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Filosofia da Matemática em Aristóteles e S. Tomás - Introdução


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Tempo de leitura: 12 minutos.

É com grande alegria que apresentamos uma tradução do Prólogo e da Introdução do livro La Filosofía de las Matemáticas en Santo Tomás, em traduzimos como A Filosofia da Matemática em Santo Tomás. Este livro foi escrito por José Alvarez Laso, C. M. F., Professor de Filosofia no Colégio Claretiano de Santa Cruz Zinacantepec. Foi publicado pelo Editorial Jus, México, 1952. Primeiramente quero agradecer a minha esposa pela tradução e revisão do texto em espanhol. As demais traduções são nossa. Futuramente teremos mais novidades deste livro. Aguardem!

PRÓLOGO 

Antes de entrar no assunto, convém citar aqui algumas advertências. E, primeiramente, para que ninguém ache que minha tese é um de tantos esforços para atribuir a Santo Tomás, sete séculos antes, o que agora dizemos, hei de explicar

A ocasião deste tema. Muitos matemáticos modernos e não poucos filósofos de todo tipo de escolas prestam grande atenção aos problemas filosóficos que a Matemática oferece, agrupados sob a denominação comum de Filosofia da Matemática.
Basta ler as últimas páginas da monografia de W. Dubislav, A filosofia da Matemática na Atualidade [Die Philosopie der Mathematik in der Gegenwart] (Berlín, 1932), para se convencer disso. 
Por outro lado, os escolásticos, esquecendo o exemplo dos grandes Mestres (veja a Conclusão), pouco ou nada fizeram neste campo estritamente metafísico. 
É, pois, este terreno como diz o P. Hoenen, Um campo de pesquisa para Escolástica (O Escolástico Moderno 12 [A field of research for Scholasticism (The Modern Schoolman 12)] [Nov. 1934] 15-18). 

Objeto desta pesquisa. Não é minha intenção propor uma filosofia da Matemática segundo a doutrina escolástica. Meu trabalho será mais modesto: colaborar com meu grãozinho de areia para este ideal preparando a história destes problemas na escolástica. 

Autor escolhido. E para sintetizar, na medida do possível, esta história, escolhi como autor central Santo Tomás de Aquino, que representa melhor que nenhum outro a doutrina escolástica. Ele reuniu toda a ciência anterior e dele derivam mais ou menos todos os Escolásticos posteriores. Por isso, creio que as 
Fontes principais deste trabalho devem ser os Comentários do Angélico aos livros do Estagirita [Aristóteles]. Assim, poderemos estudar paralelamente o pensamento do Filósofo e de seu melhor intérprete. Uma consequência prática é a maneira de citar ambas as referências o mais preciso possível. Somente os que quiseram consultar alguma vez o pensamento de Santo Tomás com os outros Comentadores antigos e modernos, verão a utilidade destas citações. 

Características do meu trabalho. Assim, pois, meu trabalho é primariamente histórico. Apresentar as soluções que Santo Tomás deu aos problemas que oferecia a matemática de seu século.
Em segundo lugar, meu trabalho deve ser crítico. Em dois sentidos: primeiro em relação aos problemas que o próprio Santo Tomás se propunha: estão plenamente resolvidos?; logo, em relação aos problemas de agora, as soluções tomistas podem ser aplicadas a eles? 

Método seguido. Eu segui o método histórico e documental, pesquisando o que de fato disse Santo Tomás. Método diametralmente oposto ao que segue D. García em seu artigo De metaphysica multitudinis ordinatione (Div. Thom. Plac. 31 [1928] 83-109; 607-638). [Sobre a metafísica da ordem do número].

Uso dos idiomas. O método documental exige a menor intervenção possível do pesquisador nos textos. Por isso, embora o texto da dissertação esteja na minha língua materna [espanhol], as citações estão sempre nos idiomas dos respectivos autores. 
É lamentável ter que dizer, mas é um fato, cito autores em nove línguas diferentes e nenhum em espanhol. 
Para maior comodidade, o índice de referências está em latim.


