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Apresentamos o Resumo, Introdução e Sumário do livro A crise dos fundamentos da matemática: uma abordagem histórico-filosófica, de Jacintho Del Vecchio Junior, Editora Novas Edições Acadêmicas, 2017.
Resumo
Nessa obra, o autor procura oferecer uma interpretação histórico-filosófica acerca de como o desenvolvimento das ciências formais criou as condições propícias para o surgimento dos paradoxos da teoria cantoriana dos conjuntos (o cerne da crise dos fundamentos da matemática) e de como foram articuladas as tentativas de sua solução no debate que se instalou a partir de então. Todavia, a crise dos fundamentos é relevante para a história da ciência não apenas pela necessidade de superação do problema em si, mas também por outros motivos: primeiro, por ofertar a oportunidade de um embate intenso, apaixonado e esclarecedor entre os representantes das principais correntes do pensamento matemático do início do século XX; segundo, por haver influenciado profundamente o desenvolvimento da matemática contemporânea, ao viabilizar perspectivas ainda não exploradas e um indiscutível amadurecimento da disciplina; finalmente, por fazer reviver uma instigante contenda, de cunho metafísico, relativa à verdadeira natureza dos entes matemáticos e à nossa efetiva capacidade de concebê-los.
Introdução
Este livro tem por finalidade narrar alguns episódios da história da matemática e, acessoriamente, da lógica, do modo menos pretensioso e técnico possível. Ele é um mergulho em um tema pouco conhecido do grande público, mas que tem traços de uma verdadeira aventura do conhecimento humano, que se inicia quando o desenvolvimento da matemática, uma ciência pautada pela certeza e pelo rigor, acaba desaguando inesperadamente em uma série de paradoxos inaceitáveis, e que deveriam ser superados a qualquer custo.
A crise dos fundamentos da matemática ocorreu entre a última década do século XIX e a primeira vintena do século XX. O incômodo decorrente dos problemas advindos da teoria cantoriana dos conjuntos, que consistiram no cerne da crise, fomentou uma revisão dos fundamentos teóricos e filosóficos pressupostos nas bases mais essenciais da matemática, cujos frutos foram, sem dúvida, muito significativos para o seu desenvolvimento posterior.
Os caminhos trilhados para a solução dessas dificuldades, todavia, ao esbarrarem na necessidade de rever os próprios fundamentos da disciplina, impuseram a necessidade de, em alguma medida, reinventá-la. Não é casualmente, portanto, que nessa oportunidade, algumas tendências divergentes acerca de como conceber a matemática – notadamente as perspectivas conhecidas como logicismo, formalismo e intuicionismo - encontraram o momento oportuno para enfrentarem-se em acirrados e fecundos debates, seja no que diz respeito às características que devem determinar a essência da matemática, seja quanto aos pressupostos aceitos explícita ou implicitamente pela teoria.
Mas que “pressupostos” são esses? Tomemos por exemplo a definição de número. De modo geral e impreciso, podemos dizer que a matemática é a ciência dos números (o que engloba suas ordens e relações) e das grandezas. Mas em que consistem efetivamente esses números e grandezas? Essa é uma questão fundamental ao matemático, mas que não pode ser respondida estritamente nos limites de uma teoria matemática. Isso porque qualquer resposta minimamente satisfatória que possamos ensaiar para essa pergunta extrapola a teoria propriamente dita. Tomado como uma noção essencial – que podemos denominar como um axioma, uma definição, uma intuição originária - a ideia de número traz em seu bojo algumas armadilhas bem conhecidas. Euclides, por exemplo, no livro VII dos Elementos, define número como conjunto de unidades, e unidade como aquilo pelo que coisas que existem são chamadas “um”. Define-se, então, a unidade pela noção de unidade. A questão que se impõe a partir daí, é a seguinte: uma definição dessa natureza é aceitável? Note-se quão longe da boa e velha matemática uma questão dessa natureza pode nos levar. Por isso, mesmo que de maneira implícita ou velada, não podemos ignorar a existência de um debate no que tange às crenças que lastreiam o conhecimento matemático, e que são determinantes para o modo como o construímos.
