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A Educação em Ilíada e Odisseia

A EDUCAÇÃO HOMÉRICA

É realmente de Homero que nossa história deve partir: é em Homero que começa, para não mais interromper-se, a tradição da cultura grega: seu testemunho é o mais antigo documento que podemos, proveitosamente, compulsar acerca da educação arcaica. O papel de primeiro plano, desempenhado por Homero na educação clássica, convida-nos, por outro lado, a determinar com precisão aquilo que podia já representar, para ele, a educação (1).

INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA DE HOMERO

Não é certamente sem precaução que o historiador pronunciará o nome Homero (2): ele não pode falar simplesmente da "época homérica": a Ilíada e a Odisséia apresentam-se-lhe como dois documentos de caráter complexo, e sua análise deve procurar discernir a herança de uma velha tradição legendária e poética, de um lado, e a contribuição própria do poeta, de outro; deve ela distinguir entre a composição de conjunto da obra e as modificações, inserções e conexões que o filólogo crê descobrir.

Na medida em que parece estabelecer-se um acordo sobre uma questão disputada exaustivamente (3), tende-se a admitir que nosso texto — aquele que, segundo se pensa, Hiparco teria levado, no fim do reinado de seu pai Pisístrato (528/7), da Jônia para Atenas, onde foi adotado oficialmente para o concurso de rapsodos das Panatenéias [1] — existia, substancialmente, desde o século VII. Partindo dessa data, fomos levados, aos poucos, a fixar a composição dos cantos essenciais da Ilíada (a Odisséia parece mais tardia) numa data “que não pode ser muito posterior aos meados do século VIII” (4). Supondo-se que essa redação deva ser considerada como obra de um só poeta — de um Homero real, antes que o resultado do esforço coletivo de várias gerações de aedos — ela exige a elaboração prévia de toda a tradição, bastante evoluída, suposta pela língua, o estilo, as lendas homéricas, à qual se deve conceder ao menos um século inteiro a título de margem, o que, entre tantas datas propostas pelos antigos (5) e pelos modernos, nos reconduz àquela em favor da qual se havia manifestado Heródoto que faz Homero (e Hesíodo) viver “quatro centenas de anos de mim, não mais [2]”, ou seja, por volta de 850.

Mas não basta ter feito remontar a epopéia inteira aos anos que medeiam entre 850 e 750: é necessário, ainda, determinar seu valor documental (6). Será útil não o esquecer, Homero é um poeta, não um historiador; e, ademais, dá livre vôo à sua imaginação criadora, uma vez que se propõe não a descrever cenas de costumes realistas, mas a evocar uma gesta heróica, projetada num passado prestigioso e longinquo, em que não somente os deuses mas também os animais falavam: recorde-se Xanto, um dos cavalos de Aquiles, dirigindo a seu dono palavras proféticas [3], à semelhança do cavalo de Roland, no Petit Roi de Galice: pois não se deve exagerar o caráter singelo e primitivo desta obra, herdeira de uma experiência já tão amadurecida. Mas não se pode, tampouco, fazer de Homero um Flaubert ou um Leconte de Lisle, refertos de escrúpulos arqueológicos: a sua imagem de uma idade heróica é uma imagem compósita, em que se superpõem reminiscências esfiadas durante quase um milênio de história (certos elementos remontam para além das sobrevivências micênicas, aos belos dias da grandeza minoana: assim, por exemplo, quando a Ilíada [4] evoca as danças da juventude de Cnossos e as acrobacias no “teatro” (χόρος) de Dédalo, destruído já por ocasião da catástrofe de 1400).

Entretanto, se essa imagem não contém muitos anacronismos, no conjunto deve tirar a maioria de seus elementos não precisamente talvez do período contemporâneo de “Homero” (a idade aristocrática das cidades da Jônia), mas daquele que o precedeu imediatamente, a idade medieva que sucede às invasões dóricas (1180-1000). Com a condição de proceder-se com prudência, eliminando tudo o que nele se possa mesclar de mais antigo ou se tenha introduzido de mais recente, é possível servir-se de Homero como uma fonte válida para estas idades obscuras.

