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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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Dos sintomas às causas da Crise na Educação

Análises das condições atuais

Uma vez mais necessitamos partir do significado das palavras, e desta vez de ‘sintoma’ e ‘causa’, para tentar entender o que se passa com a educação em nossos dias [1].

É claro que estas palavras tomamos emprestadas do contexto da medicina ou da ciência biológica. Mas elas muito servirão, a modo de analogia, para fazermos esta análise.

A palavra ‘sintoma’ refere-se a sinal, indício, traço. É geralmente a descrição que o próprio paciente faz da própria situação, como por exemplo uma dor ou mal-estar, e de onde o médico procurará traçar o diagnóstico. A palavra ‘causa’ – que encontra maiormente no contexto filosófico seu significado – refere-se a origem, ao motivo e a razão; ou, em outras palavras, é o que faz com que algo exista ou aconteça; é o princípio pelo qual uma coisa é ou se torna aquilo que é [2].

Não vamos adentrar na discussão filosófica propriamente dita, mas apenas utilizar uma analogia ao contexto da medicina ou da ciência.

Ao traçar o diagnóstico, ainda que interaja com os sintomas, o médico deve estar certo da causa e agir a partir desta de modo a sanar o paciente daquilo que o torna enfermo. Interagir apenas com os sintomas não é suficiente, é preciso conhecer a causa. Por exemplo, uma dor de cabeça é um sintoma ou um sinal, porém a causa pode ser desde uma enxaqueca até uma sinusite ou problema na coluna, entre outros.

Entendido isto, podemos perceber que determinadas situações, como a degradação intelectual e moral da juventude e a incapacidade de mudar esta situação, inclusive da parte de profissionais de muito boa intenção, tratam-se de sintomas – a causa deve ser procurada. Inclusive a expropriação da educação daquilo que lhe é próprio, ao ponto de escolas de todo tipo serem transformadas em campo de doutrinação ideológica, ao invés de lugares onde se forma o homem sábio e virtuoso, eleva o intelecto e assim a moral e a sociedade, é sintomático e não causal [3].

Nosso tempo vive as consequências de alguns eventos históricos tanto a nível social quanto de pensamento [4]. E aqui não é nossa intenção seguir a ideologia do “politicamente correto”, como que querendo equilibrar os pratos na balança dizendo: “mas tem sempre o lado bom!”. Se pensarmos assim nunca chegaremos a causa e se não o fizermos, não haverá resposta suficiente, mas apenas e sempre medidas paliativas que longe de intervir na causa do mal, apenas protelarão e quando não agravarão ainda mais a crise.

Ao contrário do que muito se diz, o auge do pensamento humano e a ascensão do direito natural deu se na Idade Média [5]. Citemos por exemplo, a custódia, o aprimoramento e elevação da filosofia grega e do direito romano; e a defesa da civilização de heranças do paganismo grego e romano, da ameaça bárbara e muçulmana, inclusive mediante a educação; a salvaguarda dos direitos da criança e da mulher; a produção de enorme quantidade de obras filosóficas, literárias, científicas e culturais, não obstante as condições rudimentares da época, entre outros. A educação teve o seu valor nesta construção lenta, mas consistente e robusta aos longo dos séculos.

A concepção da educação para o medieval é levar o homem a contemplação, que é nada mais nada menos que meditar na busca da verdade através do reto pensar [6]. A Igreja por disposição da própria História e é claro de sua missão foi a guardiã a mantenedora da educação enquanto busca da sabedoria pela contemplação da verdade [7].

Do século XVI em diante houveram sucessivas convulsões sociais de larga difusão e que vieram a abalar esta ordem constituída em séculos de história e inclusive a concepção da própria educação. Cada revolução trouxe consigo uma negação [8], que interferindo no modo de pensar interferiu na própria organização social. Por isso devemos ver nestas revoluções uma verdadeira crise espiritual e não somente social. Elas derivam de algo que não funcionou bem no pensamento humano e assim desencadeou uma série de erros, que não puderam ser contidos – antes de tudo a nível intelectual e moral.

A primeira convulsão trata-se da Revolução Protestante (1517), oriunda não só da cessão às heresias que já pululavam pela Europa, mas também de interesses e alianças políticas e, assim a larga difusão de tais ideias. Com essa revolução veio a primeira negação: Cristo sim, Igreja não!

