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Para aprender bem Matemática


Tempo de leitura: 18 min.

Apresento a vocês o Guia de Estudo de Matemática do Professor Deividi Pansera [instagram]. Disponível no LINK.

Matemática e Realidade

GUIA DE ESTUDOS escrito por Deividi Pansera, 2020


Prólogo

1. Matemática e Realidade

Bem-vindo ao seu guia de estudos matemática e realidade. Este guia é um compilado de indicações de livros de matemática e, correlacionado com ela, de filosofia. O objetivo deste guia, completamente embasado na minha experiência pessoal e na estrutura da alma humana, é fazer com que você potencialize a sua capacidade de cognição e apreensão de conceitos, de raciocínio, de emissão de juízos etc.

Obviamente, isso só ocorrerá se você, ao mesmo tempo, levar uma vida intelectual séria, estudar matemática com profundidade e estudar outros assuntos, especialmente a filosofia.

1.1. Apologia da Matemática

Matemática é essencial para a vida intelectual e estrutura do pensamento. Todo intelectual sério, até bem pouco tempo, sabia do que se tratava Os Elementos de Euclides e, mais ainda, sabia demonstrar teoremas nele presentes. Segundo uma tradição, na Academia de Platão existia uma inscrição que proibia a entrada de pessoas que não sabiam Geometria. Ademais, ao longo da República, alguns argumentos em favor do aprendizado da matemática são dados. Aristóteles, no Órganon, em Primeiros Analíticos, utiliza a demonstração da irracionalidade de $\sqrt{2}$ como um exemplo de um argumento Reductio ad Absurdum. Aliás, todo o pensamento filosófico grego está, de uma forma ou de outra, entrelaçado com o pensamento matemático e vice-versa.

Diversos foram os filósofos que estudaram, e alguns até desenvolveram, matemática. Platão, Aristóteles, Boécio, Hugo de São Vitor, Roberto Grosseteste, Thomas Bradwardine, Santo Alberto Magno, Santo Tomás de Aquino, Duns Scotus, Francisco Suárez, João de São Tomás, Descartes, Leibniz, Frege, Edmund Husserl, Alfred Whitehead, Henri Poincaré, Charles Peirce, Pascal, Hilary Putnam, Alfred Tarski, Bernard Lonergan, James Franklin etc. A matemática, devidamente estudada e compreendida, além de ser, muitas vezes, um elemento de validação de sistemas filosóficos (por exemplo, Kant e as geometrias não-euclidianas), potencializa o intelecto para as abstrações e, consequentemente, para a absorção de conceitos e universais, desenvolve o raciocínio e a capacidade argumentativa. Isto é, é uma disciplina basilar na vida intelectual e compreensão da realidade. Tão basilar que as quatro disciplinas que compõem o Quadrivium - Aritmética, Geometria, Música e Astronomia -, precedidas pelas disciplinas do Trivium e consideradas fundamentos para o estudo da Filosofia e da Teologia, são, essencialmente, o estudo dos números (aritmética), números no espaço (geometria), números no tempo (música) e números no espaço e tempo (astronomia). O problema moderno, que deixa turvo o intelecto para a importância da matemática, penso eu, é compreender a matemática apenas a partir de sua utilidade, o que é evidente nos nossos tempos. Não podemos deixar a beleza e a importância da matemática se perderem no meio do útil e, assim, do ponto de vista humano, torná-la inútil. Resgatar a cultura também significa resgatar a matemática como disciplina basilar na estrutura do pensamento. Significa entendê-la como uma das maiores conquistas da inteligência humana.

1.2. Da Necessidade de se Estudar Outras Áreas

O estudo da matemática apenas do ponto de vista técnico e utilitarista, como dito anteriormente, a torna completamente inútil do ponto de vista humano e, paradoxalmente, cria no estudante uma tendência muito elevada a erros de raciocínio lógico e argumentativo a respeito da realidade, outras disciplinas de humanidade e, inclusive, sua própria experiência pessoal. Com efeito, pois o sujeito fica preso em construções simbólicas que estão, para ele, fechadas em si mesmas e, assim, são apenas isso, símbolos desprovidos de significados. Subjacente à essa visão, embora o sujeito não perceba, está pressuposta uma filosofia da matemática nominalista. E assim, por exemplo, que se forma a mentalidade cientificista moderna, uma verdadeira ofensa à razão e cheia de erros ginasianos. É devido à essa má filosofia da matemática vigente, embora não professada, e a igualmente má educação matemática dos nossos tempos. Se estudada devidamente, porém, o estudo da matemática estrutura o próprio pensamento e, como consequência, potencializa o poder da razão. Quando o estudo da matemática é acompanhado do estudo de outras disciplinas, especialmente das de humanidades, a capacidade dedutiva, inclusive na busca pela verdade, é potencializada. Um bom curso de lógica clássica e geometria euclidiana, para exemplificar, acompanhando de um estudo das artes, da filosofia e da antropologia, já livraria o estudante da sedução dos sofistas de hoje. Ao estudar a prova da infinidade do conjunto dos números primos, feita por Euclides há muitos séculos, o estudante já começaria a identificar pressupostos em argumentos filosóficos, políticos, sociais etc. e, assim, não ser enganado por sofismas e erros argumentativos, que muitas vezes são de chorar.

