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Sobre Euclides, sua Geometria e seus Elementos - parte 3

Manuscrito do século XV mostrando Ocidental
e pensador Árabe praticando geometria juntos.


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Tempo de leitura: 70 minutos.

Concluímos com a apresentação da Introdução do livro Os Elementos de Euclides, traduzido por Irineu Bicudo, Editora Unesp, 2009.

A parte I pode ser encontrada AQUI e a parte II aqui.


Os comentaristas gregos dos Elementos

Na Antiguidade e na Idade Média, o modo de abordagem de uma obra e do seu ensino era o Comentário. De fato, um comentário ou exposição do pensamento de algum autor era um dos métodos básicos de ensino nas escolas medievais. E o comentário como instrumento pedagógico por excelência foi herdado tanto dos padres da Igreja quanto dos escritores árabes, e essas duas fontes têm a mesma origem: os escritos literários e científicos do último período do pensamento grego. Duas bicas, mas uma só água. Era esse, também, o modo de enriquecer o conhecimento pela confluência de vários saberes.

No Ocidente, o comentário tomou várias formas. A maneira especial, empregada, por exemplo, por Boécio nas suas exposições das Categorias e do De interpretatione de Aristóteles consiste em proceder sistematicamente por partes, tomando, de cada vez, uma pequena porção do texto original em tradução (latina, no caso) e explicando-lhe o conteúdo de modo mais simples. É, aproximadamente, como o faz Proclus no seu Comentário ao livro I dos elementos. Depois de um longo Prólogo em duas partes, trata pormenorizada e separadamente das “Definições”, dos “Postulados”, dos “Axiomas” (“Noções Comuns”, como está nos Elementos) e das “Proposições”, uma a uma. Proclus é o grande escoliasta dessa obra de Euclides. Poder-se-ia dizer que ele está para este como Alexandre de Aphrodisia, para Aristóteles. Alexandre era conhecido como “o Comentarista” entre os escoliastas gregos do estagirita; Proclus bem poderia ter esse epíteto no tocante a Euclides.

Antes dele, no entanto, houve outros tantos. Ele próprio diz (p.84, 11-18) que não procederá no seu texto como muitos deles, dando lemas, casos etc.,

pois estamos saciados dessas coisas e raramente trataremos delas.
Mas, quantas têm teorias mais importantes e contribuem para a filosofia como um todo, dessas faremos a menção guiadora, emulando os pitagóricos para os quais estava à mão também esta alegoria “uma figura e um passo, não uma figura e três óbulos”, mostrando, portanto, como é preciso perseguir aquela geometria... [77]

Em um outro lugar (p.200.10):

Voltemos à explicação das coisas demonstradas pelo autor dos Elementos, coletando, por um lado, as mais exatas das escritas sobre elas pelos antigos, cortando-lhes a ilimitada loquacidade, dando, por outro lado, as mais sistemáticas e portadoras dos métodos científicos [78].

Proclus não nomeia os seus predecessores nessa lida, mas parece certo que os mais importantes tenham sido Herão, Porfírio e Pappus. Posterior a Proclus, aparece também Simplício.

Herão de Alexandria

Proclus faz alusão a esse comentarista em seis passagens. A primeira delas a propósito da Mechanica que Herão escrevera, e as cinco restantes por conta dos Elementos de Euclides. Ei-las:

41.8-10:
(...)
[a arte que faz instrumentos] (...), como então também Arquimedes é dito ter construído instrumentos aptos a repelir ataque dos que se fazem hostis a Siracusa, e arte de fazer prodígios, umas executadas habilmente pelos ventos, como elaboraram tanto Ctesibius quanto Herão, outras, pelos pesos (...) [79]

196.15-17:
E certamente também nem é preciso reduzir o número deles [isto é, dos axiomas/noções comuns] ao menor, como faz Herão que expõe somente três (...) [80]

305.21-25:
[Falando sobre o enunciado da “Proposição XVI” do Livro I dos Elementos.]
Os que fabricaram antes, de modo negligente, esse enunciado, sem o “tendo sido prolongado um lado”, forneceram ocasião igualmente tanto a alguns outros, mas também a Felipe, diz o mecânico/engenheiro Herão, para acusação [81].

323.5-9:
Mas é preciso também descrever as outras demonstrações do proposto teorema, quantas os à volta [isto é, os discípulos] de Herão e de Porfírio expuseram da reta não prolongada, a qual fez o autor dos Elementos [82].

346.12-15:
A demonstração que tal é a de Menelau, ao passo que Herão, o mecânico/engenheiro, do mesmo modo prova a mesma coisa não por impossível [83].

429.9-15:
Mas, sendo a demonstração do autor dos Elementos evidente, penso nada supérfluo ser necessário acrescentar, mas serem suficientes as coisas escritas, mesmo porque quantos acrescentarem algo mais, como os discípulos de Herão e de Pappus, foram forçados a tomar além disso alguma coisa das mostradas no sexto [livro], em razão de nada importante [84].

As datas tocantes a Herão são motivo de controvérsia. Indiretamente, tem sido posto no século I.

Que tenha escrito um comentário sobre os Elementos pode ser inferido do que aparece nas passagens citadas de Proclus, mas mostra-se bem certo pelas referências a ele feitas por escritores árabes. No Kitab al – Fihrist (lista das ciências) está que “Herão escreveu um comentário sobre esse livro [Os elementos], a fim de explicar os pontos obscuros”.

O comentário propriamente dito não parece conter muitas coisas que possam ser consideradas de relevância. Há algumas notas gerais, como a que indica o fato de ele não aceitar mais do que três axiomas/noções comuns, já vista acima. Há a exploração de casos particulares de certas proposições euclidianas, motivados por diferentes maneiras de desenhar as figuras. Há demonstrações alternativas, umas dadas sem figura, de modo “puramente algébrico”, outras para “sanar” o motivo de uma objeção a alguma construção de Euclides, e ainda outras tentando evitar a redução ao absurdo usada na prova original. Há o acréscimo de certas recíprocas de proposições dos Elementos e igualmente umas adições e algumas extensões de proposições. E não há nada mais.

Eis o que foi Herão como comentarista dos Elementos

Porfírio

O neoplatônico Porfírio, discípulo de Plotino, revisor e editor da obra deste, parece ter escrito um comentário sobre os Elementos. Isso é deduzido do que se acha em Proclus, que o dá como fazendo observações a respeito das proposições I.14 e I.16 e sobre demonstrações alternativas às proposições I.18 e I.20.

Aqui, a possibilidade é que o trabalho de Porfírio tenha sido usado por Pappus ao escrever o seu próprio comentário, e deste tenha se valido Proclus para as suas referências.

Seja como for, dada a evidente vocação pedagógica demonstrada por Porfírio – basta ver a sua Εἰσαγωγή (Introdução), epístola dirigida ao seu discípulo Chrisaorius e que, tendo sido traduzida para o latim por Boécio, serviu por toda a Idade Média e na Renascença como a mais importante introdução à Lógica de Aristóteles – pode-se concluir que o seu interesse pelos Elementos tinha apoio menos em um desejo de contribuir com novos resultados e mais no de manter a precisão da linguagem matemática, levando os seus leitores a entendê-la.

Pappus

Existem em Proclus poucas alusões a Pappus. Há, no entanto, outra evidência de ter ele escrito um comentário sobre os Elementos. Um escoliasta sobre as definições dos Data escreve: “como diz Pappus no começo do seu comentário do Livro X de Euclides” (conforme a edição dos Data por Menge, p.262).

