Loading [MathJax]/extensions/tex2jax.js

Postagem em destaque

COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae

Primeiramente quero agradecer bastante todo o apoio e todos que acessaram ao Summa Mathematicae . Já são mais de 100 textos divulgados por a...

Mais vistadas

Livro A Crise da Educação Ocidental

Crianças sendo ensinadas em sala de aula, de uma escola francesa.

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES

DIGITE SEU EMAIL:

Verifique sua inscrição no email recebido.


Tempo de leitura: 40 min.

Texto retirado da Introdução do livro A Crise da Educação Ocidental de Christopher Dawson publicado pela editora É Realizações, em 2020.


Introdução, por Glenn W. Olsen.

Christopher Dawson (1889-1970) tinha tal reputação que, ao ser instituída a cátedra Chauncey Stillman de Estudos Católicos Romanos pela Universidade Harvard, ele foi escolhido como seu primeiro ocupante (1958-1962). Antes de lecionar em Harvard, Dawson, inglês convertido ao catolicismo, jamais visitara os Estados Unidos. Então um acadêmico maduro na casa dos sessenta, ele já havia publicado muitos livros e artigos sobre uma enorme variedade de temas, mas era mais conhecido pela série de volumes sobre o papel da religião na história mundial. Enquanto esteve em Harvard, ele às vezes era questionado acerca da educação americana e suas perspectivas, especialmente sobre a educação católica nos Estados Unidos. Uma das consequências do questionamento é o presente livro, publicado pela primeira vez em 1961, e desde então reimpresso com regularidade. Endereçado a todos os que se interessavam pela reforma da educação, o livro foi elogiado por muitos não católicos. De um lado, Dawson considerava as perspectivas de reforma educacional nos Estados Unidos particularmente promissoras; de outro, via sérios problemas que precisariam ser superados.

A análise de Dawson começa com um panorama da história da educação. De imediato, ele desenvolve um de seus temas fundamentais: "enculturação". A ideia de que cultura é religião incorporada percorre os escritos de Dawson. De acordo com essa visão, toda cultura, em suas origens, tem a religião em seu centro, e podemos falar da cultura como uma espécie de encarnação da religião no decorrer do tempo. A cultura é a soma das maneiras pelas quais algumas religiões são incorporadas aos padrões de vida e formas materiais. Logo, a educação é o meio pelo qual tal herança social é transmitida aos jovens enculturando-os. Ela é, ao mesmo tempo, "alta" e "baixa", pensamento e cultura popular.

Do mundo antigo até o Iluminismo, a educação formal era privilégio de poucos, mas todos eram, em certo sentido, educados, isto é, enculturados, geralmente através da tradição, de alguma forma de aprendizado, da religião ou da arte. Formação especializada costuma depender de instrução, e, no mundo antigo, surgiram minorias letradas que se dedicaram com afinco à preservação e ao progresso de sua respectiva cultura. Na Grécia, a educação assumiu a forma de "educação liberal", que era apropriada ao cidadão livre o preparava para a participação na vida pública. Ela se concentrava nas artes do discurso e da persuasão.

A união completa da cultura filosófica grega com um emergente corpo de pensamento cristão só ocorreu em Bizâncio, no começo da Idade Média, mas, no Ocidente, exemplificado pelo rei Alfredo de Wessex (o Grande, 849-899), já surgia o ideal de educação laica e vernácula para todos os homens. Ainda que, por séculos, a educação tenha permanecido em grande parte clerical, Dawson cita Alfredo como um exemplo, das profundezas da Idade Média, de um corpo de escritos cristãos que vão além da Bíblia e poderiam estar no centro de um programa cristão de estudos. A abrangente visão de Dawson era de que o tema fundamental do estudo histórico deve ser a "cultura", e que a tarefa do historiador é mostrar como as culturas se formam, desenvolvem uma ampla visão de mundo, são transmitidas para outrem no tempo e no espaço, e então decaem ou recuam diante de uma nova cultura em ascensão [1]. Bastante influenciado pela antropologia e pela sociologia, Dawson achava que muito trabalho foi desperdiçado em narrativas históricas centradas em grandes figuras e eventos, em detrimento do usualmente lento desenvolvimento da cultura. No caso do cristianismo, surpreendentemente, houve pouca atenção ao fato de que a cultura cristã - uma nova forma de cultura - sucedeu a judaica, a grega, a romana, a alemã, entre outras. Em essência, o que Alfredo percebeu ainda no século IX foi que essa nova cultura cristã deveria ser ensinada aos jovens, assim como os gregos tiveram de aprender sua cultura a fim de formar uma identidade e passá-la adiante. A lista de "clássicos cristãos" de Alfredo se inclinava para o viés histórico e para o que depois seria chamado de "teologia natural", e isso, por si só, era notável, pois era uma alternativa ao antigo e herdado currículo centrado em gramática e retórica.

