Loading [MathJax]/extensions/tex2jax.js

Postagem em destaque

COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae

Primeiramente quero agradecer bastante todo o apoio e todos que acessaram ao Summa Mathematicae . Já são mais de 100 textos divulgados por a...

Mais vistadas

Mostrando postagens com marcador Educação Clássica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Educação Clássica. Mostrar todas as postagens

Educação Clássica e John Henry Newman

S. John Henry Newman


RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES

DIGITE SEU EMAIL:

Verifique sua inscrição no email recebido.


Tempo de leitura: 11 minutos.

Texto retirado do LINK. O original em inglês está aqui.

Na verdadeira educação tudo nos direciona para Deus

Por que nos preocupamos tanto com nossa educação e a educação de nossos filhos? Acaso sabemos qual o fim último da verdadeira educação? Ou será que estamos simplesmente preocupados com o mercado de trabalho, o pão de cada dia?

A experiência prática do autor como diretor de uma escola católica nos mostra que tudo que fazemos ou aprendemos são pequenas partes de um todo. E é justamente esse todo o objetivo último da educação. Quer se estude gramática, retórica ou até mesmo marcenaria, tudo deve nos direcionar para Deus, que é a verdade para a qual todas as outras verdades apontam. Assim tudo na educação nos direciona para Deus. 

Stephen Fitzpatrick, Catholic Exchange | Tradução: Equipe Instituto Newman (instagram).

Biblioteca da Abadia de Admont, na Áustria

Um diretor em obra

Não só fazia trinta e cinco graus lá fora, como também eu havia acabado de cavar um buraco para uma caixa de correio na argila rochosa da Virgínia ao lado de um estacionamento. Enquanto estava curvado sobre o buraco, despejando concreto nele, um pensamento me ocorreu: não era isso que eu esperava do meu emprego.

Quando aceitei o cargo de diretor da escola Cardinal Newman Academy há alguns meses, eu não sabia que envolveria mover pianos (não é piada) e instalar caixas de correio. Porém, também não posso dizer que estou muito surpreso. Ora, a escola ainda está em sua infância e acabamos de mudar de local. De tal forma que o diretor de uma pequena escola católica independente acaba desempenhando várias funções. Decerto, isso faz parte do pacote, e estou feliz em fazer o que for necessário para oferecer uma educação católica autêntica aos jovens sob minha responsabilidade.

O que nos ensina o Cardeal Newman

É claro que se não estiver ocupado com o trabalho manual, certamente estarei realizando algum trabalho de natureza intelectual em preparação para alguma aula ou exposição. O patrono da nossa escola é o Beato (em breve São) John Henry Cardeal Newman [Ele já foi canonizado em 2019]. Portanto, tenho lido sua famosa obra sobre educação, “A Ideia de uma Universidade” [publicado em português pela Editora Ecclesiae em 2020].

Sem dúvida, nessas séries de palestras, Newman faz muitas afirmações sensatas sobre a natureza de uma verdadeira educação. E  entre elas está sua declaração de que alguém não está verdadeiramente educado a menos que tenha um senso do todo. “Somente é verdadeiro o alargamento da mente que é o poder de ver muitas coisas de uma vez como um todo, de referenciá-las separadamente em seu verdadeiro lugar no sistema universal, de entender seus valores respectivos e determinar sua dependência mútua”. Em outras palavras, não basta saber algo, ou mesmo muito, sobre este ou aquele assunto, ou mesmo sobre diversos assuntos, se você não for capaz de relacioná-los entre si.

Assim sendo, se, ao final de sua educação, você acumulou conhecimento sobre muitas coisas, mas elas formam um arquipélago desconectado de ilhas isoladas, você não obteve uma educação. Se, todavia, as várias ilhas de seu conhecimento estão interligadas por muitas pontes, você tem o que Newman chama de estado de espírito filosófico, que é a marca característica do homem educado.

A sabedoria dos séculos

Nesse ponto de vista, Newman ecoa filósofos antigos como Aristóteles, ao afirmar que a sabedoria está nas conexões, isto é, na capacidade de ver como coisas aparentemente díspares se relacionam entre si. Com efeito, o homem sábio é aquele que compreende o todo e, logo, é capaz de assimilar qualquer nova verdade e incluí-la em seu arcabouço mental. Ora, se não forem capazes de enxergar a realidade de forma ampla, argumenta Newman, as pessoas estarão à mercê da retórica emocional e dos sentimentos populares. 

Ao mesmo tempo não poderão resolver as dificuldades por conta própria, pois carecem das ferramentas necessárias para entender seu lugar no mundo. Elas não reconhecem a verdade e a educação, afinal, trata da verdade. Não apenas a verdade é o objeto apropriado do intelecto, como também todas as verdades são reflexos da única verdade. Ou seja, todo conhecimento se relaciona, em última instância, com uma única matéria. É por isso que as conexões são tão vitais para a sabedoria.

A visão do todo

Nesse ínterim, a visão última pela qual devemos nos esforçar para enxergar é semelhante àquela que Dante Alighieri nos oferece no final de sua Divina Comédia. Dante contempla o centro divino em chamas tão intensas que ele só pode ver por ter sido concedido um poder de visão além do alcance dos homens terrenos. E em torno desse centro orbitam os anjos e os santos.

Sem deterem-se mais do que é preciso,
Os olhos meus haviam rodeado
Em sua forma geral o Paraíso:
Vivo desejo em mim ‘stando ateado, 
A Beatriz voltei-me; ter queria 
A solução do que era inexplicado.
(Paraíso, Canto 31, linhas 52-57)

Do mesmo modo, na minha analogia, os anjos e santos representam os objetos de investigação corretos das ciências e disciplinas particulares. E, de fato, eles podem ser estudados individualmente, o que é útil, porém, sem a luz ao centro, perdem seu significado e verdadeira importância. Na verdade, nem mesmo seriam visíveis sem a luz que dá vida. Assim, a cosmologia como um todo deve ser pelo menos parcialmente compreendida para saber como interpretar as partes, pois as partes formam um todo belo e ordenado. Posto que este todo é o que o bom educador deve esforçar-se para mostrar aos seus alunos, e é precisamente isso que Newman considerava como parte fundamental da missão de uma universidade.

O que fazer na prática.

Contudo eu não sou responsável por uma universidade, e sim uma escola secundária. Como isso pode ocorrer em uma sala de aula do ensino médio? Ora, tive um exemplo maravilhoso disso hoje mesmo. Estava conversando com um homem que irá ministrar uma aula de marcenaria para meus alunos. A coisa parece muito simples: os alunos terão a valiosa experiência de trabalhar com os materiais deste mundo e moldá-los em algo útil e, espero, belo. Sem dúvida uma experiência proveitosa, mas talvez seja possível ir além e acrescentar a visão ampla da realidade a isso.    

Dessa forma, o professor de marcenaria me contou como também queria que os alunos realizassem leituras para sua aula. Em resumo, os alunos receberiam, entre as aulas,  trechos de textos do Papa São João Paulo II, São Bento, entre outros, os quais tratariam da santidade do trabalho e do desejo inato do homem de ser, ainda que de forma pequena, co-criador com Deus. O professor queria que os alunos vissem como a marcenaria satisfaz um desejo profundo e sagrado no homem de pegar a “boa” criação de Deus e oferecê-la de volta a Ele, remodelada e tornada bela pelo uso de suas mãos, aliado ao seu dom único da razão.

Por consequência, a aula de marcenaria agora está examinando a natureza da humanidade e como ela deve se relacionar com o restante da criação física. Este é um plano belo e profundo para integrar uma aula de marcenaria a essa imagem maior e fazê-lo de uma forma acessível aos estudantes do ensino médio. Eles ainda vão fazer mesas e prateleiras, mas todo o tom da aula foi elevado. E agora eles estão construindo pontes.

As conexões apontam para a verdade

Quanto mais um professor for capaz de fazer essas conexões para seus alunos, mais lhes proporcionará uma visão do todo. Os professores devem conscientemente tentar transmitir essa ideia da imagem maior ao ensinar qualquer parte dela que lhes seja atribuída. É bom para os alunos contemplarem a misteriosa ordem na criação em uma aula de geometria. Assim como é bom para eles admirarem uma frase lindamente elaborada em um livro de história. É bom para eles repousarem no maravilhoso e poético fato de que toda a energia que alimenta seus corpos vem, em última instância, do sol. É bom para eles aprenderem com seus corpos, bem como com suas mentes.

Afinal, somos uma união de corpo e mente, e não apenas durante esta vida terrena passageira como pensava Sócrates. Para  transmitir a visão do todo, a educação deve integrar todas as partes em uma imagem maior e bela com Deus no centro, dando significado a todas as coisas. A redescoberta e a comunicação desse todo devem ser uma prioridade para qualquer boa escola.

Finalmente, tudo isso me ocorreu enquanto suava no tempo quente, imaginando se meu buraco estava profundo o suficiente (e torcendo muito para que estivesse). Qualquer pessoa que passasse por mim poderia ter me confundido com um pedreiro, em vez do diretor da escola. O que eu estava fazendo só fazia sentido com uma compreensão adequada da imagem maior; uma visão integrada do todo. Minha própria situação era um pequeno exemplo que ilustrava o princípio maior que eu havia lido no dia anterior em “A Ideia de uma Universidade”. E essa fortuita situação agora me serve de lembrete enquanto planejo minhas próprias aulas para o próximo semestre. Lembrete que recebo de braços abertos.

Sobre o autor: Stephen Fitzpatrick formou-se em Artes Liberais pelo Thomas Aquinas College e tem mestrado em Teologia pela Universidade de Scranton. Ele é o diretor da Cardinal Newman Academy em Richmond, VA.

***

Leia mais em Dez mandamentos para professores

Leia mais em As 4 causas da Educação Clássica



Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae

Nossa página no Instagram @summamathematicae e YouTube.


 

Matemática e Pedagogia de Platão

Filósofos pré-cristãos e desbravadores do caminho*.
Da esquerda para direita: Sibila Eritreia, Sócrates e Platão.
Sólon, Aristóteles, Pitágoras e Tucídides.
Apolônio de Tiana, São Paulo Apóstolo, São Justino Filósofo e Homero.

* Baseado nos afrescos do Santo Mosteiro de Vatopaidi no Monte Athos, bem como no Mosteiro da Transfiguração de Cristo em Meteora, este é um ícone contemporâneo de São Paulo Apóstolo e São Justino Mártir e Filósofo com muitos filósofos clássicos que buscaram e falaram do Logos e que encontrariam realização em Cristo e em Seu Santo Evangelho.

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES

DIGITE SEU EMAIL:

Verifique sua inscrição no email recebido.

Tempo de leitura: 23 minutos

Trecho retirado do capítulo III do livro Educação segundo a Filosofia Perene que está disponível no LINK.

