Postagem em destaque

COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae

Primeiramente quero agradecer bastante todo o apoio e todos que acessaram ao Summa Mathematicae . Já são mais de 100 textos divulgados por a...

Mais vistadas

Carlos Magno e a expansão da Educação Clássica

Imperador Carlos Magno
- Albrecht Dürer, 1512

30 min de leitura.

Carlos Magno e os Pilares da Civilização Ocidental por Thiago Brum Teixeira.

Ao longo da história da humanidade surgem de tempos em tempos luzes e inspirações que fecundam a cultura e a promove a patamares mais altos. Dentre os maiores desenvolvimentos culturais que impactaram de forma positiva e decisiva o curso dos acontecimentos da civilização ocidental até os dias de hoje, figuram com destaque especial o judaísmo, a filosofia grega, o direito romano e o cristianismo. Carlos Magno, considerado o Pai da Europa, tem papel fundamental na conservação desses pilares da Civilização Ocidental.

A Grécia da antiguidade, local de passagem de viajantes e encontros de culturas, recebeu por herança influências de diversos povos, como hebreus, árabes, egípcios, mesopotâmios e hindus e, foi terreno fértil para o florescimento de uma cultura das mais ricas que já se teve notícia, constituída esta por uma profunda mitologia, um refinamento nas artes, uma substancial literatura e, sobretudo, sua filosofia que abrange nada menos que as mais altas conquistas da razão humana.

No período conhecido como Grécia clássica (entre 500 a.C. e 328 a.C.), aconteceu esta fusão cultural, catalisada e sintetizada por ilustres como Platão e Aristóteles, sob influências de sábios como Pitágoras e Sócrates. Vale lembrar que este período, apesar de profícuo, já anunciava a decadência da cultura grega. O império de Alexandre o Grande conquistou grandes extensões territoriais e difundiu o helenismo, que já não era só a mais fina flor da filosofia grega, o materialismo se difundiu com seus antagonismos no confronto entre estoicos e epicuristas. O império de Alexandre só durou durante sua vida, mas numa perspectiva histórica mais distanciada foi muito mais que um conquistador  ambicioso, foi um eficiente polinizador da cultura grega.

Paralelamente à constituição e difusão da filosofia da Grécia, já vinha em desenvolvimento milenar, entre o povo hebreu, a religião judaica, que era o conjunto de ensinamentos e revelações de uma sucessão impressionante de profetas, dentre estes: Abraão, Isaac, Jacó, José, Moisés, Josué, Sansão, Samuel, Davi, Salomão, Elias, Isaías e Daniel só para mencionar alguns principais dentre tantos nomes de destaque entre os judeus. E foi no seio de uma família judia da casa de Davi que surgiria, então, o cristianismo. De Joaquim e Ana, Maria, de sua prima Izabel e Zacarias, veio João Batista, de Maria e José, veio o Emanuel messias, Deus entre nós, anunciado nas sagradas escrituras: Jesus de Nazaré.

Com a ascensão do Império romano, este desenvolve meios de organização política e militar nunca dantes conhecidas, que possibilitaram a conquista e administração de um extenso e longo domínio. As culturas judaica e grega abrigadas sob o estandarte romano presenciaram o advento do cristianismo, com a presença e ensinos do Divino Mestre Jesus e sua posterior transmissão por apóstolos e santos. A longa duração do império romano permitiu a lenta interpenetração e difusão destas ricas e robustas elaborações culturais: o judaísmo, o cristianismo, o direito romano e a filosofia grega.

Após a dissolução do império romano, houve um tempo que o cristianismo e toda cultura da antiguidade estavam fragmentados em pequenas ilhas de resistências em mosteiros e reinados e, ameaçavam ser página virada na história da humanidade. Nesta época sombria para os cristãos, a expansão do império islâmico tomou todo o oriente, norte da África, península ibérica e pretendia dominar todo continente europeu, já enfraquecido pelas terríveis invasões germânicas.