Dawson sabia que esse programa de estudos foi uma proposta isolada de pouca influência. Na época de Alfredo, o futuro imediato ainda pertencia aos seminários e escolas monásticas e, a partir do século XII, às universidades. Embora os clérigos viessem de todas as classes sociais, essas instituições preservavam uma elite monástico-clerical instruída e a língua latina. No século XII, em particular, o interesse pelo pensamento platônico e cosmológico foi enorme, mas, com o reavivamento do estudo aristotélico, ocorrido na mesma época, os clássicos literários antigos e a cosmologia platônica ocuparam uma esfera menor nas escolas, em comparação com o estudo das obras filosóficas de Aristóteles. Em outros lugares, especialmente nas cortes reais e aristocráticas, proliferaram os estudos humanistas ou cortesãos e a literatura vernácula [2].

Na perspectiva de Dawson, essa cultura cortesã e vernácula foi da maior importância. Por meio dela, as tradições nativas europeias se transformaram em várias formas de cultura cristã. Dawson considerava únicos alguns aspectos importantes da tradição educacional do Ocidente. Embora também apresentasse certa tendência, sobretudo no período medieval e no começo da modernidade, a centrar-se em uma classe sacerdotal e na tradição sacra, ela nunca se limitou a isso. Ela constituía a vida não só de uma elite, mas de toda a comunidade. Isso talvez se relacione com o fato, ressaltado por muitos, de que no cerne da cultura cristã havia, desde o princípio, uma espécie de dualismo. Enquanto em muitas outras culturas a vida era integrada por inteiro a uma totalidade pública, com frequência pelas mãos de um rei, às vezes pelas mãos de sacerdotes, o Ocidente cristão sempre exibiu uma forma de dualismo em que o aspecto religioso (Igreja) e o aspecto político (Estado) eram distintos entre si.

A alta cultura europeia e a americana têm suas raízes sobretudo nas tradições educacionais do Renascimento italiano, um mundo menos de universidades do que de academias (associações privadas para discussão de temas científicos e literários), sociedades eruditas e, por fim, dos colégios jesuítas e do sistema inglês de ensino público. A expansão comercial medieval levou a Itália a ter mais e mais contato com o Mediterrâneo Oriental e com as riquezas da cultura helênica, e, na Idade Média tardia, ressurgiu algo similar à cultura cívica da Antiguidade. De um modo que não fora possível no mundo feudal, a educação liberal foi mais uma vez colocada a serviço do cultivo de cidadãos efetivos. Os estudos platônicos floresceram, e Dawson viu no Renascimento italiano a retomada dessa tendência medieval - especialmente do século XII -, que, em grande parte, fora deixada de lado pelo estudo de Aristóteles. As universidades se concentraram em discussões científicas e tinham relativamente pouco interesse em temas estéticos ou morais.

Agora, em cidades como Florença o humanismo renascentista reintroduzia temas negligenciados pelas universidades medievais e suas herdeiras (embora, no século XIV, a Universidade de Florença tivesse instituído uma cátedra de estudos sobre Dante, assumida a princípio por Boccaccio, demonstrando, assim, interesse pela "cultura cristã" contemporânea e atestando o fato de que não se deve traçar uma linha muito nítida entre os interesses das universidades na Idade Média tardia e as novas instituições educacionais do Renascimento). Criou-se o ideal do homem de ampla formação, do desenvolvimento harmonioso de tudo que é humano, corpo, alma e espírito. A vida devia ser enriquecida pela arte e pela literatura. O século XV, em particular, foi um período em que se escreveram numerosos tratados sobre educação. Dawson discordava dos estudiosos que apresentaram a Renascença italiana como "paga" ou "laicizante", e salientou a contínua influência do cristianismo; estudos mais recentes justificam seu ponto de vista.