Assevera-se também no Fihrist que Pappus compusera um comentário sobre o Livro X dos Elementos em duas partes. De fato, restam-nos fragmentos do seu trabalho em um manuscrito – Paris n.952.2 – descrito por Woepcke nas Mémoires présentés à L’Academie des Sciences [85], 1856, v.XIV, p.658-719.

Ainda Eutocius, na sua nota sobre o Περὶ σφαίρας καὶ κυλίνδρου, I.13, (Sobre a esfera e o cilindro), de Arquimedes, afirma:

Como, de fato, inscrever no círculo dado um polígono semelhante ao inscrito em um outro é evidente, e foi mencionado também por Pappus no comentário dos Elementos [86].

O objeto da observação estaria, provavelmente, no comentário do Livro XII.

Passemos aos extratos de Proclus em que Pappus figura:

Sobre o quarto postulado [87] (“e serem todos os ângulos retos iguais entre si”) lê-se:

189.12-15:
Pappus estabeleceu-nos corretamente que a recíproca não mais é verdadeira, o ser, de todo ângulo, o ângulo igual ao reto, reto [88].

E ao tratar dos axiomas/noções comuns:

197.6-10:
E, com esses axiomas, Pappus diz registrar ao mesmo tempo que também, se desiguais sejam adicionados a iguais, o excesso entre os totais é igual ao entre os adicionados, e inversamente, caso iguais sejam adicionados a desiguais, o excesso entre os totais é igual ao entre os do princípio [89].

Mas Proclus prossegue:

198.3-15:
Essas coisas, de fato, seguem dos axiomas mencionados antes e, com razão, são omitidas na maioria das cópias, e quantas outras dessas ele [isto é, Pappus] acrescenta são antecipadas pelas definições e seguem daquelas; por exemplo, que todas as porções do plano e da reta ajustam-se umas às outras – pois as coisas estendidas ao extremo têm uma natureza que tal – e que um ponto divide uma linha, e uma linha, uma superfície, e uma superfície, um sólido – pois todas são divididas por essas, pelas quais são limitadas imediatamente – e que o ilimitado nas magnitudes existe tanto pelo acréscimo quanto pela destruição, mas cada uma em potência; pois toda coisa contínua é divisível e pode crescer ilimitadamente [90].

249.20-21:
[A propósito da “Proposição I.5”]
E ainda Pappus demonstra de modo curto, tendo necessitado de nenhuma adição, assim: (...) [91]

E a referência em 429.9-15, já posta acima sob a rubrica Herão de Alexandria.

Além dessas menções, Heath propõe ser razoável concordar com Van Pesch (De Procli fontibus, p.134 e ss.) que afiança Proclus valer-se, sem mencionar a autoridade, do comentário de Pappus em vários outros passos do seu próprio comentário.

Proclus

Como já foi mencionado, o Comentário de Proclus sobre o Livro I dos Elementos é uma das duas principais fontes de informação sobre a história da geometria grega que possuímos, a outra sendo a Coleção de Pappus. O Comentário visa mais à geometria elementar, a da régua e do compasso, ao passo que a Coleção volta-se para a geometria avançada. A importância dessas duas obras repousa no fato de não terem sobrevivido os trabalhos originais dos predecessores de Euclides, Arquimedes e Apolônio.

Proclus viveu no século V (410 a 485), tendo assim escoado um tempo suficiente para que a tradição relativa aos geômetras pré-euclidianos se tornasse obscura e falha. Daí fazer muito sentido a investigação, realizada por alguns pioneiros da história da matemática nos últimos cem anos, das fontes utilizadas no seu trabalho; pois são menos confiáveis aquelas que mais se afastam do tempo dos fatos relatados.

Proclus iniciou a sua educação em Alexandria, sendo orientado na filosofia de Aristóteles por Olympiodorus, este também um escoliasta do estagirita, e na matemática por um tal Herão, que não deve ser confundido com o mechanicus Herão. Vai depois para Atenas, onde é instruído por Plutarco e por Syrianus na filosofia neoplatônica, à qual se dedicou profundamente, a ponto de, sendo um discípulo de rápida aprendizagem, tornar-se-lhe um dos máximos expoentes e ser alçado, depois da morte do seu mestre Syrianus, a chefe da escola neoplatônica de Atenas. Proeminente no alcance do seu saber, foi chamado por Zeller na sua Die Philosophie der Griechen, “Der Gelehrte, dem kein Feld damaligen Wissens verschlossen ist” (“o erudito, para quem nenhum campo de conhecimento daquele tempo está fechado”). Foi matemático e poeta, devoto adorador de divindades gregas e orientais, mente tranquila em um mundo de grandes convulsões.

Na qualidade de neoplatônico, uma das suas doutrinas fundamentais sustentava que um nível mais baixo da realidade é, de algum modo, uma “imagem” [92] do mais alto. Uma aplicação dessa ideia encontra abrigo no Comentário e, pode-se dizer, constitui a base da sua filosofia da matemática. Para ele, a matemática reflete a natureza do mundo espiritual, e este pode ser compreendido estudando-se as figuras geométricas. Em poucas palavras, entendia a matemática como via de acesso às mais altas regiões do espírito, representadas pela filosofia; daí, ser inferior a esta. Isso está expresso no seguinte excerto, em que Proclus se refere a Platão:

31.11-22:
E dividindo, por sua vez, essa ciência, que distinguimos das artes, ele quer uma ser não hipotética, a outra partida de hipótese, e a não hipotética estar apta a conhecer a universalidade das coisas, subindo até o Bem e a causa mais alta de todas as coisas, e fazendo do Bem o fim da ascensão, enquanto a que tendo se colocado à frente princípios determinados, valendo-se desses demonstrar as suas consequências, indo não para um princípio mas para um fim. E assim, então, ele diz a matemática, como a que se serve de hipóteses, ser deixada para trás pela ciência não hipotética e acabada [vale dizer, a dialética platônica] [93].

Sabemos que na escola neoplatônica, segundo o preceito exposto na República, os jovens estudantes deveriam ser instruídos na matemática e era missão do chefe da escola ensiná-la. Eis a origem do seu comentário – o ensino dessa ciência. Além disso, em um ponto da obra torna-se evidente que os seus ouvintes são principiantes, pois mantém que:

272.7-14:
E outros fizeram a mesma coisa com as quadratrizes de Hippias e Nicomedes, também esses servindo-se de linhas mistas, as quadratrizes. E outros, partindo das hélices arquimedianas cortaram o ângulo retilíneo dado na razão dada; os conceitos das quais coisas sendo difíceis de entender para os iniciantes, deixamo-las presentemente de lado [94].

Há, por outro lado, passagens sobre hélice cilíndrica (104.26-105.2) e sobre concoides e cissoides (113.3-6).

104.26-105.2:
E alguns disputam a respeito dessa divisão e dizem existir não somente duas linhas simples, mas também uma outra, terceira, a traçada em torno da hélice de um cilindro... [95]

113.3-6:
E deve-se submeter as demonstrações das (afirmações) daquele [Geminus] aos amantes do conhecimento, porque ele dá as gerações tanto das linhas espirais quanto das concoides como das cissoides [96].

Por essas e outras, somos levados a concluir que Proclus também tinha em mira um público mais amplo, ou, antes, produzir uma obra de referência.

Ao comentar as proposições euclidianas, o escoliasta segue um plano bem estabelecido:
(i) explica as demonstrações dadas pelo geômetra;
(ii) dá alguns casos diferentes, por questões práticas;
(iii) refuta objeções provenientes de detratores de Euclides a certas proposições. Este item encontra a seguinte justificativa:

375.8-12:
Adicionei explicações relativas a essas coisas pelas importunações sofistas e pelo estado de espírito natural da juventude dos ouvintes. A maioria rejubila-se encontrando paralogismos que tais e introduzindo dificuldades supérfluas aos possuidores do perfeito conhecimento [97].