A discussão relativa à natureza dos números pode ser generalizada como o problema da natureza dos objetos matemáticos. De início, ela pode parecer uma questão dispensável ou mesmo tola, uma elucubração sem resultados importantes. Longe disso. Na realidade, ela é muito mais importante do que parece à primeira vista. Sua importância decorre do fato de que as teorias matemáticas não estão dissociadas das crenças dessa natureza que a ela são subjacentes. O chamado platonismo matemático, por exemplo, é um posicionamento que defende a tese da realidade independente dos números. Ele tem um caráter declaradamente metafísico, e consiste na forma mais exacerbada do realismo matemático. Tornemo-nos realistas matemáticos por um minuto; seremos, então, obrigados a reconhecer que, se números existem como entes independentes, a matemática não é inventada, ela é descoberta, ao traduzir uma realidade exterior, que já existe per se, o que obviamente traz consequências em relação ao modo, aos artifícios e métodos a partir dos quais é possível construir nossa ciência.
O problema relativo a adotar ou não uma postura realista no que tange aos entes matemáticos ganha importância principalmente porque determinadas teses e princípios só podem ser defendidos na matemática de modo não problemático se assumirmos uma concepção dessa natureza. Aceitar, ao contrário, que números são simples criações do intelecto humano – a principal vertente das perspectivas antirrealistas - leva-nos a algumas restrições importantes no que diz respeito a como tratar com eles.
Logo, se existe um “universo” dos seres matemáticos (a base original da tese realista), um enunciado matemático, para ser verdadeiro, deve corresponder ao que esses seres matemáticos são. Caso nossa perspectiva seja antirrealista – ou seja, parta da defesa dos objetos matemáticos como produtos de nosso pensamento, sejam eles conceitos, nomes, símbolos ou ficções – as exigências para que um enunciado matemático seja verdadeiro são outras. Daí deriva a relevância da adoção de uma postura em relação a essa metafísica que suporta a matemática. Podemos adiantar que ambas as perspectivas (o realismo e o antirrealismo matemáticos) têm suas virtudes, assim como seus problemas não resolvidos.
O enfrentamento desses pontos de vista encontra um momento privilegiado no período em que surgem os paradoxos da teoria dos conjuntos, como já indicamos, sobretudo porque uma teoria simples como a de Cantor supostamente só poderia levar a paradoxos se envolvesse problemas relativos a seus fundamentos. As respostas elaboradas pelos autores envolvidos nessa polêmica acabam por adotar, portanto, um caráter normativo: alguns conceitos fundamentais para a teoria são colocados em discussão, e as soluções apontadas iriam naturalmente nortear uma espécie de reelaboração da disciplina.
Esse processo de reelaboração toca, por exemplo, a concepção de rigor. É inegável que a matemática sempre se caracterizou pelo rigor de suas proposições, e que isso é um traço marcante de sua natureza. Rigor, em termos grosseiros, pode ser associado à exatidão de seus objetos, de suas operações e, consequentemente, dos resultados que propicia, seja na aritmética, seja na geometria. Essa perfeição ideal dos elementos da matemática e de suas regras de operação é o que inspira, por exemplo, Descartes a eleger a matemática como modelo de exatidão para a ciência em geral, por coincidir “mais perfeitamente”, por assim dizer, com as demandas da própria razão humana para a constituição do saber em geral.
A perfeição traduzida pelo rigor matemático é fomentada, em grande parte, pelo caráter abstrato dos elementos que compõem a disciplina. “1” simboliza, na aritmética, a noção primitiva de unidade que, em si, é isenta de conteúdo. Com base nela são construídas, por meio de definições e demonstrações muito precisas, as outras grandezas numéricas, e as próprias séries numéricas, sempre com um caráter fortemente abstrato. A construções geométricas, por sua vez, constituem o grande exemplo do rigor matemático na Antiguidade, e partem também de noções gerais e axiomas que não remetem a objetos particulares, mas sempre objetos abstratos: propriedades são demonstradas para triângulos em geral – a soma de seus ângulos internos, por exemplo. Logo, seja na aritmética, seja na geometria, apenas o caráter abstrato dos objetos matemáticos possibilita a validade universal de suas proposições.
