Postagem em destaque

Sobre o blog Summa Mathematicae

Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

Mais vistadas

Elementos de crise na educação

Um sinal dos tempos para o apostolado educacional

É sem dúvida uma tarefa difícil abordar em poucos parágrafos o tema da crise da educação. Não é difícil, todavia sinalizar alguns dos principais elementos ou oriundos desta crise ou que contribuem para seu desenvolvimento. Antes, porém é necessário definir o que se entende por crise e por educação.

A palavra ‘crise’ tem sua origem na medicina hipocrática, e “indicava a transformação decisiva que

ocorre no ponto culminante de uma doença e orienta seu curso em sentido favorável ou não”. (...) “Em época recente esse termo foi estendido, passando a significar transformações decisivas em qualquer aspecto da vida social” [1]. A evolução semântica do termo assumiu um caráter prevalentemente negativo: de decadência, depressão, desanimo, situação problemática, desorientação [2].

Já por educação, entendemos tudo que se refere a formação integral do ser humano [3]. Assim sendo, a escola, que é o lugar formal da ação educativa [4], não encerra em si a plenitude da responsabilidade e da missão educativa: a ela devem estar unidas outras instancias da sociedade civil, iniciando pela ‘célula mãe’ desta mesma sociedade civil que é a família [5], mas também a inteira sociedade e de modo particular o Estado e a Igreja que devem, cada qual dentro do que lhe cabe, apoiar a família e a escola nesta missão [6]. O aluno ou educando, por sua vez, como destinatário tem também de acordo com a situação, sua responsabilidade neste processo. E o professor é, de certo modo, um continuador e aperfeiçoador daquilo que faz primeiramente a família, além de transmitir o que lhe é próprio transmitir ao educando [7]. Tudo isto falamos no plano ideal, pois se começamos a olhar a realidade as coisas não são bem assim [8]. E é aí que nos damos conta de que a educação encontra-se em crise, naquele sentido negativo que expúnhamos ali atrás.

Poderíamos começar pela constatação de jovens em idade hábil que não gostam de ler, mas não só, não possuem domínio na leitura e por consequência na escrita – as redes sociais dão testemunho disso o tempo todo, tanto em razão da comunicação escrita quanto aquela oral, nas duas erros em quesitos básicos da gramática [9], na última, inclusive a incapacidade de manter seja uma conversa que uma explanação de modo maduro e livre de ideologia e estereótipos.

Diante disso poderíamos puxar um fio que nos conduziria a um sistema que não facilita a autêntica educação, tanto como formação intelectual quanto para os valores humanos e morais – essencial em qualquer civilização – seja pela enormidade deste sistema, sua burocratização e mesmo o seu aparelhamento por parte de ideologias filosóficas e políticas [10], além de uma espécie de esquizofrenia entre investimento e qualidade da educação: o investimento, equiparado proporcionalmente a outros países é alto, porém a qualidade é baixíssima em relação as reais necessidades e possibilidades do país [11]. E aqui podemos também contemplar a desvalorização do profissional da educação, de modo especial o professor, tanto em relação ao salário quanto a formação para o magistério.

Mas não só! Como dizíamos a escola não é a única responsável pela formação das jovens gerações. A família ocupa lugar prioritário e insubstituível. Sim, os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos. Aliás, as duas grandes responsabilidades do Matrimônio, das quais se derivam todas as outras, são a união indissolúvel e a geração da vida – onde se insere o cuidado pela mesma vida, inclusive através da educação [12].

Em nossos dias, infelizmente, vemos o esfacelamento da instituição familiar, por diversas razões, que não vem ao caso elencá-las, mas citar pelo menos uma: a banalização do sexo, visto apenas como elemento biológico e dissociado da sua finalidade que é o amor entre um homem e uma mulher e deste amor a abertura para geração da vida. Não é raro, em razão da banalização do sexo entre as jovens gerações, ver crianças inteiramente sem referencial paterno e materno. E quando existe em termos de presença e sustentamento, às vezes carece seja de estabilidade seja de maturidade necessária para contribuir no processo de formação das novas gerações.

Há ainda a interferência maciça dos meios de comunicação, principalmente através da internet [13] e redes sociais, que podem se tornar um verdadeiro inimigo da família e da escola, tanto na produção e forte disseminação de contra valores, como também na dificuldade que acabam criando a concentração, reflexão, leitura, etc. [14].