Uma questão tão natural quanto o respirar para viver é a de saber se o Comentário ao livro I não se estendeu aos demais livros dos Elementos. Alusões ali encontradas mostram que Proclus intentava prosseguir e possuiria notas nesse sentido. No entanto, o último trecho do trabalho parece indicar não ter havido a desejada continuidade:

432.9-19:
E nós, por um lado, caso possamos ir do mesmo modo aos restantes, renderíamos graça aos deuses, caso, por outro lado, outros cuidados nos desviem, demandamos aos amantes da contemplação deste estudo fazer, segundo o mesmo método, também a exegese dos livros seguintes, investigando o absolutamente importante e facilmente divisível, porque ao menos os comentários que agora circulam têm a confusão muita e variada que leva ao mesmo tempo nenhuma explicação às causas nem ao julgamento dialético nem ao estudo filosófico [98].

Ian Mueller (Mathematics and Philosophy in Proclus’ Commentary on Book I of Euclid’s Elements in Proclus, lecteur et interprète des anciens, 310) [99] propõe, o que é evidente, a seguinte divisão do Comentário e uma interessante classificação do seu conteúdo:

A Divisão:
I. Prólogo:
A. Parte I (Matemática em geral);
B. Parte II (Geometria).

II. As definições do Livro I dos Elementos.
III. As asserções do Livro I:
A. Os postulados e axiomas;
B. As proposições.

A Classificação:

(1) Especulação neoplatônico-neopitagórica: os principais exemplos disso são interpretações de conceitos e proposições como imagens de coisas mais elevadas [como já apontamos anteriormente]; um outro exemplo seria a tentativa de relacionar a matemática com os princípios Limitado–Ilimitado.

(2) Discussão menos especulativa, mais analítico-filosófica: a distinção entre a discussão filosófica e a especulação fica, algumas vezes, obscurecida quando tal discussão é feita por causa da especulação ou no contexto de ideias especulativas.

(3) Classificações e pontos semânticos, lógicos ou metodológicos: incluídas nesse item estão explicações de termos ou proposições, aplicações de pontos da lógica, usualmente do trabalho de Aristóteles, análises da estrutura da argumentação euclidiana, definições alternativas, e classificações, usualmente por gênero e espécie, de objetos geométricos.

(4) Raciocínio mais estritamente matemático: isso é usualmente encontrado em demonstrações alternativas, demonstrações de casos não considerados por Euclides, ou em respostas a objeções; em geral, o raciocínio é bem elementar.

(5) Observações históricas; incluo aqui somente observações que parecem não ter outro propósito exceto o de prover informação histórica, em geral, que Oinopides foi o primeiro a provar certa proposição; outras afirmações com um conteúdo histórico, na maioria, apresentações.

Ian Mueller assevera:

(...) há um tipo de divisão óbvia entre (1)-(2) e (3)-(4), e particularmente entre (1), que poderia ser chamado de jambricano e (3)-(4) que poderiam ser chamados porfirianos. Não surpreendentemente, historiadores da filosofia têm se concentrado no material que cai nos itens (1)-(2), ao passo que historiadores da matemática negligenciam-nos amplamente, concentrando-se nas categorias (3)-(4).

Como Simplício em relação à obra de Aristóteles, Proclus também usou, na elaboração do seu Comentário, tudo o que de útil encontrara no que escreveram aqueles que o precederam. Mas vale, com certeza, para ele o que alguém já disse: “Nós nada somos sem o trabalho dos nossos predecessores. (...) E, no entanto, somos mais do que isso.” O escoliasta fez uma compilação, porém uma “no melhor sentido”. Pois achou um enorme bloco de pedra, “tosco, bruto, informe, e depois de desbastar o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão” e começa a dar-lhe vida. Seleciona passos antes desconexos, apara expressões inapropriadas, recorta o que lhe parece bom, e veste-lhes o manto da harmoniosa coerência; “aqui desprega, ali arruga, acolá recama” e, “naquele movimento hierático da clara língua” grega “majestosa, naquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive”, fica pronta a obra que, ao explicar Euclides, preserva-nos muito do que podemos afirmar das conquistas gregas no fecundo campo da matemática.

Simplício

O neoplatônico Simplício (século VI) foi, por longo tempo, considerado importante sobretudo como fonte de fragmentos de outros filósofos. No conjunto das suas obras, de proporção considerável, consistindo exclusivamente em comentários, cita as opiniões de um grande número dos que vieram antes, como anota Michael Chase, na Introdução da sua tradução inglesa do Comentário de Simplício às Categorias de Aristóteles, p.1-4. E tais menções são, com frequência, as únicas coisas que sobreviveram de muitos desses antepassados. O seu papel de preservador dos fragmentos dos pré-socráticos é inestimável e ele deve ser sempre altissimamente tido pela existência de fragmentos de Parmênides, Empédocles, Anaxágoras e Diógenes Apolônio. O seu valor como fonte de peripatéticos como Eudemo de Rodes, Andrônico e Boécio é inexcedível, sendo igualmente o guardião do que se conhece de certos autores pitagóricos e pseudopitagóricos, como Moderatus de Gades e Árquitas, bem como de membros da Academia Tardia e dos chamados platônicos médios. Muito dos comentários perdidos às Categorias, escritos por Porfírio e Jâmbrico, pode ser reconstruído somente pelo uso de Simplício como intermediário.

Um Colóquio Internacional, “Simplicius – Sa vie, son œuvre, sa survie” [100], foi organizado em Paris, de 28 de setembro a 1o de outubro de 1985, tendo a sua ata editada por Ilsetraut Hadot.

Sobre a obra do comentarista, I. Hadot, na sua primeira contribuição àquela publicação, faz saber:

Como o observa H. Gätje no artigo que acabo de citar [H. Gätje, Simplikios in Der Arabischen Überlieferung [101], in Der Islan, 59 (1982)], a literatura árabe guardou os traços da personalidade sábia de Simplício que nos permaneceriam desconhecidos se levássemos em consideração apenas as obras gregas que os acasos da transmissão manuscrita nos conservaram.

Mais uma vez apoiada no trabalho de Gätje, observa (p.36):

O mesmo Fihrist de Al-Nadim, do qual já falamos no tangente ao resumo sobre o comentário de Simplício ao De anima [de Aristóteles], atesta igualmente a existência do comentário às Categorias, como mais tarde Al-Qifti, que retoma em regra geral o material que se encontra em Al-Nadim com alguns acréscimos, omissões e variantes. Mas sobre os outros comentários de Simplício sobre Aristóteles, as fontes bibliográficas árabes calam-se. Em compensação [e eis o que nos interessa], nos dois autores árabes, Simplício é nomeado, na qualidade de matemático e astrônomo, como tendo escrito um comentário sobre o primeiro livro dos Elementos de Euclides. Al-Qifti ajunta nesse contexto (...) que Simplício fundara uma escola e que teve alunos que foram chamados segundo o seu nome. A. I. Sabra, no seu artigo “Simplicius’ Proof of Euclid’s Parallels Postulate [Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, 32 (1969), p.1-24], reuniu, além dos extratos citados desse comentário por al-Nayriz[matemático que viveu no século IX] em árabe, no seu próprio comentário sobre os Elementos de Euclides, um extrato contido em uma carta de Alam al-Din Qaysar ibn Abi ’L-Qasim a Nasir al-Din al-Tusi e, além disso, um texto contido no manuscrito árabe, Bodleianus Thurston 3, fol. 148. O comentário de al-Nayrizi será conhecido no Ocidente pela tradução de Geraldo de Cremona. Simplício é aí citado sob o nome de Sambelichos. A tradição grega não nos permite, senão indiretamente, concluir sobre as qualidades de matemático de Simplício. (...) Em primeiro lugar, o Fahrist faz indiscutivelmente a ligação entre o filósofo e o matemático, e, por outro lado, sabemos que cada filósofo neoplatônico era matemático ao mesmo tempo que filósofo. (...)
Acrescentemos, nesse contexto, ainda um pormenor interessante. Em um dos fragmentos textuais do comentário de Simplício sobre o primeiro livro dos Elementos de Euclides, relatados por al-Nayrizi, Simplício fala do seu “sahib”, nomeado Aghanis e cita uma demonstração matemática dele. Qual pode ser o termo grego subjacente? A. I. Sabra traduz por “our associate”, o que pode eventualmente fazer pensar em um professor associado na escola que, segundo al-Nadim, Simplício havia dirigido. Pode tratar-se talvez também de uma tradução árabe do termo grego ἑταῖρος que, no uso que dele fazem os neoplatônicos, designa um companheiro de estudos admitido no estreito círculo dos verdadeiros adeptos da filosofia neoplatônica.