III. 6) A pedagogia de Platão. I.

É evidente que o ideal filosófico proposto por Platão supõe por parte do filósofo, ou do aprendiz de filósofo, uma elevada capacidade de abstração, não apenas para compreender o que seja a idéia da beleza ou do bem em si mesmo, mas para alcançá-las com suficiente firmeza para serem não apenas objeto de investigação, mas também de contemplação.

Na República [livro] Platão expõe como deve o homem ser educado se quiser tornar-se um filósofo. Como Aristóteles foi seu mais brilhante discípulo durante 20 anos, e suas teorias apresentam notáveis semelhanças e aprofundamentos em relação às de Platão, é de se supor que ele tenha sido educado pelo mestre segundo um plano, se não igual, pelo menos semelhante ao esboçado por Platão na República. Não é descabido supor também que grande parte da genialidade de Aristóteles seja resultado desta educação recebida por meio de Platão.

Uma exposição completa da Pedagogia de Platão exigiria um trabalho à parte; aqui apenas reportaremos passagens do texto da República para dar uma primeira noção do que se tratava.

Na República Platão traça um sistema educacional que, se executado tal como exposto, se iniciaria aos sete anos de idade e se estenderia até aos cinqüenta e cinco.

Seu objetivo não era estender o sistema a todos os homens; segundo ele, nem todos os homens são iguais, mas alguns tem uma alma de ouro, outros de prata, outros de ferro e bronze; o filho de quem tem uma alma de ouro pode nascer com uma alma de ferro, e vice versa; só durante o processo de aprendizado é que se faz possível descobrir quem são as almas de ouro. Seu sistema educacional, extremamente exigente e planejado, seria apenas para as almas de ouro; isto, segundo ele, não representaria discriminação nem injustiça para as demais, porque seriam elas próprias a não se interessarem em enfrentar um aprendizado tão longo e difícil. Mas, ainda que poucas almas de ouro o seguissem, isto representaria um bem imenso para toda a humanidade; as almas de ouro que se tornassem filósofos tomariam o poder e governariam os povos; tal como o Pai do Universo, que ao contemplar as idéias eternas produziu o cosmos, estas almas, ao alcançarem a contemplação destas mesmas idéias eternas que plasmaram o cosmos, plasmariam os povos e suas instituições segundo o mesmo modelo, imitando assim na sociedade humana a mesma função dos deuses quando da formação do Universo. É o que veremos no final do esboço que vamos apresentar da Pedagogia de Platão.

Ao contrário do que comumente se pensa, estes objetivos de Platão não foram uma utopia irrealizada. Eles se concretizaram na pessoa de Aristóteles seu discípulo; nele Platão encontrou uma alma de ouro, alguém que através desta Pedagogia alcançou uma notável profundidade na contemplação. As obras de Aristóteles são uma transposição para o papel desta atividade contemplativa; nela encontramos uma síntese filosófica que reproduz, tanto quanto possível, a própria ordem do Universo, não em uma narrativa que transpõe o que vêem os olhos, mas em que se procura alcançar a essência desta ordem em todas as suas manifestações possíveis, inclusive na Ética e na Política. E pode-se dizer também que, após alguns séculos de esquecimento, quando Aristóteles se tornou finalmente conhecido pelo mundo medieval, ele tomou o poder durante alguns séculos no mundo ocidental; ele ajudou a plasmar a nossa civilização, e suas opiniões sobre todos os assuntos, desde a ciência natural até à Ética e à Política, tiveram mais força entre os homens do que os decretos passageiros dos soberanos, facilmente revogados e esquecidos.

III. 7) A pedagogia de Platão. II.

Segundo Platão, a educação do futuro filósofo começa cedo, já na infância:

"Começamos por contar fábulas às crianças.

Estas são fictícias, por via de regra, embora haja nelas algo de verdade. As fábulas, na educação das crianças, aparecem antes da ginástica.

O princípio é o mais importante em toda a obra, sobretudo quando se trata de criaturas jovens e tenras; pois neste período de formação do caráter, é mais fácil deixar nelas gravadas as impressões que desejarmos.

Não poderemos então permitir, levianamente, que as crianças escutem quaisquer fábulas, forjadas pelo primeiro que apareça. Trataremos de convencer às mães e às amas que devem contar às crianças apenas as histórias que forem autorizadas, para que lhes moldem as almas por meio das histórias melhor do que os corpos com as mãos. Será então preciso rechaçar a maioria das fábulas que estão atualmente em uso: jamais devem ser narradas em nossa cidade, nem se deve dar a entender a um jovem ouvinte que ao cometer os maiores crimes não fez nada de extraordinário; nem tampouco se deve dizer uma palavra sobre as guerras no céu, as lutas e as ciladas que os deuses armam uns aos outros, o que aliás nem é verdade. Pelo contrário, se houver meio de persuadi-los de que jamais houve cidadão algum que tivesse se inimizado com outro e de que é um crime fazer tal coisa, esse, e não outro, é o gênero de histórias que anciãos e anciãs deverão contar-lhes desde o berço, pois os meninos não são capazes de distinguir o alegórico do literal e as impressões recebidas nesta idade tendem a tornar-se fixas e indeléveis. Portanto, é da mais alta importância que as primeiras fábulas que escutarem sejam de molde a despertar nelas o amor da virtude" [194].

Além das histórias, Platão quer também que as crianças sejam sadiamente educadas desde cedo em uma arte correta:

"Teremos de vigiar não apenas os poetas, fazendo-os expressar a imagem do bem em suas obras ou a não divulgá-las entre nós; mas será preciso vigiar também os demais artistas, impedindo que exibam as formas do vício, da intemperança, da vileza ou da indecência na escultura, na edificação e nas demais artes.

Pois a arte reflete a harmonia da alma: a beleza do estilo, a harmonia, a graça e a eurritmia não são mais do que conseqüências da verdadeira simplicidade, próprias de uma mente e caráter nobremente dispostos; busquemos, pois, aqueles artistas cujos dotes naturais os levam a investigar a verdadeira essência do belo e do gracioso. Desta maneira, os jovens crescerão em uma terra salubre" [195].

Que os jovens também sejam educados a respeito do abuso do prazer:

"O abuso do prazer não tem nenhuma afinidade com a temperança, nem com a virtude em geral" [196].

"Sabemos por experiência que quanto mais fortemente somos arrastados pelos desejos num sentido, mais fracos se mostram eles nos outros; é como uma corrente que fosse desviada toda para um canal. Aqueles cujos desejos o conduzem para o saber sob todas as suas formas se entregará inteiramente aos prazeres da alma e porá de lado os do corpo, se for filósofo verdadeiro e não fingido. Tal homem será temperante e nada avaro de riquezas" [197].

Continuando a exposição, Platão mostra como existe um equilíbrio ideal entre ginástica e música na formação do futuro filósofo:

"Quanto às duas artes da música e da ginástica, crêem alguns que se destinam uma a atender a alma e outra a atender o corpo; mas é muito possível que tanto uma quanto a outra tenham sido criadas com vistas sobretudo ao aperfeiçoamento da alma. Pois os que praticam exclusivamente a ginástica tornam-se por demais abrutalhados, enquanto que os que se dedicam exclusivamente à música amolecem-se mais do que lhes convém. Será preciso, pois, combinar a ginástica com a música e ajustá-las à alma dos jovens na mais justa proporção" [198].

Depois Platão insiste que é preciso treiná-los também nas diversas virtudes e na arte militar:

"Dentre eles depois escolheremos os mais inclinados a ocupar-se com o que julgam útil à cidade, aqueles para os quais não haja sedução nem violência capaz de fazer-lhes esquecer o sentimento do dever para com a comunidade" [199].

"E se hão de ser tais como os descrevemos, é necessário que tenham a qualidade da veracidade. De caso pensado, jamais acolherão a mentira em suas mentes, pois a odeiam tanto quanto amam a verdade.

Haverá alguma coisa mais natural à filosofia do que a verdade?

É necessário, portanto, que o verdadeiro amante do saber aspire desde a sua juventude à verdade em todas as coisas" [200].

"Devemos examinar ainda outro critério pelo qual se aquilata a índole filosófica: que não passe desapercebida nenhuma vileza, porque a mesquinhez do pensamento é o que há de mais incompatível com a alma que tende constantemente para a totalidade e a universalidade do divino e do humano" [201].

"Um homem assim não poderá considerar a morte como coisa terrível. Como pode, (de fato, quem teme a morte), ter a elevação necessária para vir a contemplar a verdade?" [202].

"Ademais, o homem harmoniosamente constituído, que não é avaro nem mesquinho, vaidoso nem covarde, não poderá jamais mostrar-se duro ou injusto em suas relações com os outros" [203].

"Tampouco pode-se passar por alto se aprende com facilidade ou não; pois como pode-se esperar que alguém ame aquilo que lhe pesa fazer e em que se adianta pouco e a duras penas?" [204].

"Mas a verdade será a principal e a primeira de todas as qualidades, que ele deverá perseguir sempre e em todas as coisas" [205].

"Estes são os sinais que distinguem desde a juventude a natureza filosófica da que não o é" [206].

Passada a juventude, depois do exercício das virtudes, começará o exercício da inteligência:

"Durante o período de crescimento os jovens tem de ocupar-se sobretudo com os seus corpos, para que lhes sejam prestantes, mais tarde, no serviço da filosofia. Á medida que a vida for avançando e o intelecto começar a amadurecer, intensificarão pouco a pouco a ginástica da alma" [207].

"Será preciso fazer com que se exercitem em muitas disciplinas, para vermos se serão capazes de suportarem a maior de todas elas, ou se fraquejarão como os que fraquejam em outras coisas" [208].

A matemática, será, nesta época, um dos estudos a que hão de se dedicar os jovens. Porém, no que diz respeito a esta disciplina, Platão reconhece que não é buscada pelo motivo com que convém buscá-la:

"Ninguém se serve devidamente dela, pois a sua verdadeira utilidade é atrair as almas para as essências" [209].

A matemática "é uma espécie de conhecimento que se deveria implantar por lei, tentando persuadir os que vão exercer as mais altas funções da cidade que se acerquem dela e a cultivem não como amadores, mas para que cheguem a contemplar a natureza dos números com a ajuda exclusiva da inteligência; não como fazem os comerciantes e os revendões, para utilizá-la nas compras e nas vendas.

A matemática (pode começar a) elevar a alma a grandes alturas, obrigando-a a discorrer sobre os números em si, rebelando-se contra qualquer tentativa de introduzir objetos visíveis ou palpáveis na discussão. Nota-se que os que têm um talento natural para o cálculo também mostram grande vivacidade para compreender todas ou quase todas as ciências, e que mesmo os espíritos tardios, quando foram educados e exercitados nesta disciplina, tiram dela, quando não outro proveito, pelo menos o se fazerem mais atilados do que antes eram. Fica, pois, assentado que esta será nossa primeira matéria de educação" [210].