CAVALHEIRISMO HOMÉRICO

Falaremos de uma “idade média homérica” não por tratar-se de um período pouco conhecido, inserto entre dois outros mais conhecidos, mas porque a estrutura política e social dessa sociedade arcaica apresenta analogias formais com a da nossa Idade Média ocidental (analogias que, obviamente, não cabe levar até um paralelismo paradoxal: na História não há retorno idêntico e omne simile claudicat: falo de um cavalheirismo homérico no sentido em que se diz “o feudalismo japonês”) (7). A comparação parece impor-se principalmente em relação à Idade Média primeva, aquela que vai da época merovíngia ao ano 1000: a sociedade homérica mostra-se bastante análoga ao pré-feudalismo carolíngio.

No vértice, o rei, cercado de uma aristocracia de guerreiros, de uma verdadeira corte que compreende, de uma parte, o conselho dos grandes vassalos, homens idosos (λέροντες), honrados como tais, e cuja experiência os torna. valiosos nos conselhos, a assessoria judiciária, e, de outra parte, o circulo dos fiéis, jovens guerreiros (κοῦροι) que formam a classe nobre, o λαός oposto à massa do δῆμος, dos plebeus, os θῆτες. Estes κοῦροι (que equivalem aos pueri vel vassalli de Hincmar) podem ser filhos de príncipes ou de chefes, que sirvam ao rei de sua pátria, como podem ser recrutados entre os peões e os aventureiros alienígenas perseguidos: essa sociedade da idade média helênica é ainda bastante instável e bem próxima do tempo das invasões. Vivem eles na corte (acaso não são companheiros do rei, ἔταἶροι?), alimentados à sua mesa com as contribuições ou tributos recebidos pelo soberano.

Essa vida de comunidade, essa confraria de guerreiros (cujas conseqüências para a história da educação e da moral logo veremos) dura até o dia em que, em recompensa por seus leais serviços, o súdito fiel é enfeudado, mediante a outorga de um domínio (τέμενος) provido dos rendeiros necessários ao seu usufruto e subtraído ao domínio público. Concessão a princípio precária, ou pelo menos transitória, antes de estabilizar-se e tornar-se hereditária. Parece que da Ilíada à Odisséia se processa uma evolução análoga aquela por que passou a sociedade carolíngia: a nobreza torna-se cada vez mais senhora de seus feudos, ao passo que o poder real se desintegra pouco a pouco ante a elevação desses domínios senhoriais à escala de pequenos burgos, os quais serão mais tarde aproximados e unidos para constituir a cidade clássica (os Côdridas aparecem-nos um pouco assim  como os Capetos da Ática).

A CULTURA CAVALHEIRESCA

Eis o fato fundamental que explicará as características originais da tradição educativa da Grécia clássica: a cultura grega foi, originariamente, privilégio de uma  aristocracia de guerreiros. Vemo-la aqui, essa cultura, em seu estado nascente. Pois estes heróis homéricos não são combatentes selvagens, guerreiros pré-históricos, como se compraziam em imaginá-los nossos predecessores românticos: em certo sentido, são já cavalheiros.

A sociedade homérica sucedera a uma velha civilização, da qual nem todos os refinamentos haviam desaparecido. Os jovens κοῦροι dispensam a seu suzerano o que se pode chamar propriamente um serviço de corte: como os donzéis da Idade Média, eles servem à mesa por ocasião dos festins reais: “os κοῦροι enchem as crateras até às bordas [5]”: verso tão característico de seu papel de copeiros que voltamos a encontrá-lo, repetido ou interpolado, em quatro outros episódios [6]; serviço nobre, bem diverso do dos simples domésticos (κήρυκες).

Participam também dos cortejos: sete jovens acompanharão Ulisses trazendo Briseida a Aquiles [7]; desempenham um papel nos sacrifícios, ao lado do sacerdote [8], não somente como trinchantes, mas porque “cantam o belo peã e com sua dança celebram o Preservador”,

καλὸν ἀείδοντες παιήονα κοῦροι  Ἀχαιῶν
μέλποντες Ἐκἀεργον [9].

