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A Educação Infantil na Idade Média - por Ricardo da Costa

As quatro condições da sociedade: nobreza, por Jean Bourdichon, 1500

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Tempo de leitura: 20 minutos.

A Educação Infantil na Idade Média, por Ricardo da Costa. Texto publicado na Revista VIDETUR 17. In: LAUAND, Luiz Jean (coord.). Porto: Editora Mandruvá, 2002, p. 13-20. (ISSN 1516-5450). Texto disponível no LINK.

No Brasil, a Idade Média ainda é citada por muitos néscios como um tempo de ignorância e barbárie, um tempo vazio, um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Império Romano para dominar o “povo” [1]. Nesse movimento consciente e ideológico em direção às trevas, o clero teve como aliado principal a nobreza feudal. Juntos, nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e malévolos todo o ocidente medieval, que permaneceu assim envolto em uma escuridão de mil anos, soterrado, amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2].

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficará agradavelmente surpreso, espero, com o tema desse trabalho, que não poderia ser mais propício. Minhas perguntas básicas serão: existiu educação na Idade Média? E ciência? E as crianças? É incrível, mas há quase quarenta anos atrás o próprio Jacques Le Goff perguntou: “teria havido crianças no Ocidente Medieval?” [3]. Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariès [4], ele buscou a criança na arte e não a encontrou. É verdade. Apressadamente concluiu então que a criança foi um produto da cidade e da burguesia [5] e, portanto, o mundo rural não a conheceu. Pior: a conheceu sim, mas a desprezou, marginalizando-a [6].

Deixo claro então que minha perspectiva será bastante diferente. Responderei sim a todas àquelas perguntas, opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariès [7]. Para provar isso, dividi minha narrativa em duas partes: primeiro, busquei a condição infantil registrada pela História na Alta Idade Média (séculos V-X) para, a seguir, tratar da estruturação das ciências que Ramon Llull (1232-1316) apresentou a seu filho Domingos quando, em um ato de puro amor paterno, escreveu um livro para ele, a Doutrina para crianças [8].

*

Falei há pouco de amor paterno. O amor é uma forma muito profunda e especial de afeto, difícil de ser descrito, difícil de ser registrado a não ser nas emoções daqueles que o compartilham. Por isso, a História registra sempre o que se veste, onde se vive, o que se come, mas dificilmente narra como se ama, especialmente a intensidade e a forma do amor [9]. Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crônicas, por exemplo - estão mais atentos aos acontecimentos importantes, aos personagens e à política. Assim, ofereceram pouco espaço para o mundo infantil, deixando muitas perguntas que não puderam ser respondidas satisfatoriamente. Por exemplo: como pais e filhos exprimiam seus carinhos, suas incompreensões? De que forma as crianças apreenderam o mundo existente? Como reagiram à escola e aos estudos?

De qualquer maneira, o fato é que, historicamente, o papel da criança sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10], e esse anseio mudou bastante ao longo da história, embora a família elementar e o amor tenham existido em todas as épocas [11]. Vejamos então o caso medieval.

A primeira herança da Antigüidade não é nada boa: a vida da criança no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai. O poder do pater familias era absoluto: um cidadão não tinha um filho, o tomava. Caso recusasse a criança - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada. Essa prática era tão recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12]. E o que acontecia à maioria dos enjeitados? A morte [13].

A segunda herança que a Idade Média herda da Antigüidade, a cultura bárbara, foi-nos passada especialmente por Tácito. Ele nos conta que a tradição germânica em relação às crianças era um pouco melhor que a romana. Os germanos não praticavam o infanticídio, as próprias mães amamentavam seus filhos e as crianças eram educadas sem distinção de posição social [14]. O povo germânico era composto por um conjunto de lares, com dois poderes distintos: o matriarcal, exercido no seio da família, e o patriarcal, predominante na política e na organização social [15]. No entanto, o destino das crianças naqueles clãs, como na cultura romana, também dependia da vontade paterna (direito de adoção, de renegação, de compra e venda). A criança aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos, órfãos e abandonados era entregue aos parentes maternos, especialmente a tios e avós maternos [16].

Dessas duas tradições culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Média, concluo que o status da criança naquelas sociedades antigas era praticamente nulo. Sua existência dependia do poder do pai: se fosse menina ou nascesse com algum problema físico, poderia ser rejeitada. Seu destino, caso sobrevivesse, era abastecer os prostíbulos de Roma e o sistema escravista [17]. Até o final da Antigüidade as crianças pobres eram abandonadas ou vendidas; as ricas enjeitadas - por causa de disputas de herança - eram entregues à própria sorte [18].

Nesse contexto histórico-cultural é que se compreende a força e o impacto do cristianismo, que rompeu com essas duas tradições [19]. O Cristo disse:

Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus. Aquele, portanto, que se tornar pequenino como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus. (Mt 18, 1-4).

A tradição cristã abriu, portanto, uma nova perspectiva à criança, uma mudança revolucionária [20]. No entanto, foi um processo bastante lento, um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja. Primeiro, por força das circunstâncias. Por exemplo, dos séculos V ao VIII, na Normandia, o índice de mortalidade infantil era muito elevado, 45%, e a expectativa de vida bem pequena, 30 anos [21]. À primeira vista, esses dados arqueológicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a criança: a regularidade da morte poderia criar nos espíritos de então uma apatia, um medo de se apegar a algo tão frágil que poderia morrer à primeira doença [22].

Paradoxalmente, ao invés disso, a documentação nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos, apesar da mortalidade infantil. Em sua História dos Francos, Gregório de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentação de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico), quando da morte de crianças:

Essa epidemia que começou no mês de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte. Nós perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas, a quem nós havíamos aquecido em nosso peito, carregado em nossos braços ou nutrido por nossa própria mão, lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [...] O rei Chilperico também esteve gravemente doente. Quando entrou em convalescença, seu filho mais novo, que não era ainda renascido pela água e pelo Espírito Santo, caiu enfermo. Assim que melhorou um pouco, seu irmão mais velho, Clodoberto, foi atingido pela mesma doença, e sua mãe Fredegunda, vendo-o em perigo de morte e se arrependendo tardiamente, disse ao rei: “A misericórdia divina nos suporta há muito tempo, nós que fazemos o mal, porque sempre ela nos tem advertido através das febres e outras doenças, mas sem que nos corrijamos. Nós perdemos agora os nossos filhos, eis que as lágrimas dos pobres, as lamentações das viúvas e os suspiros dos órfãos os matam e não nos resta esperança de deixar os bens para ninguém. Nós entesouramos sem ter para quem deixar. Os tesouros ficarão privados de possuidor e carregados de rapina e maldições! Nossas adegas não abundam em vinho? Nossos celeiros não estão repletos de trigo? Nossos tesouros não estão abarrotados de ouro e de prata, de pedras preciosas, de colares e outras jóias imperiais? Nós perdemos o que tínhamos de mais belo! Agora, por favor, venha! Queimemos todos os livros de imposições iníquas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotário.” (Gregório de Tours, Historiae, V, 34) (os grifos são meus) [23].

Pois bem. Fredegunda, uma das mulheres mais cruéis da História, apesar de filha de seu tempo bárbaro, chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24]. Mesmo nessa aristocracia merovíngia rude e cruel – no pior sentido da palavra [25] – há espaço para amor materno.

Por sua vez, fora do mundo secular, um espaço social lentamente impôs uma nova perspectiva à educação infantil: o monacato [26]. Os monges criaram verdadeiros “jardins de infância” nos mosteiros [27], recebendo indistintamente todas as crianças entregues [28], vestindo-as, alimentando-as e educando-as, num sistema integral de formação educacional [29].

As comunidades monásticas célticas foram as que mais avançaram nesse novo modelo de educação, pois se opunham radicalmente às práticas pedagógicas vigentes das populações bárbaras, que defendiam o endurecimento do coração já na infância [30]. Pelo contrário, ao invés de brutalizar o coração das crianças para a guerra e a violência, os monges o abriam para o amor e a serenidade [31].