A segunda matéria que se segue à matemática, diz Platão, será a Geometria. No entanto, os homens também não estudam a Geometria como convém:

"Confundem as necessidades da geometria com as da vida diária: no entanto, o verdadeiro objeto de toda esta ciência é o conhecimento. Ela (deve) ser cultivada com vistas no conhecimento do que sempre existe, e não do que nasce e perece. Então ela atrairá a alma para a verdade e formará mentes filosóficas que dirijam para cima aquilo que agora dirigimos indevidamente para baixo. Em todos os ramos de estudo, como demonstra a experiência, quem aprendeu geometria tem uma compreensão infinitamente mais viva" [211].

Assim, depois de dissertar também sobre a importância do estudo da geometria no espaço, da astronomia e da música na formação do filósofo, Platão chega finalmente à própria filosofia, que ele chama de Dialética:

"Assim chegamos finalmente à melodia que a Dialética executa, a qual, embora sendo unicamente do intelecto, é imitada pela faculdade da vista ao procurar contemplar os animais, as estrelas reais e o próprio Sol. Quando, pelo seu auxílio, tentamos dirigir-nos, com a ajuda da inteligência e sem a intervenção de nenhum sentido para o que é cada coisa em si e não desistimos até alcançar, com o auxílio exclusivo da inteligência, o que é o bem em si, então chegamos às próprias fronteiras do inteligível, assim como aquele que chegou ao limite do visível" [212].

"Mas teremos que escolher (novamente) aqueles a quem haveremos de ensinar estas coisas e de que maneira. O erro que se comete agora é o de ser estudada a filosofia por indivíduos que não são dignos dela.

Por conseguinte, a Matemática, a Geometria, e toda a instrução que constitui o preparo para a filosofia devem ser ministrados na infância; não, porém, com a idéia de impor pela força o nosso sistema de educação. Um homem livre não deve ser escravizado na aquisição de qualquer espécie de conhecimento. Os exercícios corporais, quando compulsórios, não fazem dano ao corpo; mas o conhecimento que penetra na alma pela força não cria raízes nela. Que não se empregue, portanto, a força para instruir as crianças; que aprendam brincando, e assim poderemos conhecer melhor o pendor natural de cada uma. E os que neles demonstrarem sempre maior agilidade passarão a formar um grupo seleto" [213].

"A partir de então, com os que forem escolhidos entre a classe dos 20 anos, reuniremos os conhecimentos que adquiriram separadamente durante a educação infantil num quadro geral das relações que existem entre as diferentes disciplinas e entre cada uma delas e a natureza do ser. Este é, ademais, o melhor critério para aquilatar as naturezas filosóficas, pois aquele que tem visão de conjunto é filósofo; o que não a tem, esse não o é" [214].

"Estes são os pontos que deverão ser considerados; aqueles que, além de se avantajarem aos outros nestas coisas, se mostrarem mais firmes e constantes na aprendizagem, na guerra e nas demais atividades, logo que tenham alcançado a idade dos 30 anos tornarão a ser separados entre os já escolhidos para investigar, com a ajuda da Dialética, quais deles serão capazes de renunciar ao uso da vista e dos sentidos e, em companhia da verdade, atingir o ser absoluto. Mas aqui será necessário ter muita cautela" [215].

"Há grande perigo em que tomem gosto pela filosofia quando ainda são jovens; servir-se-ão dela como de um jogo, empregando-a para contradizer os outros e depois de terem conquistado muitas vitórias e sofrido também muitas derrotas, cairão rapidamente na incredulidade a respeito de tudo quanto antes acreditavam" [216].

Mas, a partir dos 30 anos,

"durante cinco anos se dedicarão à filosofia. Depois serão obrigados novamente a exercer os cargos atinentes à guerra" e ao bem público.

"Também nestes cargos serão postos à prova, para ver se se manterão firmes ou fraquejarão em face das tentações que procurarão arrastá-los em todos os sentidos. Esta nova fase de suas vidas durará quinze anos. Quando chegarem aos 50, os que se tiverem distinguido em todos os atos de sua vida e em todos os ramos do conhecimento serão levados à consumação final, pois será preciso obrigá-los a elevar os olhos da alma e contemplar de frente o que proporciona luz a todos; e quando tiverem visto o bem em si, o adotarão como modelo durante o resto de sua existência, em que governarão cada qual por seu turno, tanto à cidade e aos particulares como a si mesmos" [217].

III. 8) Conclusão.

Vimos, pois, em suas linhas essenciais, qual era a educação que Platão propunha para formar um filósofo.

Não obstante tratar-se de uma educação capaz de levar os alunos a um grau de abstração surpreendentemente elevado, tal pelo menos como ela se encontra apresentada na República, esta educação não foi exposta por Platão de modo abstrato. Ao contrário, foi revestida da roupagem de um exemplo concreto até os seus menores detalhes, dos quais omitimos a quase totalidade na resenha que dela fizemos. Tratava-se do exemplo de uma cidade que deseja formar uma elite permanente de sábios a quem caberia dirigir a sua política e os seus destinos ocupando de fato todos os cargos públicos fundamentais. Evidentemente esta não é a essência do livro, mas uma técnica literária para tornar a leitura mais agradável a um público mais amplo; no final do livro VII o próprio Platão duvida se o exemplo que ele deu se concretizará algum dia sobre a terra:

"Sim, esta é a melhor maneira para que uma cidade alcance no mais breve espaço de tempo a felicidade. Parece-nos ter descrito muito bem como estas coisas se realizarão, se é que alguma vez chegarão a realizar-se" [218].

Entretanto, desrevestido de seu exemplo, Platão realizou tudo quanto descreveu na República não em uma grande elite dirigente, mas na pessoa de seu discípulo Aristóteles; e, através dele, a cidade onde esta elite de um só exerceu o poder, sem necessidade de exercer cargos públicos, foi a própria civilização ocidental.


Notas:

[194] Platão, A República, L. II.

[195] Ibidem, L. III.

[196] Ibidem, L. III.

[197] Ibidem, L. VI.

[198] Ibidem, L. III.

[199] Ibidem, L. III.

[200] Ibidem, L. VI.

[201] Ibidem, L. VI.

[202] Ibidem, L. VI. 

[203] Ibidem, L. VI.

[204] Ibidem, L. VI.

[205] Ibidem, L. VI.

[206] Ibidem, L. VI.

[207] Ibidem, L. VI.

[208] Ibidem, L. VI.

[209] Ibidem, L. VI.

[210] Ibidem, L. VII.

[211] Ibidem, L. VII.

[212] Ibidem, L. VII.

[213] Ibidem, L. VII.

[214] Ibidem, L. VII.

[215] Ibidem, L. VII.

[216] Ibidem, L. VII.

[217] Ibidem, L. VII.

[218] Ibidem, L. VII.

***


Leia mais em Platão Educador

Leia mais em O papel das matemáticas na educação, segundo Platão



Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae

Nossa página no Instagram @summamathematicae e YouTube.




O declínio da escola tradicional


RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES

DIGITE SEU EMAIL:

Verifique sua inscrição no email recebido.

Tempo de leitura: 16 minutos.

O declínio da escola clássica por Claudio Titericz, disponível no LINK.

A educação atual veio decaindo desde o início do século passado e encontra-se em uma situação lastimável nos dias de hoje. Os alunos atuais se formam e não fazem ideia do que adquiriram como saber, apenas lhes interessa o fazer. Também já escrevi alhures sobre a importância de se conhecer a antropologia humana para realizar uma boa educação, mas outro assunto relevante para se conhecer e comentar é a psicologia humana.

A economização atingiu em cheio as instituições educacionais, sejam as escolas ou as famílias, fazendo-as escravas da economia e estimulando que se ensine apenas uma profissão aos nossos alunos e filhos. Isto não seria possível sem um conhecimento sobre psicologia, principalmente psicologia de massa, com o objetivo de secundarizar a sociedade.

Já comentamos, também, que a antiga Escola Clássica, constituída na Idade Média pelos jesuítas e que adentrou ao mundo contemporâneo, trazendo a humanidade ao século XX, foi sendo substituída por uma escola profissionalizante, e que esta seria muito mais eficiente para a sociedade moderna se desenvolver do que aquela.

E assim foi nos Estados Unidos, que iniciou o processo de desconstrução desta filosofia educacional que havia construído o mundo contemporâneo.  Foram valorizadas as figuras de Wilhelm Wundt, Tom Parker, Henry Goddard, Lewis Terman, Robert Yerkes, Alfred Binet, Jean Piaget, John Watson, B. F. Skinner, Paulo Freire, Ivan Illich, John Dewey, Edward Lee Thorndike e outros, com recursos “filantrópicos” das Fundações Carnegie, Ford e Rockefeller. Mas para quê? Simplesmente para mudar os conceitos educacionais americanos. Uma vez alterada a filosofia dos Estados Unidos, o mundo todo seguiria este novo padrão, que se prolifera até hoje, que é a utilização da “psicologia experimental” na educação. Para se alterar o modelo da sociedade era preciso entrar na educação com meios psicológicos eficientes.

Em um livro chamado “The Leipzig Connection” (1980), Paolo Lionni apresenta o que seria a psicologia experimental e como esta veio a sedimentar-se no ambiente educacional americano e europeu. Esta psicologia considera o ser humano como um animal e a educação, nesta perspectiva, deve ser realizada de forma a levar o instruendo a uma experiência educacional padrão igual a todos os outros e se espera um resultado padrão nesta experiência, neste ensino.

Ou seja, ao não considerar a criança e o jovem como um ser racional, este modelo os considera como seres irracionais. E é isso que se busca no ensino, fazendo-os um contingente a ser adestrado para o trabalho e sem questionamentos. Foi na Escola de Chicago que ocorreu o surgimento da “psicologia educacional” e da chamada “educação progressiva” emanada do Teachers College de Columbia que durou mais de meio século, sendo absorvida por grande parte das escolas americanas.

O alemão Wilhelm Maximilian Wundt, nascido em 1832, foi o precursor desta nova ciência, quando a psicologia significava apenas o estudo da alma ou da psiqué. Com seu laboratório em Leipzig, em 1875, conseguiu transformá-lo no primeiro laboratório psicológico do mundo. Começou a medir as respostas fisiológicas do indivíduo quando tinha suas experiências sensitivas e sentimentais, julgando que estava conseguindo medir os resultados de estímulos provocados em seres humanos, dando a impressão de criar uma ciência exata que era a psicologia experimental com ares de ciência exata. Wundt acreditava que o homem era desprovido de espírito e autodeterminação, mas apenas somas das experiências que eram introduzidas na consciência e subconsciência.