Neste ínterim houve um rei que teve o mérito de unir com maestria as culturas judaico-cristã e greco-romana e se fazer soberano sobre árabes e bárbaros. Impôs seu domínio e a paz entre os seus com sua espada e se consagrou na história como o pai da Europa.

Carlos Magno foi um rei franco que conquistou um amplo império na região onde hoje são os países da França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Suíça, Áustria, Hungria, as repúblicas Tcheca, Eslovaca e partes da Itália e Espanha.

Ele constituiu um enorme exército para a época, desenvolveu novas táticas militares, como a unidade militar da cavalaria. Tinha uma guarda pessoal com os doze melhores cavaleiros e espadachins, seus doze pares de França, assim chamados por serem à semelhança de Carlos Magno e entre si em excelência militar e virtude. Para empunhar uma espada não bastava a força e habilidade, mas, sobretudo a virtude e uma série de preceitos morais que o cavaleiro deveria ser digno. Muitas histórias e lendas foram escritas e contadas das aventuras destes bravos cavaleiros e constituem uma extensa literatura chamada por matéria de França.

Carlos Magno premiava seus cavaleiros por seus méritos com terras e títulos hereditários, criou os títulos de nobreza de duque, marquês, conde e visconde e a base da sociedade feudal fundamentada na confiança entre os homens e na obediência ao monarca, a vassalagem. A palavra feudal vem daí, de fé, de confiança entre soberanos e vassalos.

A partir desses princípios estabeleceu um eficiente sistema administrativo, dividindo as regiões em condados governados por condes e seus assistentes e substitutos, os viscondes (vice-conde). O cargo de missi dominici (enviado do senhor) tinha atribuição de fiscalizar a atuação dos condes em determinada região, na aplicação das leis e cobrança de impostos. O título de marquês era reservado aos governantes e protetores das marcas, regiões mais inóspitas e de fronteiras do reino. O duque governava um ducado que era uma região maior e mais independente. Assim como um condado estava para uma diocese, um ducado estava para uma arquidiocese. Numa comparação apenas ilustrativa, mas um tanto anacrônica, um condado seria como uma cidade e um ducado um estado, porém nas devidas proporções da época, um ducado chegava a ter uma população de aproximadamente 300 mil pessoas, o que seria equivalente hoje a uma pequena cidade brasileira.

O reinado não tinha uma capital fixa, ela se fixava no local onde a corte do palácio estava. A corte palatina era o centro administrativo e era integrada por pessoas de confiança do rei. O principal cargo nessa corte era o de conde palatino, um conselheiro, ministro e administrador do palácio, castelos e terras sob domínio direto do rei.

Foi de Carlos Magno as primeiras leis escritas da idade média, chamadas “Capitulares” por serem organizadas em capítulos. As leis eram estabelecidas de acordo com a necessidade e não na tentativa de prever e controlar situações futuras, como é a tendência moderna. Dentre as 65 “Capitulares” se destacam a criação de juízes, de recursos ao tribunal do palácio, o fortalecimento do uso de testemunhas como provas e a estruturação da educação com base na unificação da cultura grega com a cristã.

Carlos Magno reuniu em sua corte os maiores intelectuais da época que promoveram o que ficou conhecido como Renascimento Carolíngio, dentre eles: o mestre de latim Pedro de Pisa; o diácono Paulo; o grande gramático e poeta Paulino de Aquiléia; o bispo Isidoro de Sevilha, escritor das Etimologias, uma riquíssima enciclopédia de diversos conhecimentos adquiridos pelos gregos e romanos até então; e o homem mais culto de sua época, o monge britânico Alcuíno de Yorque.

O monge era como um braço direito de Carlos Magno na corte, uma espécie de ministro da educação do reinado, que por pedido do rei, organizou as Sete Artes Liberais da antiguidade no Trivium e no Quadrivium e contribuiu para edificar em sua época uma Academia, segundo ele, superior à de Atenas, pois além da ciência das sete artes da Academia de Platão, estava enriquecida com os ensinamentos cristãos, os Sete Dons do Espírito Santo, em analogia às sete artes.