Ele antecipou a tese de que a única coisa que manteve a Europa culturalmente unida à época da Reforma Protestante - permitindo que os europeus compartilhassem de uma cultura comum, a despeito da grave divisão religiosa foi a educação humanista compartilhada por católicos e protestantes. Particularmente bem-sucedida foi a adequação da educação clássica humanista aos ideais religiosos da Contrarreforma pelos jesuítas no seu Ratio Studiorum (1599), ou Programa de Estudos, modelo de educação nos colégios católicos até a época de Dawson e amplamente admirado pelos protestantes europeus. No século XVIII, a maioria dos europeus dava enorme valor ao estudo de ambas as tradições - Antiguidade clássica e cristianismo. Na América puritana, o currículo era mais estrito, religioso e voltado à prática, com menos estudo das literaturas clássicas e vernáculas do que na educação europeia.

Dawson via o impacto inicial da ciência e da tecnologia modernas na educação ocidental como mais significativo do que o impacto do protestantismo. Ou seja, o programa conjunto de estudos cristãos e clássicos concebido no mundo romano tardio, programa que, embora tivesse mudado de método e conteúdo com o passar do tempo, perdurou por mais de um milênio, sobrevivendo até mesmo à Reforma, foi seriamente afetado pelo desenvolvimento da ciência moderna. Muitas coisas sobrevieram ao mesmo tempo, do alargamento da percepção do mundo, decorrente da era de exploração e descoberta de novas terras, à estima crescente pelo artesanato e pelas artes mecânicas na cidade renascentista.

Todos estavam envolvidos na aplicação da ciência à vida, e um gênio universal como Leonardo da Vinci (1452-1519) era muito admirado. Pois, para um homem assim, sem instrução (no sentido de pouca educação formal), as verdadeiras escolas eram a natureza e a matemática. Sua ciência, mais panteísta e naturalista do que cristã, decorrente de estudos contemporâneos em biologia e anatomia como os feitos na Universidade de Pádua, era diferente da ciência da Idade Média. Nela, era franco o racionalismo, o ceticismo e o desprezo pelo cristianismo, e a insistência de que Fé e Razão nunca se tocam, identificada por outros de forma indiscriminada com o Renascimento como um todo, era comum nas faculdades de medicina. A partir daí, temos uma tradição majoritariamente cristã humanista, que ainda persiste, e um novo movimento científico, cético e racionalista. Contudo, mesmo na comunidade científica, os racionalistas eram minoria: muitos ainda se consideravam cristãos e, de fato, o trabalho dos famosos cientistas do século XVII deu continuidade à longa tradição de um ideal matemático da natureza que remontava aos pré-socráticos, passando pelas universidades medievais, como Oxford. Não obstante, os cientistas, com sua paixão por métodos exatos, passaram a desconfiar cada vez mais da especulação filosófica.

Francis Bacon (1561-1626), homem que dificilmente foi um filósofo ou cientista, tomou para si a tarefa de difundir as possibilidades da nova ciência. Ele pregou uma reorganização do estudo que facilitasse as possibilidades da nova ciência; sua mensagem dizia respeito à natureza instrumental da ciência. A ciência era um meio de obter poder sobre o mundo e transformar a vida. As gerações passadas vagaram em erro, Bacon afirmou, mas agora a ciência levaria a humanidade à terra prometida, uma era tecnológica de progresso contínuo. Cristão devoto que uniu a teologia fideísta à ciência empírica, Bacon traçou uma linha clara entre religião e ciência, antecipando seu divórcio posterior.

Dawson via o Iluminismo como uma junção do empirismo inglês, representado por Bacon, com o racionalismo francês de René Descartes (1596-1650). Embora a escolástica ainda vigorasse nas escolas e universidades, fora dali os ideais da nova ciência passaram a dominar, e ideias revolucionárias sobre educação eram apregoadas. Para muitos, a matemática substituiu a lógica escolástica, e a religião e a metafísica eram descartadas como absurdas. Na França, sobretudo, a ciência se tornou a nova religião. A educação devia ser usada para tornar os seres humanos razoáveis e esclarecidos, livres das superstições e da tirania dos padres. As universidades, junto com a Igreja e suas ordens de ensino, deviam ser destroçadas. Em muitos países, os jesuítas - por dois séculos os principais portadores da educação católica - foram suprimidos.

