dito; podia satisfazer plenamente um discípulo de Isócrates; somente os filósofos, herdeiros de Platão, viam-se obrigados a lhe conferir um caráter estritamente propedêutico. Sustento, em compensação, apesar das críticas de A.-J. FESTUGIÈRE (ap. Revue des Études grecques, LII [1939], p. 239), que esse programa não define mais do que um ideal, muito raramente e muito imperfeitamente realizado na prática.

[3] Enciclopédia é um conceito moderno: cf., ainda, meu Saint Augustin, ps. 228-229: o grego só conhece a έγκύκλοις παιδεία; a forma έγκύκλοιςπαιδεία só se encontra nos manuscritos de QUINTILIANO (I, 10, 1), e é sem dúvida uma corruptela devida aos copistas. O termo enciclopédia aparece no século XVI (em inglês: Elyot, 1531; em francês; Rabelais, 1532) e foi recriado ou pelo menos repensado, em função de uma etimologia radicando-o diretamente a κύκλος (o ciclo completo dos conhecimentos humanos), enquanto que no grego helenístico o adjetivo έγκύκλοις tinha um valor derivado muito menos forte: "em circulação", de onde "corrente", "vulgar", ou ainda "que volta periodicamente", ou seja, "quotidiano", "de cada dia".

[4] Extensão variável do programa έγκύκλοις παιδεία: ver os testemunhos por mim citados ap. Saint Augustin..., p. 227, n. 1: VITR., I, 1, 3-10; GAL., Protrept., 14, ps. 38-39; MAR. VICTOR., ap. KEIL, Grammatici Latini, VI, p. 187; Scsol. em D. THR., ap. HILGARD, Grammatici Graeci, III, p. 112; PHILSTR., Gym., 1.

[5] O programa da έγκύκλοις παιδεία entre os filósofos helenísticos e romanos: ver o quadro descrito ap. Saint Augustun, ps. 216-217: Heraclides o Pôntico (DL., V, 86-88), Arcesilau (DL., IV, 29-33), PS. Cebes (Pinax), Filão (De Congr., pass.) Sêneca (Ep., 88, 3-14), Sexto Empírico (plano do Contra Matemáticos), Orígenes (Ep. ad Greg. 1; cf. EUS., H. E., VI, 18, 3-4), Anatólio de Laodicéia (EUS., H. E., VII, 32, 6; HIER., Vir. Ill., 73), Porfírio (TZETZ. Chil., XI, 532), Lactâncio (Inst., III, 25, 1); cf. ibid., p. 189, para Santo Agostinho (de Ord., II, 12, 35 segs.; II, 4, 13 segs.; De Quant. an., 23, 72; Retract., I, 6; Conf., IV, 16, 30.

Quanto à data do aparecimento do setenário das artes liberais, entre Dionísio o Trácio e Varrão, acompanho F. MARX, Prolegomena à sua edição de CELSO, ap. Corpus Medicorum Latinorum, I, Leipzig, 1915, p. x (cf. meu Saint Augustin, p. 220, n.º 2).

[6] História da geometria e da aritmética gregas: existem vários livros elementares sobre o assunto (a meu ver, o melhor é: D. E. SMITH, History of Mathematics, 2. vols., Boston, 1925), mas convém reler: J. Gow, A short history of Greek mathematics, Cambridge, 1884, que diversas obras mais recente se limitam a copiar. Sem dúvida, um estudo mais profundo não poderia ignorar os trabalhos de M. CANTOR, Vorlesungen über Geschichte der Mathematik, I4, Leipzig, 1922, e P. TANNERY, La Géométrie grecque. Comment son histoire nous est parvenue, ce que nous en savons, I, Paris, 1887, e os artigos reunidos na edição póstuma de suas Mémoires scientifiques, t. I-IV, Paris-Toulouse, 1912-1920.

[7] Sobre a ciência musical grega, cf. além de L. LALOY, Aristoxène de Tarente, e Th. REINACH, La Musique grecque, aos quais já remeti o leitor: M. EMMANUEL, Histoire de la Langue musicale, I, Paris, 1911, ps. 61-165; Grèce ('Art gréco-romain), ap. H. LAVIGNAC, Encyclopédie de la Musique, 1, I, ps. 377-537.

[8] R. G. H. WESTPHAL ligou o estudo da rítmica grega ao da rítmica de nossa música clássica: cf. suas conhecidas obras: Die Fragmente und Lehrsätze der grieschischen Rhythmiker (1861) e Allgemeine Theorie der musikalischen Rhythmik seit J. S. Bach (1881).

[9] Sobre a astronomia grega: é sempre interessante retomar: J.-B. DELAMBRE, Histoire de l'Astronomie ancienne, Paris, 1817; ver, em seguida: P. TANNERY, Recherches sur l'Histoire de l'Astronomie ancienne, Paris, 1893; J. HARTMANN, Astronomie, ap. Die Kultur der Gegenwart, III, 3, 3, Leipzig, 1921.

[10] Sobre o ensino das ciências nas escolas neoplatônicas: F. SCHEMMEL, Die Hochschule von Konstantinopel im IV. Jahrhundert, ap. Neue Jahrbücher das klassische Altertumsgeschichte und deutsche Literatur, 22 (1908), ps. 147-168; Die Hochschule von Athen im IV. und V. Jahrhundert, ibid., ps. 494-513;  Die Hochschule von Alexandreia in IV. und V. Jahrhundeert, ibid., 24 (1909), ps. 438-457; O. SCHISSEL VON FLESCHENBERG, Marinos von Neapolis und die neuplatonischen Tugendgrade, Atenas, 1928 (e a resenha de E. BRÉHIER, ap. Revue d'Histoire de la Philosophie, 1929, ps. 226-227); C. LACOMBRADE, Synesios de Cyrène, hellène et chrétien, Paris, 951, ps. 39-46, 64-71.

[11] O ensino de astronomia: cf. H. WEINHOLD, Die Astronomie in der antiker Schule, dissertação de Munique, 1912: obra excelente, mas o autor não percebeu as conclusões que se tiram dos fatos que tão bem reuniu; acrescentar L. ROBERT, ap. Études Épigraphiques et Philologiques (BEHE, 272), Paris, 1938, p. 15.

[12] Arato de Soles, representado em companhia da musa Urânia, como imagem típica da ciência astronômica: por exemplo, numa taça de prata do tesouro de Berthouville: Ch. PICARD, Monuments Piot, t. XLIV, 1950, ps. 55-60, pr. V., e em geral: K. SCHEFOLD, Die Bildnissse der antiken Dichter, Redner und Denker, Basileia, 1943. Sobre a vida e a obra de Arato, ver em último lugar V. BUESCU, edição de CICÉRON, Les Aratea (coleção de edições críticas do Instituto romeno de Estudos latinos, 1), Paris-Bucareste, 1941, ps. 15 segs.



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