As crianças eram educadas por todos do mosteiro até a idade de quinze anos. A Regra de São Bento prescreve diligência na disciplina: que as crianças não apanhem sem motivo, pois  “não faças a outrem o que não queres que te façam.” [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussão na História da Educação. O sistema medieval e monástico previa a aplicação de castigos. Na Bíblia há passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33]; na Regra de São Bento há várias passagens (punição com jejuns e varas [34], pancadas em crianças que não recitarem corretamente um salmo [35], e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna, que, no entanto, não levou em consideração as circunstâncias históricas da época [36]. Por exemplo, Manacorda interpreta os castigos do período antigo e medieval como puro sadismo pedagógico [37], linha de interpretação que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que, por esse motivo, buscava a solidão do mosteiro [38].

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que não condizem com a postura de um historiador sério. Basta buscar os textos de época que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados, criados e educados. Darei apenas dois breves exemplos. Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infância, São Cesário de Arles (c. 470-542) diz:

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braços de seu afeto. Como uma mãe ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens, ela se esforçou para me educar e me alimentar [39].

Por sua vez, Walafried Strabo (806-849), então jovem monge, nos conta em seu Diário de um Estudante:

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifícios do convento (...) fiquei muito contente pelo grande número de companheiros de vida e de jogo, que me acolheram amigavelmente. Depois de alguns dias, senti-me mais à vontade (...) quando o escolástico Grimaldo me confiou a um mestre, com o qual devia aprender a ler. Eu não estava sozinho com ele, mas havia muitos outros meninos da minha idade, de origem ilustre ou modesta, que, porém, estavam mais adiantados que eu. A bondosa ajuda do mestre e o orgulho, juntos, levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas, tanto que após algumas semanas conseguia ler bastante corretamente (...) Depois recebi um livrinho em alemão, que me custou muito sacrifício para ler mas, em troca, deu-me uma grande alegria... [40]

Esses são apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro. Assim, devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana, o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele, para então construirmos um juízo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos.

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais, basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educação e disciplina voltada para uma formação ética e moral das crianças - com o mundo exterior. Por exemplo, no período carolíngio (séculos VIII a X), apesar do avanço da implantação da família conjugal simples (modelo cristão) com uma média de 2 filhos por casal e um período de aleitamento de dois anos, a prática do infanticídio continuava comum, a idade média dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade), a poligamia e a violência sexual eram recorrentes, pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questão da escravidão de crianças [42]. Confronte você, caro leitor, essa realidade com a vida de uma criança em um mosteiro.

Por sua vez, os bispos carolíngios do século IX tentaram regulamentar o casamento cristão, redigindo uma série de tratados (espelhos) [43]. Neles, o casamento era valorizado, a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em pé de igualdade com o marido e a violência sexual denunciada como crime grave e do âmbito da justiça pública [44]. Para o nosso tema, o que interessa é que as crianças também foram objeto de reflexão nesses espelhos: a maternidade foi considerada um valor (caritas) e o casal tinha a obrigação de aceitar e reconhecer os filhos [45].

Assim, a ação da ordem clerical foi dupla: de um lado, os bispos lutaram contra a prática do infanticídio, de outro, os monges revalorizaram a criança, que passou por um processo de educação direcionada, de cunho integral e totalmente igualitária – por exemplo, as escolas monacais carolíngias davam preferência a crianças filhas de escravos e servos ao invés de filhos de homens livres, a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem também para educar crianças filhas de homens livres [46]. Estes séculos da Alta Idade Média foram cruciais para a implantação do modelo de casamento cristão conhecido por todo o mundo ocidental, para a valorização da mulher como parceira e igual do marido e para a idéia de criança como ser próprio e com necessidades pedagógicas específicas [47]. Por fim, a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum), e a criança tinha um papel fundamental nessa estrutura, pois era o fim último da união.

*

Mulher, criança, minorias revalorizadas na Idade Média em relação à Antigüidade. Para completar esse quadro compreensivo, quero responder à terceira pergunta feita no início: qual era o conceito de educação que alicerçava esse novo sistema pedagógico medieval? Essa é uma resposta relativamente mais simples. Para os homens da época, as palavras eram transparentes: havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimológico delas. Os intelectuais de então diziam que o homem é um ser que esquece suas experiências. Ele consegue resgatá-las através da linguagem [48]. Assim, a expressão educação era entendida como estando associada à sua raiz etimológica latina: educe, “fazer sair”. Como o conhecimento já existia inato no indivíduo, restava responder à seguinte pergunta: de que modo o estudante era conduzido da ignorância ao saber? [49] Como o aluno aprendia? Essa era a questão básica dos educadores medievais. Preocupados com a forma da aquisição, os pedagogos de então tiveram uma importante consciência: cabia ao professor “acender uma centelha” no estudante e usar seu ofício para formar e não asfixiar o espírito de seus alunos [50]. Muito moderna a educação medieval! [51]


Notas:

[1] Este artigo é dedicado ao meu amigo e colega de trabalho, Prof. Josemar Machado Oliveira (UFES), que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL, Jean. A Revolução Industrial da Idade Média. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que não existiu ciência na Idade Média!

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destrói completamente é HEERS, Jacques. A Idade Média, uma impostura. Porto: Edições Asa, 1994.

[3] LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1984, vol. II, p. 44.

[4] ARIÈS, Philippe. L’enfant et la vie familiale sous l’Ancien Régime, Paris, 1960.

[5] LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval, op. cit., p. 45.

[6] LE GOFF, Jacques. “Os marginalizados no ocidente medieval”. In: O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, p. 169.

[7] Le Goff recupera o tema da criança como não-valor em sua biografia São Luís (Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 84), citando uma farta bibliografia como apoio à sua tese mas somente uma fonte: João de Salisbury (“Não há a necessidade de recomendar muito a criança aos pais, porque ninguém detesta sua carne” - Policraticus, ed. C. Webb, p. 289-290), justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relação aos filhos como algo comum!

[8] Utilizarei minha tradução feita a partir da edição de Gret Schib. RAMON LLULL. Doctrina pueril. Barcelona: Editorial Barcino, 1957.

[9] MARQUES, A H. de Oliveira. A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1987, p. 105.

[10] BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Editora Unesp, 2002, 71-72.

[11] Interessante afirmação do antropólogo Jack Goody. Citado em GUICHARD, Pierre. “A Europa Bárbara”. In: BURGUIÈRE, André, KLAPISCH-ZUBER, Christiane, SEGALEN, Martine e ZONABEND, Françoise (dir.). História da Família. Tempos Medievais: Ocidente, Oriente. Lisboa: Terramar, 1997, p. 18.

[12] ROUSSELL, Aline. “A política dos corpos: entre procriação e continência em Roma”. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle (dir.): História das Mulheres no Ocidente. A Antigüidade. Porto: Edições Afrontamento / São Paulo: Ebradil, s/d, p. 363.

[13] VEYNE, Paul. “O Império Romano”. In: ARIÈS, Philippe e DUBY, Georges (dir.). História da vida privada I. Do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 23-24.

[14] “Limitar o número de filhos ou matar algum dos recém-nascidos é crime; assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras nações. De qualquer modo, eles crescem desnudos e sem asseio até chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos. Os filhos são nutridos com o leite de suas mães, nunca de criadas ou amas-de-leite. Não há distinção entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de criança. Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra até que a idade e o valor distingam os nobres.”― TÁCITO. “Germania”. In: Obras Completas. Madrid: M. Aguilar, Editor, 1946, p. 1026.

[15] GUICHARD, Pierre. “A Europa Bárbara”, op. cit., p. 24.

[16] GUICHARD, Pierre. “A Europa Bárbara”, op. cit., p. 28.

[17] DE CASSAGNE, Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina). Valorización y educación del Niño en la Edad Media, p. 20 (artigo consultado em www.uca.edu.ar)

[18] ROUSSELL, Aline. “A política dos corpos: entre procriação e continência em Roma”, op. cit., p. 364.

[19] Um dos melhores ensaios a respeito é de JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001, especialmente as páginas 11-148.

[20] DE CASSAGNE, Irene. Valorización y educación del Niño en la Edad Media, op. cit., p. 20.

[21] ROUCHE, Michel. “Alta Idade Média ocidental”. In: ARIÈS, Philippe e DUBY, Georges (dir.). História da vida privada I. Do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 442-443.

[22] Essa idéia - da indiferença como conseqüência do mau hábito - está muito bem expressa no conceito de banalização do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (São Paulo: Companhia das Letras, 1990).