De fato, Simplício dá, verbatim, em uma longa passagem colocada por al-Nayrizi depois da “Proposição XXIX” do Livro I dos Elementos, uma tentativa de Aghanis, que virá erroneamente a ser confundido com Geminus, de demonstrar o postulado das paralelas. Começa, realmente, com uma definição de paralela que concorda com a versão de Geminus sobre elas, como está em Proclus:

177.21-23:
E das [linhas] que se mantêm separadas por distância sempre igual, as retas que nunca tornam menor a entre elas em um plano são paralelas [102].

E está intimamente conectada com a definição dada por Posidonius em Proclus:

176.6-10:
E Posidonius diz: paralelas são as que nem convergem nem divergem em um plano, mas as que têm iguais todas as perpendiculares traçadas dos pontos de uma até a outra [103].

Fiquemos com as considerações acima, no que tange aos comentaristas, aditando:

Do Comentário

Quando os deuses, do Olimpo, poderosos
Enviam a cristalina chuva
Que caudalosos faz os rios
E viva a terra agradecida,
As gotas dágua suspensas no horizonte
Revelam o mistério da cor branca:
Combinação perfeita, harmoniosa
Das outras sete do arco-íris.
Assim o comentário dos antigos,
Como as gotas da chuva cristalina,
Mostram que os Elementos de Euclides,
Obra hercúlea, valorosa,
São a, dos trabalhos de Eudoxo e Teeteto,
De Teodoro e outros grandes gregos,
Com a pitada de sal
Que faz a vida mais gostosa,
Combinação ousada, majestosa.


A Geometria Grega e os Elementos

Pode-se dizer, parece que sem qualquer sombra de dúvida, que o conhecimento matemático tanto egípcio quanto o babilônico – este, sabemos hoje graças ao trabalho de Otto Neugebauer, bem mais refinado do que aquele – tinha a experiência como critério de verdade.

Os gregos herdaram, assim nos diz a tradição, tal conhecimento. Mas, o que satisfazia egípcios e babilônios não bastou para contentar a exigência grega. Com os matemáticos da Grécia, a razão suplanta a empeiria como critério de verdade e a matemática ganha características de uma ciência dedutiva.

Como sucede com inúmeros fenômenos culturais, as causas dessa transformação por que passou essa área de conhecimento jazem ocultas nas

brumas de um passado remoto. Cada tentativa de reencontrá-las tece-se de conjecturas mais ou menos consubstanciadas nos testemunhos, quase sempre duvidosos, de épocas menos recuadas. No que nos interessa, o historiador assemelha-se a um equilibrista a andar em um fio de aço suspenso entre dois distantes pontos, a uma altura estonteante, sem a rede protetora que lhe amorteça uma possível malfadada queda. Porém, com o desafio lançado, a adrenalina agita o sangue, esporeia os rins, enrijece os músculos, faz pulsar acelerado o coração, incitando a audácia humana: é preciso ousar!

É o que faz Szabó quando explica a referida mudança pelo impacto, na matemática, da filosofia eleática, ou, mais precisamente, da dialética de Zenão.

Ora, se a dialética de Zenão, sendo uma técnica retórica, pode ter sido a causa do princípio da axiomatização, não parece ser o bastante para firmar a axiomatização como um programa a ser levado a cabo. Julgamos lídimo afirmar que para tanto foram necessárias a influência de Platão e a extensão que faz da dialética eleática.

Platão elege a dialética [104], já o vimos, como a mais importante das ciências, a única não-hipotética. Enquanto a matemática tem hipóteses como pontos de partida, indo dessas, em movimento descendente (κάτω), à dedução das suas consequências, a dialética, em movimento ascendente (ἂνω) caminha para o alto, ainda mais alto, até alcançar, se possível, o fundamento incondicional (República, 510.b6-7: “[a alma] indo da hipótese ao princípio não hipotético.” 511.b5 [105]: “fazendo as hipóteses não princípios mas realmente hipóteses” [106]).

Na ordenação das realidades, a trajetória (ascendente e depois descendente, isto é, uma espécie de análise e síntese dos geômetras gregos) não ficaria facilitada, se feita com base em uma axiomatização dessa ciência intermediária entre o sensível e o inteligível? Isso não imporia tal axiomatização como um projeto da Academia, sob a influente autoridade de Platão?

Platão, matemático?

Quem pretenda enfrentar as questões acima terá antes que se haver com esta outra: À parte o estudioso da matemática, o entusiasta por essa ciência, Platão foi também um efetivo matemático, como arrolado entre outros no Sumário de Eudemo? Descobriu ele resultados matemáticos, resolveu complexos problemas, vislumbrou novas teorias, imprimiu, em suma, a sua pegada no fértil solo dessa disciplina?

Aqui a resposta de duas eminentes autoridades:

G. J. Allman (Greek Geometry: from Thales to Euclid [107], p.124):

Deve-se recordar que Platão – que em matemática parece ter sido mais diligente que inventivo (...) De fato, temos somente que comparar a solução atribuída a Platão, para o problema de achar duas médias proporcionais (...) com as soluções altamente racionais para o mesmo problema de Arquitas e Menaechmus, para ver o amplo intervalo entre estes e aquele, de um ponto de vista matemático. (...) É, então, provável que Platão, que, tanto quanto sabemos, nunca resolveu uma questão geométrica (...)

N. Bourbaki (Éléments d’histoire des mathématiques [108], p.12): “Pode-se dizer que Platão era quase obcecado pela matemática; sem ser ele mesmo um inventor nesse domínio (...)”

A próxima questão: Pôde Platão, sem ter sido propriamente um matemático, ter dado uma contribuição importante ao estabelecimento e à estruturação da matemática grega?

Isso abre um amplo campo de debate.

A tradição, concretizada no Sumário de Eudemo, assim como alguns historiadores modernos consideram decisivo o seu papel para o desenvolvimento dessa ciência, mormente no que respeita ao método, à sistematização e aos fundamentos desta, tanto quanto à sua emancipação da experiência. Outros negam-lhe a influência significativa.

Aos exemplos!

B. L. Van der Waerden (Science Awakening [109], p.148):

O período [século de Platão] começa com a morte de Sócrates (399 a.C.) e encerra-se no momento em que Alexandre, o Grande, espalha a semente da cultura helenista sobre o mundo todo da Antiguidade.