Seguidamente, e fomentada sobretudo pelo Iluminismo – cujo próprio nome já denota oposição ao período histórico anterior, isto é, à Idade Média, definida ainda mais pejorativamente e intencionalmente como “idade das trevas” – acontece a Revolução Francesa (1789). Desta convulsão emergirá não só revolução contrária a ordem social constituída, mas sim e uma vez mais ao pensamento humano, e com isso também uma tentativa de impor sua própria “religião”, a razão ou a ciência, sempre segundo as formulações do próprio Iluminismo. O pensamento emancipado e a sociedade também, já não podia-se aceitar a possibilidade da Encarnação de Cristo e igualmente a autoridade absoluta da Divina Revelação da qual a Igreja é guardiã. Segunda negação: Deus sim, Cristo não!

A convulsão sucessiva, a Revolução Comunista (1917), sempre fomentada por ideologias de tipo filosóficas, trará a negação seguinte: O homem sim, Deus não! Apoiada principalmente no materialismo marxista nega tudo que possa denotar-se espiritual, não só enquanto fato religioso, mas enquanto capacidade de conhecimento mediante a busca da verdade – aqui nega-se a metafísica e, consequentemente, tudo que nela se apoia como, por exemplo, os fundamentos da moral. Uma vez que o homem é produto do aperfeiçoamento da matéria a este cabe a interação ou a transformação; partindo desse princípio tudo torna-se relativo ou produto da cultura, inclusive instituições fundamentais como a família. O que acontece a partir daqui ainda mais é a degradação do intelecto humano muito mais propenso a ideologias que ao reto pensar na busca da verdade.

E, por fim, a última convulsão antes de nossos dias, a Revolução Sexual (1968) ou da Sourbone, Paris. Filha não só do progresso industrial e científico, mas do declínio cada vez mais acentuado do intelecto humano no que tem de mais nobre: a busca pela verdade. E diga-se que quanto mais subjugado aos instintos primários, menos o homem terá condições de alçar-se em direção a verdade, de cuja contemplação emana a sabedoria. As consequências são as piores possíveis. Reduzido ao patamar dos instintos o homem assemelha-se aos seres irracionais e perde seu valor, sua dignidade e sua nobreza.

Estágio atual da negação: o homem não! [9]

Não sejamos ingênuos em pensar que estas revoluções foram o curso da História, ou seja, inevitáveis, ou ainda, que foram frutos do acaso, em outras palavras, elas tinham de acontecer. Precisamos recordar que a mesma História nos dá exemplos claríssimos de que o mal pode e deve ser evitado. Lembremos apenas dois momentos [10]: a invasão dos bárbaros durante a decadência do Império Romano combatida e contornada pela ação da Igreja; do mesmo modo que a expansão e a ameaça muçulmana da Europa em diferentes pontos, desde a Península Ibérica, passando pelo Mediterrâneo até a Áustria, igualmente combatida pela Igreja. Do contrário nosso cenário hoje seria todo outro.

É preciso perceber que cada convulsão antes do seu auge foi alimentada e se ganhou força o ganhou em razão de uma fraqueza da parte do que se lhe poderia conter e evitar.

Há quem situe o início da decadência do pensamento humano no momento em que surgem as grandes universidades, que não são um mal em si, mas pelo modo como as coisas passariam a desenrolar-se dali por diante: a intenção ao entrar para uma daquelas universidades não seria mais a busca e a contemplação da verdade, mas com fins no diploma, ou seja, a autorização para se exercer um determinado ofício, e inclusive aquele de ensinar. O fim não seria mais a busca da sabedoria, mas o diploma.

Daí em diante haveria que dissociar-se cada vez mais o compromisso com a busca e a contemplação da verdade – e se diga, com todo rigor filosófico que havia até então – e a obtenção a todo custo de um pergaminho que, de certo, trazia consigo um status e uma série de oportunidades e privilégios. A preocupação com a formação do homem sábio fica cada vez mais à deriva e, evidentemente, as ideologias, isto é, ideias produzidas por erro de cognição ou intencionais, ficariam cada vez mais propensas de serem aceitas sem maiores questionamentos e reflexões como uma vez se fazia tendo por bandeira sempre a honra da verdade.

Com isso é possível entrever que por detrás daquelas convulsões estão pensamentos cada vez mais declinados à ideologia que a retidão da verdade. É o que acontecerá principalmente a partir de Immanuel Kant, se tratando da educação moderna, com a esquizofrenia que ele criará a respeito da constituição interior humana: no plano racional ele situa o homem no nível dos animais (Crítica da Razão Pura) pois este é incapaz de contemplar e definir as coisas tais e quais elas são; e já no plano moral, eleva o homem – segundo a filosofia tomista – ao nível dos anjos (Crítica da Razão Prática), pois aí sim o homem consegue ver as coisas como realmente são e isto a medida em que interage com elas. Por aí se vê que não é difícil formular a educação não mais como busca da sabedoria, mas como formação do homem para o agir moral, uma vez que no plano racional não é possível que este conheça ou abstraia.