[23] Tradução de Edmar Checon de Freitas (doutorando em História Medieval pela UFF) a partir da versão francesa de R. Latouche (GRÉGOIRE DE TOURS. Histoire des Francs. Paris: Les Belles-Lettres, 1999, p. 295-296)

[24] “Fredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Clóvis). Ele casou-se com Galasvinta, filha do rei visigodo Atanagildo, e sua irmã, Brunilda, desposou Sigisberto, meio-irmão de Chilperico (Hist., IV, 27-28). Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico, ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist., IV, 28); Gregório insinua uma influência de Fredegunda na morte da rival. Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal malévolo e sanguinário. A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto. Contudo, é importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino: a perda dos filhos e herdeiros. O tema da morte das crianças era caro a Gregório. Por sua vez, no capítulo V (22), é narrada a morte de Sansão, outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda. Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmão Sigisberto - ele foi rejeitado pela mãe (que temia sua morte). O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a criança, que morreu antes dos 5 anos. Mais tarde nasceu um outro filho do casal, Teuderico, ocasião na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist., VI, 23, 27). Novamente a desinteria vitimou a criança, com cerca de 1 ano de vida (Hist., VI, 34). O único herdeiro de Chilperico, Clotário, nasceu já no fim de sua vida (Hist., VI, 41; ele foi assassinado em 584). Tornou-se ele rei sob o nome de Clotário II, tendo unificado o regnum Francorum. Chilperico teve outros filhos, de sua primeira mulher, Audovera. Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist., IV, 50); Clóvis e Meroveu (Hist., V, 18) foram mortos a mando do pai, o primeiro sob a instigação de Fredegunda. Na ocasião, ela suspeitara de malefícios contra seus filhos, recentemente mortos, nos quais Clóvis estaria envolvido; ela também ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist., V, 39).” ― FREITAS, Edmar Checon de.

[25] LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1984, vol. I, p. 58-60.

[26] JOHNSON, Paul. História do Cristianismo, op. cit., especialmente as páginas 167-188.

[27] DE CASSAGNE, Irene. Valorización y educación del Niño en la Edad Media, op. cit., p. 21.

[28] “Sabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servos.” ― NUNES, Rui Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: EDUSP, 1979, p. 113.

[29] Mesmo Manacorda, um crítico do período, afirma que “...devemos reconhecer que, na pedagogia cristã, ela (a maxima reverentia) é um elemento novo de consideração da idade infantil” ― MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação - da Antigüidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 1989, p. 118.

[30] Por exemplo, em sua Guerra Gótica, o historiador bizantino Procópio de Cesaréia († 562) nos conta que “...nem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos à escola de letras humanas, antes dizia a todos que, uma vez dominados pelo medo do chicote, nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lança (...) Portanto, querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e põe tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetâneos: estes, crescendo junto com ele, o impelirão para a coragem e a valentia segundo o uso dos bárbaros (I, 2)” ― Citado em MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação - da Antigüidade aos nossos dias, op. cit., p. 135-136.

[31] ROUCHE, Michel. “Alta Idade Média ocidental”, op. cit., p. 446.

[32] Regra de São Bento (depois de 529 d.C.), cap. 70.

[33] “O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que ama, cedo o disciplina.” (Prov. 13:24); “Não retires da criança a disciplina, pois, se a fustigares com a vara não morrerás. Tu a fustigarás com a vara e livrarás a sua alma do inferno.” (Prov. 23.13-14)

[34] “Os meninos e adolescentes ou os que não podem compreender que espécie de pena é, na verdade, a excomunhão, quando cometem alguma falta, sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com ásperas varas, para que se curem.” ― Regra de São Bento, cap. 30

[35] “As crianças por tal falta recebam pancadas” ― Regra de São Bento, cap. 45.

[36] Mesmo nesse aspecto, o das surras, há de se relativizar: um dos maiores sucessos editoriais no Brasil, o livro Meu Bebê, Meu Tesouro, de DELAMARE, defendia que as crianças deveriam levar uma surra todos os dias!

[37] MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação - da Antigüidade aos nossos dias, op. cit., p. 119. Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo, isto é, os monges. Falo isso porque, certa vez, ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES, uma aluna ficou em dúvida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava!

[38] “Pode haver, com efeito, alguns casos particulares desses tipos. Mas os monges são pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opção pela vida silenciosa e penitente, por amor a Deus que transborda na caridade para com o próximo.” ― NUNES, Rui Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média, op. cit., p. 91-92.

[39] San Cesáreo de Arles, Sermo ad monacho, CCXXXVI, 1-2, Morin, t. II, p. 894. Citado em DE CASSAGNE, Irene. Valorización y educación del Niño en la Edad Media, op. cit., p. 22.

[40] Citado em MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação - da Antigüidade aos nossos dias, op. cit., p. 135. Esse belo texto medieval também é analisado em NUNES, Rui Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média, op. cit., p. 157-159 (SÖHNGEN, C. J. De medii aevi puerorum institutione in occidente. Diss. Amsterdam 1900).

[41] TOUBERT, Pierre. “O período carolíngio (séculos VII a X)”. In: BURGUIÈRE, André, KLAPISCH-ZUBER, Christiane, SEGALEN, Martine e ZONABEND, Françoise (dir.). História da Família. Tempos Medievais: Ocidente, Oriente. Lisboa: Terramar, 1997, p. 69-84.

[42] “O comércio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 (...) mas continuou, não obstante (...) Agobardo mostra-nos que este comércio vinha de longe (...) conta-nos que no começo do século IX chegara a Lião um homem, fugido de Córdova, onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Lião. E afirma a este propósito que lhe falaram de crianças roubadas ou compradas por judeus para serem vendidas.” ― PIRENNE, Henri. Maomé e Carlos Magno. Lisboa: Publicações Dom Quixote, s/d., p. 228.

[43] Christopher Brooke analisa a história do casamento (O casamento na Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d) sem, contudo, tratar da ética conjugal dos espelhos carolíngios, preferindo fazer seu recorte nos séculos feudais (XI-XII).

[44] “O modelo conjugal que a elite religiosa procura então impor como regulador da violência social implica, além disso, um reconhecimento da mulher enquanto pessoa, enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar (...) A perfeita igualdade entre os cônjuges é um dos temas mais constantes da literatura matrimonial, em plena concordância com a legislação que, desde meados do século VIII, não cessa de proclamar que a lei do matrimônio é uma só, tanto para o homem como para a mulher.” ― TOUBERT, Pierre. “O período carolíngio (séculos VII a X)”, op. cit., p. 87. Também é desnecessário dizer que a violência sexual da época era contra a mulher.

[45] “Esta temática deverá ser relacionada com a luta que nessa época se travava contra as práticas contraceptivas, o aborto provocado e o infanticídio. Comporta igualmente um dever de educação cristã que tem como resultado, em Teodulfo de Orleães, uma definição do officium paterno e materno.” ― TOUBERT, Pierre. “O período carolíngio (séculos VII a X)”, op. cit., p. 87.

[46] “Que ajuntem e reúnam ao redor de si não só filhos de condição servil, mas também filhos de homens livres.” ― Da Admonitio generalis, cap. 72. In: BETTENSON, H. Documentos da Igreja cristã. São Paulo: ASTE, 2001, p. 168.

[47] Todos esses avanços jurídicos em relação à mulher e à criança foram acompanhados, paradoxalmente, por um discurso clerical anti-feminino! Para esse tema, ver especialmente DUBY, Georges. Eva e os padres. Damas do século XII. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. De qualquer modo, é fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posição social melhor que no Oriente, especialmente nos países de cultura islâmica.

[48] “O gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relação à linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje. Na Idade Média, ansiava-se por saborear a transparência de cada palavra; para nós, pelo contrário, a linguagem é opaca e costuma ser considerada como mera convenção (e nem reparamos, por exemplo, em que coleira, colar, colarinho, torcicolo e tiracolo se relacionam com colo, pescoço).” ― LAUAND, Luiz Jean. Cultura e Educação na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 106.

[49] Esse é um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna, pois é quase senso comum hoje afirmar que as crianças são receptáculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteúdo.