Pátroclo veio refugiar-se na corte de Ftia, procedente de Opunte, sua pátria, depois de um assassínio involuntário. Seu próprio pai, Menécio, ali o apresenta ao rei Peleu; este o acolhe com afabilidade e o põe ao lado de seu filho Aquiles, ao qual prestará o serviço nobre de “escudeiro” (termo com que A. Mazon traduz, elegantemente, o θεἀπων de Homero [10]).

Juntamente com as cerimônias, os jogos constituíam o aspecto dominante da vida destes cavaleiros homéricos. Jogos ora livres e espontâneos, meros episódios da vida cotidiana (esta vida nobre é já uma vida de lazeres de bom gosto): como na festa promovida por Alcino [11]; jogos esportivos (8), divertimentos “musicais”: dança dos jovens feácios, dança da bola pelos filhos de Alcino, canto do aedo, dedilhar da lira: Aquiles, recolhido em sua tenda, disfarça sua pena cantando, somente para si mesmo, os feitos dos heróis, e acompanhando-se com a phorminx sonora [12]; possivelmente já, também, concursos de eloqüência e disputas verbais (9).

Outras vezes, ao contrário, constituem os jogos uma manifestação solene, organizada e regulamentada com diligência: que me baste lembrar, no canto Ψ da Ilíada, os jogos funerários em honra de Pátroclo: o boxe, tão caro já aos minoanos (10), a luta, a corrida, a justa, o arremesso de peso, o tiro de arco, o dardo e, especialmente e em primeiro lugar, o esporte que ficará sendo sempre o mais nobre, o mais estimado: a corrida de carros [13].

Sim, estes cavalheiros distinguem-se bastante de guerreiros bárbaros: sua vida é realmente uma vida de corte, já “cortês”: implica um refinamento notável de atitudes: considere-se a amabilidade que revela Aquiles em seu papel de organizador e de árbitro dos jogos [14], o espirito esportivo dos campeões e dos espectadores, seja do boxeador Epeio reerguendo seu adversário Euríalo após o duro golpe que acabava de pô-lo fora de combate [15], seja dos aqueus contendo Diomedes quando, sob seus golpes, a vida de Ájax está em perigo [16].

Essa polidez acompanha os heróis também no combate, até mesmo nos assaltos rituais de afrontas que preludiam a refrega. Subsiste ela em todas as circunstâncias: que refinamentos de cortesia nas relações entre Telêmaco e os pretendentes, relações no entanto tão tensas e transbordantes de ódio!

Essa atmosfera de polidez, pelo menos na Odisséia, que é mais recente, leva, como por seu florescimento normal, a uma grande delicadeza de atitude para com a mulher: como então esses mesmos pretendentes não respeitam Penélope? Do velho Laertes se diz que, para não despertar o ciúme de sua esposa, não se permitiu a si mesmo desfrutar da escrava Euricléia [17]. A mãe de família é, realmente, senhora da casa: atente-se para Arete, rainha dos feácios; atente-se para Helena em sua casa, em Esparta: é ela quem acolhe Telêmaco, quem dirige a conversação, quem “recebe”, na acepção mundana da palavra.

Cortesia, mas também habilidade (confluímos, aqui, na sabedoria oriental): como portar-se no mundo, como reagir ante circunstâncias imprevistas, como proceder e, antes de tudo, como falar: seja-me suficiente evocar Telêmaco em Pilos ou em Esparta, e Náusica diante de Ulisses náufrago.

Tal é, sumariamente esboçada, a imagem ideal do “perfeito cavalheiro” da epopéia homérica. Mas ninguém podia, espontaneamente, tornar-se um κοῦρος consumado: essa cultura, de conteúdo rico e complexo, supõe uma educação adequada. Ora, esta última não nos é desconhecida: Homero interessa-se pela psicologia de seus heróis na medida suficiente para que saibamos de que maneira foram eles educados, de que maneira puderam chegar a essa flor do cavalheirismo; a legenda heróica transmitia dados sobre a educação de Aquiles exatamente como os ciclos épicos da Idade Média, que consagravam, por exemplo, uma canção de gesta aos Enfances Vivien.