Divisão da tese. Fiz um esquema quase a priori sobre os problemas filosóficos que a Matemática oferece para ordenar, segundo ele, os materiais que estivesse recolhendo, mas logo tive a sorte de encontrar um belo texto de Santo Tomás que me deu uma magnífica divisão da matéria, segundo exponho no primeiro capítulo. 

A bibliografia que aparece nas páginas seguintes compreende, sistematicamente catalogados, todos e apenas os livros e artigos empregados para compor a dissertação. 

Fruto da minha pesquisa. Creio que o mérito principal do meu trabalho está em ter encontrado em Santo Tomás um esboço de Filosofia da Matemática, que é necessário desenhar e colorir com muito cuidado para poder apresentá-lo diante do público de nossos dias. 

Defeitos da minha dissertação. Certamente, terão muitos a serem delatados ao principiante. Mas, há três que eu mesmo vejo e que quero confessar aqui. 
Facilmente se nota que os últimos capítulos estão menos trabalhados, embora em parte se deva ao fato de que são menos filosóficos. 
Logo, teria que ler de novo todos os textos, para referendar mais a doutrina. Conheço mais textos dos que aparecem usados na dissertação como facilmente poderá constatar quem tivesse paciência para comparar o texto com o Apêndice. Talvez, em algum momento, teria que corrigir alguma frase ou polir alguma expressão, como tive que fazer em relação ao número. Na primeira redação, atribuía a Santo Tomás uma doutrina errônea sobre o objeto da aritmética, que depois tive a satisfação de constatar que era apenas de João de Santo Tomás e de outros que o copiavam (veja a nota 29 do cap. III). 
Por fim, em relação à matemática moderna, é vasta e tão variada a literatura, que não sei se terei escolhido sempre o que é típico e característico.

Devo manifestar minha sincera gratidão e reconhecimento ao R. P. Pedro Hoenen, S.J., sob cuja amável e sábia direção trabalhei. 
Devo recordar aqui a memória do falecido R. P. L. W. Keeler (que Deus o tenha), que tanto me ajudou na leitura dos Manuscritos. Que o bom Deus, para cuja maior glória trabalhávamos juntos na Biblioteca Vaticana, lhe tenha agraciado no céu por sua extrema bondade para comigo. 

México, D. F., 13 de abril de 1952, solenidade de Páscoa. 


INTRODUÇÃO 

A MATEMÁTICA EM SANTO TOMÁS 

Santo Tomás estudou a Aritmética e a Geometria com as demais disciplinas do Quadrivium na Universidade de Nápoles [1] nos anos de 1236 a 1239 [2].
Tão bem diligente sairia destas aulas, à medida que se abundam em suas obras filosóficas e teológicas as alusões à Matemática [3]. 
Não é minha intenção estudar esta introdução um ponto [4], que não tem nenhum interesse nem para a Matemática nem para a História [5]. 
Só quero registrar os dados necessários para demonstrar que Santo Tomás poderia refletir sobre a Matemática. 
Conhecia bem [6] Euclides [7]. Poucas vezes cita [8] a aritmética de Boécio [9]; mas todos sabem que os livros VII-IX de Euclides são pura aritmética. 
Sabido é também o lugar que ocupa a Matemática na classificação geral das ciências que faz Santo Tomás [10]. 
Quero encerrar esta breve nota com uma frase do grande historiador da Matemática M. Cantor, que demonstra o grande afeto e admiração que professava por Tomás de Aquino: “O matemático chama-os (Alberto Magno e Tomás de Aquino) com pesar de amigos da sua ciência” (Vorlesungen über Geschichte der Mathematik [Lições sobre a história da matemática], Leipzig, Teubner, 1892, vol. II, p. 86).