Quando sobreveio a Revolução Francesa, as universidades, bem como a maioria dos colégios e escolas secundárias, foram fechadas. Estava tudo pronto para uma completa reorganização educacional, agora sob os auspícios do Estado. Mas, embora abundassem propostas de reforma, pouco foi feito a princípio, e a educação quase entrou em colapso. Então, Napoleão Bonaparte (1769-1821) energicamente definiu uma reorganização completa da educação, em consonância com as linhas políticas e nacionais. Assim como a educação infantil outrora patrocinada pela Igreja visava produzir uma classe de cristãos humanisticamente instruídos, o ideal agora era uma educação a serviço do Estado, produzindo patriotas.

Ainda que Napoleão não se opusesse ao retorno de certas ordens religiosas à educação, especialmente no que dizia respeito à instrução das classes mais baixas, que ainda não eram o foco da reforma educacional, o Estado assumiu por completo a educação da elite, coisa que antes era da alçada da Igreja; em todo caso, agora toda a educação seria supervisionada pelo Estado. Os professores se tornaram funcionários públicos. Mesmo assim, no começo do século XIX Estado algum tinha capacidade para exercer o grau de controle implícito em tais reformas, e algumas instituições privadas sobreviveram.

A partir do fim do século XVII, protestantes e católicos ampliaram aos poucos a instrução catequética oferecida por suas escolas paroquiais para formas variadas de educação primária, e foi daí que vieram as escolas mais populares, auxiliadas, no lado católico, por uma onda de novas ordens religiosas de ensino. Na Alemanha, onde havia muito mais intelectuais egressos das classes mais pobres do que na França ou do que na Inglaterra, maior atenção foi dada à educação das classes baixas e à cultura vernácula, em que pese a preocupação de toda a Europa com a antiga educação humanista e com a nova educação científica. Assim como ocorreu com a educação francesa, a educação alemã se tornou cada vez mais nacionalista, com a diferença de que, mesmo em meados do século XIX, a Alemanha era um punhado de principados, não um estado-nação. Alguns poderiam colocar a educação a serviço do emergente Estado nacional alemão, mas outros a enxergavam em termos mais universais. O aprendizado, sustentou Wilhelm von Humboldt (1767-1835), deve servir não especificamente ao Estado ou a propósitos vocacionais, mas à busca do conhecimento e ao desenvolvimento da cultura. A Universidade de Berlim, fundada em 1810 e tida como das modernas universidades da Alemanha, da Europa Central e da Europa Oriental, visava ao cultivo da aprendizagem como um fim em si mesmo. Da Prússia originou-se a reforma da educação alemã em todos os níveis. Mas, na Alemanha, o que havia gerado revolta contra o sistema napoleônico culminou em algo similar ao que ocorreu na França: a educação era vista em todos os níveis como preparação para a cidadania. Essa vitória do nacionalismo, do controle estatal sobre a educação, tornou-se comum em toda a Europa e foi, em geral, apoiada por mestres e professores.

Dawson via a Grã-Bretanha e os Estados Unidos como exceções momentâneas a esse padrão de controle crescente da educação pelo Estado. Nesses países, um princípio espontâneo foi mais forte, e sobreviveu algo similar ao padrão medieval de independência corporativa das escolas. De Oxford veio a Idea of a University (1852 e 1858), de John Henry Newman, mas, a partir de 1870, a Grã-Bretanha se tornou mais e mais parecida com o resto do continente europeu, com um controle cada vez maior da educação pelo Estado. A tradição educacional americana deriva, em grande parte, da Grã-Bretanha, mas desenvolveu independência suficiente do modelo britânico e do europeu para que Dawson a considerasse uma nova força mundial. Como todo sistema educacional, ela é, em parte, um produto da cultura circundante. Dawson acreditava que, após o período colonial, a cultura americana se desenvolveu com maior rapidez sofreu mais mudanças, sobretudo geográficas e populacionais, do que qualquer outra cultura conhecida. Ele não escreveu sobre quatro períodos da história americana, mas sobre quatro Américas. Na primeira, do período colonial, não existia uma cultura americana comum, mas várias culturas regionais baseadas em diferentes religiões. Na puritana Nova Inglaterra, o interesse pela educação foi acentuado desde o princípio, mas, como em toda parte, destinava-se, em primeiro lugar, à educação clerical, ou seja, ainda era medieval. Na maior parte do Sul anglicano, a educação no século XVIII foi relativamente negligenciada, em parte por causa do desinteresse da Igreja da Inglaterra. O advento da Revolução Americana colocou os anglicanos em desvantagem ainda maior, sobretudo por causa das simpatias lealistas [3] da maior parte de seu clero. Os ideais educacionais dos Pais Fundadores, especialmente Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, provinham, em grande medida, do Iluminismo francês. A exemplo do que ocorreu na França, os planos de um sistema nacional de educação renderam, a princípio, poucos frutos, mas, no despertar da Revolução Americana, uma nova ideologia democrática gerou muito interesse pela educação popular.