1.3. Sobre a Beleza e a Matemática

G. H. Hardy, um dos grandes matemáticos do século passado, em seu livro A Mathematician’s Apology, escreveu que “os padrões criados por um matemático, como os do pintor ou do poeta, devem ser bonitos; as idéias, como as cores ou as palavras, devem se entrelaçar de maneira harmoniosa. A beleza é o primeiro critério: não há lugar no mundo para a matemática feia.”

Veja bem, a beleza como critério. Na física, a beleza matemática também é critério. Paul Dirac, o físico que uniu as matrizes de Heisenberg com as ondas de Schröedinger, afirmou que “os físicos teóricos aceitam a necessidade da beleza matemática como um ato de fé... Por exemplo, a principal razão pela qual a teoria da relatividade é tão universalmente aceita é a sua beleza matemática.” Matemáticos relatam experiências estéticas genuínas, às vezes os levando às lágrimas, com o seu objeto de estudo. Eu, por exemplo, já cheguei a lacrimar diante do que eu conhecia. Por que isso? O critério não deveria ser a verdade?

Depois de estudar os transcendentais do Ser, eu pude compreender perfeitamente o que acontece e encontrar uma explicação para Beleza na matemática e, inclusive, para entendê-la como critério. Como a Beleza, a Bondade e a Verdade são três aspectos do Ser, ao contemplarmos a Beleza, estamos contemplando a Verdade e também a Bondade. Quando enxergamos beleza na matemática, o fazemos por estarmos contemplando a verdade. Sim, a verdade, que, na matemática, tem a característica de se manifestar de maneira apodítica. E assim que eu compreendi Aristóteles quando disse que “erram os que afirmam que as ciências matemáticas nada dizem sobre a Beleza e a Bondade” e afirmou que ela - a matemática - fala desses transcendentais em supremo grau.

Os objetos matemáticos são imutáveis e eternos. Eles não sofrem com a queda. Neles, Verdade, Bondade e Beleza são uma coisa só. Assim, ao enxergarmos a Beleza na matemática, estamos pura e simplesmente contemplando a Verdade. Hardy está certo. Quando a matemática é feia, não há verdade.

É por isso que se você estudar matemática corretamente, além de treinar o seu intelecto, você estará contemplando a Verdade e, quem sabe, lacrimando aqui e acolá.

1.4. Matemática e Humildade

Obrigado por apontar meu erro. Essa foi a frase dita por Edward Nelson, um matemático americano, que percorreu o mundo da internet.

Contextualizando, no final de setembro de 2011, uma notícia abalou o submundo dos fundamentos da matemática. Nelson alegou que ele havia provado - veja bem!, DEMONSTRADO - a inconsistência da aritmética. A inconsistência da aritmética. Isso mesmo. Esqueça Bóson de Higgs. Esqueça Teoria das Cordas. Esqueça multiversos. Memore inconsistência da aritmética. Isso seria um estrondo, um desastre, um desmoronamento intelectual em nosso tempo. Seria. Não foi. Não é. Um outro matemático, Terence Tao, encontrou um erro na demonstração do Edward Nelson. Tao apontou o erro e, depois de uma discussão, Nelson enxergou, e reconheceu, que estava errado e escreveu: “You are quite right, and my original response was wrong. Thank you for spotting my error.

Isso pode parecer insignificante, mas não é. Veja, o coração da matemática está nas demonstrações. O que um matemático faz é provar teoremas, buscar argumentos para justificar uma proposição de tal forma que o êxtase surge com a beleza do resultado final, completamente necessário. E mais ainda, nessa busca de encadeamentos, extremamente ordenados, de raciocínios, o matemático deposita algo seu, íntimo, que transparece em um estilo. Portanto, quando um erro demonstrativo é apontado, ele perfura a superfície do matemático e atinge o seu interior. Logo, dizer “obrigado por apontar meu erro” é um ato de humildade.

São exemplos como o do Nelson que me fazem pensar a matemática como uma disciplina da humildade da razão, um antídoto para a soberba, pois os erros cometidos nas demonstrações não podem ser racionalizados, não podem ser contra-argumentados. Obriga-me a aceitar a fraqueza do meu pensar. Anteriormente, recomendei o estudo da matemática pelos seus efeitos no intelecto. Dessa vez, recomendo o seu estudo para o crescimento da virtude da humildade, indispensável a uma verdadeira vida intelectual.

A matemática é a disciplina da humildade.


Como estudar matemática?

2. Conceitos

Na etapa inicial do estudo da matemática, a primeira coisa necessária é a clareza dos conceitos. E essa claridade acontece com definições bem formuladas. Livres de dubiedades.

Assim, aqui, você precisa apreender os conceitos da disciplina, o que, às vezes, exigirá pré-requisitos. Por exemplo, na seguinte definição de função contínua, o que podemos extrair de pré-requisito?