Mas o que torna a discussão particularmente interessante é o fato de que os próprios conceitos de rigor e de abstração não podem ser entendidos como categorias atemporais, irretocáveis. O rigor, por exemplo, caminha da evidência intuitiva à prova lógica entre os séculos XVII e XIX, o que envolve a derrocada da importância da intuição na matemática. Tudo isso converge para o delineamento de um painel conceitualmente rico e instigante, visto poucas vezes na história das ciências formais.
Na primeira parte do livro, portanto, procuramos apresentar os principais fatores que levaram à crise dos fundamentos da matemática, tomando por base de argumentação o advento das geometrias não euclidianas, a ascensão do rigor matemático enquanto prova lógica e a criação da lógica matemática, circunstâncias que, em maior ou menor grau, cristalizaram o cenário teórico a partir do qual Georg Cantor introduz sua teoria dos conjuntos, e de onde provêm seus paradoxos. A segunda parte apresenta os principais argumentos do logicismo, do formalismo e do intuicionismo, as correntes do pensamento matemático que foram decisivas para a superação dos paradoxos, principalmente com o foco no debate travado entre elas e no modo como esse debate reverbera o problema da metafisica subjacente à teoria.
Um desafio claro para a elaboração de um livro que pode despertar a atenção tanto de técnicos quanto de leigos é a forma de apresentação de seus temas. Optou-se aqui por abordar a crise dos fundamentos da matemática e sua solução da maneira mais simples possível. O emprego da simbologia lógico-matemática será evitado ao máximo, em nome da simplicidade da leitura. Referências mais detalhadas e precisas foram alocadas nas notas explicativas. Assim, o livro não tem a pretensão de oferecer um retrato meticuloso de todos os meandros que envolvem essa história, mas apenas de seus momentos mais relevantes. O desenvolvimento da lógica matemática, do processo de instalação do rigor na análise ou da solução dos paradoxos, por exemplo, não se prestam, a rigor, a uma abordagem direta e linear, como a apresentada no livro; ao contrário, elas são temáticas complexas, ramificadas, cheia de idas e vindas, mas o preço de ser justo e absolutamente preciso para com todos os nomes e momentos que as compõem faria com que a obra perdesse substancialmente o caráter introdutório que a caracteriza. Portanto, é só uma forma peculiar, dentre várias possíveis, de contar essa história tão rica, multifacetada e instigante.
Sumário
Introdução 9
Primeira Parte - O caminho dos paradoxos 15
1 A revolução não euclidiana 17
2 A ascensão do rigor matemático 35
2.1 O cálculo e o problema dos infinitesimais 35
2.2 A análise: entre rigor demonstrativo e intuição 43
3 Uma nova inspiração para a lógica 55
3.1 A lógica aristotélica 55
3.2 O advento de um novo paradigma 63
4 O legado de Cantor 79
Segunda Parte - A polêmica e a solução da crise 97
5 Logicismo, formalismo e intuicionismo 99
5.1 O logicismo 101
5.1.1 Frege e o conceito de número 102
5.1.2 O percurso de Russell 105
5.2 O formalismo 114
5.2.1 O esboço da teoria axiomática 115
5.2.2 A teoria da prova e a metamatemática 123
5.3 A matemática em construção: o intuicionismo 127
6 Uma metafísica para a matemática 147
6.1 A retomada de uma questão antiga 147
6.2 O realismo e os entes matemáticos 152
6.3 O antirrealismo: nomes e definições 161
6.4 As consequências do posicionamento metafísico 171
7 Os debates acerca dos paradoxos e as soluções propostas 177
7.1 A primeira fase – 1905 a 1912 180
7.1.1 O papel da intuição 180
7.1.2 O conceito de infinito 184
7.1.3 O princípio de indução completa 190
7.1.4 O círculo vicioso e a “boa” predicação 196
7.1.5 O axioma da escolha e a axiomatização completa 199
7.2 A segunda fase – 1923-1931 204
7.2.1 O programa de Hilbert versus o intuicionismo de Brouwer 204
7.2.2 Os teoremas da incompletude e o programa de Hilbert 209
8 Um desfecho modesto 221
Bibliografia 229
Índice de termos 238
Índice de autores 243
Sobre o autor: Jacintho Del Vecchio Junior é Bacharel, mestre e doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo. Realizou estudos pós-doutorais no Laboratoire d'Histoire et de Philosophie des Sciences - Archives Henri Poincaré, entidade junto à qual é pesquisador associado. É também menbro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
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