Compõe o Trivium as três disciplinas da linguagem ligadas à natureza humana que compreendem ler, escrever, falar e pensar bem: a Gramática, que abarcava também as artes literárias; a Retórica, que incluía o valor da virtude na oratória; e a Dialética (Lógica), que compreendia o rigor e a coerência do raciocínio e sua expressão. O Quadrivium consiste nas disciplinas ligadas ao mundo natural: a Aritmética, a ciência do número e suas propriedades simbólicas; a Geometria, o estudo do número no espaço; a Música, o estudo do número no tempo; e a Astronomia, aplicação do número no espaço e no tempo. Esta englobava ainda a Cosmologia e a Astrologia. Para rei e Alcuíno, o conhecimento destas sete artes era fundamental para o melhor entendimento dos ensinamentos sagrados, sendo a ciência material uma base para edificação espiritual.

Alcuíno de Yorque trabalhou na formação da liderança religiosa e política da época através da alfabetização, do ensino das sete artes e das sagradas escrituras. Criou a minúscula carolíngia. Na época os escritos eram todos em maiúsculas e sem espaçamento, o que dificultava muito a leitura. O trabalho de mandar reescrever as grandes obras diferenciando maiúsculas e minúsculas e dando espaçamento entre as palavras foram simples e geniais contribuições que permitiram a popularização da leitura.

No natal do ano 800, Carlos Magno foi coroado pelo Papa Leão III imperador do Sacro Império Romano Germânico. A partir da data de sua coroação ele instituiu um novo calendário e estabeleceu como referência para o início da contagem do tempo o nascimento de Jesus. Até então cada reino tinha sua própria contagem dos anos a partir do nascimento de seu rei ou outro marco importante do reinado. Foi Carlos Magno que unificou o calendário, colocando em sua base a referência cristã que perdura até os dias de hoje.

Carlos Magno integrou, consolidou e difundiu as mais altas realizações culturais, morais e espirituais de seu tempo, criando a identidade de seu império, que posteriormente seria a própria identidade da Europa, da Idade Média e da própria civilização ocidental, que estaria destinada à expansão, ao domínio e à absorção de outras culturas.


Bibliografia

HOLLAND, Tom. Milênio: a construção da Cristandade e o medo da chegada do ano 1000 na Europa.

LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval.

RIVAS, R. Alcuíno de York: Obras Morales. Introdução, tradução e notas.

WOODS Jr., Thomas E. Como a Igreja Católica construiu a civilização Ocidental

Fonte: LINK

***


Carlos Magno e as Artes Liberais por Isabela Abes Casaca

Afinal, como o Renascimento Carolíngio contribuiu para evolução da intelectualidade medieval? Qual dos intelectuais do reinado de Carlos Magno foi o grande responsável pela consolidação do ensino das Artes Liberais? Quais eram os graus e os conteúdos estudados durante a aprendizagem?

Como já explicitado no texto Carlos Magno e os Pilares da Civilização Ocidental [texto acima], o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico reuniu em sua corte os maiores intelectuais da época, dentre eles: o mestre de latim Pedro de Pisa; o diácono Paulo; o grande gramático e poeta Paulino de Aquiléia; o bispo Isidoro de Sevilha, escritor das Etimologias, uma riquíssima enciclopédia de diversos conhecimentos adquiridos pelos gregos e romanos até então; e o homem mais culto de sua época, o monge britânico Alcuíno de York.

Desta união de inteligências, ascendeu no horizonte histórico o que hoje conhecemos como Renascimento Carolíngio, que preservou e expandiu a Cultura Clássica juntamente com o Cristianismo, em um tempo de invasões bárbaras destruidoras. O rei sabiamente percebeu que, para fortalecer e unificar seu Império precisaria valorizar a educação e a instrução. Quem capitaneou essa ação foi o monge Alcuíno, sendo quase um espécie de ministro da educação do reinado.