[50] PRICE, B. B. Introdução ao Pensamento Medieval. Lisboa: Edições Asa, 1996, p. 88.

[51] Este trabalho é a primeira parte da palestra intitulada "Reordenando o conhecimento: a educação na Idade Média e o conceito de ciência expresso na obra Doutrina para Crianças (c. 1274-1276) de Ramon Llull" proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais: Transformação social e Educação - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringá (UEM), evento coordenado pela Profª Drª Terezinha Oliveira.

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Leia mais em A Pedagogia Medieval

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Educação Clássica e John Henry Newman

S. John Henry Newman


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Tempo de leitura: 11 minutos.

Texto retirado do LINK. O original em inglês está aqui.

Na verdadeira educação tudo nos direciona para Deus

Por que nos preocupamos tanto com nossa educação e a educação de nossos filhos? Acaso sabemos qual o fim último da verdadeira educação? Ou será que estamos simplesmente preocupados com o mercado de trabalho, o pão de cada dia?

A experiência prática do autor como diretor de uma escola católica nos mostra que tudo que fazemos ou aprendemos são pequenas partes de um todo. E é justamente esse todo o objetivo último da educação. Quer se estude gramática, retórica ou até mesmo marcenaria, tudo deve nos direcionar para Deus, que é a verdade para a qual todas as outras verdades apontam. Assim tudo na educação nos direciona para Deus. 

Stephen Fitzpatrick, Catholic Exchange | Tradução: Equipe Instituto Newman (instagram).

Biblioteca da Abadia de Admont, na Áustria

Um diretor em obra

Não só fazia trinta e cinco graus lá fora, como também eu havia acabado de cavar um buraco para uma caixa de correio na argila rochosa da Virgínia ao lado de um estacionamento. Enquanto estava curvado sobre o buraco, despejando concreto nele, um pensamento me ocorreu: não era isso que eu esperava do meu emprego.

Quando aceitei o cargo de diretor da escola Cardinal Newman Academy há alguns meses, eu não sabia que envolveria mover pianos (não é piada) e instalar caixas de correio. Porém, também não posso dizer que estou muito surpreso. Ora, a escola ainda está em sua infância e acabamos de mudar de local. De tal forma que o diretor de uma pequena escola católica independente acaba desempenhando várias funções. Decerto, isso faz parte do pacote, e estou feliz em fazer o que for necessário para oferecer uma educação católica autêntica aos jovens sob minha responsabilidade.

O que nos ensina o Cardeal Newman

É claro que se não estiver ocupado com o trabalho manual, certamente estarei realizando algum trabalho de natureza intelectual em preparação para alguma aula ou exposição. O patrono da nossa escola é o Beato (em breve São) John Henry Cardeal Newman [Ele já foi canonizado em 2019]. Portanto, tenho lido sua famosa obra sobre educação, “A Ideia de uma Universidade” [publicado em português pela Editora Ecclesiae em 2020].

Sem dúvida, nessas séries de palestras, Newman faz muitas afirmações sensatas sobre a natureza de uma verdadeira educação. E  entre elas está sua declaração de que alguém não está verdadeiramente educado a menos que tenha um senso do todo. “Somente é verdadeiro o alargamento da mente que é o poder de ver muitas coisas de uma vez como um todo, de referenciá-las separadamente em seu verdadeiro lugar no sistema universal, de entender seus valores respectivos e determinar sua dependência mútua”. Em outras palavras, não basta saber algo, ou mesmo muito, sobre este ou aquele assunto, ou mesmo sobre diversos assuntos, se você não for capaz de relacioná-los entre si.

Assim sendo, se, ao final de sua educação, você acumulou conhecimento sobre muitas coisas, mas elas formam um arquipélago desconectado de ilhas isoladas, você não obteve uma educação. Se, todavia, as várias ilhas de seu conhecimento estão interligadas por muitas pontes, você tem o que Newman chama de estado de espírito filosófico, que é a marca característica do homem educado.

A sabedoria dos séculos

Nesse ponto de vista, Newman ecoa filósofos antigos como Aristóteles, ao afirmar que a sabedoria está nas conexões, isto é, na capacidade de ver como coisas aparentemente díspares se relacionam entre si. Com efeito, o homem sábio é aquele que compreende o todo e, logo, é capaz de assimilar qualquer nova verdade e incluí-la em seu arcabouço mental. Ora, se não forem capazes de enxergar a realidade de forma ampla, argumenta Newman, as pessoas estarão à mercê da retórica emocional e dos sentimentos populares. 

Ao mesmo tempo não poderão resolver as dificuldades por conta própria, pois carecem das ferramentas necessárias para entender seu lugar no mundo. Elas não reconhecem a verdade e a educação, afinal, trata da verdade. Não apenas a verdade é o objeto apropriado do intelecto, como também todas as verdades são reflexos da única verdade. Ou seja, todo conhecimento se relaciona, em última instância, com uma única matéria. É por isso que as conexões são tão vitais para a sabedoria.

A visão do todo

Nesse ínterim, a visão última pela qual devemos nos esforçar para enxergar é semelhante àquela que Dante Alighieri nos oferece no final de sua Divina Comédia. Dante contempla o centro divino em chamas tão intensas que ele só pode ver por ter sido concedido um poder de visão além do alcance dos homens terrenos. E em torno desse centro orbitam os anjos e os santos.

Sem deterem-se mais do que é preciso,
Os olhos meus haviam rodeado
Em sua forma geral o Paraíso:
Vivo desejo em mim ‘stando ateado, 
A Beatriz voltei-me; ter queria 
A solução do que era inexplicado.
(Paraíso, Canto 31, linhas 52-57)

Do mesmo modo, na minha analogia, os anjos e santos representam os objetos de investigação corretos das ciências e disciplinas particulares. E, de fato, eles podem ser estudados individualmente, o que é útil, porém, sem a luz ao centro, perdem seu significado e verdadeira importância. Na verdade, nem mesmo seriam visíveis sem a luz que dá vida. Assim, a cosmologia como um todo deve ser pelo menos parcialmente compreendida para saber como interpretar as partes, pois as partes formam um todo belo e ordenado. Posto que este todo é o que o bom educador deve esforçar-se para mostrar aos seus alunos, e é precisamente isso que Newman considerava como parte fundamental da missão de uma universidade.

O que fazer na prática.

Contudo eu não sou responsável por uma universidade, e sim uma escola secundária. Como isso pode ocorrer em uma sala de aula do ensino médio? Ora, tive um exemplo maravilhoso disso hoje mesmo. Estava conversando com um homem que irá ministrar uma aula de marcenaria para meus alunos. A coisa parece muito simples: os alunos terão a valiosa experiência de trabalhar com os materiais deste mundo e moldá-los em algo útil e, espero, belo. Sem dúvida uma experiência proveitosa, mas talvez seja possível ir além e acrescentar a visão ampla da realidade a isso.    

Dessa forma, o professor de marcenaria me contou como também queria que os alunos realizassem leituras para sua aula. Em resumo, os alunos receberiam, entre as aulas,  trechos de textos do Papa São João Paulo II, São Bento, entre outros, os quais tratariam da santidade do trabalho e do desejo inato do homem de ser, ainda que de forma pequena, co-criador com Deus. O professor queria que os alunos vissem como a marcenaria satisfaz um desejo profundo e sagrado no homem de pegar a “boa” criação de Deus e oferecê-la de volta a Ele, remodelada e tornada bela pelo uso de suas mãos, aliado ao seu dom único da razão.

Por consequência, a aula de marcenaria agora está examinando a natureza da humanidade e como ela deve se relacionar com o restante da criação física. Este é um plano belo e profundo para integrar uma aula de marcenaria a essa imagem maior e fazê-lo de uma forma acessível aos estudantes do ensino médio. Eles ainda vão fazer mesas e prateleiras, mas todo o tom da aula foi elevado. E agora eles estão construindo pontes.

As conexões apontam para a verdade

Quanto mais um professor for capaz de fazer essas conexões para seus alunos, mais lhes proporcionará uma visão do todo. Os professores devem conscientemente tentar transmitir essa ideia da imagem maior ao ensinar qualquer parte dela que lhes seja atribuída. É bom para os alunos contemplarem a misteriosa ordem na criação em uma aula de geometria. Assim como é bom para eles admirarem uma frase lindamente elaborada em um livro de história. É bom para eles repousarem no maravilhoso e poético fato de que toda a energia que alimenta seus corpos vem, em última instância, do sol. É bom para eles aprenderem com seus corpos, bem como com suas mentes.