Esse período é de decadência política; mas para a filosofia e para as ciências exatas é uma era de florescimento sem precedente. No centro da vida científica encontra-se a personalidade de Platão. Ele guiou e inspirou o trabalho científico dentro e fora da sua Academia. Os grandes matemáticos Teeteto e Eudoxo, e todos os outros enumerados no Catálogo de Proclus, foram seus amigos, seus mestres em matemática e seus discípulos em filosofia. O seu grande aluno, Aristóteles, o professor de Alexandre, o Grande, passou vinte anos da sua vida no glorioso mundo da Academia.

J. A. Gow (A Short History of Greek Mathematics [110], p.175-6):

… Platão foi mais um forjador de matemáticos do que um matemático distinguido por descobertas originais, e as suas contribuições à geometria estão mais na melhora do seu método do que em adições ao seu conteúdo. Foi ele que transformou a lógica intuitiva dos antigos geômetras em um método a ser considerado conscientemente e sem receio. Com ele, aparentemente, começaram aquelas definições dos termos geométricos, aquele enunciado distinto de postulado e axiomas que Euclides adotou. (grifo nosso)

Gino Loria (Storia delle Matematiche [111], p.78): “Mais direta e visível foi a benéfica influência de Platão sobre a Ciência Exata”.

Por outro lado,

Otto Neugebauer (The Exact Sciences in Antiquity [112], p.152):

Parece-me igualmente impossível dar qualquer “explicação” conclusiva para a origem da matemática superior nos séculos V e IV, em Atenas e nas colônias gregas. Do lado negativo, entretanto, penso que é evidente que o papel de Platão foi amplamente exagerado. A sua contribuição direta para o conhecimento matemático foi obviamente nula. Que por um certo período matemáticos da estatura de Eudoxo tenham pertencido ao seu círculo não é prova da influência de Platão na pesquisa matemática. O caráter excessivamente elementar dos exemplos de procedimentos matemáticos citados por Platão e por Aristóteles não dão suporte à hipótese de que Teeteto ou Eudoxo tenham aprendido qualquer coisa com Platão.

Cabe invocar agora o testemunho de Eudemo, no Catálogo dos geômetras, sobre o impulso que o filósofo dera à ciência matemática e, em particular, à geometria, despertando a admiração por esse estudo e orientando discípulos na pesquisa geométrica.

Como Eudemo é um dos observadores mais próximos do tempo de Platão, é razoável darmos-lhe crédito. É possível que ele seja o inspirador das seguintes palavras de J. Cajori, p.26 [113]:

Com Platão como chefe da Escola não nos devemos surpreender que a escola platônica tenha produzido um tão grande número de matemáticos. Platão realizou pouco trabalho realmente original, mas fez aperfeiçoamentos valiosos na lógica e nos métodos empregados. (grifo nosso)

Aceitamos, pois, que, mesmo não sendo efetivamente um “working mathematician”, o filósofo, até pela sua missão de filósofo, contribuiu para o desenvolvimento da matemática grega, em especial da geometria, como esta aparece nos Elementos de Euclides.

Como se organiza a matemática

Comecemos descrevendo, sucintamente, em que consiste, depois de Cauchy, Weierstrass, Bolzano, Dedekind, Cantor, Frege, Hilbert, Bourbaki, e outros grandes do século XIX e XX, uma teoria matemática.

No seu trabalho, o que compete ao matemático é definir os conceitos de que se servirá e demonstrar as propriedades desses conceitos.

Ora, definir um conceito significa explicá-lo em termos de outros conceitos já definidos, e demonstrar uma proposição equivale a argumentar pela sua veracidade, usando as regras de inferência válidas fornecidas pela lógica, com base em proposições anteriormente demonstradas. Assim, um certo conceito $c_0$ é definido recorrendo-se aos conceitos $c_1, c_2, ..., c_k$, todos eles já definidos, tendo tais definições dos $c_1, c_2, ..., c_k$ ocorrido em função de outros conceitos, anteriores na estrutura, “e assim por diante”. De modo análogo, para provarmos uma proposição, utilizamo-nos de proposições anteriormente provadas e que foram provadas com o auxílio de outras já provadas que as antecedem na ordenação da teoria, “e assim por diante”.

Quer na definição de conceitos quer nas demonstrações de propriedades, o problema jaz na frase “e assim por diante”. Como não há, dada a nossa finitude, possibilidade de um retrocesso ad infinitum, é preciso dar uma solução ao “e assim por diante”.

No caso da definição, os dicionários oferecem a solução do “círculo vicioso”: um termo é definido em função de um outro e este outro, em função daquele. É evidente que o matemático não pode aceitar essa situação. A sua solução (de conveniência, é verdade) consiste em tomar alguns conceitos sem definição. Como lembra J. M. C. Duhamel (Des méthodes dans les sciences de raisonnement [114], p.16-7): “É por entendê-lo desse modo que diremos que a definição de uma coisa é a expressão das suas relações com coisas conhecidas. E, por consequência, nem todas as coisas podem ser definidas, pois que, para isso, seria necessário conhecer já as outras.” Assim procedendo, o matemático assume o compromisso de, valendo-se desses conceitos não definidos, que devem ser escolhidos no menor número possível, definir todos os demais conceitos de que deva lançar mão.

No caso da demonstração de propriedades/proposições, uma conduta similar leva-o a acolher umas tantas proposições, no menor número exequível, sem demonstração e procurar provar todas as outras afirmações que venha a fazer a partir daquelas.

Os conceitos não definidos são chamados conceitos ou termos primitivos e todos os outros, conceitos ou termos derivados. As proposições admitidas sem

demonstração são ditas axiomas (hoje não se faz qualquer distinção entre
postulado e axioma), e as demais, demonstradas, teoremas.

Essa estruturação das disciplinas matemáticas em conceitos primitivos e derivados, axiomas e teoremas fornece “a arquitetura” da nossa ciência. E isso é “com pouca corrupção” herança grega. Conforme sustenta Bourbaki (op. cit., p.10): “a noção de demonstração nesses autores [Euclides, Arquimedes, Apolônio] não difere em nada da nossa”.

A matemática grega

Um dos capítulos mais importantes da história cultural, embora pouco conhecido, é a transformação do primitivo conhecimento matemático empírico de egípcios e babilônios na ciência matemática grega, dedutiva, sistemática, baseada em definições e axiomas.

Quem se achegue descuidadamente a essa história terá a impressão de a geometria ter nascido inteiramente radiante da cabeça de Euclides, como Atenas da de Zeus. Tal foi o êxito dos seus Elementos no resumir, corrigir, dar base sólida e ampliar os resultados até então conhecidos que apagou, quase que completamente, os rastros dos que o precederam.

“Não há, hoje, qualquer dúvida”, salienta Bourbaki (op. cit., p.9), “de que existiu uma matemática pré-helênica bem desenvolvida. Não somente são as noções (já mais abstratas) de número inteiro e de medida de quantidade comumente usadas nos documentos mais antigos que nos chegaram do Egito e da Caldeia, mas a álgebra babilônia, por causa da elegância e segurança dos seus métodos, não deve ser concebida como uma simples coleção de problemas resolvidos por um tatear empírico.”

No entanto, não encontramos, seja nos documentos egípcios seja nos babilônios, que nos chegaram aos milhares, qualquer esboço do que se assemelhe a uma “demonstração”, no sentido formal do conceito. A noção de ciência dedutiva era desconhecida dos povos orientais da Antiguidade. Os seus textos matemáticos mostram-se, em que pese o afirmado por Bourbaki, como uma coletânea de problemas, mais ou menos interessantes, e as suas soluções, em forma de uma receita prescrita, como as indicações das etapas de um ritual oferecido a uma deidade. Nada de definições, nada de axiomas, nada de teoremas! Sobre tais coisas repousa a sombra!

Agora, a questão fundamental.