QUIRÃO E FÊNIX

A figura típica de educador é a de Quirão, “o sapientíssimo centauro [18]”; grande número de lendas parece ter-se apossado de seu nome: ele educou não somente Aquiles, mas ainda muitos outros heróis: Asclépio, o filho de Apolo [19], Actéon, Céfalos, Jasão, Melânio, Nestor...; Xenofonte [20] enumera, de enfiada, vinte e um nomes. Consideremos aqui sômente a educação de Aquiles. Quirão era amigo e conselheiro de Peleu (que lhe deve, entre outras coisas, a fortuna de suas núpcias com Tétis): é de modo bastante natural que este lhe confia o filho.

Grande número de monumentos literários e figurativos mostram (11) mostram Quirão ensinando a Aquiles os esportes e os exercícios cavalheirescos, caça, equitação, dardo, ou as artes corteses, como a lira, e mesmo (não reina ele sobre as planícies do Pelion, ricas em ervas medicinais?) a cirurgia e a farmacopéia [21]: curiosa tintura de saber enciclopédico, de sabor bem orientalizante (pensar-se-á na imagem da cultura de Salomão, evocada pelo autor alexandrino da Sabedoria [22]: não há dúvida de que se trata, aqui como lá, de uma imagem idealizada: o herói homérico deve. saber. tudo, mas é um herói; seria ingênuo imaginar que o cavalheiro homérico fosse também, normalmente, um feiticeiro curandeiro).

Este último traço é o único explicitamente mencionado por Homero, mas um episódio da Ilíada apresenta-nos [23] outro mestre de Aquiles cuja aparência, menos mítica que a de Quirão, tem a vantagem de permitir-nos entrever, de maneira realista, o que seria essa educação cavalheiresca: trata-se do episódio de Fênix (12). A fim de contribuir para o êxito de sua difícil embaixada junto a Aquiles, Nestor sabiamente reuniu, a Ulisses e Ájax, este bom velho que poderá comover o coração de seu antigo pupilo (e é realmente enternecido, com efeito, que Aquiles responderá a seu “velho bom papai”, como o chama: ἃττα γεραιέ [24]).

Para ser ouvido, Fênix julga que deve recordar a Aquiles toda a sua história, num longo discurso [25] cuja prolixidade um tanto senil é bastante instrutiva para nós: Fênix, fugindo à cólera de seu pai (estavam em conflito por causa de uma bela cativa), veio refugiar-se na corte de Peleu, que lhe outorgou um feudo nos Dólopes [26]. É a este vassalo querido que o rei vai confiar a educação de seu filho (não é este também um traço bastante “medieval"?): é-lhe entregue bem criança; vemos Fênix tomar Aquiles sobre os joelhos, cortar-lhe carne, fazê-lo comer, beber: “E quantas vezes me molhaste, de vinho, a túnica, no penoso tempo da infância! [27]"

“Fui eu quem fez de ti o que tu és!", declara com orgulho o velho preceptor [28], pois que sua assistência não se restringira à primeira infância: ainda a ele é confiado Aquiles por ocasião de sua partida para a guerra de Tróia, a fim de que venha em socorro de sua inexperiência. Nada mais notável que a dupla missão de que Peleu o investira nessa ocasião: “Não passavas de uma criança e nada sabias ainda da guerra, que a ninguém poupa, nem das assembléias onde os homens se fazem ilustres. E foi para isso que êle me havia enviado: para ensinar-te a ser, ao mesmo tempo, um bom conselheiro, um bom realizador de façanhas (μύθων τε ρητῆρ' ἕμεναι, πρηκτῆρά τε ἕργων) [29]”; fórmula em que se condensa o duplo ideal do perfeito cavalheiro: orador e guerreiro, capaz de prestar a seu suzerano tanto serviço judiciário como serviço de campanha. A Odisséia mostra-nos, da mesma maneira, Atena instruindo Telêmaco sob a inspiração dos exemplos de Mentes [30] ou de Mentor [31].