Dentre as muitas inovações desse período, podemos iniciar mencionando a Minúscula Carolíngia, uma caligrafia desenvolvida visando estabelecer um padrão caligráfico europeu. Antes dessa simples medida, era muito complicado estudar os textos antigos. Com esse advento, cresceu a uniformidade, clareza e legibilidade da caligrafia, assim o alfabeto latino foi compreendido com mais facilidade. As letras passaram a ser melhor desenhadas e as palavras separadas umas das outras.

O primeiro exemplo datado dessa nova forma de escrita, é o Evangeliário de Godescalco, escrito entre 781 e 783, por um escriba franco, a pedido de Carlos Magno. Esse mesmo manuscrito é também um dos primeiros exemplos da Iluminura Carolíngia, uma forma de arte igualmente nascida no reinado de Carlos Magno, caracterizada por um naturalismo decorativo com a fusão de influências cristãs primitivas, bizantinas e insulares, fazendo uso de uma sugestão de tridimensionalidade nas figuras através de técnicas de sombreado.

Carlos Magno fez da escrita um meio de propagação do conhecimento, valorizando também a poesia e o canto. Incentivava o estudo de alguns autores da Idade Antiga, dentre eles Platão, que tornou-se muito conhecido. A questão da instrução era tão importante para o imperador, que ele recomendou aos monges primazia pelo seu aperfeiçoamento intelectual, a fim de ensinarem a doutrina cristã com consistência e expertise.

Porém, a maior realização acontecida sob a tutela do rei, juntamente com o monge beneditino Alcuíno, foi o reavivamento do saber clássico acrescido da doutrina cristã, através do ensino das Artes Liberais.

Inicialmente se aprendia o Trivium: Gramática, Retórica e Dialética/Lógica; na sequencia o Quadrivium: Aritmética, Geometria, Astrologia/Astronomia e Música. Adquirido o domínio dessas sete esferas do conhecimento, ganhava-se o título de Mestre em Artes Liberais. Então, estava-se preparado para aprender as Artes Liberais Superiores: Teologia, Medicina e Direito. Concluído o estudo superior, ganhava-se o título de Doutor.

O designo precípuo e maior dessas Artes é a busca pela Verdade Superior; auxiliando no caminho de liberação humana. Fazendo triunfar as virtudes dos homem, elevando seu espírito e promovendo a transcendência de sua consciência. O estudo das Artes Liberais é um fim em si mesmo. Por amor a ciência, elas são ensinadas, estudadas e aprendidas. Ampliando-se o conhecimento. Por esse motivo, são chamadas de “Liberais”, pois não há uma obrigatoriedade, o homem as estuda pelo arbítrio de seu próprio querer, procurando sua libertação e engrandecimento espiritual.

Esclarecido isso, percebemos que o notório rei está estritamente ligado as Artes Liberais, sendo um dos grandes responsáveis por essa expressão da Alta Cultura chegar ao nosso tempo.

Fonte: LINK

***

Alcuíno de Yorque e a Escola Palatina por Thiago Brum Teixeira

O Rei Carlos Magno reuniu em sua corte os mais diversos sábios, artistas e intelectuais, que promoveram uma renovação cultural conhecida como Renascimento Carolíngio, responsável por consolidar no mundo ocidental o cristianismo, integrado e apoiado pela filosofia grega. Dentre estes o mais destacado foi Alcuíno de Yorque, reconhecido como um dos homens mais cultos do ocidente cristão do século VIII. Alcuíno, Alcuin ou Albinus Flaccus, como assinava suas obras (todas escritas em latim), nasceu entre os anos 730 e 735 d.C., na Bretanha, hoje território da Inglaterra, foi monge em York, capital do reino da Nortúmbria, onde recebeu instrução do mestre e abade Alberto, que foi discípulo de Egberto e este por sua vez de Beda, o Venerável.