Vale a pena notar ainda o tipo de figura do ‘herói’, ou seja, de referencial que a todo tempo é proposto por tais meios. Muitas das vezes modelos estereotipados, fáceis, mas efêmeros e por isso perigosos para o futuro destes jovens, pois estudo denota ascese, dedicação, esforço [15]. Enquanto que estes ditos “modelos” desprezam tudo que não é prazer.

Assim sendo, constatamos o quão deficitário de uma educação para as virtudes é o atual cenário educativo. Muitas das vezes constatamos a presença de uma escala de valores desorientada, não obstante a degradação da dignidade humana com a ampla banalização do sexo, escondida sob a bandeira da educação sexual, de desagregada da verdade da sexualidade e da formação do homem virtuoso, se torna nada mais que o escancaramento para todo e qualquer tipo de vícios. E esta é a receita para degradação de qualquer sistema educativo, porque é inevitável, onde aumentam os vícios decresce o aprimoramento do intelecto e das virtudes.

Por aí não é difícil entrever outras consequências como o despreparo para assumir responsabilidades inerentes a vida humana (família, profissão, etc.). A própria formação de professores, por vezes, é deficitária – note-se o aparelhamento de disciplinas humanas, como a História, a Geografia, a Sociologia, etc. por parte de ideologias, tirando do ensino destas disciplinas (e quaisquer outras que fossem) a retidão que lhes cabe: em outras palavras ao invés de produzir conhecimentos acaba-se por servir de instrumento de doutrinação [16]. E, por fim, mas não menos importante, o assistencialismo social presente no sistema educativo que não leva em conta o aproveitamento da aprendizagem (quanto mais a pessoa) mas as estatísticas para fins políticos [17].

Assim retornamos a elementos como o analfabetismo funcional [18] tanto na jovem idade quanto pela vida adulta afora; inclusive de estudantes universitários, mas deficitários, se levada em conta a exigência estrita da graduação acadêmica. E assim sucessivamente.

Assim sendo, diante da preocupação com a educação, sobretudo das crianças e dos jovens, ao refletir sobre os elementos de crise e na tentativa de procurar a partir destes um “lugar e sujeito” de intervenção em favor da educação, nos damos conta de que agregados aos sujeitos formais que são o aluno, o professor e a escola, devem ser levados em conta outros “lugares e sujeitos” como a família, a sociedade civil nas suas instancias representativas, o Estado, a Igreja e os meios de comunicação. A situação, portanto, é complexa e demanda resposta à altura.

E somente daqui podemos entrever uma possibilidade de acepção positiva da crise: a direção na qual segue o processo de transformação oriundo da mesma. E ainda sim aqui não há nada de positivo relacionado à crise em si, porque os elementos que elencamos, podemos perceber, são agravados, enquanto oriundo de outros, mas também agravantes, enquanto engendram outros. O que só pode conduzir a um colapso do sistema educativo e consequentemente o caos da civilização humana – elementos chaves para a tomada de qualquer poder através de um golpe, dada vulnerabilidade tanto da educação quanto das pessoas.

A Igreja sempre teve de lidar com situações de degradação humana, moral e institucional interna e externa. Ao se dar conta de tal realidade qual foi a resposta no decorrer dos séculos? Olhar para tudo através das “lentes da fé”: para o homem, para a educação, para a sociedade. A fé dá condições para enxergar para além das névoas e da escuridão.

Foi assim com a atividade dos monges diante do Império Romano decadente e ameaçado pelos bárbaros; foi assim com o sistema educativo implantado pelos jesuítas a fim de conter a revolução protestante em curso por toda Europa; foi assim com a implantação de escola católicas nas terras de missão. Só que não estamos falando de um processo automático, mas de um processo desencadeado por uma força motriz, e aqui enxergamos o grande trunfo da Igreja: todo tempo de crise é também o tempo de grandes santos e nobilíssimas iniciativas. De almas verdadeiramente abrasadas de fé, esperança e caridade, que lutam antes de tudo pela causa de Deus e assim alicerçadas, podem lutar ardorosamente pelo homem arriscado de degradar-se e sucumbir diante da própria miséria. A educação cristã é um instrumento poderoso e eficaz [19].