Encontramos assim, na origem da civilização grega, um tipo de educação nitidamente definido: aquele que o jovem nobre recebia dos conselhos e dos exemplos de um mais velho a quem tinha sido confiado, em vista de sua formação.

SOBREVIVÊNCIAS CAVALHEIRESCAS

Ora, durante longos séculos (pode-se dizer que quase até o termo de sua história), a educação antiga conservará muitos traços que lhe vinham desta origem aristocrática e cavalheiresca. Não me refiro ao fato de as sociedades antigas, inclusive as mais democráticas, permanecerem sempre, para nós modernos, sociedades aristocráticas em virtude do papel que nelas desempenha a escravatura, mas a um elemento mais intrínseco: mesmo quando pretendiam e se reputavam democráticas (como a Atenas do século IV, com sua política demagógica em matéria de cultura: θεωρικόν, arte ao alcance do povo, etc.), as sociedades antigas viviam sobre uma tradição de origem nobre: a cultura podia ser repartida igualitariamente, mas nem por isso conservava menos a marca dessa origem; estabelecer-se-á aqui, sem dificuldade, um paralelo com a evolução da civilização francesa. que progressivamente estendeu a todas as classes sociais e, de a1gum modo, vulgarizou uma cultura cuja origem e inspiração são nitidamente aristocráticas: não acabou de tomar sua Forma nos salões e na corte do século XVII? Todas as crianças da França descobrem a poesia e a literatura nas Fábulas de La Fontaine: este as havia dedicado ao Grão Delfim e (l. XII) ao duque de Borgonha!

Eis por que convém examinar um pouco mais de perto o conteúdo da educação homérica e seu destino. Nela se distinguirão, como em toda educação digna deste nome (a distinção encontra-se já em Platão [32]), dois os aspectos: uma técnica, pela qual a criança é preparada e progressivamente “iniciada em determinado modo de vida, e uma ética, algo mais que uma simples moral de preceitos: certo ideal da existência, um tipo ideal de homem a realizar (uma educação guerreira pode contentar-se em formar bárbaros eficazes ou, ao contrário, colimar um tipo refinado de “cavalheiros”).

O elemento técnico já nos é familiar: manejo de armas, esportes e jogos cavalheirescos, artes musicais (canto, lira, dança) e oratória; arte de bem viver, traquejo mundano; sabedoria. Todas estas técnicas se encontrarão de novo na educação da época clássica, não certamente sem passar por uma evolução no curso da qual veremos, particularmente, os elementos mais intelectuais desenvolverem-se em detrimento do elemento guerreiro: quase que somente em Esparta este último conservará seu lugar de primeiro plano, embora sobreviva, mesmo na pacífica e civil Atenas, no gosto do esporte e em certo estilo de vida realmente viril.

Importa, mais ainda, analisar a ética cavalheiresca, o ideal homérico do herói, e constatar-lhe a sobrevivência na época clássica.

HOMERO, EDUCADOR DA GRÉCIA

Tal sobrevivência parece, à primeira vista, explicar-se pelo fato de ter a educação literária grega conservado, durante toda a duração de sua história, Homero como texto de base, como centro de todos os estudos: fato considerável, do qual nós dificilmente conseguimos imaginar as conseqüências, porque, se temos clássicos, não temos (como os italianos têm Dante e os anglo-saxões Shakespeare) um clássico por excelência; e a dominação de Homero sobre a educação grega exerceu-se de maneira bem mais totalitária ainda do que, entre uns ou outros, a de Shakespeare ou a de Dante.