Numa época não existia computador, nem prensa móvel de Gutenberg, nem mesmo máquina de escrever, o papel era artigo de luxo, a tinta tinha que ser meticulosamente preparada e as letras com pena e tinteiro eram caprichosamente desenhadas sob o papel. Escrever um livro era um imenso trabalho e era preciso copiá-lo diversas vezes para preservá-lo ao longo do tempo. Tanto para ter cópias de segurança quanto colocá-lo em papel e encadernações em melhores estados. Tudo isso era necessário para que o conhecimento sobrevivesse às intempéries, à umidade, ao mofo, aos incêndios, saques de inimigos e chegasse até o século XV (700 anos depois de Alcuíno) quando a prensa de tipos móveis foi inventada.

No mundo ocidental eram os monges beneditinos que se dedicavam a preservação e cópia dos textos, principalmente na antiga Inglaterra. Foi neste ambiente que Alcuíno viveu. A regra beneditina valorizava o estudo e a cultura, o cristianismo celta com influências irlandesas era mais flexível, também era comum o ensino do canto gregoriano e a valorização do latim na liturgia e nos costumes. Nestes mosteiros foram construídas as mais importantes bibliotecas, abrigavam os mais notáveis professores e o que podemos chamar de as escolas da época, estavam entre os maiores centros intelectuais da época.

Em 781, Alcuíno foi convidado por Carlos Magno para ser diretor da Escola Palatina (o mesmo que escola do palácio), em Aquisgrán, e chega a corte no ano de 782 com uns 50 anos de idade. A escola palatina funcionava desde os tempos do rei Carlos Martel, avô de Carlos Magno, mas foi com Alcuíno que a conduziu a seu pleno desenvolvimento, quando este serviu de ponte entre o tesouro guardado nos mosteiros beneditinos e o reinado de Carlos Magno.

Como diretor da Escola Palatina implementou o Trivium e o Quadrivium, organizando  a ciência e artes da antiguidade no que veio a ser os alicerces da instrução medieval e da renascença posterior. As disciplinas do Trivium e Quadrivium já existiam desde a antiguidade, presentes principalmente nas obras de Platão, Aristóteles e dos filósofos e matemáticos pitagóricos. Porém foram difundidas na cultura latina por autores como Quintiliano, Agostinho, Boécio, Cassiodoro, Isidoro e Beda. A partir de Alcuíno as Sete Artes Liberais são difundidas no Reino Franco e deste para todo o mundo ocidental.

Importante entender que Alcuíno não inovou e sim, selecionou, organizou e transmitiu fielmente o que de melhor encontrou na cultura antiga e “pagã” (não cristã). Alcuíno considerava tudo que era bom e verdadeiro inspirado por Deus, e sendo, as artes liberais inspiradas por Deus elas deviam ser estudadas pelos cristãos, mesmo sendo um conhecimento considerado pagão.

Para Alcuíno, o objetivo maior da educação era o conhecimento e a sabedoria, em que o estudante devia ser conduzido por degraus de ensinamentos, sendo os primeiros sete degraus da sabedoria, as Sete Artes Liberais do Trivium e Quadrivium. Alcuíno compara as setes artes às sete colunas do templo de Salomão e, afirma que a sabedoria é fortalecida pelas Sete Artes Liberais, constituindo estas o currículo da Escola Palatina, onde eram admitidas crianças que já sabiam ler, escrever e realizar as quatro operações. O programa de estudos que durava entre 7 e 9 anos, sendo equivalentes ao atual 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, constituí durante a idade média aos estudos preparatórios para os estudos superiores de Teologia, Direito e Medicina.