Afinal, somos uma união de corpo e mente, e não apenas durante esta vida terrena passageira como pensava Sócrates. Para  transmitir a visão do todo, a educação deve integrar todas as partes em uma imagem maior e bela com Deus no centro, dando significado a todas as coisas. A redescoberta e a comunicação desse todo devem ser uma prioridade para qualquer boa escola.

Finalmente, tudo isso me ocorreu enquanto suava no tempo quente, imaginando se meu buraco estava profundo o suficiente (e torcendo muito para que estivesse). Qualquer pessoa que passasse por mim poderia ter me confundido com um pedreiro, em vez do diretor da escola. O que eu estava fazendo só fazia sentido com uma compreensão adequada da imagem maior; uma visão integrada do todo. Minha própria situação era um pequeno exemplo que ilustrava o princípio maior que eu havia lido no dia anterior em “A Ideia de uma Universidade”. E essa fortuita situação agora me serve de lembrete enquanto planejo minhas próprias aulas para o próximo semestre. Lembrete que recebo de braços abertos.

Sobre o autor: Stephen Fitzpatrick formou-se em Artes Liberais pelo Thomas Aquinas College e tem mestrado em Teologia pela Universidade de Scranton. Ele é o diretor da Cardinal Newman Academy em Richmond, VA.

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Leia mais em Dez mandamentos para professores

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Matemática e Pedagogia de Platão

Filósofos pré-cristãos e desbravadores do caminho*.
Da esquerda para direita: Sibila Eritreia, Sócrates e Platão.
Sólon, Aristóteles, Pitágoras e Tucídides.
Apolônio de Tiana, São Paulo Apóstolo, São Justino Filósofo e Homero.

* Baseado nos afrescos do Santo Mosteiro de Vatopaidi no Monte Athos, bem como no Mosteiro da Transfiguração de Cristo em Meteora, este é um ícone contemporâneo de São Paulo Apóstolo e São Justino Mártir e Filósofo com muitos filósofos clássicos que buscaram e falaram do Logos e que encontrariam realização em Cristo e em Seu Santo Evangelho.

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Trecho retirado do capítulo III do livro Educação segundo a Filosofia Perene que está disponível no LINK.

III. 6) A pedagogia de Platão. I.

É evidente que o ideal filosófico proposto por Platão supõe por parte do filósofo, ou do aprendiz de filósofo, uma elevada capacidade de abstração, não apenas para compreender o que seja a idéia da beleza ou do bem em si mesmo, mas para alcançá-las com suficiente firmeza para serem não apenas objeto de investigação, mas também de contemplação.

Na República [livro] Platão expõe como deve o homem ser educado se quiser tornar-se um filósofo. Como Aristóteles foi seu mais brilhante discípulo durante 20 anos, e suas teorias apresentam notáveis semelhanças e aprofundamentos em relação às de Platão, é de se supor que ele tenha sido educado pelo mestre segundo um plano, se não igual, pelo menos semelhante ao esboçado por Platão na República. Não é descabido supor também que grande parte da genialidade de Aristóteles seja resultado desta educação recebida por meio de Platão.

Uma exposição completa da Pedagogia de Platão exigiria um trabalho à parte; aqui apenas reportaremos passagens do texto da República para dar uma primeira noção do que se tratava.

Na República Platão traça um sistema educacional que, se executado tal como exposto, se iniciaria aos sete anos de idade e se estenderia até aos cinqüenta e cinco.

Seu objetivo não era estender o sistema a todos os homens; segundo ele, nem todos os homens são iguais, mas alguns tem uma alma de ouro, outros de prata, outros de ferro e bronze; o filho de quem tem uma alma de ouro pode nascer com uma alma de ferro, e vice versa; só durante o processo de aprendizado é que se faz possível descobrir quem são as almas de ouro. Seu sistema educacional, extremamente exigente e planejado, seria apenas para as almas de ouro; isto, segundo ele, não representaria discriminação nem injustiça para as demais, porque seriam elas próprias a não se interessarem em enfrentar um aprendizado tão longo e difícil. Mas, ainda que poucas almas de ouro o seguissem, isto representaria um bem imenso para toda a humanidade; as almas de ouro que se tornassem filósofos tomariam o poder e governariam os povos; tal como o Pai do Universo, que ao contemplar as idéias eternas produziu o cosmos, estas almas, ao alcançarem a contemplação destas mesmas idéias eternas que plasmaram o cosmos, plasmariam os povos e suas instituições segundo o mesmo modelo, imitando assim na sociedade humana a mesma função dos deuses quando da formação do Universo. É o que veremos no final do esboço que vamos apresentar da Pedagogia de Platão.

Ao contrário do que comumente se pensa, estes objetivos de Platão não foram uma utopia irrealizada. Eles se concretizaram na pessoa de Aristóteles seu discípulo; nele Platão encontrou uma alma de ouro, alguém que através desta Pedagogia alcançou uma notável profundidade na contemplação. As obras de Aristóteles são uma transposição para o papel desta atividade contemplativa; nela encontramos uma síntese filosófica que reproduz, tanto quanto possível, a própria ordem do Universo, não em uma narrativa que transpõe o que vêem os olhos, mas em que se procura alcançar a essência desta ordem em todas as suas manifestações possíveis, inclusive na Ética e na Política. E pode-se dizer também que, após alguns séculos de esquecimento, quando Aristóteles se tornou finalmente conhecido pelo mundo medieval, ele tomou o poder durante alguns séculos no mundo ocidental; ele ajudou a plasmar a nossa civilização, e suas opiniões sobre todos os assuntos, desde a ciência natural até à Ética e à Política, tiveram mais força entre os homens do que os decretos passageiros dos soberanos, facilmente revogados e esquecidos.

III. 7) A pedagogia de Platão. II.

Segundo Platão, a educação do futuro filósofo começa cedo, já na infância:

"Começamos por contar fábulas às crianças.

Estas são fictícias, por via de regra, embora haja nelas algo de verdade. As fábulas, na educação das crianças, aparecem antes da ginástica.

O princípio é o mais importante em toda a obra, sobretudo quando se trata de criaturas jovens e tenras; pois neste período de formação do caráter, é mais fácil deixar nelas gravadas as impressões que desejarmos.

Não poderemos então permitir, levianamente, que as crianças escutem quaisquer fábulas, forjadas pelo primeiro que apareça. Trataremos de convencer às mães e às amas que devem contar às crianças apenas as histórias que forem autorizadas, para que lhes moldem as almas por meio das histórias melhor do que os corpos com as mãos. Será então preciso rechaçar a maioria das fábulas que estão atualmente em uso: jamais devem ser narradas em nossa cidade, nem se deve dar a entender a um jovem ouvinte que ao cometer os maiores crimes não fez nada de extraordinário; nem tampouco se deve dizer uma palavra sobre as guerras no céu, as lutas e as ciladas que os deuses armam uns aos outros, o que aliás nem é verdade. Pelo contrário, se houver meio de persuadi-los de que jamais houve cidadão algum que tivesse se inimizado com outro e de que é um crime fazer tal coisa, esse, e não outro, é o gênero de histórias que anciãos e anciãs deverão contar-lhes desde o berço, pois os meninos não são capazes de distinguir o alegórico do literal e as impressões recebidas nesta idade tendem a tornar-se fixas e indeléveis. Portanto, é da mais alta importância que as primeiras fábulas que escutarem sejam de molde a despertar nelas o amor da virtude" [194].

Além das histórias, Platão quer também que as crianças sejam sadiamente educadas desde cedo em uma arte correta:

"Teremos de vigiar não apenas os poetas, fazendo-os expressar a imagem do bem em suas obras ou a não divulgá-las entre nós; mas será preciso vigiar também os demais artistas, impedindo que exibam as formas do vício, da intemperança, da vileza ou da indecência na escultura, na edificação e nas demais artes.