Notas:

[1] Veja os parágrafos em que os três primeiros biógrafos de Santo Tomás falam de seus estudos em Nápoles: 
O pai enviou seu filho a Nápoles para que ele pudesse ser completamente educado em gramática, dialética e retórica. Pois quando ele logo deixou Martinho, seu tutor de gramática, ele foi entregue ao seu professor Pedro, o Ibérico, que, tendo-o instruído em ciências lógicas e naturais”. Calo P., Vita S. Thomae A., ed. Prümmer, p. 20. 
Assim, seguindo o conselho dos pais, o menino foi enviado para Nápoles e aprendeu gramática e lógica com o Mestre Martinho, e ciências naturais com o Mestre Pedro da Ibéria.”. Tocco G., Historia B. Thomae de Aq., ed. Prümmer, p. 70. 
Em pouco tempo, portanto, quando ele fez grande progresso em gramática, lógica e filosofia natural...”. Guidonis B., Legenda Sancti Thomae de Aq., ed. Prummer, p. 70. 

[2] El P. Prümmer (Chronología vitae S. Thomae Aq., en Xenia Thomistica) atribui o ano 1235 como o primeiro ano de sua estadia em Nápoles. P. Walz (Delineatio vitae S. Thomae de Aquino, Romae, Angelico, 1927, p. 16) coloca "anno 1236 vel 1239". 

[3] Veja o índice dos lugares em que Santo Tomás fala de Matemática, posto como Apêndice desta dissertação. 

[4] Do ponto de vista sistemático, H. Meyer estudou este ponto em vários artigos de Philosophisches Jahrbuch publicados à parte depois. Sobre a Matemática, trata o volume 47 (1934) nas páginas 441-464. 

[5] Talvez, o nome de Santo Tomás deva figurar na história da Matemática outro conceito. Veja, de fato, o que diz Timerding (Die Verbreitung mathematisches Wissens und mathematischer Auffassung, Leipzig, Teubner, 1914 [A disseminação do conhecimento matemático e da compreensão matemática]):
Além da já mencionada tradução de Euclides por Campanus, devem ser mencionadas as traduções que, segundo consta, foram feitas por Guilherme de Mörbecke da Catóptrica de Heron e dos escritos arquimedianos a pedido de Tomás de Aquino (1274)”. Zeuthen (Die Mathematik in Altertum und im Mittelalter, Leipzig, Teubner, 1912 [A Matemática na Antiguidade e na Idade Média]), atribui este mérito a Witelo. Veja Cantor, Vorlesunger über Geschichte der Mathematik, Leipzig, Teubner, 1892, Vol. II, p. 89.

[6] Veja, por exemplo, estes textos:

Explica o nome Elemento

III Met. 1.8, n. 424.

  “                “             “

V Met. 1.4, n. 801.

Cita o livro I de Euclides

III De An. 1.1, n. 577.

               III

II De cae 1.26. n. 6. 

                 IV

    De mem 1.7, n. 392

                 X

I An. Pos. 1.4, n. 13



[7] Segundo Montucla (Histoire des Mathématiques, Paris, 1758, I, p. 213), só no século XIII começaram os latinos a conhecer Euclides no mesmo texto.

[8] Veja, por exemplo: 
                    De pot. q. 3, a. 16 sed contra 4. 
                    I Sent. d. 24; q. 1 ob. 2. 
                    De Trin. q. 1. a. 4 ad 2. 
                            q. 4 á. 1 arg. 1. 

[9] Veja o juízo que faz Montucla (vol. I, p. 492), das obras matemáticas de Boécio: 
Sua aritmética e geometria são, estritamente falando, apenas traduções livres do primeiro (Nicômaco) e do último (Euclides), onde ele preservou para nós muitas características interessantes da história dessas ciências”.

[10] Veja, por exemplo, no recente livro de H. Meyer, Thomas von Aquino, Bonn, 1938, p. 399-407. 