Este trabalho foi considerado de maneira geral um grande estudo do cérebro e do sistema nervoso humano e rapidamente foi levado para a educação, pois o estudante teria de ser exposto às experiências significativas para se assegurar um aprendizado adequado. Deveria ser criada uma “situação-resposta” para cada tipo de aprendizagem.

Assim, se só existe o corpo, temos que tentar induzir sensações no sistema nervoso para provocar a aprendizagem. Pavlov bebeu desta base filosófica para formular os princípios do condicionamento e, também, os psicólogos behavioristas americanos Watson e Skinner, como para a lobotomia e a terapia eletroconvulsiva. Estava aberta a direção rumo à gratificação dos prazeres sensíveis, às custas da responsabilidade e da finalidade humana.

Neste contexto, a chamada educação clássica estava totalmente contrária a esta filosofia educacional, mas tudo ficou ainda pior, quando se começou a acreditar que os caminhos da mente poderiam ser medidos por experimentos. Um dos alunos de Wundt que retornou para os Estados Unidos foi G. Stanley Hall que em 1887 organizou um laboratório deste modelo na Universidade Johns Hopkins, além de fundar o American Journal of Psychology. Ele estabeleceu, em 1904, uma relação entre a psicologia experimental com a educação infantil.

Foi Hall que promoveu a carreira de uma personagem importantíssima da educação americana que foi John Dewey, que com financiamento dos Rockfeller, cria um laboratório de educação na Universidade de Chicago para aplicar princípios psicológicos e técnicas experimentais ao estudo do aprendizado.

Dewey desejava que as crianças tivessem os fatores psicológicos e sociais coordenados na escola com a finalidade de que elas expressassem fins sociais. Os professores teriam de mudar seu papel tradicional de educador para serem guias para a socialização da criança. Tanto para Wundt como Dewey, o ser humano não passa de um animal abandonado às suas reações e inteiramente dependente de seus dados experienciais.

Ainda mais, nesta linha materialista, as habilidades naturais derivavam da hereditariedade como são as limitações do mundo orgânico. A eugenia começava dar seus passos. Entretanto, foi da mente de outro wundtiano chamado Edward Lee Thorndike, que em Harvard, começou a pesquisar galinhas, gatos, ratos, testando seu comportamento, criando o que seria a “psicologia animal”, pois como dizia: “a psicologia era a ciência da inteligência, caráter e comportamento dos animais, incluindo o homem”.

Estes estudos tiveram eco em outros pesquisadores que se convenceram de que isto era digno de ser testado em humanos e, em 1903, já havia resultados na aplicação destas técnicas sendo realizadas em crianças e jovens. A escola começa a ensinar que o que é agradável é bom e o desagradável não é bom. Esta é a base do ensinamento de estímulos-respostas de Thorndike e que foi transmitido a centenas de milhares de professores espalhados pelo mundo por meio da “psicologia educacional”. O educador brasileiro Anísio Teixeira foi um deles e trouxe ao Brasil algumas destas ideias nos anos 1930.

Estamos vendo que a educação neste nível, considera o ser humano um animal social que deve aprender a adaptar-se ao seu meio ambiente, ao invés de descobrir como adaptar eticamente o ambiente às necessidades suas e da comunidade. O individualismo e o desenvolvimento de habilidades individuais cedem espaço à conformidade social e à adaptação, dizendo de outra forma, as crianças devem ser “bem-ajustadas” ou condicionadas. Daí a necessidade de dar uma “vocação”, uma carreira vocacional a cada um, visando o bem social. A escola mudou seu fim, agora é a socialização do estudante, entendendo isto como dar-lhe uma função social, ou seja, um emprego remunerado, não importando a necessidade do indivíduo.

Muito preocupado com a evolução destas ideias na educação americana, Albert Jay Nock escreve os fundamentos que deveriam existir na educação em seu livro The Theory of Education in the United States.

No livro, escrito em 1932, Nock fala da decadência dos últimos 35 anos justamente pela introdução nos currículos das matérias ditas científicas em detrimento daquelas que compunham a estrutura da chamada Escola Clássica. Os propósitos apenas vocacionais estavam sendo priorizados. Mas esta reforma que altera o objetivo, o espírito e a estrutura da educação americana estava sendo conduzida de forma empírica, fazendo testes pedagógicos sem qualquer parâmetro e por vezes utilizando processos psicológicos observados em animais. E tudo voltado para o trabalho, substituindo educação por treinamento.

Toda uma tradição escolar voltada para o desenvolvimento intelectual foi sendo abandonada. Albert Jay Nock falou da vontade desta nova teoria de ensino de se buscar o igualitarismo e a democracia. Entretanto, ele diz que nem todos são educáveis, mas todos são treináveis. Assim, a ideia de se treinar a todos é mais fácil e economicamente melhor para se obter um retorno financeiro, além de ser uma forma igualitária e de se manter a teoria viável. A teoria que passou a dominar era a de que treinar um cidadão é equivalente a educação para a cidadania, pois eu daria ao jovem uma profissão na qual ele ajudaria a sociedade a crescer.

A teoria educacional também falava sobre democracia e poucas pessoas parecem realmente entender o que seja. E, para não entrar muito a fundo no tema, podemos facilmente ver que a antítese de democracia é o absolutismo. Parece, na visão de Nock, que não se está sendo nem igualitário, nem democrático, neste novo sistema educacional. Ao contrário, se está impondo de forma absoluta sobre todos os estudantes um padrão, quando isto é impossível, pois cada indivíduo é exclusivo e não um membro de um rebanho.

E aí se observa a grande diferença entre a chamada “Grande Tradição” da Escola Clássica e a atual, que era a disciplina voltada para os “conhecimentos formativos” e esta nova tendência voltada para “conhecimentos instrumentais”. Mas a disciplina serve apenas para educar pessoas, mas como existem pessoas que não são educáveis, a disciplina não tem efeito, assim as escolas deveriam formar o “homem para o seu tempo” e “prepará-lo para a vida” e isto seria descartar a disciplina “antiga e medieval” da velha escola. Esta disciplina leva a pessoa educável a ter pensamento corretos, limpos, lógicos, maduros e profundos e, na concepção vocacional moderna, apenas lhe dá uma visão extremamente limitada de uma atividade humana.

A educação que estava em andamento nos Estados Unidos no começo do século passado ainda se manteve competente, pois havia uma herança educacional e os processos profissionais estavam sendo colocados de maneira correta e responsável, isto até cerca de 1950. Com o passar do tempo toda a geração antiga que houvera sida educada na educação clássica foi sendo ultrapassada pela idade.

Ao chegarmos na década de 1980, não se encontrava-se mais ninguém que tivesse passado por aquela educação e somente se ensinava uma profissão e, o que é pior, introduziu-se a ideologia dentro da pedagogia. Ora, isto faz com que a cada geração se perca a seriedade do que se faz e nestas duas décadas do 21º século, estamos colhendo o que sai das escolas e que podemos chamar de ignorância funcional e sequer uma profissão ou instrução correta os jovens aprendizes têm condição de responder. O nível geral está em queda livre e até mesmo o ensino tem decaído.

Verificamos, com estes dois livros, como se iniciou naquele momento grandes modificações em uma estrutura secular, dando início a uma nova fase do sistema educacional e de ensino no mundo.

Um último aspecto que gostaria de apontar é sobre a grande preocupação que havia na Escola Clássica com relação ao bem da sociedade e que neste novo modelo se perdeu. Ao tentar educar os jovens para a sociedade, formando-os para uma vocação, está se formando pessoas que só se importam consigo mesmas e não com a sociedade.

A chamada virtude cívica que o Barão de Montesquieu falava e que formou a cultura americana foi deixada de lado com este sistema de ensino puramente econômico. Não há mais amor à Pátria e o respeito solidário, tudo que o trabalhador deve fazer é trabalhar e todas as outras preocupações são do Estado. Todos sabemos que o importante não é o que se ensina, mas como se ensina, dessa maneira este modelo de ensino considera todos como um só e que deve respeitar um currículo único e deve ser instruído de forma única, descartando ou abafando os expoentes para mais ou para menos.

Para finalizar, gostaria de citar o último parágrafo do livro de Lionni, no qual enfatiza que:

Educação não é psicoterapia obrigatória universal imposta pelo governo. A incultura de nossos líderes e de seus eleitores é a raiz de todas as nossas dificuldades. A Terra está, em matéria de educação, desprovida de seus direitos, por planos que são próprios de uma ignorância universal. Precisamos de nada menos do que um completo renascimento educacional.

E continua Paolo Lionni, como que profetizando: 

Dentro de meio século a delinquência juvenil explodiria, hordas de analfabetos transbordariam de nossas escolas. Os professores já não aprenderiam a ensinar e, geração após geração, os adultos, privados dos frutos de uma educação de qualidade, abandonariam toda a esperança de escapar do pântano da educação “moderna”.

*

Sobre o autor: Claudio Titericz é coronel da reserva do Exército Brasileiro, bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante permanente de Filosofia da Educação, ex-servidor do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith. 

***

Leia mais em O que é Educação?

Leia mais em Elementos de crise na educação



Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae

Nossa página no Instagram @summamathematicae e YouTube.




O Cristianismo e a Educação Clássica - parte 3


Esta imagem da segunda metade do século IV é uma das primeiras de que se têm registro que apresenta Cristo barbado. Fica localizada nas catacumbas de Comodila, em Roma.

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES

DIGITE SEU EMAIL:

Verifique sua inscrição no email recebido.

Tempo de leitura: 42 min. 

Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion, Campinas em 2017). Este texto é a continuação desses textos aqui: 

O Cristianismo e a Educação Clássica - parte 1  

O Cristianismo e a Educação Clássica - parte 2.

O FIM DA ESCOLA ANTIGA

Toda investigação histórica, conquanto possa não conduzir o leitor “até nossos dias”, deve, para terminar, responder à pergunta: “Que aconteceu em seguida?” Esta história da educação na Antiguidade encerrar-se-á, naturalmente, no momento em que soubermos quando e como se operou a substituição das escolas de tipo clássico por esta educação religiosa de tipo medieval que acabei de definir.

A EDUCAÇÃO BIZANTINA

Por mais espantoso que possa parecer, existe, desde logo, todo um setor em que, para falar com propriedade, a escola antiga jamais teve fim: no Oriente grego, a educação bizantina prolonga, sem solução de continuidade, a educação clássica (1). Isto não passa, aliás, de um aspecto particular do fato fundamental: não há hiato, nem mesmo diferenciação, entre a civilização do Baixo Império romano e a alta Idade Média bizantina. 