O parágrafo anterior, longe de iniciar um debate ou aprofundamento filosófico apenas acena que por detrás de cada convulsão social como as que elencamos está uma série de erros de cognição que não foram combatidos e contidos, mas inclusive lançados ao seu modo para as massas ao ponto de influenciar uma inteira época e sucessivamente. E como o engenheiro da educação não é o pedagogo, mas o filósofo, não é difícil perceber que a educação começou a ser usada como instrumento potente na difusão de ideologias e não mais na formação do homem sábio. Assim sendo a decadência do ensino se deu quando o próprio pensamento humano degradou-se produzindo não mais homens sábios, mas, por erros de cognição ou falta de retidão lógica, começou a produzir e disseminar ideologias.

Percorrendo este caminho é possível diferenciar os sintomas das causas na crise educacional hodierna. Os sintomas os observamos não sem perplexidade. Mas é preciso procurar pelas causas. E assim nos damos conta de que os sintomas são oriundos de um longo caminho de convulsões sociais, isto é, de revoluções cuja intencionalidade foi principalmente a subversão da ordem constituída [11]. E que por detrás encontramos ideias, manipuladas ou não, mas que fogem ou erram o caminho na busca da verdade, ou nem mesmo tem interesse pela verdade.

Assim entendemos que a crise do educação, mas também aquela moral e religiosa, é uma crise de alma. Por isso o “combate”, ou seja, o seu enfrentamento, não se dará eximindo-se desta realidade. Trata-se de um verdadeiro combate espiritual a medida em que as faculdades inteligíveis deverão ser soerguidas não enquanto fato meramente racional, mas enquanto capacidade de buscar a verdade pela contemplação [12]. Aqui o trunfo da educação será o que o educador medieval conhecia muito bem e cujo ideal educativo era formar antes de tudo homens sábios. E aí entendemos porque a filosofia e a teologia eram altamente apreciadas. Justamente pelo fato de elevarem o homem a contemplação, a natural e a infusa, uma pela razão outra pela fé. E jamais uma separada da outra [13].


Referências

[1] Podemos dizer sem medo de errar que as problemáticas educacionais, mas também em outras instancias são em boa parte afetadas pela dificuldade em relação aos conceitos. E não se trata de questão meramente etimológica, mas metafísica e depois de que lógica. Com o declínio da capacidade de abstração, justamente aquela que define o ser, declina também o processo que conduz a tal definição. De um lado está o baixo grau de abstração e de outro os erros de cognição.

[2] N. ABBAGNANO. Dizionario di Filosofia. Roma, 2016.

[3] Em relação ao aparelhamento das escolas e do sistema educativo para doutrinação ideológica, subtraindo da educação a sua finalidade, citamos o site www.escolasempartido.org que traz inúmeras denúncias a este respeito, como também o livro online Escola sem mordaça – Um guia para doutrinação de alunos, de Paulo FREIRE. Disponível em https://www.jr.blog.br/2016/10/escola-sem-mordaca.html?m=1.

[4] Nos próximos parágrafos faremos uso de P. C. DE OLIVEIRA. Revolução e Contra Revolução. São Paulo, 2009. E evidentemente vamos entrelaçar a análise deste livro com outros eventos oriundos ou sucessivos as revoluções.

[5] Existem inúmeras obras de historiadores e intelectuais idôneos que fazem justiça a este período da história tão deturpado e tratado na maior parte das vezes de modo pejorativo e desprezível. Eles trazem à tona a verdade a respeito da Idade Média. Citamos alguns. Jacques HEERS. A Idade Média, uma impostura. Porto, 1994. Régine PERNOUD. Idade Média, o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro, 1979. Thomas E. WOODS Jr. Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. São Paulo, 2011.

[6] “(…) a expressão educação era entendida estando associada à sua raiz etimológica latina: educe, “fazer sair”. Como o conhecimento já existia inato no indivíduo, restava responder à seguinte pergunta: de que modo o estudante era conduzido da ignorância ao saber? Como o aluno aprendia? Essa era a questão básica dos educadores medievais. Preocupados com a forma da aquisição, os pedagogos de então tiveram uma importante consciência: cabia ao professor “acender uma centelha” no estudante e usar seu ofício para formar e não asfixiar o espírito de seus alunos. Na Espanha medieval, por exemplo, usava-se a palavra nutrir (nodrir) para definir o ato de educar: o professor era o nutritor, aquele que deveria alimentar intelectualmente o estudante; o aluno, o nutritur, o que era alimentado. Os medievais, seguindo a etimologia das palavras como se disse há pouco, recuperavam a plenitude do conceito de saber. Saber, sabor; a aquisição do conhecimento deveria ser saborosa, pois a meta do filósofo era não só alcançar a sabedoria, mas transmiti-la como uma representação teatral, algo cênico, enfim, um alimento saboroso para o intelecto. Muito moderna a educação medieval”. In.: https://www.ricardocosta.com/artigo/reordenando-o-conhecimento-educacao-na-idade-media-e-o-conceito-de-ciencia-expresso-na-obra. Acesso em: 28/02/2017. Citamos ainda: B. MONDIN. Dizionario Enciclopedico del Pensiero di San Tommaso D’Aquino. Bologna, 2000. vb.: Educazione.