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Nicolau de Oresme, precursor de Copérnico

Nicolau de Oresme (1400-1420)
Em pleno medievo: Nicolau de Oresme, precursor de Copérnico

 "A criação de Deus é a mais parecida àquela
de um homem que constrói um relógio e 
lhe permite funcionar continuando
o seu movimento autonomamente".
-- Nicolau de Oresme

Há um século, o historiador e filósofo francês Pierre Duhem [1] começou a esclarecer as raízes cristãs do pensamento científico moderno e, desde então, inúmeras publicação aprofundaram esses  temas. De modo particular, a estreita ligação entre a tradução das obras científicas e filosóficas greco-árabes e o desenvolvimento da ciência com a conhecemos hoje. Uma destas obras, As origens medievais da ciência moderna, [2] escrita por Edward Grant, docente de história e filosofia das ciências na Indiana University, é inteiramente dedicada a reconhecer a contribuição da Europa medieval na fundação da ciência e na formação dos cientistas modernos, de Galileu em diante. Uma contribuição construídas, de fato, sobre as traduções dos textos científicos do mundo grego e árabes, com o nascimento da universidade a reelaboração do pensamento aristotélico. Muitos estudiosos concordam com esta afirmação [3]. Transcorrendo o índice analítico desse volume, embarramos com numerosas referências ao texto de um nome pouco conhecido para a maioria: Nicolau de Oresme (1323 - 1382).

Nicolau Oresme é apresentado como um dos pilares fundadores do nascente católico da ciência, precisamente por suas traduções de textos antigos, em especial os de Aristóteles, e também por seus comentários refinados. É considerado uma personagem de importância capital na passagem da ciência medieval para a moderna [4] pela riqueza de suas ideias, que contêm muitas novidades importantes [5]. A época em que vive é aquela que os historiadores definem como escolástica tardia e que é caracterizada pela busca da consistência na discussão filosófica. Consequência dessa busca é o fermento suscitado exatamente na pesquisa científica [6]; a esse propósito, além de Oresme, é preciso recordar de João Buridam (1290 - 1358) e Alberto da Saxônia (1316 - 1390). Foram justamente os escolásticos do século XIV, na sua originalidade, que prepararam o caminho par o advento da ciência europeia do Renascimento a partir de Copérnico [7].

Oresmo nasceu em Allemagne, antigo nome de Fleury-sur-Orne, vilarejo francês da Baixa Normandia, que devia seu nome a uma guarnição de soldados alemães estabelecida pelos romanos entre os séculos II e IV. Muito pouco se conhece de sua juventude, a não ser que frequentou a Universidade de Paris [8], e foi nomeado grão-mestre no Collège de Navarre em 1355, depois de ter obtido o doutorado em teologia [9]

Durante sua permanência no Collège publicou obras sobre astrologia, teologia e matemática, escritas em latim, a língua em vigor nos colégios da sua época [10]. Também publicou um tratado sobre moedas, que despertou a atenção de Delfim de França, o futuro Carlos V, chamado o Sábio, que muito mais interessado que o pai, João II, chamado o Bom, nas reflexões de caráter moral e racional. Esse fato abriu as portas da corte para Oresme. Em 1362, deixou o colégio e se estabeleceu em Rouen como cônego da catedral, tornando-se decano do capítulo dois anos depois [11]. Neste período, Oresme começa a publicar as traduções comentadas dos livros de Aristóteles e algumas obras em francês.

Em 28 de janeiro, é sagrado bispo de Lisieux (33º bispo e 19º Conde de Lisieux) [12] numa cerimônia que contou com a presença do rei que presenteou com dois anéis de ouro [13]. Tomou posse do bispado em julho do mesmo ano e ali permaneceu até a morte, em 11 de julho de 1382. Seus restos mortais repousaram na catedral, próximos da porta à esquerda do coro [14], até a metade do século XVII, quando o bispo de Leonor II de Martignon, além de fazer substituir os antigos vitrais que eram muitos escuros, também removeu todos os túmulos que ficavam no interior da nave (1677) [15]; e assim se perderam os vestígios de sua sepultura e também de sua memória.