Nada o mostra melhor que a história do ensino superior, aliás o que mais estudamos até aqui e, de resto, o mais bem documentado. A Universidade de Constantinopla, de 425 a 1453, foi sempre um centro de estudos fecundos e, por assim dizer, a viga mestra da tradição clássica. Não há dúvida que, no curso desse milenário, passou por muitas vicissitudes, por períodos de declínio e mesmo de desaparição momentânea, resgatados por brilhantes empreendimentos: foi, principalmente, reorganizada por César Barda em 863, por Constantino IX Monômaco em 1045, muito provavelmente no século XIII e, no início do XIV, pelos Paleólogos.

Viveu, modificou-se, mas sempre permaneceu fiel ao espírito que havia inspirado sua fundação, ao tempo de Teodósio II. Seu ensino permanece fixado pelas normas clássicas: na base, as artes liberais; no cume, a retórica, a filosofia e o direito. Seu papel na sociedade permanece o mesmo: formar uma elite na qual o Império possa recrutar seu corpo de funcionários. Ignorará ela sempre os estudos eclesiásticos: o fechamento da escola neoplatônica de Atenas por Justiniano em 529 [1] prende-se à luta contra o paganismo agonizante, mas não expressou, da parte do Império cristão, vontade de imprimir um sentido mais religioso ao ensino superior.

Conhecemos muito menos os graus inferiores do ensino, mas não podemos duvidar de que a tradição antiga haja também sobrevivido: veremos que certos aspectos da pedagogia helenística persistiram, no escalão primário, ao longo de todo o período turco, até os tempos modernos; quanto ao ensino secundário, permanece baseado na gramática e no comentário dos clássicos: os manuais e comentários helenísticos são sempre utilizados ou imitados.

O modelo ideal do homem culto remanesce clássico: Miguel Pselo (nascido em 1018), ao evocar, na oração fúnebre consagrada a sua mãe, as recordações de sua infância de estudante [2], informa-nos que havia decorado a Ilíada inteira, reeditando assim, depois de catorze séculos, a façanha do Nicorato de Xenofonte. Ana Comnena, aproximadamente um século mais tarde, recebeu, ela também, uma cultura cujo horizonte é o de um humanismo bem antigo: os clássicos, o grego, a retórica, Aristóteles e Platão, as quatro disciplinas matemáticas... [3]. 

Uma tradição continua liga assim os letrados helenísticos aos humanistas, aliás bem “modernos”, do tempo dos Paleólogos, como, entre tantos outros, Nicéforo Gregora († por volta de 1360) (2).

Com surpresa descobrimos que esta sociedade bizantina, tão profundamente cristã, que dá tanta importância às questões propriamente religiosas e especialmente à teologia, continuou obstinadamente fiel às tradições do humanismo antigo: tal adesão não era isenta de perigo, uma vez que a escola bizantina é tão fiel a seus mestres pagãos que periodicamente (no século IX com Leão, o matemático, no século XI com João Ítalo,... no século XV com Gemístio Pléton) vemos esboçar-se Renascenças mais ou menos paganizantes, tão suspeitas à ortodoxia cristã quanto o pôde ser a nossa própria Renascença ocidental dos séculos XV e XVI, que, aliás, como se sabe, nutriu-se abundantemente da contribuição bizantina.

Face à escola de tipo clássico existe, sem dúvida, outro foco de cultura, este de inspiração plenamente cristã: a escola monástica. Ela permanece, no decorrer da Idade Média, tal como a conhecemos em suas origens, hostil ao humanismo, ao “século” (as Vidas de santos bizantinos cuidam sempre de reduzir ao mínimo a cultura profana dos seus heróis), dominada por preocupações espirituais e primacialmente ascéticas. Em princípio ela permanece fechada, reservada aos jovens aspirantes à vida religiosa: a proibição, imposta pelo Concílio de Calcedônia, de receber, para educá-las, crianças “do mundo”, continua em vigor.

Inquieto-me apenas por constatar que foi necessário por várias vezes, em 806, em 1205 (3), renová-la: pois tinham tendência a infringi-la! De fato, seria fácil mostrar que isto realmente se verificou: assim, em 1238, vemos o imperador João III Vatatzés confiar ao arquimandrita de São Gregório de Éfeso, Nicéforo Blêmides, a educação de cinto jovens, entre os quais o futuro historiador Jorge Acrópolita, que viria a fazer uma brilhante carreira de alto funcionário laico.

Entretanto, se procuramos um centro de educação religiosa que contrabalance a educação tão profana da Universidade imperial, faz-se mister procurá-lo menos nos conventos que na instituição muito original que foi a escola patriarcal. Suas origens, ainda pouco esclarecidas, remontam talvez (4) ao século VII; ela aparece, em todos os casos, em plena luz e perfeitamente constituída no século XI. É normal nessa época opor-se aos “filósofos do senado” (porque, como no século IV, é o senado quem nomeia os professores do Estado) os “didáscalos da Grande Igreja” (ensinam à sombra da Santa Sofia) ou “do catálogo episcopal”. Nomeados pelo patriarca, constituem uma verdadeira faculdade de teologia, de cunho escriturário: encontramos professores especializados na exegese do Evangelho, do Apóstolo, do Saltério.

À diferença do ascetismo puritano dos claustros, a escola patriarcal também sofreu, profundamente, a influência do humanismo tradicional, Seu ensino não se limita apenas ao programa religioso: quer também assegurar toda uma formação de base: sua faculdade de teologia justapõe-se a uma faculdade de artes, dirigida por um “mestre (μαΐστωρ) dos retóricos” (que tem também, sob suas ordens, gramáticos) e um “mestre dos filósofos” (que não negligencia o ensino propedêutico das matemáticas). Diante do humanismo clássico da Universidade, a escola patriarcal representa um esforço em favor de um humanismo cristão, esforço muitas vezes original e assim, saboroso, mas que continua sendo, apesar de tudo, profundamente influenciado pelos modelos antigos.

Assim, em meados do século XII, vemos Nicéforo Basilaques (que se tornará professor de exegese evangélica) compor um manual de Progymnasmata, inteiramente conforme à mais pura tradição helenística. Quando muito, vemo-lo, no capítulo da etopéia, unir aos assuntos costumeiros sobre Atalanta, Dânae ou Xerxes, certo número de temas hauridos na história santa: “Palavras de Sansão quando foi cegado pelos filisteus...; de Davi encontrando seu inimigo Saul adormecido numa caverna...; da mãe de Deus quando Cristo mudou a água em vinho nas bodas de Caná [4]”.  Eustácio de Tessalônica, o grande comentador de Homero e de outros clássicos, é para os modernos uma das figuras mais representativas do humanismo bizantino: no entanto, tinha sido educado num mosteiro e foi “mestre dos retores” da escola patriarcal...

Somente com a conquista turca se configurou uma situação comparável à que conhecera, mil anos antes, o imundo ocidental. Depois de 1453, a tradição interrompeu-se: o mundo grego encontra-se colocado na mesma situação que a Gália merovíngia; por faltar escolas, o recrutamento do clero e, por isso, até a continuidade da vida cristã, acham-se em perigo. É notável que a Igreja grega tenha reagido exatamente do mesmo modo que o Concílio de Vaison, na Gália, em 529: em cada aldeia, à sombra da igreja, o padre reúne as crianças e empenha-se, o mais possível, em ensiná-las a ler — o saltério e os demais livros litúrgicos —, de modo a “preparar para si um sucessor competente” (5).

Mas, fato extraordinário, e que mostra a profundeza das raízes mergulhadas no: Oriente pela tradição antiga, em pleno século XVIII ouviam-se as criancinhas gregas cantarolar o alfabeto, tomando-o simultaneamente pelas duas extremidades, como ao tempo de Quintiliano ou de São Jerônimo; ou então a se exercitar repetindo fórmulas deste gênero:

Ἐκκλησία μολυβδοκαντηλορεκμένη... 
Ó minha igreja cinzelada e esculpida em chumbo,
que cinzelou e esculpiu em chumbo,
o filho do cinzelador e escultor em chumbo,
se eu tivesse também o filho do cinzelador e escultor em chumbo,
eu a cinzelaria e esculpiria em chumbo, mais belamente
que o filho do cinzelador e escultor em chumbo,

síntese bem reconhecível de dois exercícios característicos da escola grega clássica: o “freio de língua” e a “declinação”.

A ESCOLA MONÁSTICA DA IRLANDA

Na outra extremidade do mundo cristão, contrastando absolutamente com Bizâncio, a Irlanda apresenta-nos a situação inversa: mantendo-se fora do Império, a Irlanda céltica não chegara a conhecer a cultura clássica; por mais notável e, sob certos aspectos, evoluída que fosse sua civilização própria, a Irlanda pagã permanecera um país “bárbaro”, ignorando a civilização escrita: foi o cristianismo, pregado principalmente por São Patrício († 460-470), que lhe levou o Livro, e, dessarte, a escola. Diferentemente das demais partes do Ocidente, a Irlanda nunca conheceu outra tradição letrada a não ser a de suas escolas cristãs.

Escolas cristãs, ou, melhor dizendo, escolas monásticas, pois, como se sabe, as cristandades célticas desenvolveram-se inteiramente enquadradas pelas instituições monásticas. Como as do Egito e de alhures, são escolas estritamente religiosas, cujo ensino se dirige essencialmente a futuros monges (embora filhos de chefes fossem nelas admitidos por tolerância); funda-se, como texto de base, sobre a Sagrada Escritura, e precipuamente, sobre o Saltério. Não me compete descrever (6) aqui a vida destas escolas. (Aliás muito curiosa: as crianças, muitas vezes, eram levadas ao convento desde o nascimento; havia ali verdadeiras creches monásticas: tudo é excessivo nesse ambiente ferozmente ascético). Bastar-me-á constatar que a história da cultura irlandesa pertence inteiramente à Idade Média: da “ilha dos Santos”, onde ela progressivamente se firmou e se enriqueceu, esta cultura vai-se irradiar, enxamear e fecundar, aos poucos, o Ocidente; começa desde o século VI, pela Grã-Bretanha, onde coloniza primeiro as regiões setentrionais, a parte da Escócia que, também, se mantivera estranha à dominação romana, antes de descer, pouco a pouco, rumo ao sul, para reerguer as ruínas acumuladas pelas invasões germânicas.

AS INVASÕES DESTRUÍRAM A ESCOLA ANTIGA

Isto se deu porque na Bretanha romana, as escolas e a cultura clássica não conseguiram sobreviver às devastações causadas pela chegada dos anglo-saxões, que subverteram tão profundamente a estrutura, não só política mas também etnográfica, da ilha: toda a primeira metade do século V é, para a Grã-Bretanha, um período de violências no qual a barbárie adensa velozmente suas trevas.

O mesmo passou-se no continente: em toda parte, foi a efetivação da conquista do solo do Império pelos povos germânicos que provocou, com a ruína da vida romana, o desaparecimento das escolas antigas.