O ensino da época se fundamentava na lectio (lição; leitura), na disputatio (diálogo; perguntas e respostas) e no diálogo socrático. A lectio era a exposição didática de um assunto seguido de comentário às opiniões dos autores clássicos, autoridades no assunto. A disputatio era um livre diálogo entre mestre e discípulo composto de perguntas e respostas sobre determinado assunto, ora podendo o mestre fazer as perguntas e o discípulo respondê-las, ora o discípulo fazer as perguntas e o mestre respondê-las. Também podia ter proposições controvertidas como num debate, onde se apresentam argumentos prós e contras, buscando a melhor solução. O diálogo socrático é quando o professor através de perguntas conduzia o aluno à solução de problemas, a definições, ao exame e esclarecimentos.

Para Alcuíno o ensino devia ser divertido e por isso ensinava também por meio de jogos, enigmas, anedotas e adivinhas. Na Escola Palatina cada um tinha um apelido, pelo qual se comunicavam por meio de cartas, Alcuíno era o poeta Horácio e Carlos Magno o Rei Davi. Pelos diálogos e cartas da época é possível perceber o clima descontraído e lúdico da corte, sem em nenhum momento ser desrespeitoso ou grosseiro, pelo contrário, imperava o cavalheirismo, a cortesia e a admiração entre os pares.

Também era de grande importância educacional o canto coral, a música e a recitação de poesias. A pedagogia de Alcuíno se inicia no som, em seu tratado de gramática ele escreve que é pelo som que se inicia a arte da Gramática, pois a linguagem escrita vem da linguagem falada. A cultura medieval está fundamentada na oralidade, mesmo os poemas, leis e textos escritos, eles eram escritos de forma “oralizada”, ou seja, com objetivo não que fosse lidos, mas que fossem ouvidos. Quando se fala, por exemplo, que as leis da época eram publicadas, quer dizer que eram lidas em praça pública. Da mesma forma os trovadores, bardos e menestréis narravam os acontecimentos heroicos em versos e rimas. A voz era então o fundamento da literatura que se  transformou quando passamos a ler com os olhos, sem soletrar e sem ouvir.

A Escola Palatina era a escola modelo, sua didática e seu currículo eram copiados por todo o reinado. O rei recomendava a construção de escolas em paróquias, catedrais, monastérios e palácios. Geralmente a alfabetização se dava na família ou nas paróquias, para continuidade dos estudos as crianças eram mandadas a mosteiros sob os cuidados dos monges, a escolas catedrais ou mesmo à própria Escola Palatina, que, apesar de, inicialmente servir à instrução dos nobres da corte, também recebia pessoas do povo, selecionadas por interesse, vocação e mérito. Não é incomum encontrar na biografia de cavaleiros, nobres e sacerdotes da época, uma descendência de pessoas das mais simples do povo, como artesãos e até mendigos. Durante o reinado de Carlos Magno as escolas que mais se desenvolveram foram a Escola Palatina e as abrigadas em monastérios. Porém foram a partir do desenvolvimento das escolas catedrais, dirigidas por bispos e que ficavam dentro das cidades, que nasceram as universidades 4 séculos depois.

O rei e o monge valorizam muito a instrução dos sacerdotes e como eles iriam instruir as crianças e jovens, bem como os povos conquistados e incorporados ao reino. Deixaram isso escrito em leis e cartas e trabalharam juntos em prol da unidade cultural, legal e religiosa do reinado e a construção de uma identidade cultural dentre diversos povos diferentes em línguas, história e costumes.

Alcuíno escreveu uma extensa obra de mais de 40 trabalhos e tratados e 320 cartas da qual chegou até nós pela tradução de Migne pertencente a sua Patrologia Latina. Além das cartas sua obra pode ser dividida em obras didáticas, obras teológicas, obras poéticas. Escreveu tratados didáticos de cada uma das artes liberais, que respondiam as necessidades da Escola Palatina. Também era poeta, e deixou uma coletânea de poesias, sendo sua principal obra uma poesia épica que narra a história do reino da Nortúmbria em 1657 versos.