Referências

[1] HIPÓCRATES, Pognosticon, 6, 23-24; Epidemias, I, 8, 22. Apud. N. ABAGNANO. Dicionário de Filosofia. p. 222.

[2] VIDAL, M. Dicionário de Moral. Aparecida: Santuário, 1991. p. 132.

[3] “Devendo a verdadeira educação ter por objetivo a formação integral da pessoa humana, orientada para o seu fim último e simultaneamente para o bem comum das sociedades, as crianças e os jovens sejam de tal modo formados que possam desenvolver harmonicamente os seus dotes físicos, morais e intelectuais, adquiram um sentido mais perfeito da responsabilidade e o reto uso da liberdade, e sejam preparados para participar ativamente na vida social” (Código de Direito Canônico, cân 795).

[4] “A escola exerce uma função social insubstituível. Hoje ainda ela se revela como a resposta institucional mais importante da sociedade ao direito de cada indivíduo à educação e, portanto, à própria realização e como um dos fatores decisivos para a estruturação e a vida da própria sociedade” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA EDUCAÇÃO CATÓLICA. O leigo católico testemunha da fé na escola, 13).

[5] “São os pais os primeiros educadores dos filhos” (VATICANO II. Gravissimum Educationis, 3). “Os pais, e os que fazem as suas vezes, têm a obrigação e gozam do direito de educar os filhos; os pais católicos, além disso, têm o dever e o direito de escolher os meios e as instituições com que, segundo as circunstâncias dos lugares, possam providenciar melhor à educação católica dos filhos” (Código de Direito Canônico, cân 793, parág. 1).

[6] “Os pais têm ainda o direito de desfrutar dos auxílios que a sociedade civil lhes deve prestar, e são necessários para a educação católica dos filhos” (Código de Direito Canônico, cân 793, parág. 2). “A Igreja tem o direito de fundar e dirigir escolas de qualquer disciplina, género e grau. Os fiéis fomentem as escolas católicas, cooperando na medida das suas forças para a fundação e manutenção das mesmas” (Código de Direito Canônico, cân 793, parágs. 1 e 2).

[7] “(...) a profissão do educador possui uma característica específica: a transmissão da verdade” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA EDUCAÇÃO CATÓLICA. O leigo católico testemunha da fé na escola, 16). Entre os direitos humanos elencados pelos Magistério está “o direito a maturar a sua inteligência e liberdade na procura e no conhecimento da verdade” (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da Doutrina Social da Igreja (DSI), 155). E neste quesito a Igreja já avisava décadas atrás algo sintomático quanto a transmissão da verdade: “Através de todos os canais possíveis, entre os quais a escola, [os alunos] são colocados em contato com informações muito divergentes sem terem capacidade para as ordenar e para realizar a síntese. Não têm ainda ou nem sempre têm, com efeito, a capacidade crítica para distinguir o que é verdadeiro e bom daquilo que o não é, nem sempre dispõem de pontos de referência religiosa e moral, para assumir uma posição independente e justa, perante as mentalidades e os costumes dominantes. O perfil do verdadeiro, do bem e do belo é apresentado dum modo tão vago que os jovens não sabem para que direção voltar-se; e se ainda acreditam em alguns valores, são todavia incapazes de lhes dar uma sistematização e muitas vezes são inclinados a seguir a própria filosofia segundo o gosto dominante” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Dimensão religiosa da educação na escola católica, 9).

[8] Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA EDUCAÇÃO CATÓLICA. O leigo católico, 26; Dimensão religiosa, 7-23.

[9] Os resultados do ENEM (Exame Nacional para o Ensino Médio) não nos desmentem. Deixando de lado debate quando ao apelo fortemente ideológico relacionado ao tema da redação para 2016 e os critérios de ordem subjetiva presentes na avaliação (como “fuga do tema” e “fere os direitos humanos”), dos mais de 5 milhões e meios de inscritos que fizeram a prova de redação, apenas 77 alcançaram nota máxima. A média geral, numa escala de 0-1000, foi igualmente desastrosa: “Considerada a média total, os participantes obtiveram as maiores médias em ciências humanas e suas tecnologias (533,5), em linguagens e códigos e suas tecnologias (520,5), matemática e suas tecnologias (489,5) e ciências da natureza e suas tecnologias (477,1)”. In.: (acesso 20/01/2017).