Oresme traduziu a Ética, a Política e a Economia de Aristóteles e também as obras de Francisco Petrarca, de quem havia se tornado amigo [16]. O uso do vernáculo representa sua característica mais original, se consideramos que naquele período todos os textos científicos eram ainda escritos em latim. Também compôs um tratado sobre a Imaculada Conceição de Maria, cento e quinze sermões, um tratado contra as ordem mendicantes [17], e três contra a astrologia, elogiados por Pico della Mirandola [18], nos quais polemiza contra o determinismo astral.

O rei da França, João II, que o consultava frequentemente sobre os negócios mais espinhosos e seguia os seus conselhos, o enviou a Avinhão (1363), onde Oresme pronunciou, diante do Papa Urbano V, um discurso eloquente e ousado contra a desordem e a falta de regras na cúria romana. Por fim, sabemos que Carlos V encomendou-lhe uma tradução da Bíblia em francês para prevenir as distorções que os valdenses e outros heréticos faziam dos textos sagrados.

Mas a primeira passagem fundamental para o nascimento da ciência nos séculos XII e XIII é, como dissemos, a tradução em latim das obras científicas e de filosofia natural gregas e árabes [19]. Oresme foi um dos primeiros a seguir esse caminho que levou ao nascimento da universidade e do pensamento científico medieval. Foram as traduções, em particular as de Aristóteles, que permitiram a institucionalização da ciência e da filosofia natural, além de fornecerem um currículo de estudos pronto para as novas universidades da época [20].

Assim, a revolução científica acaba se consolidando graças ao aparecimento dos filósofos teológicos-naturais que aceitaram confrontar-se com o pensamento pagão e estudaram o mundo físico sem encontrar obstáculos na Teologia [21]. A ciência e a matemática, especificamente, foram muito beneficiadas, e é precisamente nelas que Oresme aplicou sua grande genialidade. No seu tratado Sobre a comensurabilidade e incomensurabilidade dos movimentos celestes, faz-nos compreender como a aritmética é a ciência, nascida antes da geometria, que permite medir o movimento das esferas celestes [22].

Entre as suas obras no campo da ciências naturais, temos que citar Parva naturalia, o comentário à Física (perdido), Meteorica, De anima, De caelo et mundo, Tratado da Esfera e De uniformitate et difformitate intensionum [23].

No tratado De uniformitate et difformitate intensionum, expõe a mais conhecida prova geométrica do teorema da velocidade média, "talvez a mais extraordinária contribuição do Medievo à história da física matemática" (chamada Regra de Oresme) [24]. A prova geométrica de Oresme faz rapidamente um giro pela Europa e é possível que Galileu Galilei também a tenha conhecido [25]. No Tratado se encontra a representação gráfica das variações da velocidade do movimento ou da intensidade de uma quantidade (por exemplo, o calor) com linhas verticais postas sobre a reta horizontal à distância, que corresponde a intervalos temporais determinados, Deste modo, um retângulo representa o movimento uniforme e um triângulo, o movimento uniformemente acelerado. Esse método terá grande difusão do século XIV ao XVI, e contribuirá para preparar os esquemas matemáticos da nova física [26].

Oresme escreveu um comentário à Física de Aristóteles, pondo em discussão algumas de suas conclusões e fornecendo demonstrações alternativas às leis aristotélicas do movimento, recorrendo a um uso correto da razão. Isso o leva, sobretudo, a repelir os argumentos aristotélicos a favor da eternidade do mundo [27].

Para Oresme, as quaestiones, um gênero literário que se tornou sinônimo do método escolástico medieval, não se prestam para analisar profundamente os vários aspectos do intelecto humano [28], por isso, escolhe a forma de "tratado".