É na Gália que melhor se pode estudar o acontecimento (7). Muito antes da data fatal de 31 de dezembro de 406, data da grande invasão, a partir da qual o Império nunca mais conseguirá restabelecer seu poder sobre o conjunto da Gália, a estrutura do sistema clássico já se achava abalada. A partir de 276, quando a fronteira do Reno foi violada pela primeira vez, as incursões dos bárbaros multiplicaram-se, devastando a Gália inteira e fazendo-a viver longos períodos de insegurança: as cidades condensam-se e fecham-se no estreito recinto de suas novas muralhas, os ricos latifundiários fortificam-se em suas villae, que se convertem em burgi.

Sem dúvida, estas provações e transformações não bastaram para interromper a tradição cultural, mas minam a vitalidade das instituições escolares, que não podem, sem prejuízo, suportar o desaparecimento da vida brilhante das cidades, a cujo crescimento elas haviam estado tão intimamente ligadas. De outro lado, na medida em que estas instituições e, com elas, toda a educação clássica, haviam passado gradativamente do setor privado ao domínio público, elas dependiam, para seu bom funcionamento, da intervenção e dos subsídios do Estado e das municipalidades: elas estavam portanto unidas à sorte da estrutura política do Império.

Não puderam elas sobreviver ao desmoronamento de seu poder. Pode-se dizer, com bastante certeza, que a geração educada por Ausônio († 395) foi a última que ainda chegou a conhecer o sistema normal das escolas romanas com seus três graus: o magister ludi, o gramático, o retor. Este sistema desapareceu na geração seguinte, devido à grande invasão e às catástrofes que assinalaram o início do século V: o neto de Ausônio, Paulino de Pela, dá testemunho disso, pelo menos no que concerne à região de Marselha, onde se refugiou por volta de 422 [5].

Todavia, embora as escolas oficiais, regularmente organizadas sob a égide das municipalidades, tenham desaparecido, a educação clássica subsiste ainda durante um século, pois a classe “senatorial” dos grandes latifundiários permanece profundamente apegada a ela; na falta de escolas públicas, há sempre mestres que ensinam particularmente, reunindo alguns alunos em sua própria casa: é assim que Sidônio Apolinário (nascido em Lyon por volta de 430) recorda a seu antigo condiscípulo Probo seus estudos comuns, possivelmente em Arles, na casa de seu mestre Eusébio, inter eusebianos lares [6]. Pouco a pouco, porém, a clientela torna-se mais rara: o historiador é levado a se perguntar se tais “professores”, que aparecem cá e lá na obra do mesmo Sidônio, não são sobretudo preceptores ligados ao serviço de uma grande família (8).

A sorte do ensino de tipo clássico acha-se doravante ligada à existência de um modo de vida ainda antigo, no seio da aristocracia galo-romana. Mas esta, pelo contato com seus novos mestres germânicos, barbariza-se rapidamente: quando ainda vivia Sidônio, já existiam “colaboradores” que admiravam os bárbaros e até mesmo passavam a falar germânico... [7]. Talvez a vida romana se tenha mantido por mais tempo em certas regiões como a Auvérnia de Sidônio e sobretudo a Aquitânia, menos convulsionada pelas invasões e menos diretamente submetida aos reis bárbaros. Pouco a pouco, porém, também os últimos focos da cultura antiga se extinguem e, no século VI, não existe nenhum outro ensino a não ser aquele que doravante a Igreja se esforça por patrocinar.

As coisas passaram-se de modo muito semelhante alhures: as províncias que margeiam o Danúbio e as do interior, abandonadas desde o fim do século IV à ocupação dos “federados” germânicos, e nas quais tantas raças e tribos diferentes se sucedem, ficaram profundamente desorganizadas a partir do início do século V, e a vida romana foi ali, como na Gália, sufocada pela barbárie, consoante nos damos conta, por exemplo, graças à Vida de São Severino († 482), de Eugípio. Igualmente na Espanha, a invasão e ocupação germânica, que começam com a chegada dos suevos, álanos e vândalos, em 409, abatem a romanidade e a escola: a cultura intelectual da Espanha visigótica será inteiramente eclesiástica (9).

RESSALVADA A ÁFRICA

A educação antiga sobreviveu ainda, por certo tempo, unicamente em duas regiões: na África vândala e na Itália. Quaisquer que tenham sido as violências da conquista, é certo que o reino africano, organizado por Genserico, não merece a má reputação que lhe acarretou, junto a cronistas eclesiásticos, sua política de perseguição ariana contra os católicos (10). Em particular, do ponto de vista intelectual, temos a certeza de que Cartago, pelo menos, conheceu, sob a “paz vândala”, uma atividade intensa, testemunhada principalmente pela compilação da Antologia latina: por ela conhecemos a existência de um meio professoral inteiramente conforme à tradição clássica. Logo depois das vitórias de Belisário, o imperador Justiniano preocupa-se em devolver a este ensino seu caráter oficial: uma constituição de 533-534 prevê a manutenção, em Cartago, de dois gramáticos e de dois retores [8].

Pode-se, entretanto, notar que esse corpo docente é por demais reduzido, e observar, por outro lado, que Justiniano nada faz fora de Cartago. A ocupação do solo africano na época bizantina foi, comparativamente à do Alto Império, bem mais lenta; já a dominação vândala tivera de contemporizar-se com o surto de independência das populações berberes do interior. Sem dúvida, alguns vestígios da romanidade (o cristianismo, o uso do latim, certas tradições municipais) parecem ter sobrevivido em Marrocos e Orã, até o momento da invasão árabe (11). Contudo, é visível que a existência da tradição escolar clássica tornou-se bastante precária, e só se manteve verdadeiramente em torno da capital, Cartago. Pelo menos aí, ela se conservou até a queda do domínio bizantino: a tomada de Cartago (695-697) assinala seu fim; se até em pleno século XI o cristianismo e, com ele, o uso do latim, seu uso escrito, e portanto também o seu ensino, lograram manter-se em África, a cultura destes últimos “Roumi” terá, porém, essência estritamente religiosa (12).

Esta relativamente prolongada sobrevivência do classicismo africano não deixa de ter importância para a história da cultura no Ocidente: do século V ao século VII, a África pode exportar, e de fato exportou, muitos letrados, e com eles preciosos manuscritos, para a Gália do sul, e mais ainda para a Espanha ou para a Itália meridional, e assim contribuiu para preparar as reservas de que devia nutrir-se mais tarde o humanismo medieval.

E SOBRETUDO A ITÁLIA

Muito mais importante ainda foi o papel desempenhado pela Itália: foi sobretudo neste país que a escola antiga teve seu crepúsculo mais prolongado e onde pode melhor preparar inconscientemente, o caminho para O futuro. Foi na Itália, com efeito, que a tradição clássica desenvolvera raízes mais profundas: estas puderam resistir aos danos das invasões que, a partir de 401, não lhe foram poupadas. Ali, porém, a ocupação germânica não acarretou o desaparecimento da vida antiga: ainda mais que a África vândala, a Itália pode continuar vivendo segundo suas normas tradicionais, sob a dominação dos ostrogodos e, em particular, durante o longo reinado de seu primeiro rei, o grande Teodorico (493-526): este reinou verdadeiramente “para o bem de Roma” (bono Romae) [9], conforme a legenda dos sinetes dos tijolos com que fizera restaurar os monumentos da velha capital.

Iletrado embora, Teodorico compreendeu a grandeza da cultura clássica: como Estilicão, quis que sua própria filha, Amalaswinthe, recebesse a mais completa educação. Data de seu tempo o último grande reflorescer das letras e do pensamento latinos, que conheceram então um verdadeiro renascimento — cujos frutos serão devidamente explorados pela Idade Média —, graças aos grandes trabalhadores (cujos serviços, aliás, Teodorico bem soube utilizar) que foram Boécio e Cassiodoro.

Graças a este último, nomeado magister officiorum, chefe da chancelaria, em 523, Teodorico favoreceu os estudos [10], manteve em função as cátedras do Estado, que atraíam a Roma os estudantes provinciais; nomeado prefeito do pretório em 533, após a morte do grande rei, pela regente Amalaswinthe, Cassiodoro fez com que o subsídio dos professores, por um momento negligenciado, fosse assegurado com regularidade [11] e o imperador Justiniano, com sua Pragmatica Sanction, reorganizando a Itália após a reconquista (535), não pode senão determinar que se adotasse o dos tempos de Teodorico [12]

Constatamos assim que a vida escolar antiga perpetuou-se em Roma até meados do século VI: há sempre, remunerados pelo Estado, professores de gramática, de retórica, de direito e de medicina [13]. Conhecemos ainda o nome de um dos últimos titulares da cátedra de eloquência, inaugurada outrora por Quintiliano, um certo Félix, que vemos, em 534, resenhar o texto de Marciano Capela (13). Ensinam sempre em salas dispostas em torno do fórum de Trajano [14], que são também sede de recitações públicas [15], pois os costumes literários da Roma imperial sobreviveram tanto quanto suas escolas.

Roma conserva sempre seu primado no tocante ao ensino universitário [16], mas a vida escolar não é menos ativa nas demais grandes cidades da Itália. Em Milão, o arlesiano Enódio, futuro bispo de Pavia (473/4 — 521), faz-nos conhecer a escola, auditorium, do gramático e retor Deutério [17]; seus alunos perlustram o programa habitual dos estudos clássicos: latim, grego, gramática e retórica [18] e “declamam” como nos belos dias de Sêneca o Pai, sobre os mesmos eternos assuntos de controvérsias e suasórias: o filho ingrato, o tiranicídio, Diomedes ou Tétis [19]. O próprio Enódio, apesar de ter-se tornado advogado [20], não desdenha de compor modelos corrigidos, suas Dictiones, para a edificação dos jovens amigos cujos estudos orienta.

Como Milão, Ravena, onde um dos discípulos de Enódio, o futuro poeta Arator, fará seus estudos de direito [21]: as escolas aí são sempre florescentes, até uns trinta anos mais tarde, como podemos julgar pela cultura de Fortunato, que também aí vem estudar, pouco depois de 552 (14).

A INVASÃO LOMBARDA

Todavia, a prosperidade da Itália havia sido abalada pela longa e áspera resistência gótica à reconquista bizantina (535-555): foi definitivamente destruída pela invasão do mais tardio dentre os povos germânicos, os lombardos; estes entram na Itália em 568, conquistam a planície do Po, infiltram-se ao longo da cordilheira apenina, atingindo Benevente em 572. Com eles, a península conheceu horrores análogos aos que a Gália e o resto do Ocidente padeceram 150 anos mais cedo. É então que a barbárie se estende sobre a Itália; durante quase mais de um século, do fim do século VI ao fim do século VII, este país, por tanto tempo guardião da tradição clássica, vê o nível intelectual da cultura degradar-se até um nível quase que merovíngio. Este corte tão nítido marca o momento em que se efetuou a substituição e em que a educação se torna, ali onde dela subsiste algo, fundamentalmente religiosa.