[10] E o aparelhamento ideológico há que dificultar tanto o desenvolvimento intelectual quanto a formação para os valores humanos e morais e, diga-se a formação do homem sábio, que busca a verdade, finalidade última da educação. “O nosso tempo exige uma intensa atividade educativa e um correspondente empenho por parte de todos, para que a investigação da verdade, não redutível ao conjunto ou a alguma das diversas opiniões, seja promovida em todos os âmbitos, e prevaleça sobre toda tentativa de relativizar-lhe as exigências ou de causar-lhe qualquer tipo de ofensa”. [Grifo do próprio documento] PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da Doutrina Social da Igreja (DSI), 198.

[11] Cf. https://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/32241-brasil-esta-entre-paises-com-maior-investimento-em-educacao (acesso 24/01/2017). https://www.brasil.gov.br/educacao/2015/11/brasil-e-pais-que-mais-investe-em-educacao-diz-ocde (acesso 24/01/2017). https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38205956 (acesso 24/01/2017). https://www.businessinsider.com/pisa-worldwide-ranking-of-math-science-reading-skills-2016-12 (acesso 24/01/2017).

[12] Catecismo da Igreja Católica, 1653; 2221; 2223. Sobre o direito e o dever dos pais de educar os filhos.

[13] ABREU, Cristiano Nabuco de; EISENSTEIN, Evelyn; ESTEFENON, Susana Graciela Bruno. (Coords.). Vivendo Esse Mundo Digital: impactos na saúde, na educação e nos comportamentos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2013.

[14] O site http://www.essemundodigital.com.br/ aborda temáticas a esse respeito, inclusive apresentando pesquisas científicas e artigos escritos por profissionais da área. Aborda elementos negativos, mas também positivos sobre a internet e a educação.

[15] “(...) O estudo exige certamente ascese e abnegação constantes. Mas precisamente por este caminho a pessoa forma-se para o sacrifício e para o sentido do dever. De facto, o que hoje aprendeis é o que amanhã comunicareis, quando vos for confiado (...) cargos em benefício da comunidade. Aquilo que em qualquer circunstância poderá ser motivo de alegria para o vosso coração será a consciência de ter sempre cultivado a retidão de intenções, graças à qual se tem a certeza de ter procurado e feito unicamente a vontade de Deus. Sem dúvida, tudo isto exige purificação do coração e discernimento” (BENTO XVI. Discurso durante a visita a Pontifícia Universidade Gregoriana. 3.XI.2006).

[16] O site https://www.escolasempartido.org/ aborda a questão da doutrinação ideológica nas escolas.

[17] Longe de questionar a real necessidade das famílias com baixa renda, etc. queremos apenas mencionar o modo como as coisas são tratadas: as “condicionalidades” do programa contemplam matrícula e frequência, mas não um mecanismo para avaliar o rendimento escolar – como se este não se agregasse a real intervenção na situação de miséria.

[18] “O percentual da população alfabetizada funcionalmente foi de 61% em 2001 para 73% em 2011, mas apenas um em cada 4 brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática”. Dados do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional). In.: [Conferir: https://www.ecodebate.com.br/2012/07/19/apenas-um-em-cada-4-brasileiros-domina-plenamente-as-habilidades-de-leitura-escrita-e-matematica/  e https://alfabetismofuncional.org.br/alfabetismo-no-brasil/]

[19] “Para a reforma da sociedade “a tarefa prioritária, que condiciona o êxito de todas as demais, é a ordem educativa”. CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Instrução Libertatis conscientia, 99. Apud. PCJP.DSI, nota 433.

***

Texto de autoria do Padre Alexandre Alessio e retirado do link. Sobre o autor: Pe. Alexandre Alessio, CR - Religioso da Congregação da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo (CR). Concluiu os estudos de Filosofia no Instituto São Basílio Magno, Curitiba - PR, sua formação teológica ocorreu em Roma pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente é pároco da Paróquia Imaculada Conceição em Franco da Rocha, Diocese de Bragança Paulista - SP, local onde iniciou o Projeto de Evangelização Jesus ao Centro, sustentado pela Associação Bento XVI, da qual é o fundador.


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página