Mas o âmbito no qual o contributo do Bispo de Lisieux resultará clamoroso para a época é aquele da rotação terrestre e da posição das esferas celestes. Entre 1370 e 1373, Carlos V o convida a traduzir do latim para o francês as obras de Aristóteles e, dentre elas, o De Caelo, que recebe um grande número de comentários. Assim nasce O tratado do céu e do mundo (1377) [29], obra que lhe rendeu a nomeação a bispo.

A importância desse volume reside no fato de ser a primeira vez que uma obra científica aparecia em francês [30]. Igualmente fundamentais são as críticas dirigidas ao filósofo grego. A primeira delas deriva do princípio da inércia para explicar o movimento, que não era conhecido a Aristóteles. Então, Oresme acolhe, com algumas modificações, a teoria do impetus do seu mestre Buridan para explicar o movimento local, afirmando que um corpo no curso de seu movimento adquire um impetus [31]. Uma outra crítica diz respeito ao ao movimento dos astros que era considerado eterno. Oresme contesta, seguindo a outro bispo, Roberto Grosseteste, e propõe que os astro têm um movimento inicial.

Porém, a ideia mais revolucionária, que faz de Oresme um verdadeiro precursor das teorias copernicanas, é a hipótese do movimento rotatório da Terra em torno do seu eixo.

A esfera celeste, para realizar um rotação completa em torno do Sol em 24 horas, deveria ter uma velocidade elevadíssima, coisa que não é crível. Portanto, é mais razoável pensar que é a própria Terra que está a girar [32]. Oresme enfrenta também a interpretação do episódio da Bíblia com a detenção do Sol por parte de Josué, dizendo que a hipótese do movimento da Terra o tornaria mais razoável, se tomado em forma literal. É o que dirão mais tarde os copernicanos Galileu e também o Padre Paolo Antonio Foscarini [33]. Na ausência de demonstrações irrefutáveis, termina por aceitar as posições tradicionais mais próximas ao texto da Bíblia.

Oresme também deu uma grande contribuição à teoria monetária [34], com um tratado sobre a origem do dinheiro, o De mutationibus monetarum [35], imediatamente traduzido em francês e definido um marco histórico na ciência do dinheiro. Foi utilizado por Carlos V para restaurar a segurança nos negócios [36]. Ainda antecipou o princípio conhecido como Lei de Gresham, segundo a qual, havendo duas moedas na mesma economia, aquela que fosse superestimada debilitaria a menos estimada. Assim, Oresme compreendeu e descreveu quais danos acabam decorrendo da inflação [37].

Como teólogo escreve o tratado De communicatione idiomatum, no qual investiga as relações entre os atributo (idiomata) da natureza divina e os da natureza humana de Cristo [38].

Todas as obras de Oresme foram publicadas no início do século XVI, exceto o Tratado do céu e do mundo, que fora traduzido e publicado somente no século XX [39].

Nicolau Oresme tornou-se nome da Regra que citemos no início do capítulo, e também de uma cratera lunar aberta pelo impacto de um asteroide. É justo reconhecimento de um grande cientista e sua obra. 


Notas:

[1] S. Jaki, Scientist and Catholic: Pierre Duhem, Christendom Press, Front Royal, 1991.

[2] E. Grant, The Foundations of Modern Science in the Middle Ages -- Their Religious, Institutional and Intellectual Contexts, Cambridge University Press, 1996.

[3] S. Jaki, Patterns or Principles and Other Essays, Interconllegiate Studies Institute, Bryn Mawr, 1995, citado em Thomas E. Woods, Come la Chiesa cattolica ha costruito la civiltà occidentale, Cantagalli, Siena, 2007.

[4] Alain Costé, L'oeuvre scientifique de Nicole Oresme, "Bullettin de la société Historique de Lisieux", fasc. 37, 1997.

[5] Johan Huizinga, Autunno del Medioevo, Sansoni, Florença, 1987, p. 450.