O período entre a Revolução e a Guerra Civil compreende a segunda América de Dawson, para ele a época mais grandiosa da criatividade americana. As culturas coloniais se fundiram em uma unidade nacional ao mesmo tempo que ocorreu uma gigantesca expansão territorial. Os imigrantes que chegaram no fim do período colonial, sobretudo os irlandeses presbiterianos ou "escoto-irlandeses", estavam no centro de uma transformação sociológica interna que afetou a América como um todo e dificultou ainda mais a propagação tanto do anglicanismo quanto do congregacionalismo da Nova Inglaterra. As igrejas batista e metodista se espalharam pelo Sul e pelo Oeste. Elas representavam um novo tipo de protestantismo, caracterizado pelo revivalismo.

À diferença da Europa, a religião não estava sob controle estatal, de tal forma que os principais instrumentos de cultura e educação eram as denominações, e os colégios do Oeste permaneceram fundamentalmente religiosos. No Leste, sobretudo na Nova Inglaterra dos tempos de Horace Mann (1796-1859), os Estados se envolveram cada vez mais com a educação, em especial com a educação pública universal, e universidades de pesquisa, como as alemãs, passaram a ser imitadas. Em fins do século XIX, os laços estreitos entre Igreja e escola tendiam a ser substituídos por um sistema de supervisão estatal. Uma forma de secularização teve lugar, e a educação foi em grande medida posta a serviço da formação de valores morais democráticos e do patriotismo.

A terceira América de Dawson se estende da Guerra Civil até o fim da imigração irrestrita, em 1921. Os EUA pós-Guerra Civil eram mais ricos, fortes e populosos do que antes, e a colonização do Oeste prosseguiu. Essa foi a era de ouro do capitalismo americano e da expansão industrial. Por volta da década de 1920, a América era o país mais urbanizado do mundo. Contudo, não foi uma época de grandes conquistas intelectuais, mas sim educacionais. As igrejas foram substituídas pelas universidades como o centro da vida intelectual. Dawson - que não acreditava muito no "capitalismo democrático" - considera que o materialismo dessa época não prejudicou as instituições educacionais da maneira como prejudicou as igrejas. A nova riqueza afluiu para subvencionar o ensino superior. A maior parte dos americanos comprou a fé na ciência que havia deslumbrado a Europa no século XVIII, e a crença no progresso científico e na democracia passou a tomar o lugar da ortodoxia cristã. Isso é particularmente verdadeiro no que se refere ao mais influente teórico educacional americano, John Dewey (1859-1952), que centrou a educação na socialização para a democracia e foi um defensor da universalização do ensino superior.

A quarta era, contemporânea, viu a América concretizar, mais do que qualquer outro país no mundo, o ideal da educação superior para todos. Ainda que sistemas educacionais de elite possam resistir a se adaptar à sociedade ao redor, sistemas democráticos não podem, e, no contexto americano, a educação tornou-se inevitavelmente orientada para a tecnologia e o vocacionalismo. Dawson considerou que uma grande questão que pairava sobre essa quarta era cosmopolita e urbana era se a América poderia continuar se desenvolvendo nessa direção, com a vida urbana ainda mais separada da rural, e com a primeira consumindo de forma exorbitante os recursos naturais em uma vida "luxuosa para todos". Poderia uma terra em que a autonomia e a liberdade são as principais virtudes assumir o fardo da história e se ver, como todas as outras, implicada no Pecado Original?