Ao herdarem esse conhecimento – Heródoto, Aristóteles e Eudemo afiançam-nos ter a geometria sido importada do Egito – por que os gregos não se contentaram com o seu fundamento empírico? Por que substituíram a coleção existente das receitas matemáticas por uma ciência dedutiva sistemática? O que os levou a confiar mais no que podiam demonstrar do que naquilo que podiam “ver” como correto? Por que a transformação no critério de verdade ali usado, trocando a justificativa baseada na experiência por aquela sustentada por razões teóricas?

É na moldagem dessa nova configuração da matemática, julgamos, que foi decisiva a influência de Platão.

A mudança

Tanto no Egito quanto na Mesopotâmia, era a classe sacerdotal a detentora do conhecimento. Ora, os sacerdotes punham-se de intermediários entre a deidade e o povo. Os desígnios da divindade não carecem de explicações; seus desejos devem ser satisfeitos com os rituais que, aplacando-lhe a ira, lhe atrai o beneplácito. É função dos sacerdotes interpretar a vontade dos deuses, guiando o povo nos passos do rito apaziguador.

Procedem do mesmo modo, enunciando as passadas, sem lhes dar justificação, nos seus documentos matemáticos!

Quando tal conhecimento chega à Grécia, por volta do século VI a.C., não encontra ali uma classe sacerdotal. “Foi provavelmente graças aos aqueus”, pondera J. Burnet (Early Greek Philosophy, p.4) [115], “que os gregos nunca tiveram uma classe sacerdotal, e isso pode bem ter tido algo a ver com o aparecimento da ciência livre entre eles.” Além disso, “a visão tradicional de mundo e as costumeiras regras de vida tinham colapsado” (idem, ibidem, p.1), e os mais antigos filósofos especulavam sobre o mundo à sua volta. Essa pesquisa cosmológica deu origem “à ampla divergência entre ciência e senso comum que era, por si só, um problema que demandava solução, e, além disso, forçava os filósofos ao estudo dos meios de defender os seus paradoxos contra os preconceitos da (visão) não científica” (idem, ibidem, p.1). Há, então, que se acrescentar que “a impressão geral que parece resultar dos textos (muitos fragmentários) que possuímos sobre o pensamento filosófico grego do século V a.C. é ser ele dominado por um esforço mais e mais consciente para estender, a todo o campo do pensamento, os procedimentos de articulação do discurso empregados com tanto sucesso pelas retórica e matemática contemporâneas – em outras palavras, para criar a Lógica, no sentido mais geral dessa palavra. O tom dos escritos filosóficos sofrem, nessa época, uma mudança básica: ao passo que, nos séculos VII e VI, os filósofos afirmam ou vaticinam (ou ao menos esboçam vagos raciocínios, fundados sobre igualmente vagas analogias), a partir de Parmênides e, sobretudo, de Zenão, argumentam e procuram resgatar princípios gerais que possam servir de base à sua dialética” (Bourbaki, op. cit., p.11), cuja invenção Aristóteles atribui a Zenão; “é em Parmênides que se encontra a primeira afirmação do princípio do terceiro excluído, e as demonstrações ‘por absurdo’ de Zenão de Elea permaneceram famosas” (idem, ibidem, p.11).

Pois bem, a solução proposta por Sazbó para a origem da matemática dedutiva sistemática grega consiste no impacto, sofrido pela ciência, da filosofia eleática ou, mais precisamente, da sua dialética.

A filosofia eleática, falando perfunctoriamente, foi preparada por Xenófanes, estabelecida por Parmênides, seguida e defendida por Zenão e Melisso, e tem como fundamentos:

(i) a unidade, a imutabilidade e a necessidade do ser – em Teeteto 181 a 6-7, Platão refere-se aos eleatas como οἱ τοῦ ὃλου στασιῶται “os partidários do todo”, e Aristóteles, Metafísica 986b 24, escreve

“[Xenófanes], tendo contemplado o céu todo, disse o um ser deus.” [116].

(ii) a acessibilidade do ser somente ao pensamento racional e a condenação do mundo sensível e do conhecimento sensível como aparência.

Claro está que a aceitação do pressuposto (ii) vai ao encontro da nova visão da matemática.

A conjectura de Szabó

Euclides abre os Elementos arrolando três tipos de princípios matemáticos: definições (ὃροι), postulados (αἰτήματα) e noções comuns (κοιναὶ ἒννοιαι) ou axiomas.

Proclus examina os princípios não provados nos seguintes termos:

75.5-18:
Explicaremos o arranjo todo das proposições nele [o livro dos Elementos] por esta maneira. Por essa ciência, a geometria, ser de hipótese, dizemos, e demonstrar as coisas na sequência a partir dos princípios de partida – pois uma única é a não hipotética, e as outras recebem de junto daquela os princípios – é necessário, de algum modo, o organizador dos elementos na geometria transmitir, por um lado, separadamente os princípios da ciência, e, por outro lado, separadamente as conclusões a partir dos princípios, e não dar uma razão para os princípios, mas para as consequências pelos princípios. Pois, nenhuma ciência demonstra os princípios dela própria, nem faz discurso sobre eles, mas tem-nos como autoconfiáveis, e, para ela, são mais evidentes do que os na sequência. E sabe-os por causa deles próprios, ao passo que as coisas depois dessas, por causa daqueles [117].

As palavras acima são a caixa de ressonância do seguinte trecho da República de Platão.

510. c2-d3:
Penso, pois, saberes que os que se esforçam com a geometria e também com a aritmética e com coisas que tais, tendo suposto tanto o ímpar quanto o par, quanto as figuras e as três espécies de ângulos, e as outras coisas afins a essas, segundo cada pesquisa, como sabedores dessas coisas, tendo-as feito hipóteses, nenhuma razão nem a si próprios nem a outros julgam, então, conveniente dar sobre elas, como evidentes a todos, e, partindo dessas coisas, passando daí através das restantes, terminam, de modo conforme, nisso, no exame do qual começaram [118].

Tais considerações mostram que os matemáticos daquela época, dos quais os maiores estavam, de algum modo, associados à Academia, tinham já uma nova concepção da matemática como uma ciência dedutiva e entendiam a não necessidade de demonstrarem os seus princípios. Deixam igualmente claro que os conceitos arrolados – o ímpar e o par, as figuras e os três tipos de ângulos – são hipóteses dessa ciência, que, por contê-las, é uma ciência hipotética.

Ora, a palavra ὑπόθεσις, “hipótese”, deriva do verbo ὑποτίθημι, “pôr embaixo, supor (sub-pôr)”, e significa aquilo que os participantes de um debate (retórico) concordam em aceitar por base e ponto de partida da argumentação de cada um. Assim, ὑπόθεσις, quer na dialética (retórica) quer na matemática, é um fundamento, um princípio, um ponto de partida aceito e sobre cuja veracidade não se cogita.

Então, segundo Szabó, os matemáticos chegaram à conclusão de que não precisavam (e não podiam) demonstrar os princípios da sua ciência pela prática da dialética. Estariam habituados com o fato de que, quando um dos debatedores queria provar algo para os outros, limitava-se a começar a partir do que tinha sido convencionado verdadeiro por todos os participantes.

Ainda Platão

A mudança resultante de paradigma está intimamente associada ao caráter idealista, antiempírico da filosofia eleática, mas sobretudo da filosofia platônica. Como nota Van der Waerden (op. cit., p.148) a respeito desta:

Verdade que significa as ideias. São as ideias que têm Ser verdadeiro, não as coisas que são observadas pelos sentidos. As ideias podem às vezes ser contempladas, em momentos de Graça, através da reminiscência do tempo em que a alma vivia mais perto de Deus, no reino da verdade; mas isso pode acontecer somente depois de os erros dos sentidos terem sido conquistados pelo pensamento concentrado. O caminho que leva a esse estado é aquele da dialética (...)