Por todo tempo em que tinha persistido a tradição clássica, a Itália do século VI tinha apresentado o mesmo dualismo rigoroso que o Baixo Império ou Bizâncio, entre uma educação profana, fiel ao humanismo herdado do paganismo e uma educação religiosa, ascética, em violenta ruptura com a precedente, e ministrada, não ainda em verdadeiras escolas, mas no seio do clero ou dos mosteiros.

Enódio, Cassiodoro, São Gregório Magno, por sua dupla carreira, primeiramente profana, depois eclesiástica, ilustram este antagonismo, cada um de seu modo. Desde que ingressa nas Ordens (é então um simples diácono do bispo Epifânio de Pavia, seu mestre espiritual, ao qual deverá suceder), Enódio rompe, solenemente, com as pompas da eloquência profana [22]; recusa-se, com horror, a ocupar-se, como fizera com muitos outros, dos estudos literários de um de seus jovens sobrinhos, cuja mãe achara bom ordenar clérigo: “Envergonhar-me-ia, diz ele, de dar uma instrução secular a um homem da Igreja! [23] (15)”

O próprio Cassiodoro, que vimos tão preocupado em manter a atividade regular das cátedras profanas de Roma, inquieta-se por ver os estudos sagrados carecerem tão completamente de instituições apropriadas. Em 534, ele se associa à curiosa tentativa do papa Agapito, de criar na própria Roma, à sombra de uma biblioteca erudita, algo análogo às escolas cristãs de Nisibe (16). Alguns anos mais tarde, afastado das ocupações e do mundo, funda em seu domínio de Vivário, no canto mais recôndito da Itália, sobre a costa jônia da Calábria, um duplo mosteiro, onde instala a mais rica biblioteca, toda uma equipe de tradutores e de copistas, tentando criar um centro de estudos propriamente religiosos, votados ao estudo da Bíblia, que aproveitará a contribuição do humanismo tradicional numa síntese cristã: o plano de seus livros de Institutiones retrata o quadro desta notável tentativa de cultura monástica (17).

Mais radical, já menos estreitamente vinculado à cultura antiga, São Gregório o Grande, depois de ter-se convertido à vocação monástica, rompe com todos os elos com a cultura clássica: nascido por volta de 540, pôde ele ainda receber em Roma uma educação cujos quadros são ainda os do humanismo tradicional [24]; mas sob uma forma já esvaziada de substância pela decadência... Deste humanismo, São Gregório ignora, sem qualquer dúvida, os valores subjacentes: além disso, como já vimos, sua cultura religiosa está em violento conflito com ele. Aliás, foi em seu mosteiro do Clivus Scauri que se iniciou nesta cultura, pelos cuidados dos primeiros abades que colocou à frente de sua fundação — Hilário e Maximiano [25].

Chegam os tenebrosos dias da conquista lombarda; a escola profana, e com ela a tradição antiga, desmorona-se. A Igreja, única força organizada, sobrevive à tormenta, salvando consigo a educação religiosa. Os centros de ensino que subsistem são, primeira e essencialmente, os conventos: na Calábria, Vivário (apesar de que, morto Cassiodoro, seu papel pareça ter sido bastante passivo: conservou e depois transmitiu seus tesouros — o que já é muito), em Nápoles o mosteiro de Pizzofalcone, ilustrado outrora por Eugípio, mais ao norte, São Vicente do Volturno, Monte Cassino, o convento de Bobbio, que, em 612, São Colombano, procedente da Grã-Bretanha, viera fundar, uma vez que a irradiação do monaquismo céltico desdobra-se doravante sobre o continente

Com as escolas monásticas, como já anteriormente na Gália, desenvolvem-se as escolas episcopais: apenas um ensino mostra-se vivo na Roma decadente do tempo de São Gregório, a saber, aquele que, como na Gália, se deve ministrar ao coral dos jovens clérigos, a esta schola cantorum, por cuja reorganização a tradição glorifica o grande papa. Na Itália, por toda parte encontramos vestígios de tal ensino eclesiástico, inspirado pelo bispo, ministrado à sombra mesma de sua catedral e evidentemente destinado a promover, antes de tudo, o recrutamento e a formação imediata do clero: em 678-679, um bispo de Fiesole informa ter sido assim educado na igreja de Arezzo: per plures annons in ecclesia Sancti Donati nutritus et litteras edoctus sum [26].

Importa, porém, advertir que a passagem da Itália antiga à Itália medieval não se efetuou de modo tão flagrante quanto a mudança que observamos alhures. Por mais atroz que tenha sido a barbárie lombarda, ela jamais interrompeu inteiramente a tradição literária. Primeiro, porque nunca recobriu toda a península: protegidas pela frota bizantina, as regiões costeiras resistiram durante muito tempo: Ravena até 751; Nápoles, Salerno, o extremo sul e, sobretudo, Roma, jamais foram verdadeiramente barbarizadas: algo da continuidade bizantina se pode observar nestes centros privilegiados.

Quando a situação se estabiliza, no fim de um século, quando, timidamente, a Corte lombarda de Pavia tenta restabelecer a tradição letrada deixada por Teodorico, o rei Cunincperto (678-700) arranja um “magister”, Estevão, para exercitar-se, canhestramente sem dúvida, no papel de poeta áulico [27]; em 680, o mesmo rei oferece uma bengala tauxiada de ouro e prata ao gramático Félix [28]. Esboça-se já uma renascença lombarda (18).

Para que ela se tornasse possível, não é sequer necessário supor que uma tênue corrente de tradição escolar se haja perpetuado através do século de ferro: a educação doméstica, familiar, bastou para transmitir através de algumas gerações um mínimo de conhecimentos e de amor às letras. Assim, é-nos revelado que antes de ter sido levado à vida religiosa, Atálio de Bobbio, o sucessor de São Columbano, tinha sido instruído nas letras profanas pelos cuidados de seu próprio pai, na Borgonha, é verdade, e não na Itália [29], Algo desta transmissão no interior da família perpetuar-se-á ainda: o próprio gramático Félix de Pavia formou nas letras seu sobrinho, Flaviano, que viria a ser mais tarde o mestre do grande Paulo Diácono [30].

PRELÚDIOS DO RENASCIMENTO CAROLÍNGIO

Mas estas circunstâncias que colocam a Itália numa situação particular em relação ao resto do Ocidente, não somente tornaram possível o renascimento lombardo mas facilitaram também o desenvolvimento, o progresso contínuo e tão notável! da cultura e do ensino das escolas britânicas.

Desde as primeiras escolas da Irlanda até as dos Scoti e dos anglo-saxões do tempo de Carlos Magno, o progresso é continuo. Não é devido unicamente a uma elaboração original. Esse progresso foi nutrido por uma contribuição, quase contínua, vinda das regiões outrora romanas, onde algo ainda subsistia dos tesouros acumulados pelo classicismo,

As primeiras gerações de clérigos irlandeses receberam assim, indubitavelmente, a princípio reforço da Bretanha e da Gália; mais tarde, sobretudo — a coisa foi curiosamente observada — da Espanha. Mas o papel da Itália na elaboração desta primeira cultura medieval, pré-carolíngia, foi capital: aparece em primeiro plano desde a célebre missão enviada por São Gregório Magno aos ingleses, em 597, e chefiada por Santo Agostinho, primeiro arcebispo de Cantuária, que teve, entre seus sucessores, Teodoro de Tarso (669-690), um grego. Nesta data, Roma é uma província bizantina. Pode-se imaginar sem dificuldades qual campo de influências, qual contribuição de cultura, um tal fato representa. Desde então um contato direto estabelece-se entre a Itália e a Grã-Bretanha; peregrinos circulam incessantemente de uma a outra e carregam consigo, muitas vezes, livros, manuscritos antigos ou recentes (penso nos livros litúrgicos) que as bibliotecas da velha Roma, apesar de tantas pilhagens, conservavam em abundância. Assim, Benedito Biscop, fundador das abadias de Wearmouth e de Jarrow, visitou Roma nada menos de seis vezes na segunda metade do século VII, dali levando, em cada viagem, numerosos volumes [31]

O longo crepúsculo italiano ligou-se, pois, à prematura aurora que se dealbara além-Mancha, O futuro da civilização ocidental foi determinado por esta conjunção: os Scoti e seus alunos ou êmulos anglo-saxões não foram abandonados apenas às suas forças; não tiveram de reinventar a gramática, as ciências, de redescobrir o grego: tudo isto, e mais ainda, o tesouro maravilhoso dos clássicos, puderam recebê-lo desde que sua curiosidade e sua maturidade os tornaram disso dignos, das mãos dos mediterraneanos.

Por esta dupla via, as benesses da tradição clássica puderam assim sobreviver à destruição de sua Forma e ser reinvestidas na nova síntese que representa a cultura medieval de inspiração cristã. Esta começa a esboçar sua Forma original a partir da renascença carolíngia, e foi realmente da confluência das contribuições lombardas e insulares que esta renascença surgiu: o encontro, na côrte de Carlos Magno, do inglês Alcuíno e do lombardo Paulo Diácono (e, com o primeiro, os Scoti Clemente, José, Dungal; com o segundo, Pedro de Pisa, Paulino de Aquiléia) assume, a este respeito, o valor de um símbolo.

Disto decorre um dos traços dominantes da cristandade medieval, diríamos melhor, de toda a civilização ocidental: por mais original que ela seja por sua primitiva inspiração, por mais estranha que ela se suponha, ou se julgue, ao espírito do humanismo antigo, ela não lhe é radicalmente heterogênea. Ela não representa, na história das civilizações, um recomeço absoluto, uma nova partida do zero. Ela foi, desde sua origem, e, depois, tão continuamente alimentada por suas fontes antigas que nos aparece, antes de tudo, como uma Renascença. Assim se reatou, para além da ruptura bárbara, uma certa continuidade, na matéria, senão na forma, que faz do homem ocidental um herdeiro dos Clássicos.


Notas:

[1] MALALAS, Crônica (ed. Dindorf, t. XV da Bizantina de Bonn), XVIII, 151. 

[2] Miguel Pselo, Discursos Fúnebres (ed. K. N. Sathas, Bibliotheca Graeca medii aevi, t. V), E, 14. 

[3] Ana Comnene, Alexíada (ed. Leib), 1, p. 3.

[4] Rhetores Graeci (ed. Spengel), I, 566 s.; 480; 517; 499.

[5] Paulino de Pela, Eucharisticon, 68-69.  

[6] Simônio APOLINÁRIO, Cartas, IV, 1, 3. 

[7] Idem, V, 5; IV, 20.

[8] Código Justiniano, I, 27, 1, 42.