Pois a arte reflete a harmonia da alma: a beleza do estilo, a harmonia, a graça e a eurritmia não são mais do que conseqüências da verdadeira simplicidade, próprias de uma mente e caráter nobremente dispostos; busquemos, pois, aqueles artistas cujos dotes naturais os levam a investigar a verdadeira essência do belo e do gracioso. Desta maneira, os jovens crescerão em uma terra salubre" [195].

Que os jovens também sejam educados a respeito do abuso do prazer:

"O abuso do prazer não tem nenhuma afinidade com a temperança, nem com a virtude em geral" [196].

"Sabemos por experiência que quanto mais fortemente somos arrastados pelos desejos num sentido, mais fracos se mostram eles nos outros; é como uma corrente que fosse desviada toda para um canal. Aqueles cujos desejos o conduzem para o saber sob todas as suas formas se entregará inteiramente aos prazeres da alma e porá de lado os do corpo, se for filósofo verdadeiro e não fingido. Tal homem será temperante e nada avaro de riquezas" [197].

Continuando a exposição, Platão mostra como existe um equilíbrio ideal entre ginástica e música na formação do futuro filósofo:

"Quanto às duas artes da música e da ginástica, crêem alguns que se destinam uma a atender a alma e outra a atender o corpo; mas é muito possível que tanto uma quanto a outra tenham sido criadas com vistas sobretudo ao aperfeiçoamento da alma. Pois os que praticam exclusivamente a ginástica tornam-se por demais abrutalhados, enquanto que os que se dedicam exclusivamente à música amolecem-se mais do que lhes convém. Será preciso, pois, combinar a ginástica com a música e ajustá-las à alma dos jovens na mais justa proporção" [198].

Depois Platão insiste que é preciso treiná-los também nas diversas virtudes e na arte militar:

"Dentre eles depois escolheremos os mais inclinados a ocupar-se com o que julgam útil à cidade, aqueles para os quais não haja sedução nem violência capaz de fazer-lhes esquecer o sentimento do dever para com a comunidade" [199].

"E se hão de ser tais como os descrevemos, é necessário que tenham a qualidade da veracidade. De caso pensado, jamais acolherão a mentira em suas mentes, pois a odeiam tanto quanto amam a verdade.

Haverá alguma coisa mais natural à filosofia do que a verdade?

É necessário, portanto, que o verdadeiro amante do saber aspire desde a sua juventude à verdade em todas as coisas" [200].

"Devemos examinar ainda outro critério pelo qual se aquilata a índole filosófica: que não passe desapercebida nenhuma vileza, porque a mesquinhez do pensamento é o que há de mais incompatível com a alma que tende constantemente para a totalidade e a universalidade do divino e do humano" [201].

"Um homem assim não poderá considerar a morte como coisa terrível. Como pode, (de fato, quem teme a morte), ter a elevação necessária para vir a contemplar a verdade?" [202].

"Ademais, o homem harmoniosamente constituído, que não é avaro nem mesquinho, vaidoso nem covarde, não poderá jamais mostrar-se duro ou injusto em suas relações com os outros" [203].

"Tampouco pode-se passar por alto se aprende com facilidade ou não; pois como pode-se esperar que alguém ame aquilo que lhe pesa fazer e em que se adianta pouco e a duras penas?" [204].

"Mas a verdade será a principal e a primeira de todas as qualidades, que ele deverá perseguir sempre e em todas as coisas" [205].

"Estes são os sinais que distinguem desde a juventude a natureza filosófica da que não o é" [206].

Passada a juventude, depois do exercício das virtudes, começará o exercício da inteligência:

"Durante o período de crescimento os jovens tem de ocupar-se sobretudo com os seus corpos, para que lhes sejam prestantes, mais tarde, no serviço da filosofia. Á medida que a vida for avançando e o intelecto começar a amadurecer, intensificarão pouco a pouco a ginástica da alma" [207].

"Será preciso fazer com que se exercitem em muitas disciplinas, para vermos se serão capazes de suportarem a maior de todas elas, ou se fraquejarão como os que fraquejam em outras coisas" [208].

A matemática, será, nesta época, um dos estudos a que hão de se dedicar os jovens. Porém, no que diz respeito a esta disciplina, Platão reconhece que não é buscada pelo motivo com que convém buscá-la:

"Ninguém se serve devidamente dela, pois a sua verdadeira utilidade é atrair as almas para as essências" [209].

A matemática "é uma espécie de conhecimento que se deveria implantar por lei, tentando persuadir os que vão exercer as mais altas funções da cidade que se acerquem dela e a cultivem não como amadores, mas para que cheguem a contemplar a natureza dos números com a ajuda exclusiva da inteligência; não como fazem os comerciantes e os revendões, para utilizá-la nas compras e nas vendas.

A matemática (pode começar a) elevar a alma a grandes alturas, obrigando-a a discorrer sobre os números em si, rebelando-se contra qualquer tentativa de introduzir objetos visíveis ou palpáveis na discussão. Nota-se que os que têm um talento natural para o cálculo também mostram grande vivacidade para compreender todas ou quase todas as ciências, e que mesmo os espíritos tardios, quando foram educados e exercitados nesta disciplina, tiram dela, quando não outro proveito, pelo menos o se fazerem mais atilados do que antes eram. Fica, pois, assentado que esta será nossa primeira matéria de educação" [210].

A segunda matéria que se segue à matemática, diz Platão, será a Geometria. No entanto, os homens também não estudam a Geometria como convém:

"Confundem as necessidades da geometria com as da vida diária: no entanto, o verdadeiro objeto de toda esta ciência é o conhecimento. Ela (deve) ser cultivada com vistas no conhecimento do que sempre existe, e não do que nasce e perece. Então ela atrairá a alma para a verdade e formará mentes filosóficas que dirijam para cima aquilo que agora dirigimos indevidamente para baixo. Em todos os ramos de estudo, como demonstra a experiência, quem aprendeu geometria tem uma compreensão infinitamente mais viva" [211].

Assim, depois de dissertar também sobre a importância do estudo da geometria no espaço, da astronomia e da música na formação do filósofo, Platão chega finalmente à própria filosofia, que ele chama de Dialética:

"Assim chegamos finalmente à melodia que a Dialética executa, a qual, embora sendo unicamente do intelecto, é imitada pela faculdade da vista ao procurar contemplar os animais, as estrelas reais e o próprio Sol. Quando, pelo seu auxílio, tentamos dirigir-nos, com a ajuda da inteligência e sem a intervenção de nenhum sentido para o que é cada coisa em si e não desistimos até alcançar, com o auxílio exclusivo da inteligência, o que é o bem em si, então chegamos às próprias fronteiras do inteligível, assim como aquele que chegou ao limite do visível" [212].

"Mas teremos que escolher (novamente) aqueles a quem haveremos de ensinar estas coisas e de que maneira. O erro que se comete agora é o de ser estudada a filosofia por indivíduos que não são dignos dela.

Por conseguinte, a Matemática, a Geometria, e toda a instrução que constitui o preparo para a filosofia devem ser ministrados na infância; não, porém, com a idéia de impor pela força o nosso sistema de educação. Um homem livre não deve ser escravizado na aquisição de qualquer espécie de conhecimento. Os exercícios corporais, quando compulsórios, não fazem dano ao corpo; mas o conhecimento que penetra na alma pela força não cria raízes nela. Que não se empregue, portanto, a força para instruir as crianças; que aprendam brincando, e assim poderemos conhecer melhor o pendor natural de cada uma. E os que neles demonstrarem sempre maior agilidade passarão a formar um grupo seleto" [213].

"A partir de então, com os que forem escolhidos entre a classe dos 20 anos, reuniremos os conhecimentos que adquiriram separadamente durante a educação infantil num quadro geral das relações que existem entre as diferentes disciplinas e entre cada uma delas e a natureza do ser. Este é, ademais, o melhor critério para aquilatar as naturezas filosóficas, pois aquele que tem visão de conjunto é filósofo; o que não a tem, esse não o é" [214].

"Estes são os pontos que deverão ser considerados; aqueles que, além de se avantajarem aos outros nestas coisas, se mostrarem mais firmes e constantes na aprendizagem, na guerra e nas demais atividades, logo que tenham alcançado a idade dos 30 anos tornarão a ser separados entre os já escolhidos para investigar, com a ajuda da Dialética, quais deles serão capazes de renunciar ao uso da vista e dos sentidos e, em companhia da verdade, atingir o ser absoluto. Mas aqui será necessário ter muita cautela" [215].