Definição 1. Uma função $f : X \to Y$ entre dois espaços topológicos $X$ e $Y$ é dita contínua se, para qualquer conjunto aberto $V \subseteq Y$ , a imagem inversa

$$f^{−1}(V) = \{x \in  X : f(x) \in V \}$$

é um conjunto aberto de $X$.

Veja bem, para compreender essa definição e o conceito de função contínua, você precisa saber o que é um espaço topológico e um conjunto aberto nele. E também entender o que é a imagem inversa.

É essencial que você faça essa análise conceitual a cada definição e conceito novo encontrado.

Depois, faça os exercícios sugeridos. Pois é com os exercícios que os conceitos serão apreendidos e propriedades deles serão derivadas.

Em seguida, a cada definição, tente definir com as suas palavras. Tanto a própria definição quanto os conceitos necessários para que você entenda a definição que está em jogo.


3. Demonstrações

Diz-se que Abraham Lincoln levava uma cópia dos Elementos de Euclides consigo a todo lugar. Tarde da noite, à luz de lamparinas, botava-se a estudar. "Você nunca poderá ser um advogado se não entender o que significa demonstração”, dizia ele.

O coração da matemática está nas demonstrações. Mas, afinal, o que é uma demonstração? Ora, de maneira breve, é uma inferência dedutiva a partir de um conjunto de hipóteses. O resultado obtido é uma conclusão necessária. Assim, se as hipóteses são verdadeiras, a conclusão também o será.

Com elas, aprende-se a fazer um raciocínio dedutivo e a provar o que se afirma. Em suma, aprende-se a raciocinar e argumentar; eleva o espírito que, com o pensamento, chega em verdades necessárias.

3.1. Estrutura Geral

A estrutura geral de uma demonstração foi desenvolvida por Aristóteles no Órganon e, depois, sumarizada e aperfeiçoada com Euclides. Consiste, essencialmente, em três partes:

• A Enunciação;

• A Prova;

• A Conclusão.

E essas três partes, por claridade, podem ser abertas em outras seis.

Protasis

Nessa primeira fase, dá-se a enunciação, em termos gerais, da proposição que queremos provar. Quanto mais claros os conceitos envolvidos e mais unívocos os termos, melhor.

Ecthesis

Especificação dos dados particulares com letras pelas quais a demonstração, a prova, será desenvolvida.

Diorismos

Declaração das condições de possibilidade do que deve ser provado ou feito em termos dos dados particulares, que, às vezes, é seguida por uma discussão dos limites da prova.

Kataskeve

Construção de elementos adicionais necessários para a demonstração.

Apodeixis

A prova, que extrai a verdade do enunciado por meio da variedade de dados fornecidos ou construídos, com o auxílio de proposições, hipóteses e definições anteriores.

Symperasma

Conclusão afirmando que a declaração original satisfaz as condições da prova.


Essa metodologia, conforme já mencionado, está, em certo sentido, na base do verdadeiro pensamento filosófico (a gênese está em Platão e Aristóteles, que se inspiraram nas deduções matemáticas dos seus tempos e foram aperfeiçoadas e sintetizadas por Euclides). Ela possui semelhanças diretas com a metodologia dos escolásticos, que, sem dúvidas, representa o auge do pensamento filosófico humano.

Ademais, a variedade de teorias matemáticas, em que todas trabalham com conceitos, permitem um campo argumentativo realmente vasto. Imagine, então, o que o estudo da matemática pode fazer com a sua capacidade de compreensão de conceitos, capacidade argumentativa e dedutiva. Em suma, com o seu intelecto.

3.2. A Atenção

Na etapa do estudo das demonstrações, a atenção deve estar concentrada no sentido de não deixar escapar nenhum detalhe da demonstração. Não deixe passar uma implicação sem entender o porquê dela. Abra a explicação, se necessário. Por exemplo, se, estudando teoria dos números, digamos, você se depara com a seguinte frase no meio de uma demonstração:

Como $p \mid ab$, segue que $p \mid a$.

Por que $p \nmid  b$? Qual é a relação entre $p$ e $b$ para que isso aconteça?

Ademais, da mesma forma que você vai tentar definir os conceitos com as suas palavras, enuncie os lemas, proposições, teoremas etc. com as suas palavras também.


4. Considerações Finais

Não podemos ler matemática de maneira passiva. A matemática exige uma leitura ativa. No sentido que Mortimer Adler coloca no seu livro Como Ler Livros. E, mais ainda, dos quatro níveis de leitura descritos por Adler, a leitura da matemática deve ser sempre analítica.

Isso se dá com a reserva de um horário diário, sentado e com um caderno ao lado. Como dito anteriormente, a cada definição, tente definir com as suas palavras. Tanto a própria definição quanto os conceitos necessários para que você entenda a definição que está em jogo. Nas demonstrações, abra os resultados ocultos e não deixe passar uma linha sem entendimento.

Ademais, além das listas de matemática, coloquei listas de estudos de alguns tópicos específicos de filosofia que estão conectados com a matemática.

[Em breve, será postada a Lista de Livros de Matemática  que o Deividi Pansera citou].

***

Leia mais em Como ler livros de Matemática.


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