RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES
DIGITE SEU EMAIL:
Verifique sua inscrição no email recebido.
Tempo de leitura: 6 minutos.
Texto retirado do livro Apologia da Matemática, de GH Hardy, publicado pela Editora Elementos, 2023.
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA, por Sérgio Morselli
Se eu começasse esse prefácio lhe perguntando o que é a matemática, o que faz um matemático e o que caracteriza uma matemática bela, como você responderia a essas questões?
Talvez a inclinação geral seja afirmar que a matemática é uma ciência prática; que um matemático é um cientista frio e que a matemática bela é algo muito platônico. Godfrey Harold Hardy, um matemático que viveu entre 1887-1947, teria respostas muito distintas para oferecer.
Em Apologia da Matemática, tradução do original "A mathematician's apology", Hardy faz uma defesa da matemática de seu ponto de vista pessoal assim como Sócrates fez sua defesa em Apologia de Sócrates, livro de Platão.
Segundo Hardy, um matemático seria mais semelhante a um poeta ou a um pintor, sendo a criatividade uma de suas principais características e exigência para sua profissão. Os critérios para a beleza matemática são claros e óbvios - e não há permanência no mundo para uma matemática feia.
Para entender esse livro escrito há mais de 80 anos, contudo, é preciso antes entender um pouco de filosofia da matemática.
Podemos afirmar, de forma simplificada, que existem duas filosofias da matemática: a realista, que defende a existência de universais independentes de nós, quer sejam números, propriedades ou relações; e a nominalista, que defende que os universais são apenas nomes ou etiquetas para projeções da mente, e jamais são instanciadas ou exemplificados por coisas particulares. Ressalva apenas ao conceptualismo, posição filosófica que defende que os universais são somente entes da razão, isto é, existem apenas na mente.
A matemática clássica está relacionada à filosofia realista; a matemática progressista está relacionada à filosofia nominalista.
Hardy era um matemático platônico por excelência. Seus posicionamentos justificam-se por seu entendimento filosófico da matemática. Estando a filosofia realista em desuso nos tempos recentes, Hardy tem muito que nos ensinar.
Além de falar sobre o que faz um matemático e sobre beleza na matemática, Hardy nos dará um vislumbre dessa beleza conforme comenta alguns dos mais belos teoremas já descobertos: o Teorema da Irracionalidade da Raiz de Dois; o Teorema Fundamental da Aritmética; o Teorema de Euclides, entre outros.
Também Hardy justifica o porquê a matemática permanecerá para sempre, dizendo: "A matemática permanecerá para sempre, assim como os grandes clássicos da literatura, porque ela continua a causar emoção intensa e satisfação para geração após geração mesmo depois de milhares de anos".
Quer dizer que demonstrar um Teorema é uma experiência tão satisfatória quanto ler um clássico. Ler os Elementos de Euclides hoje e demonstrar os teoremas é tão prazeroso quanto era aos gregos há mais de dois mil anos atrás. Isso justifica, inclusive, o porquê a matemática grega permaneceu mais do que a literatura grega.
Há apenas mais alguns comentários a serem feitos an- tes de liberá-lo para sua leitura. São observações:
1) Hardy defende que a matemática aplicável é apenas a mais trivial, e que a matemática superior inclusive a sua especialidade, teoria dos números não possui aplicações práticas. "A julgar a vida dos matemáticos pela aplicabilidade de seu trabalho, todos desperdiçaram suas vidas", escreveu. Tendo falecido em 1947, Hardy não viveu para observar a grande utilidade prática de sua própria área de estudo. Hoje, se você compra pela internet com segurança, é porque seus dados bancários são criptografados - e isso devemos aos matemáticos puros.
2) Hardy defende que comentar matemática é um trabalho de segunda ordem, e que os matemáticos devem fazer matemática, e não comentar o que outros matemáticos fazem. Hoje, contudo, com as modificações do ensino de matemática no sistema educacional, estudar a história da matemática recente tornou-se um trabalho de primeira importância, a fim de compreendermos o rumo do ensino dessa disciplina, e garantirmos que os novos estudantes aprendam a matemática de forma correta.
3) C. P. Snow, o prefaciador original da obra, conviveu com Hardy e justificou as afirmações de Hardy sobre a matemática ser uma disciplina de jovens como sendo essa obra "um lamento apaixonado pelos poderes criativos que se foram [do próprio Hardy] e não mais voltarão", dada sua condição de saúde prejudicada quando da escrita do livro (o livro foi escrito em 1940, e em 1939 Hardy teve um ataque cardíaco).
Esse é um livro de leitura leve e descontraída; acessível a leigos, interessante para matemáticos, e ideal para todos aqueles que buscam cultura e desejam educar-se.
SERGIO MORSELLI
***
Leia mais em Aristotelismo e Filosofia da Matemática
Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae.
Nossa página no Instagram @summamathematicae e YouTube.
Nenhum comentário:
Postar um comentário