"Há grande perigo em que tomem gosto pela filosofia quando ainda são jovens; servir-se-ão dela como de um jogo, empregando-a para contradizer os outros e depois de terem conquistado muitas vitórias e sofrido também muitas derrotas, cairão rapidamente na incredulidade a respeito de tudo quanto antes acreditavam" [216].

Mas, a partir dos 30 anos,

"durante cinco anos se dedicarão à filosofia. Depois serão obrigados novamente a exercer os cargos atinentes à guerra" e ao bem público.

"Também nestes cargos serão postos à prova, para ver se se manterão firmes ou fraquejarão em face das tentações que procurarão arrastá-los em todos os sentidos. Esta nova fase de suas vidas durará quinze anos. Quando chegarem aos 50, os que se tiverem distinguido em todos os atos de sua vida e em todos os ramos do conhecimento serão levados à consumação final, pois será preciso obrigá-los a elevar os olhos da alma e contemplar de frente o que proporciona luz a todos; e quando tiverem visto o bem em si, o adotarão como modelo durante o resto de sua existência, em que governarão cada qual por seu turno, tanto à cidade e aos particulares como a si mesmos" [217].

III. 8) Conclusão.

Vimos, pois, em suas linhas essenciais, qual era a educação que Platão propunha para formar um filósofo.

Não obstante tratar-se de uma educação capaz de levar os alunos a um grau de abstração surpreendentemente elevado, tal pelo menos como ela se encontra apresentada na República, esta educação não foi exposta por Platão de modo abstrato. Ao contrário, foi revestida da roupagem de um exemplo concreto até os seus menores detalhes, dos quais omitimos a quase totalidade na resenha que dela fizemos. Tratava-se do exemplo de uma cidade que deseja formar uma elite permanente de sábios a quem caberia dirigir a sua política e os seus destinos ocupando de fato todos os cargos públicos fundamentais. Evidentemente esta não é a essência do livro, mas uma técnica literária para tornar a leitura mais agradável a um público mais amplo; no final do livro VII o próprio Platão duvida se o exemplo que ele deu se concretizará algum dia sobre a terra:

"Sim, esta é a melhor maneira para que uma cidade alcance no mais breve espaço de tempo a felicidade. Parece-nos ter descrito muito bem como estas coisas se realizarão, se é que alguma vez chegarão a realizar-se" [218].

Entretanto, desrevestido de seu exemplo, Platão realizou tudo quanto descreveu na República não em uma grande elite dirigente, mas na pessoa de seu discípulo Aristóteles; e, através dele, a cidade onde esta elite de um só exerceu o poder, sem necessidade de exercer cargos públicos, foi a própria civilização ocidental.


Notas:

[194] Platão, A República, L. II.

[195] Ibidem, L. III.

[196] Ibidem, L. III.

[197] Ibidem, L. VI.

[198] Ibidem, L. III.

[199] Ibidem, L. III.

[200] Ibidem, L. VI.

[201] Ibidem, L. VI.

[202] Ibidem, L. VI. 

[203] Ibidem, L. VI.

[204] Ibidem, L. VI.

[205] Ibidem, L. VI.

[206] Ibidem, L. VI.

[207] Ibidem, L. VI.

[208] Ibidem, L. VI.

[209] Ibidem, L. VI.

[210] Ibidem, L. VII.

[211] Ibidem, L. VII.

[212] Ibidem, L. VII.

[213] Ibidem, L. VII.

[214] Ibidem, L. VII.

[215] Ibidem, L. VII.

[216] Ibidem, L. VII.

[217] Ibidem, L. VII.

[218] Ibidem, L. VII.

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Leia mais em Platão Educador

Leia mais em O papel das matemáticas na educação, segundo Platão



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O declínio da escola tradicional


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O declínio da escola clássica por Claudio Titericz, disponível no LINK.

A educação atual veio decaindo desde o início do século passado e encontra-se em uma situação lastimável nos dias de hoje. Os alunos atuais se formam e não fazem ideia do que adquiriram como saber, apenas lhes interessa o fazer. Também já escrevi alhures sobre a importância de se conhecer a antropologia humana para realizar uma boa educação, mas outro assunto relevante para se conhecer e comentar é a psicologia humana.

A economização atingiu em cheio as instituições educacionais, sejam as escolas ou as famílias, fazendo-as escravas da economia e estimulando que se ensine apenas uma profissão aos nossos alunos e filhos. Isto não seria possível sem um conhecimento sobre psicologia, principalmente psicologia de massa, com o objetivo de secundarizar a sociedade.

Já comentamos, também, que a antiga Escola Clássica, constituída na Idade Média pelos jesuítas e que adentrou ao mundo contemporâneo, trazendo a humanidade ao século XX, foi sendo substituída por uma escola profissionalizante, e que esta seria muito mais eficiente para a sociedade moderna se desenvolver do que aquela.

E assim foi nos Estados Unidos, que iniciou o processo de desconstrução desta filosofia educacional que havia construído o mundo contemporâneo.  Foram valorizadas as figuras de Wilhelm Wundt, Tom Parker, Henry Goddard, Lewis Terman, Robert Yerkes, Alfred Binet, Jean Piaget, John Watson, B. F. Skinner, Paulo Freire, Ivan Illich, John Dewey, Edward Lee Thorndike e outros, com recursos “filantrópicos” das Fundações Carnegie, Ford e Rockefeller. Mas para quê? Simplesmente para mudar os conceitos educacionais americanos. Uma vez alterada a filosofia dos Estados Unidos, o mundo todo seguiria este novo padrão, que se prolifera até hoje, que é a utilização da “psicologia experimental” na educação. Para se alterar o modelo da sociedade era preciso entrar na educação com meios psicológicos eficientes.

Em um livro chamado “The Leipzig Connection” (1980), Paolo Lionni apresenta o que seria a psicologia experimental e como esta veio a sedimentar-se no ambiente educacional americano e europeu. Esta psicologia considera o ser humano como um animal e a educação, nesta perspectiva, deve ser realizada de forma a levar o instruendo a uma experiência educacional padrão igual a todos os outros e se espera um resultado padrão nesta experiência, neste ensino.

Ou seja, ao não considerar a criança e o jovem como um ser racional, este modelo os considera como seres irracionais. E é isso que se busca no ensino, fazendo-os um contingente a ser adestrado para o trabalho e sem questionamentos. Foi na Escola de Chicago que ocorreu o surgimento da “psicologia educacional” e da chamada “educação progressiva” emanada do Teachers College de Columbia que durou mais de meio século, sendo absorvida por grande parte das escolas americanas.

O alemão Wilhelm Maximilian Wundt, nascido em 1832, foi o precursor desta nova ciência, quando a psicologia significava apenas o estudo da alma ou da psiqué. Com seu laboratório em Leipzig, em 1875, conseguiu transformá-lo no primeiro laboratório psicológico do mundo. Começou a medir as respostas fisiológicas do indivíduo quando tinha suas experiências sensitivas e sentimentais, julgando que estava conseguindo medir os resultados de estímulos provocados em seres humanos, dando a impressão de criar uma ciência exata que era a psicologia experimental com ares de ciência exata. Wundt acreditava que o homem era desprovido de espírito e autodeterminação, mas apenas somas das experiências que eram introduzidas na consciência e subconsciência.

Este trabalho foi considerado de maneira geral um grande estudo do cérebro e do sistema nervoso humano e rapidamente foi levado para a educação, pois o estudante teria de ser exposto às experiências significativas para se assegurar um aprendizado adequado. Deveria ser criada uma “situação-resposta” para cada tipo de aprendizagem.

Assim, se só existe o corpo, temos que tentar induzir sensações no sistema nervoso para provocar a aprendizagem. Pavlov bebeu desta base filosófica para formular os princípios do condicionamento e, também, os psicólogos behavioristas americanos Watson e Skinner, como para a lobotomia e a terapia eletroconvulsiva. Estava aberta a direção rumo à gratificação dos prazeres sensíveis, às custas da responsabilidade e da finalidade humana.