As obras teológicas são as mais numerosas, escreveu a cerca do ensino e da interpretação de partes da bíblia, escreveu diversas obras de ensinamentos para uma conduta moral e virtuosa, se dedicou a refutação de heresias e a defesa da fidelidade da doutrina cristã, redigiu inúmeras obras litúrgicas que tiveram importante impacto na organização e unificação dos cerimoniais religiosos no reinado e ainda escreveu biografias da vida de “santos” e figuras que deixaram como legado uma conduta moral exemplar.

Em 796 quando em idade mais avançada Alcuíno se retirou da vida pública e Carlos Magno o nomeou abade de San Martin, em Tours, dos mais importantes monastérios do reino Franco, onde Alcuíno se dedicou a impulsionar o trabalho da scriptorium monástica, que é a aquisição, conservação e cópias de manuscritos constituindo uma importante biblioteca em Tours.

Alcuíno instruía os copistas no uso e desenvolvimento da minúscula carolíngia e da iluminura. A minúscula carolíngia era um tipo de letra que se destacava por sua beleza, clareza e facilidade de leitura. O latim era escrito apenas com letras maiúsculas, sem espaçamentos, parágrafos e pontuação, o que dificultava o entendimento e o aprendizado de leitura. A partir da minúscula carolíngia se desenvolveu a letra minúscula, os espaçamentos entre as palavras, parágrafos e pontuação, como a criação do ponto de interrogação, por exemplo. O que facilitou muito o aprendizado da leitura, que até então era para poucos sacerdotes que tinham acesso e que, a partir de então, foi difundido entre os nobres, governantes, líderes religiosos e daqueles que demonstravam interesse e vocação.

A iluminura era a ilustração dos livros com belas imagens em um estilo clássico e a ornamentação das letras, com desenhos, arabescos, miniaturas e estilos de grafismos. A palavra iluminura vem de iluminar por conta das cores vibrantes e luminosas que eram utilizadas, principalmente a decoração com ouro e prata, chamada de douração. Também eram utilizadas predominantemente as cores azul, vermelho e amarelo, por conta da disponibilidade dos pigmentos.

Alcuíno viveu até 19 de março de 804 e foi sepultado em San Martin de Tours como abade. Não ocupou altos cargos na igreja e permaneceu como diácono por toda vida. Porém aconselhou patriarcas, reis, arcebispos, abades e monges durante sua vida, teve muitos discípulos, os quais foram os mais renomados professores e escritores da geração seguinte.  Foi religioso, erudito, poeta, pedagogo, político e conselheiro. Foi amigo e braço direito de Carlos Magno na área cultural, religiosa e educacional. Junto com o rei construíram a identidade do reino franco que veio a ser as bases da própria identidade europeia e ocidental.


Bibliografia

[1] ALCUINO DE  YORK. De Grammatica. in: ALCUIN, Opera Omnia, 2 vols. Paris, 1851. (Migne, Patrologia Latina, C, CI).

[2] FRENK, Margit. Entre la voz y el silencio. Centro de Estudos Cervantinos, 1997. (citação: Paul Valéry. Oeuvres. Pleiade: Paris, 1957.)

[3] OLIVEIRA, Priscila Sibim de. Alcuíno e a educação de governantes: Final do Século VIII e Início do Século IX. 2008. 120 f. Dissertação (Mestrado)-Universidade Estadual de Maringá. Orientadora: (Dra.: Terezinha Oliveira). Maringá, 2008.

[4] RIVAS, R. Alcuíno de York: Obras morales. Introdução, tradução e notas. Espanha:(EUNSA), 2004.

[5] ROSZAK, Piotr. La práctica exegética de Alcuino de York. Facies Domini: Revista alicantina de estudios teológicos, n. 3, p. 503-514, 2011.

Fonte: LINK.

Leia mais em: Alcuíno de York: difusor do Trivium e Quadrivum

***

Leia mais em COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página