Platão incentiva a estruturação dedutiva sistemática da ciência que ele considera propedêutica a mais alta ciência, a dialética.

L. Brunschvicg (Les étapes de la Philosophie Mathématique [119], p.56) pondera:

Separando-se, ao mesmo tempo, dos pitagóricos, que mantinham no mesmo plano ciência e filosofia, e de Sócrates, cuja investigação prudente parece ter-se detido na determinação da hipótese, Platão conduz a filosofia matemática a um caminho todo novo. A matemática situada na região da διάνοια é apenas uma ciência intermediária (Aristóteles, Metafísica 997b2: “as coisas intermediárias, acerca das quais dizem ser a ciência matemática” [120]). A sua verdade reside em uma ciência superior, que está em relação a ela como ela própria em relação à percepção do concreto. A dialética tem por função retomar as hipóteses das técnicas particulares e conduzi-las até o seu princípio (República VII, 533.c6-7: “a investigação dialética só é conduzida por esse modo, eliminando as hipóteses, em direção ao próprio princípio” [121]), toma posse do incondicional; e daí, por uma marcha que é inversa à da análise, forja uma cadeia ininterrupta de ideias (República VI, 511.b3-c2: “Dizendo eu: compreende então a outra seção de inteligível, isso a que a própria razão alcança pelo poder da dialética, fazendo das hipóteses não princípios, mas realmente hipóteses, do mesmo modo que degraus e também trampolins, a fim de que, indo até o não-hipotético no princípio de tudo, tendo-o alcançado, de novo, obtendo as coisas que são obtidas daquele, desça assim para um fim, servindo-se absolutamente de nada sensível, mas das próprias ideias/formas, através delas para elas, e acaba em ideias/formas”.) que, suspensa no princípio absoluto, constituirá um mundo completamente independente do sensível, o mundo da νόησις. A filosofia da matemática de Platão, no seu grau mais alto e sob a sua forma definitiva será então a dialética [122].

Cotejemos o que acabamos de citar com a seguinte passagem do livro Introduction to Mathematical Philosophy, p.1, de Bertrand Russell [123]:

A matemática é um estudo que, quando começamos a partir das suas porções mais familiares, pode ser perseguido em uma de duas direções opostas. A direção mais familiar é construtiva, para complexidade gradualmente crescente: dos inteiros para as frações, números reais, números complexos; da adição e multiplicação para a diferenciação e a integração e para a matemática superior. A outra direção, que é menos familiar, procede, por análise, para a abstração e a simplicidade lógica cada vez maiores; em vez de perguntar o que pode ser definido e deduzido do que é suposto no princípio, perguntamos que ideias e princípios mais gerais podem ser encontrados, em termos dos quais o nosso ponto de partida possa ser definido ou deduzido. É o fato de perseguir essa direção oposta que caracteriza a filosofia matemática como oposta à matemática usual.

Enquanto Zenão toma uma hipótese como uma suposição que se faz para um presente propósito, Platão no Fédon e nos Livros VI e VII da República, como aponta J. Lucas (Plato and the Axiomatic Method [124], p.13),

tenta tornar as suas suposições aquelas que não têm que ser tomadas como certas para o presente caso particular; tenta torná-las aquelas que devem ser aceitas por todos. Essa é a procura do ἀνυπόθετον ἀρχή (“princípio não-hipotético”), o axioma fundamental que não tem que pedir a alguém para aceitá-lo; é algo que deve ser aceito por qualquer um (...) É por essa razão que Platão sugere à consideração o ideal axiomático: que deveríamos tentar e desenvolver o todo da nossa matemática por raciocínio dedutivo, διάνοια, com base em alguns princípios que (erradamente) pensou poderiam ser estabelecidos além de toda questão possível. Platão apresentou o seu programa. Os seus discípulos realizaram-no em grande parte. Temos o resultado final codificado por Euclides.

Desse modo, sob a influência de Platão, o que nos mostram os Elementos de Euclides é, na expressão de Wordsworth,

An independent world,
Created out of pure intelligence [125].

Feitas tais ponderações, damos o trabalho por findo. Não que tenhamos esgotado tudo. Mas o sol se pôs, e esta é, depois do dia todo de labuta, a hora dos cansaços. Recolhemos as ferramentas como os homens se recolhem na tristeza do moribundo dia, como as flores fecham-se nos campos, e as aves voltam céleres ao ninho.

(Mas quando imergiu a radiante luz do sol
Os que vão descansar vão, cada um, para a sua casa,
Onde para cada um u’a mansão o famoso manco
Hefaístos fez com hábil entendimento.) [126]
(Ilíada, I, 605-8)


Há temas que ficaram intratados; é infinita a arqueologia dos dizeres, mas lembremos aqueles que Camões põe na boca de Vasco da Gama dirigindo-se ao Rei de Melinde (Lusíadas, III, 3-4):

Mandas-me, ó Rei, que conte declarando
De minha gente a grão genealogia;
Não me mandas contar estranha história
Mas mandas-me louvar dos meus a glória.
Que outrem possa louvar esforço alheio,
Coisa é que se costuma e se deseja;
Mas louvar os próprios, arreceio
Que louvor tão suspeito mal me esteja;
E, para dizer tudo, temo e creio
Que qualquer longo tempo curto seja;
Mas, pois o mandas, tudo se te deve;
Irei contra o que devo, e serei breve. (grifo nosso)

Na brevidade das nossas observações, de modo pessoal, abordamos as dificuldades da rememoração do passado, espiamos por cima do muro da filologia, esboçamos o personagem, comentamos-lhe a obra. Subimos ao pico das certezas, poucas, marchamos pela planície das suposições, muitas, pois, afinal, de certezas e suposições é que se tece a história, speculum vitae. É possível que onde viramos à esquerda, outros dobrassem à direita; é possível que gritassem, onde mantivemos obsequioso silêncio; corressem, onde paramos; estacionassem, quem sabe à beira do abismo, quando avançamos; quisessem paz, quando clamamos por guerra; ficassem a pregar, quando saímos a divulgar a boa nova, eles nos paços, nós com os nossos passos – porque pode-se ser tudo isso sem ser nada disso – e, por fim, é possível, diante de tantos contrastes, estarmos falando as mesmas coisas.

Providenciamos mesas, cadeiras, cabides para casacos, recipientes para guarda-chuvas, porcelana, copos, talheres, toalhas de mesa, guardanapos, travessas, réchauds, cafeteiras com torneira. Encomendamos o gelo, colocamos as toalhas e os guardanapos nas mesas, arranjando-os para o jantar. Preparamos o bar, organizamos as bandejas de licores e café, acertamos a disposição dos móveis, dispusemos os descansos para copos onde necessários e arrumamos as flores, tudo conforme O livro completo de etiqueta.

Que quantos são os convidados tantos sejam os convivas e que o que passamos a lhes servir agora lhes agrade o paladar e a alma, assim os deuses nos concedam, do Olimpo, poderosos, ao som da lira de Apolo, acompanhando das Musas o harmonioso canto.

Irineu Bicudo

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Notas:

[77] τούτων μὲν γὰρ διακορεῖς ἐσμὲν καὶ σπανίως αὐτῶν ἐφαψόμεθα.
ὅσα δὲ πραγματειωδεστέραν ἔχει θεωρίαν καὶ συντελεῖ πρὸς τὴν ὅλην φιλοσοφίαν, τούτων προηγου μένην ποιησόμεθα τὴν ὑπόμνησιν
ζηλοῦντες τοὺς Πυθαγορείους, οἷς πρόχειρον ἦν καὶ τοῦτο σύμβολον “σχᾶμα καὶ βᾶμα, ἀλλ᾽ οὔ σχᾶμα καὶ τριώβολον" ἐνδεικμένων ὡς ἄρα δεῖ τὴν γεω- μετρίαν ἐκείνην μεταδιώκειν...