Durante a maior parte da história americana, a liberdade educacional foi possível porque nenhuma instituição, secular ou eclesiástica, detinha o controle total, mas agora, pensou Dawson, a questão era se, no futuro, a uniformidade imposta pelo Estado poderia ser evitada. Em relação a isso, era crucial a existência de um amplo sistema educacional católico que não estava sob controle direto do Estado - embora, sem dúvida, esteja agora sob maior pressão externa do que na época de Dawson. Ele observou que a educação americana havia se tornado quase que totalmente secularizada, deixando pouco espaço para o estudo da religião, outrora a raison d'être [4] da universidade medieval. Nos EUA, a doutrina da separação entre Igreja e Estado foi estendida à educação, e a religião foi quase excluída da educação pública.

Os católicos americanos resistiram a isso e criaram um sistema alternativo. Dawson viu esse desenrolar como algo decisivo, a ponto de afirmar que o catolicismo nos Estados Unidos, embora fosse uma reação à predominância da forma protestante na cultura americana, havia paradoxalmente se tornado mais importante para o futuro mundial do que as culturas católicas da América do Sul. Isso resultou quase inteiramente da imigração católica, sobretudo irlandesa. Os irlandeses já haviam aprendido a sobreviver sob o governo protestante na Irlanda, e transferiram essa experiência para os Estados Unidos. Enquanto os protestantes da América estavam prontos a ceder demais para o governo, os católicos irlandeses desconfiavam dele. Em geral, por causa da pobreza, eles se sentiam mais próximos de seus padres, de fato, o catolicismo americano impressiona o visitante por ser mais democrático que em outros lugares, e Dawson atribuiu isso à relação estreita entre padres irlandeses e congregantes. Enquanto na Europa foram os camponeses que se mantiveram mais fiéis à Igreja, nos Estados Unidos foram os europeus desenraizados do campo, aprendendo com os irlandeses a se adaptar à vida urbana, seus membros mais leais. Embora prosperassem na América, eram pessoas ainda menosprezadas e mal representadas, e de realizações modestas em termos culturais. Mas elas trabalharam e se sacrificaram até que, por fim, tornaram-se a religião americana mais bem organizada, com o sistema educacional mais amplo e independente dos Estados Unidos.

Desde o começo, a maioria dos líderes católicos nos EUA defendeu alguma forma de aceitação dos ideais democráticos americanos. É provável que, por serem demasiadamente otimistas quanto às perspectivas que tais ideias ofereciam para o progresso da Igreja, os católicos do começo do século XX ainda não tinham conhecimentos históricos e teológicos suficientes para compreender a novidade que representavam. Contudo, uma das razões pelas quais Dawson nutria grandes esperanças para a educação católica americana era que, nos vinte anos anteriores à escrita deste livro, tanto a vida intelectual quanto a educação, ambas católicas, progrediram de forma significativa. Havia um sentimento crescente da necessidade de uma cultura católica.

Dawson não tinha ilusões quanto à qualidade da educação nos Estados Unidos, secular ou religiosa, em comparação com o melhor do ensino europeu, mas achava que as bases para o florescimento da cultura católica americana estavam fixadas. Os católicos locais ocupavam posição tal que poderiam absorver o melhor da cultura católica mundial. O mundo aberto para eles era mais rico do que o que fora aberto aos protestantes, e entrar nesse mundo, Dawson pensava, proporcionaria ao catolicismo um lugar cada vez maior na cultura americana. Nos Estados Unidos, por ser uma associação voluntária a Igreja estará sempre em desvantagem em relação ao Estado, mas há, até o momento, um modus vivendi [5] pelo qual - pois ainda persiste na América o ideal de Estado limitado - a educação católica tem sido capaz, dentro de seus limites, de formar seu próprio consenso paralelo à consensual religião secular da democracia, religião que a educação pública tem como finalidade.

Dawson achava impossível que uma minoria mantivesse uma prática religiosa rigorosa em uma cultura secular. Haveria constantes "vazamentos", e apenas a minoria de uma minoria vivenciaria e compreenderia de verdade a própria religião. Por conseguinte, não seria possível que os católicos vivessem por muito tempo em um gueto. Eles precisariam conviver com a cultura circundante, e seu esforço constante visaria encorajar o crescimento, na cultura secular ao redor das coisas que tornam viável o modo de vida católico, especialmente o ensino objetivo da história da cultura cristã nas escolas públicas. Dawson julgava que seria melhor que essa reintrodução da religião no estudo secular - na qual ele via benefícios práticos, como melhor entendimento da relação genética entre passado e presente - começasse no nível universitário.