[6] Cornelio Fabro, Introduzione a san Tommaso, Ares. Milão, 1983, pp. 235, 246.

[7] Christopher Dawson, La formazione della Cristianità occidentale, D'Ettoris Editori, Crotone, 2009, p. 284.

[8] Nicole Oresme, Traictie de la première invention des monnoies, publicado e anotado por M. L. Wolowsky, Paris, 1864 (ver Introdução).

[9] Fundado em 1304 por Joana, condessa de Navarra e mulher de Filipe, o Belo. Estes colégios que nasceram no século XII, eram destinados a hospedar somente estudantes necessitados que queriam estudar gramática, lógica ou teologia, bem decididos a trabalhos duros e a submeter-se as regras de vida particularmente austeras. Um famoso dito dizia: "A ciência cresce mais na pobreza que na riqueza". Em 1500, o seu número chegou, só em Paris, a 68 (Leo Moulin, La vita degli studenti nel Medioevo, Jaca Book, Milão, 1992, pp. 20-21).

[10] Oresme, op. cit.

[11] Id.

[12] Richard Séguin, Histoire des évéques-conte de Lisieux, 1832, reproduzida em Oresme, op. cit., p. XXX

[13] Id.

[14] Id.

[15] Ibid., p. XIX.

[16] Huizinga, op. cit., p. 450.

[17] A controvérsia sobre as ordem mendicantes (dominicanos e franciscanos) na Universidade de Paris remonta à metade do século XIII. Os mestre seculares não toleravam a sua presença porque a sua dedicação e superioridade doutrinal os colocava na sombra. (J. A. Weisheeipl, Tommaso d'Aquino: Vita, pensiero, opere. Jaca Book, Milão, 1988, pp. 86, 87). Com o tempo foram aceitos, mas com reservas, que se manifestaram também nos tempos de Oresme.

[18] Oresme, op. cit.

[19] Edward Grant, The Foundations od Modern Science in the Middle Ages. Citada a edição italiana: Le origini medievali della scienza moderna, Einaudi, Torino, 2001, p. 257.

[20] Ibid., p. 258.

[21] Ibid., p. 262

[22] Ibid., pp. 71, 72.

[23] M. De Wulf, Storia della filosofia medievale, Libreria Editrice Fiorentina, Florença, 1948, vol. III, p. 129.

[24] Grant, op. cit., p. 153.

[25] Cf. Ibid., p. 156.

[26] Cf. De Wulf, op. cit., p. 130; Universidade de Sena, manual de filosofia on-line, no verbete "Nicola Oresme" (www.unisi.it).

[27] Cf. Grant, op. cit., pp.246-247, 300.

[28] Cf. Ibid., p. 197.

[29] Costé, op. cit.

[30] Ibid.

[31] Cf. De Wulf, op. cit., p. 130.

[32] Grant, op. cit., p. 173.

[33] Frei Carmelita e cientista (1565 - 1616).

[34] Woods, op. cit.

[35] Oresme, op. cit.

[36] P. Larousse, Grand dictionnaire universel du XIX siècle, vol. XI.

[37] Sir Thomas Gresham, conselheiro da rainha Isabel I da Inglaterra, em 1558 afirmou que "a moeda má expulsa a moeda boa", referindo-se a uma iniciativa do governo de manter o valor da moeda, diminuindo o seu respectivo peso. Segundo Gresham, o povo guardaria as moedas antigas por perceberem que elas teriam maior valor, causando inflação -- NE.

[38] De Wulf, op. cit., p. 131.

[39] Le livre du ciel et du monde, editado por A. D. Menut e A. Denomy. Madison, Milwaukee and London. The University of Wisconsin, 1968.

***

Texto retirado de AGNOLI, Francesco; BARTELLONI, Andrea. Cientistas de batina: de Copérnico, pai do heliocentrismo, a Lemaìtre, pai do Big Bang. 1 ed. Ecclesiae, 2018.


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