[78] ἐπὶ τὴν ἐξήγησιν τραπόμεθα τῶν δεικνυμένων ὑπὸ τοῦ στοιχειωτου
τὰ μὲν γλαφυρώτερα τῶν εἴς αὐτὰ γεγραμμένων τοῖς παλοῖς ἀναλεγόμενοι καὶ τὴν ἀπέραντον αὐτῶν πολυλογίαν συντέμνοντες τὰ δὲ τεχνικώτερα καὶ μεθόδων ἐπιστημονικῶν ἐχόμενα παραδιδόντες.

[79] ...οἷα δὴ καὶ ᾿Αρχιμήδης λέγεται κατασκευάσαι τῶν πολεμούντων τὴν Συράκουσαν ἀμυντικὰ ὄργανα, καὶ ἡ θαυματοποιϊκὴ τὰ μὲν διὰ πνῶν φιλοτεχνοῦσα, ὥσπερ καὶ Κτησίβιος Koi” ρων πραγματεύονται, τὰ δε ῥοπῶν.

[80] Καὶ μὴν καὶ τὸν ἀριθμὸν αὐτῶν οὔτε εἰς ἐλάχιστον δεῖ συναιρεῖν, ὡς “ρων ποιεῖ τρία µόνον ἐκθέ μενος...

[81] Ταύτην τὴν πρότασιν οἱ μὲν ἐλλειπῶς προενεγκάµενοι χωρὶς τοῦμιᾶς πλευρᾶς προσεκβληθείσης ἀφο ρμὴν παρέσχον ἴσως μὲν καὶ ἄλλοις τισίν, αὐτὰρ καὶ Φιλίππῳ, καθάπερ φησὶν ὁ μηχανικὸς Ἣρων, διαβολῆς.

[82] δεῖ δὲ καὶ τὰς ἄλλας ἀποδείξεις τοῦ προκειµένου θεωρήματος ἱστορῆσαι, ὅσας οἱ περὶ " Ἡρωνα καὶ Πορφύριον ἀνέγραψαν τῆς εὐθείας μὴ προσεκβαλλομένης, O πεποίηκεν ὁ στοιχειωτής.

[83] Τοιαύτη μὲν ἡ ἀπόδειξις ἡ Μενελάου, “ρων δὲ ὁ μεχανικὸς οὑτωσὶ οὐ δι᾿ ἀδυνάτου τὸ αὐτὸ δείκ νυσιν.

[84] τῆς δὲ τοῦ στοιχειωτοῦ ἀποδείξεως οὔσης φανερᾶς οὐδὲν ἡγοῦμαι δεῖν προσθεῖναι περιττόν, ἀλλὰ ἀρκεῖσθαι τοῖς γεγραμμένοις, ἐπεὶ καὶ ὅσοι προσέθεσάν τι πλέον, ὡς οἱ περὶ ” Πάππον καὶ Πάππον ἠναγκάσθησαν προσλαβεῖν τι τῶν ἐν τῷ ἕκτῳ δεδειγµένων, οὐδενὸς ἕνεκα πραγματειώδους.

[85] [Memórias apresentadas Academia de Ciências].

[86] Ὅπως μὲν οὖν ἔστιν εἰς τὸν δοθέντα κύκλον πολύγωνον ἐγγράψαι ὅμοιον τῷ ἐν ἑτέρῳ ἐγγραμμένῳ δῆλον, εἴρηται δὲ καὶ Πάππῳ εἰς τὸ ὑπόμνημα τῶν Στοχείων.

[87] καὶ πάσας τὰς ὀρθὰς γωνίας ἴσας ἀλλήλαις εἶναι.

[88] ὁ δὲ Πάππος ἐπέστησεν ἡμᾶς ὀρθῶς ὅτι τὸ ἀντίστροφον οὐκέτι ἀληθές, τὸ τὴν ἴσην τῇ ὀρθῇ γωνίαν ἐκ παντὸς εἶναι ὀρθήν.

[89] Τούτοις δὲ τοῖς ἀξιώμασιν ὁ Πάππος συναναγράφεσθοή φησιν ὅτι καὶ ἂν ἴσοις ἄνισα προστεθῇ, ἡ τῶν ὅλων ὑπεροχὴ ἴση ἐστὶν τῇ τῶν προστεθέντων, καὶ ἀνάπαλιν, ἐὰν ἀνίσοις ἴσα προστεθῇ, ἡ τῶν ὅλων ὑπεροχὴ ἴση ἐστὶ τῇ τῶν ἐξ ἀρχῆς.

[90] Ταῦτα οὖν ἕπεται τοῖς προειρημένοις ἀξιώμασι καὶ εἰκοτως ἐν τοῖς πλείστοις ἀντιγράφοις παραλεί πεται, ὅσα δὲ ἄλλα τούτοις προστίθησιν, προείληπται διὰ τῶν ὅρων καὶ ἐκείνοις ἀκόλουθα, οἷον ὅτι πάντα τοῦ ἐπιπέδου τὰ μόρια καὶ τῆς εὐθείας ἀλλήλοις ἐφαρμόττει - τὰ γὰρ εἰς ἄκρον τεταμένα τοι αὕτην ἔχει φύσινκαὶ ὅτι γραμμὴν μὲν διαιρεῖ σημεῖον, ἐπιφάνειαν δὲ γραμμή, στερεὸν δὲ ἐπιφάνει απάντα γὰρ διαιρεῖται τούτοις, ὑφ᾽ ὧν καὶ περατοῦται προσεχῶς - καὶ ὅτι ἄπειρον ἐν τοῖς μεγέθε σίν ἐστιν κοὶ τῇ προσθέσει καὶ ἐπικαθαιρέσει, δυνόμει δὲ ἑκάτερον: πᾶν γὰρ συνεχὲς ἐπ᾿ἄπειρον διαιρετόν ἐστι καὶ αὐξητόν.

[91] "Em δὲ συντομώτερον ἀποδείκνυσιν ὁ Πάππος μηδεμίας προσθήκης δεηθεὶς οὕτως.

[92] εἰκών.

[93] ταύτην δ᾽ αὖ τὴν ἐπιστήμην, ἣν τῶν τεχνῶν ἀφορίζομεν, διαιρῶν τὴν μὲν ἀνυπόθετον εἶναι βούλεται, τὴν δὲ ἐξ ὑποθέσεως ὠρμημένην, καὶ τὴν μὲν ἀνυπόθετον τῶν ὅλων εἶναι γνωστικῆν µέχρι τοῦ ἀγαθοῦ καὶ τῆς ἀνωτάτω τῶν πάντων αἰτίας ἀναβαίνουσαν καὶ τῆς ἀναγωγῆς τέλος ποιουμένην τὸ ἀγαθόν, τῆν δὲ ὡρισμένας ἀρχὰς προστησαμένην ἀπὸ τούτων δεικνύναι τὰ ἑπόμενα αὐτοῖς οὐκ ἐπ᾿ ἀρχὴν ἀλλ'ἐπὶ τελευτὴν ἰοῦσαν. καὶ οὕτως δὴ τὴν μαθηματικὴν ἅτε ὑποθέ-σεσιν χρωμένην τῆς ἀνυποθέτου καὶ τελείας ἐπιστήμης ἀπολείπεσθαί φησιν.



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