Na segunda parte deste livro, ele apresenta argumentos para embasar a educação no estudo da cultura cristã, em vez de fundamentá-la, de um lado, na civilização ocidental, ou de outro na história mundial [6]. Dawson entendia que o estudo da cultura cristã deveria ter caráter essencialmente sociológico e histórico, e isso não equivaleria a uma lista de leitura de clássicos cristãos, ainda que eles devam ser lidos. O objetivo é compreender o processo pelo qual uma cultura e suas instituições são construídas. Na terceira parte, Dawson analisa a relação entre o homem ocidental e a tecnologia [7], [8]. Ele faz várias observações perspicazes aqui, como: ao passo que, na Europa, o advento do Iluminismo iniciou uma era de criticismo, em que tudo era questionado, na América ele iniciou uma era de fé - fé em um corpo de verdades comuns que fundamentam o modo de vida americano.

Muito antes de Alasdair MacIntyre dizer praticamente a mesma coisa, Dawson observou que, desde o começo, uma ideologia liberal foi a base da vida comunitária americana [9]. Mas, tendo atravessado duas guerras mundiais, Dawson achava que o liberalismo se provara incapaz de lidar com os problemas cruciais da época, e que, se houvesse algo capaz de fazê-lo, seria alguma forma de retomada da orientação direcionada à transcendência que encontramos nas civilizações religiosas históricas. Apenas a afirmação de uma ordem transcendente, espiritual e moral, pela qual coisas como a tecnologia pudessem ser julgadas, seria capaz de salvar o homem moderno de si mesmo. Na medida em que o estudo da cultura cristã deve servir a algum propósito prático, ei-lo aqui.

Algumas coisas sofreram mudanças significativas desde que Dawson escreveu este livro. A sujeição da democracia a uma ordem tecnológica, coisa que ele tanto temia, continuou a passos largos, e nenhuma forma de educação ou religião tem sido capaz de controlar substancialmente o desenvolvimento da tecnologia, ainda que possamos nos perguntar se o interesse crescente em ecologia e ambientalismo não assinala uma reação ao que os incentivadores do progresso prometeram. Mais uma vez, nos Estados Unidos parece ter ocorrido significativo realinhamento político por causa da questão do aborto. O partido democrata, outrora uma espécie de aliado natural da população de imigrantes católicos, tornou-se um oponente agressivo da Igreja em várias questões. Há quem se pergunte se isso não impedirá o avanço do catolicismo na cultura americana, conforme Dawson esperava. A controvérsia em torno das chamadas questões vitais demonstra quão distante está a concretização das expectativas de Dawson, para quem o contato crescente com a cultura católica poderia levar a cultura americana como um todo a compreender melhor os pontos de vista católicos. Mas há que imaginar qual será a importância dos novos imigrantes, sobretudo hispânicos.

Dawson estava simplesmente errado ao considerar a inabilidade dos pro- testantes em entender o catolicismo como "coisa do passado". Em linhas gerais, o protestantismo americano se converteu em um liberalismo centrado no indivíduo autônomo, e, hoje, a comunidade como um todo está ainda menos preparada para entender o catolicismo. A progressiva substituição do estudo da civilização ocidental pelo da civilização mundial nas escolas públicas tem deixado a maioria dos estudantes ainda menos familiarizada com o catolicismo como religião, ou com a cultura produzida pelo cristianismo, do que na época de Dawson. Ele insistia que a função de qualquer sistema educacional é criar um mundo comum de valores morais e intelectuais, uma memória comum que ajude determinada cultura a se manter. Dizer que, agora, essa tradição educacional comum quase desapareceu é dizer que a nossa cultura está ameaçada de dissolução. O que hoje é chamado de multiculturalismo, isto é, a ideia de que a sociedade pode ser construída sobre uma pluralidade de culturas sem que nenhuma delas seja dominante, para Dawson seria, presumivelmente, uma prescrição para a desintegração cultural, e a questão é se de algum modo ele estaria errado.