[7] Quanto ao sistema pedagógico, indicamos: F. CAMBI. História da Pedagogia. São Paulo, 1999. pp. 121-192.

[8] Sugiro a leitura do artigo “Do Protestantismo ao Ateísmo Moderno e Relativismo Contemporâneo: Uma leitura dos acontecimentos históricos” de Daniel MARQUES. In.: www.zenit.org de 28/06/2012. Acesso em 10/03/2017. (Obs.: O site zenit.org não está mais disponível: outro link para acesso do artigo: https://cleofas.com.br/do-protestantismo-ao-ateismo-moderno-e-relativismo-contemporaneo-uma-leitura-dos-acontecimentos-historicos/)

[9] A “filha predileta” desta última revolução e “neta” do marxismo cultural é a ideologia de gênero, cujo golpe mortal é deferido contra a natureza humana na sua dimensão mais fundamental que é a sexualidade, masculino e feminino. Ideologia esta que tenta a todo custo entrar porta adentro das famílias e das sociedades principalmente utilizando-se do sistema educativo. Sobre a gênese marxista da Ideologia do Gênero recomendo a leitura do livro de Dale O’LEARY, A Agenda de Gênero, Redefinindo a Igualdad. Disponível em espanhol em https://s3.amazonaws.com/padrepauloricardo-files/uploads/2z3wlfcfgx1x1wxzr644/la-agenda-de-genero-redefiniendo-la-igualdad.pdf. Acesso em 10/03/2017. (Obs.: o link citado não está mais disponível. Novo link para acesso https://cnp-files.s3.amazonaws.com/uploads/2z3wlfcfgx1x1wxzr644/la-agenda-de-genero-redefiniendo-la-igualdad.pdf)

[10] Amplamente tratados por D. ROPS em A História da Igreja de Cristo, volumes II e III.

[11] Esta tentativa de implementar uma nova ordem mundial, contemplando diversos instrumentos para alcançar tal objetivo, principalmente através da educação, já tem sido denunciada. E quanto mais degradado estiver o sistema educacional e assim a menta humana, mais tal engenharia correrá a passos largos. Referente a este tema citamos: J.C. SANAHUJA. Poder Global e Religião Universal. Campinas, 2012. P. BERNARDIN. Maquiavel Pedagogo ou Ministério da Reforma Psicológica. Campinas, 2013.

[12] Sobre este assunto é importante ler o Opúsculo de Hugo de São Vítor, Sobre o modo de aprender e de meditar. Disponível em https://cristianismo.org.br/h-opusc.htm. Acesso em 10/03/2017.

[13] A obra Didascalikón, de Hugo de São Vítor, nos dá um exemplo brilhante desta afirmação. Mas elas não excluem as outras ciências, pelo contrário, ajudam a entender a verdade de cada uma. Vejamos numa fonte da época: “A Teologia existe para que o homem fale de Deus (…) a Filosofia existe, filho, pela intenção de conhecer Deus, e tal conhecimento é demonstrado pela obra natural; (…) e Deus também colocou uma intenção nas outras ciências existentes, pois nenhuma ciência foi criada sem alguma intenção”. RAMON LLULL. O Livro da Intenção, V.19, 1. Apud.: https://www.ricardocosta.com/artigo/reordenando-o-conhecimento-educacao-na-idade-media-e-o-conceito-de-ciencia-expresso-na-obra. Acesso em: 28/02/2017.

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Texto de autoria do Padre Alexandre Alessio e retirado do link. Sobre o autor: Pe. Alexandre Alessio, CR - Religioso da Congregação da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo (CR). Concluiu os estudos de Filosofia no Instituto São Basílio Magno, Curitiba - PR, sua formação teológica ocorreu em Roma pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente é pároco da Paróquia Imaculada Conceição em Franco da Rocha, Diocese de Bragança Paulista - SP, local onde iniciou o Projeto de Evangelização Jesus ao Centro, sustentado pela Associação Bento XVI, da qual é o fundador.


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