[9] E. DIEHL, Inscriptiones Latinae Christiane Veteres, CG.

[10] Cassiodoro, Cartas Variadas, 1, 39. 

[11] Idem, IX, 21. 

[12] JUSTINIANO, Novelas, Ap. 7, 22. 

[13] Ibidem.  

[14] São Venâncio Fortunato, Poemas, VIII, 8, 26.

[15] Idem, III, 18, 8. 

[16] Enódio de Pavia., Cartas, V, 9; VI, 33; IX, 2.

[17] Declamações, VII; IX-X; Poemas, 1, 2; II, 104. 

[18] Cartas, I, 5, 10. 

[19] Declamações, XVII-XVIII; XXIV-XXV.

[20] Cartas, II, 27, 4.

[21] Cassiodoro, Cartas Variadas, VIII, 12.

[22] Enódio de Pavia, Cartas, III, 24; IX, 1. 

[23] Idem, IX, 9.  

[24] São Gregório de Tours, História dos Francos, X, 1; Paulo Diacro, Vida de São Gregório o Grande, 2. 

[25] João Diacro, Vida de São Gregório o Grande, I, 6. 

[26] C. Troya, Codice diplomatico longobardo (ed. Schiaparelli, t. 1, p. 71, 1, 29-30, Fonti per la storia d'Italia, t. 62), III, 201-2. 

[27] Monumenta: Germaniae Historica, Antiquitates, Poetae Latini medii aevi, IV, 731, 

[28] Pauto Diacro, História dos Lombardos, VI, 7. 

[29] Acta Sanctorum Mart.../sic pri ed, franc./, II, 42. 

[30] Paulo Diacro, História dos Lombardos, loc. cit.

[31] São Beda o Venerável, História dos Abades de Wearmouth e Jarrow (Migne, Patrologie Latine, t. 94), 716 A; 717 B, 720 B, 721 C.


Notas Complementares

(1) Sobre a educação bizantina e, particularmente, o ensino superior: F. FucHs, Die höheren Schulen von Konstantinopel im Mittelalter, Byzantinisches Archiv (supl. da Byzantinische Zeitschrift), VII, Leipzig, 1926; J. M. Hussey, Church and learning in the byzantine Empire, 867-1185, Oxford-Londres, 1937; L. BRÉHIER, L'Enseignement classique et l'Enseignement religieux à Byzance, ap. Revue d'Histoire et de Philosophie religieuses, XXI (1941), ps. 34-69 (enquanto se espera a publicação dos tomos W-III de seu Monde Byzantin, na coleção “L"Évolution de "Humanité”).

Há um ponto sobre o qual convém chamar a atenção dos bizantinistas: estes salientam de bom grado o paralelismo entre o programa dos altos estudos bizantinos e o da escola filosófica neo-platônica (cf.: O. SCHISSEL VON FLESCHENBERG, Marinos von Neapolis und die neuplatonischen Tugendgrade, Atenas, 1928). Isto significa que a cultura filosófica se tornou, daí por diante, a regra, ou melhor, que Platão, tenha, tardiamente, vencido Isócrates? Ou a filosofia continua sendo um coroamento reservado à elite? Seria preciso examinar como se tornou, na época bizantina, a tensão dialética que mostrei tão profunda na época helenística e romana, entre os dois pólos da cultura clássica.

Sobre o ensino elementar, ainda mal conhecido, cf. algumas indicações ap. F. DVORNIK, Les Légendes de Constantin et de Méthode vues de Byzance, Byzantinoslavica, Supl., I, Praga, 1933, ps. 25-33. Excelente exposição de G. BUCKLER, Byzantine Education, em N, H. BAYNES e H. ST. L. B. Moss, Byzantium, an Introduction to East Roman Civilization, Oxford, 1948, p. 200-220; pelo contrário, deve ser utilizado com precaução, o livro pouco crítico de PH. Koukoulés, Vie et civilisation byzantines (em grego), tomo I, fascículo 1, Atenas, 1948 (Collection de l'Institut français d'Athènes), tomo 10, ps. 35-137.

(2) Sobre o humanismo na época dos Paleólogos, cf. R. Guilland, Essai sur Nicéphone Grégoras, l'Homme et l'Oeuvre, Paris, 1926, ps. 55 e segs, 111 e segs.

(3) Proibição de receber “crianças do século” nos mosteiros de Bizâncio: cf. os fatos apresentados por L. BRÉHIER, art. citado, ap. Revue d'Histoire et de Philosophie religieuses, 1941, ps. 63-64.

(4) Origens da escola patriarcal de Constantinopla: cf. sempre BRÉHIER, ibid., ps. 42-44, que remete ao testemunho de ANANIAS DE SCHIRAG (cerca de 600-650), Autobiographie, trad. CONYBEARE, ap. Byzantinische Zeitsherift, VI (1897), ps. 572-573.

(5) Sobre a escola grega depois de 1493: G. CHASSIOTIS, L'Instruction publique chez les Grecs depuis la prise de Constantinople par les Turcs jusqu'à nos jours, Paris, 1881, ps. 14 e segs. Notar-se-á que, ao contrário do Ocidente, o ensino superior jamais desapareceu no Oriente, porquanto, logo após a tomada de Constantinopla, Maomé II restabelecia o patriarcado em beneficio de Genádio Escolário, o qual se apressava em reconstituir, no Phanar, a escola patriarcal: CHASSIOTIS, Op. Cit., p. 4; 34-42. Sobre os exercícios escolares de tipo sempre antigo, o mesmo remete a F. POUQUEVILLE, Voyage de Morée, Paris, 1805, ps. 267-270,

(6) Sobre La Vie scolaire dans les monastêres d'Irlande aux V-VlIle siècles, que me baste citar o memorial de meu aluno A, LORCIN, ap. Revue du Moyen-Áge latin, t. I, 1945, ps. 221-236, não obstante as criticas que lhe foram dirigidas por P. GROSJEAN, ap. Analecta Bollandiana, t. LXIV (1946), p. 323 (a exposição de J. RYAN, Irish Monasticism, Origins and early development, Dublin, 1931, ps. 200-216, 360-383, à qual nos remete o P. Grosjean, é bastante falaciosa),

(7) O fim das escolas antigas na Gália: o trabalho básico continua sendo a tese, já citada no capítulo precedente (n. 10) de M. ROGER, L'Enseignement des Lettres classiques d'Ausone à Alcuin, introduction à l'Histoire des écoles carolingiennes, Paris, 1905.

(8) Os professores contemporâneos de Sidônio Apolinário seriam algo mais do que  preceptores privados? Cf. A. LOYEN, Sidoine Apollinaire et l'esprit précieux en Gaule, Paris, 1943, p. 93.

(9) Sobre o fim da romanidade nas províncias danubianas, cf. A. ALFÔLDI, Der Untergang der Römerherrschaft in Ponnorien, II (Ungarische Bibliothek, I R., 12), Berlim, 1926, p. 575.

Sobre as escolas na Espanha visigótica: R. MENÉNDEZ PIDAL, Historia de España, t. III, España Visigoda, Madrid, 1940, ps. 343 (M. TORRES), 391, 397 (n. 88), 398, 416, 418-423 (J. PÉREZ DE URBEL).

(10) Sobre la Paix Vandale, cf. o artigo, animado sem dúvida por algum exagêro polêmico, de C. SAUMAGNE, ap, Revue Tunisienne, 1930, e o livro, êste também em certos pontos levado até o paradoxo, de E. GAUTIER, Genséric, roi des Vandales, Paris, 1932.

Sobre o meio intelectual e universitário de Cartago na época dos vândalos, cf. os materiais recolhidos por A. AUDOLLENT, Carthage romaime, Paris, 1901, ps. 749-766.

(11) Sobrevivências do cristianismo ce da latinidade em Marrocos e em Orã: J. CARCOPINO, Le Maroc antique, Paris, 1943, ps. 288-301.

(12) Sur les derniers temps du christianisme en Afrique, cf. sob este título o excelente memorial de W. SESTON, ap. langes d'Archéologie et d'Histoire, LIII (1936), ps. 101-124, bem como: C. COURTOIS, Grégoire VII et l'Afrique du Nord, remarques sur les communautés chrétiennes d'Afrique au Xle siècle, ap. Revue historique, CKCV (1943), ps. 97-122, 193-226.

(13). As últimas escolas clássicas de Roma: sobre Félix, cronologicamente o último dos titulares conhecidos da cadeira oficial de retórica em Roma, cf. meu artigo Autour de la Bibliotheque du pape Agapit, ap. Mélanges d'Archéologie et d'Histoire, XLVIII (1931), ps. 157-165; já o encontramos em recesso no ano de 534; e, de maneira geral, F. ERMINI, La Scuola in Roma nel VI secolo, ap. Archivum Romanicum, 1934, ps. 143-154.

(14) Estudos de Fortunato em Ravena: of. D. TARDI, Fortunat, Paris, 1928, p. 62.

(15) A mesma oposição entre cultura clássica e cultura cristã subsiste igualmente na Gália pelo tempo em que ali sobrevive algo da tradição antiga: cf. por volta de 408, a sátira de SÃO PAULINO (de Béziers?), Ad Salmonem (CSEL., XVI, 1), v. 76-79,

(16) Sobre o centro de altos estudos religiosos que o papa Agapito e Cassiodoro tentaram instaurar em Roma, cf. ainda o memorial citado acima, n. 13, ps. 124 e segs.

(17) Sobre a obra de Cassiodoro, cf. em primeiro lugar, P. COURCELLE, Les Lettres grecques en Occident, de Macrobe à Cassiodore, Paris, 1943, ps. 313-388; cf. também A. VAN DE VYVER, Cassiodore et son oeuvre, ap. Speculum, VI (1931), ps. 244-292; Les Institutiones de Cassiodore et sa fondation à Vivarium, ap. Revue Bénédictine, LXIII (1941), ps. 59-88.

(18) Sobre a “renascença” lombarda, cf. A. VISCARDI, na Storia Letteraria d'Italia do editor VALLARDI, t. I, Le Origini, Milão, 1939, pass., e, principalmente: R. BEZZOLA, Les origines et la Formation de la littérature courtoise en Occident (500-1200), I, La Tradition impériale de la fin de Pantiquité au Xle siêcle (BEHE., fasc. 286), ps. 24-33. O autor só descreve um aspecto dela, mas o mais curioso: mostra-nos ele que um tênue fio de tradição escolar profana se manteve, em suma, ao longo das idades obscuras, ligando assim a cultura antiga ao setor laico da cultura medieval, que se não poderia, sem excesso, limitar apenas ao veio religioso.

***

Leia mais em As 4 causas da Educação Clássica

Leia mais em Carlos Magno e a expansão da Educação Clássica



Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram @summamathematicae e YouTube.




Total de visualizações de página