Dawson parece ter sido demasiado otimista em sua crença de que os católicos poderiam se adaptar ao modo de vida americano sem sacrificar as próprias tradições. Em grande parte, eles aparentemente não foram capazes disso. Dawson achava que, em toda parte, os católicos deviam pensar em si mesmos como cristãos que, por acaso, viviam neste ou naquele país, mas, nos Estados Unidos, é provável que os católicos, em sua maioria, pensem em si mesmos primeiro como americanos, e só depois como católicos.

Ao menos no que concerne ao presente livro, é muito significativo que o sistema de estudos clássicos, ainda existente na época em que Dawson foi educado, desapareceu quase que por completo, embora algumas escolas católicas procurem estudar a cultura crista tal como ele desejava [10]. Provavelmente é justo dizer que, no início do Concilio Vaticano II [11], houve acentuada tendência das instituições católicas que se julgavam progressistas de se afastar da doutrina da Igreja. Desde então, aqueles que não perderam seu catolicismo no processo têm, com frequência, reavaliado sua postura, desejando se tornar "mais católicos". Considerando que, de forma quase universal por uma série de razões práticas isso não significa, no contexto educacional, um retorno à situação pré-conciliar - na qual a filosofia orientava o currículo universitário católico -, deve, então, significar uma procura alhures por uma nova moldura arquitetônica de estudos. A ideia dawsoniana de cultura cristã poderia proporcionar essa moldura, e, de fato, várias escolas estão buscando a noção de cultura católica no sentido de Dawson, em vez de recorrer à filosofia ou à teologia como provedoras do princípio organizador de seus currículos. Essas pessoas encontrarão bastante material de reflexão na presente obra.


Notas:

[1] Sobre a ideia de forma cultural, leia meu "Why we Need Christopher Dawson", Communio: International Catholic Review 35, 2008, p. 115-44.

[2] Ou seja, a literatura produzida em outras línguas que não o latim, como o italiano, o inglês, o francês, etc. (N. T.)

[3] Lealistas foram colonos americanos que permaneceram fiéis à coroa britânica durante a Guerra Revolucionária Americana (1775-1783). (N. T.)

[4] Em francês no original: "razão de ser". (N. T.)

[5] Em latim no original: "modo" ou "maneira de viver". A expressão é muitas vezes utilizada juridicamente para referir-se a acordos firmados entre partes sobre questões controversas ou polêmicas. (N. T.)

[6] Em vários ensaios abordei os temas tratados por Dawson na segunda parte: "The Maturity of Christian Culture: Some Reflections on the Views of Christopher Dawson". In: The Dynamic Character of Christian Culture: Essays on Dawnsonian Themes. Ed. Peter J. Cataldo. New York, London, Lanham, 1984, p. 97-125. "Why and How to Study the Middle Ages." Logos: A Journal of Catholic Thought and Culture 3:3, 2000, p. 50-75. "The Changing Understanding of the Making of Europe from Christopher Dawson to Robert Bartlett." Quidditas 20, 1999, p. 159-70. "Humanism: The Struggle to Possess a Word." Logos 7, 2004, p. 97-116.

[7] Em The Turn to Transcendence: The Role of Religion in the Twenty-First Century, a ser publicado pela Catholic University of America Press, levo em conta a relação entre religião e tecnologia.

[8] O livro citado por Olsen na nota anterior foi lançado pela referida editora em 2010. (N. T.)

[9] Explorei esse ponto em "American Culture and Liberal Ideology in the Thought of Christopher Dawson". Communio 22, 1995, p. 702-20.

[10] Procurei tecer uma crítica das opções atuais em "Christopher Dawson and the Renewal of Catholic Education: The Proposal that Catholic Culture and History, not Philosophy, Should Order the Catholic Curriculum", Logos A Journal of Catholic Thought and Culture, 13 (3), junho de 2010, p. 14-35. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/236755790_Christopher_Dawson_and_ the_Renewal_of_Catholic_Education_The_Proposal_that_Catholic_Culture_and_History_not_Philosophy_Should_Order_the_Catholic_Curriculum>. Acessado em 5/10/2019.

[11] Realizado entre 1962 e 1965, foi convocado por João XXIII e encerrou-se já sob o papado de Paulo VI. Dentre as decisões conciliares, destacam-se as renovações na pastoral e na liturgia da Igreja, como a celebração da missa em língua vernácula, e o crescimento do ecumenismo. (N. T.)

***

Leia mais em Dos sintomas às causas da Crise na Educação



Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram @summamathematicae e YouTube.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página

26,955