Neste contexto, a chamada educação clássica estava totalmente contrária a esta filosofia educacional, mas tudo ficou ainda pior, quando se começou a acreditar que os caminhos da mente poderiam ser medidos por experimentos. Um dos alunos de Wundt que retornou para os Estados Unidos foi G. Stanley Hall que em 1887 organizou um laboratório deste modelo na Universidade Johns Hopkins, além de fundar o American Journal of Psychology. Ele estabeleceu, em 1904, uma relação entre a psicologia experimental com a educação infantil.

Foi Hall que promoveu a carreira de uma personagem importantíssima da educação americana que foi John Dewey, que com financiamento dos Rockfeller, cria um laboratório de educação na Universidade de Chicago para aplicar princípios psicológicos e técnicas experimentais ao estudo do aprendizado.

Dewey desejava que as crianças tivessem os fatores psicológicos e sociais coordenados na escola com a finalidade de que elas expressassem fins sociais. Os professores teriam de mudar seu papel tradicional de educador para serem guias para a socialização da criança. Tanto para Wundt como Dewey, o ser humano não passa de um animal abandonado às suas reações e inteiramente dependente de seus dados experienciais.

Ainda mais, nesta linha materialista, as habilidades naturais derivavam da hereditariedade como são as limitações do mundo orgânico. A eugenia começava dar seus passos. Entretanto, foi da mente de outro wundtiano chamado Edward Lee Thorndike, que em Harvard, começou a pesquisar galinhas, gatos, ratos, testando seu comportamento, criando o que seria a “psicologia animal”, pois como dizia: “a psicologia era a ciência da inteligência, caráter e comportamento dos animais, incluindo o homem”.

Estes estudos tiveram eco em outros pesquisadores que se convenceram de que isto era digno de ser testado em humanos e, em 1903, já havia resultados na aplicação destas técnicas sendo realizadas em crianças e jovens. A escola começa a ensinar que o que é agradável é bom e o desagradável não é bom. Esta é a base do ensinamento de estímulos-respostas de Thorndike e que foi transmitido a centenas de milhares de professores espalhados pelo mundo por meio da “psicologia educacional”. O educador brasileiro Anísio Teixeira foi um deles e trouxe ao Brasil algumas destas ideias nos anos 1930.

Estamos vendo que a educação neste nível, considera o ser humano um animal social que deve aprender a adaptar-se ao seu meio ambiente, ao invés de descobrir como adaptar eticamente o ambiente às necessidades suas e da comunidade. O individualismo e o desenvolvimento de habilidades individuais cedem espaço à conformidade social e à adaptação, dizendo de outra forma, as crianças devem ser “bem-ajustadas” ou condicionadas. Daí a necessidade de dar uma “vocação”, uma carreira vocacional a cada um, visando o bem social. A escola mudou seu fim, agora é a socialização do estudante, entendendo isto como dar-lhe uma função social, ou seja, um emprego remunerado, não importando a necessidade do indivíduo.

Muito preocupado com a evolução destas ideias na educação americana, Albert Jay Nock escreve os fundamentos que deveriam existir na educação em seu livro The Theory of Education in the United States.

No livro, escrito em 1932, Nock fala da decadência dos últimos 35 anos justamente pela introdução nos currículos das matérias ditas científicas em detrimento daquelas que compunham a estrutura da chamada Escola Clássica. Os propósitos apenas vocacionais estavam sendo priorizados. Mas esta reforma que altera o objetivo, o espírito e a estrutura da educação americana estava sendo conduzida de forma empírica, fazendo testes pedagógicos sem qualquer parâmetro e por vezes utilizando processos psicológicos observados em animais. E tudo voltado para o trabalho, substituindo educação por treinamento.

Toda uma tradição escolar voltada para o desenvolvimento intelectual foi sendo abandonada. Albert Jay Nock falou da vontade desta nova teoria de ensino de se buscar o igualitarismo e a democracia. Entretanto, ele diz que nem todos são educáveis, mas todos são treináveis. Assim, a ideia de se treinar a todos é mais fácil e economicamente melhor para se obter um retorno financeiro, além de ser uma forma igualitária e de se manter a teoria viável. A teoria que passou a dominar era a de que treinar um cidadão é equivalente a educação para a cidadania, pois eu daria ao jovem uma profissão na qual ele ajudaria a sociedade a crescer.

A teoria educacional também falava sobre democracia e poucas pessoas parecem realmente entender o que seja. E, para não entrar muito a fundo no tema, podemos facilmente ver que a antítese de democracia é o absolutismo. Parece, na visão de Nock, que não se está sendo nem igualitário, nem democrático, neste novo sistema educacional. Ao contrário, se está impondo de forma absoluta sobre todos os estudantes um padrão, quando isto é impossível, pois cada indivíduo é exclusivo e não um membro de um rebanho.

E aí se observa a grande diferença entre a chamada “Grande Tradição” da Escola Clássica e a atual, que era a disciplina voltada para os “conhecimentos formativos” e esta nova tendência voltada para “conhecimentos instrumentais”. Mas a disciplina serve apenas para educar pessoas, mas como existem pessoas que não são educáveis, a disciplina não tem efeito, assim as escolas deveriam formar o “homem para o seu tempo” e “prepará-lo para a vida” e isto seria descartar a disciplina “antiga e medieval” da velha escola. Esta disciplina leva a pessoa educável a ter pensamento corretos, limpos, lógicos, maduros e profundos e, na concepção vocacional moderna, apenas lhe dá uma visão extremamente limitada de uma atividade humana.

A educação que estava em andamento nos Estados Unidos no começo do século passado ainda se manteve competente, pois havia uma herança educacional e os processos profissionais estavam sendo colocados de maneira correta e responsável, isto até cerca de 1950. Com o passar do tempo toda a geração antiga que houvera sida educada na educação clássica foi sendo ultrapassada pela idade.

Ao chegarmos na década de 1980, não se encontrava-se mais ninguém que tivesse passado por aquela educação e somente se ensinava uma profissão e, o que é pior, introduziu-se a ideologia dentro da pedagogia. Ora, isto faz com que a cada geração se perca a seriedade do que se faz e nestas duas décadas do 21º século, estamos colhendo o que sai das escolas e que podemos chamar de ignorância funcional e sequer uma profissão ou instrução correta os jovens aprendizes têm condição de responder. O nível geral está em queda livre e até mesmo o ensino tem decaído.

Verificamos, com estes dois livros, como se iniciou naquele momento grandes modificações em uma estrutura secular, dando início a uma nova fase do sistema educacional e de ensino no mundo.

Um último aspecto que gostaria de apontar é sobre a grande preocupação que havia na Escola Clássica com relação ao bem da sociedade e que neste novo modelo se perdeu. Ao tentar educar os jovens para a sociedade, formando-os para uma vocação, está se formando pessoas que só se importam consigo mesmas e não com a sociedade.

A chamada virtude cívica que o Barão de Montesquieu falava e que formou a cultura americana foi deixada de lado com este sistema de ensino puramente econômico. Não há mais amor à Pátria e o respeito solidário, tudo que o trabalhador deve fazer é trabalhar e todas as outras preocupações são do Estado. Todos sabemos que o importante não é o que se ensina, mas como se ensina, dessa maneira este modelo de ensino considera todos como um só e que deve respeitar um currículo único e deve ser instruído de forma única, descartando ou abafando os expoentes para mais ou para menos.

Para finalizar, gostaria de citar o último parágrafo do livro de Lionni, no qual enfatiza que:

Educação não é psicoterapia obrigatória universal imposta pelo governo. A incultura de nossos líderes e de seus eleitores é a raiz de todas as nossas dificuldades. A Terra está, em matéria de educação, desprovida de seus direitos, por planos que são próprios de uma ignorância universal. Precisamos de nada menos do que um completo renascimento educacional.

E continua Paolo Lionni, como que profetizando: 

Dentro de meio século a delinquência juvenil explodiria, hordas de analfabetos transbordariam de nossas escolas. Os professores já não aprenderiam a ensinar e, geração após geração, os adultos, privados dos frutos de uma educação de qualidade, abandonariam toda a esperança de escapar do pântano da educação “moderna”.

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Sobre o autor: Claudio Titericz é coronel da reserva do Exército Brasileiro, bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante permanente de Filosofia da Educação, ex-servidor do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith. 

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Leia mais em O que é Educação?

Leia mais em Elementos de crise na educação



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