Como o disse Platão [33], Homero foi, no mais pleno sentido, o educador da Grécia (τν λλάδα πεπαίδευκεν). E o foi desde o princípio (ξ ρχς), como já salientava Xenófanes de Cólofon [34] no século VI: vede, no fim do século VIII, a profunda influência que, nesta Beócia ainda inteiramente campesina, exerce já sobre o estilo de Hesíodo (que começou sua carreira como rapsodo, recitador de Homero). E o será sempre: em plena Idade Média bizantina, no século XII, o arcebispo Eustácio de Tessalônica compilou seu grande comentário, acrescido de toda a contribuição da filologia helenística. Entre tantos testemunhos que atestam a presença de Homero à cabeceira de todo grego cultivado, como à de Alexandre em campanha, ressaltarei o do Banquete de Xenofonte [35], onde um personagem, Nicerato, nos diz: “Meu pai, desejando que eu me tornasse um homem completo (νρ γαθός), forçou-me a aprender Homero; e assim, até hoje, sou capaz de recitar de cor a Ilíada e a Odisséia

Em vista disso, deve-se admitir, o argumento se anula ou, pelo menos, serve a duas interpretações: porque a ética cavalheiresca permanecia no centro do ideal grego é que Homero, intérprete eminente desse ideal, foi escolhido e conservado como texto de base na educação. É necessário, com efeito, reagir contra uma apreciação puramente estética de sua longa primazia: não foi sobretudo por ser obra-prima literária que a epopéia foi estudada, mas porque seu conteúdo fazia dela um manual ético um tratado do ideal. Com efeito, como o veremos adiante, o conteúdo técnico da educação grega evoluiu profundamente, refletindo as transformações profundas de toda a civilização: somente a ética de Homero podia conservar, ao lado de seu valor estético imperecível, uma projeção permanente.

Não pretendo, obviamente, que, no curso de tão longa seqüência de séculos, essa projeção tenha sido, sempre, clara e exatamente compreendida. Na época helenística encontraremos pedagogos obtusos, que, com uma carência total de espirito histórico e subestimando a considerável diferenciação operada nos costumes, se esforçaram por descobrir em Homero todos os elementos de uma educação religiosa e moral válida para o tempo deles: com engenho freqüentemente cômico, esforçavam-se por tirar, dessa epopéia tão pouco sacerdotal e, no fundo, de espírito tão “laico” (13), algo equivalente a um verdadeiro catecismo, ensinando não somente (o que era legítimo [36]) a teogonia e a legenda dourada dos deuses e dos heróis, mas também uma teodicéia, e mesmo uma apologética, deveres para com os deuses e, mais que isso — todo um manual de moral prática, ensinando, através de exemplos, todos os preceitos, a começar pelos da civilidade pueril e virtuosa; melhor ainda: pela prática da exegese alegórica, Homero era utilizado para ilustrar a própria filosofia...

Mas isso não passava de tolices; o verdadeiro alcance educativo de Homero residia alhures: na atmosfera ética em que ele faz atuarem seus heróis, no estilo de vida destes. Desse clima, nenhum leitor assíduo podia, a longo prazo, deixar de impregnar-se. É com razão que se pode falar aqui, como apraz fazê-lo a Eustácio, de uma “educação homérica” (ὀμηρικὴ παιδεία): a educação que o jovem grego hauria em Homero era a mesma que o Poeta imprimia a seus heróis, aquela que vemos Aquiles receber da boca de Peleu ou de Fênix, e Telêmaco, da de Atena,

A ÉTICA HOMÉRICA

Ideal moral de natureza bastante complexa: de início compreende aquele, algo chocante para nós, do “homem das mil voltas” (πολὐτροπος ἀνήρ), que aos nossos olhos encarna a suspeita figura de aventureiro levantino que Ulisses reveste por um momento na epopéia marítima: a sabedoria de vida, a habilidade do herói homérico assimila-se aqui, como o notei de passagem, à sabedoria prática do escriba oriental; converte-se na arte de saber desvencilhar-se em qualquer circunstância. Nossa consciência, depurada por séculos de Cristianismo, perturba-se por um momento diante disto: pense-se na satisfação indulgente de Atena diante de uma mentira particularmente frutífera de seu querido Ulisses! [37]

Felizmente, porém, o essencial não está aí: muito mais do que o Ulisses do Regresso, é a nobre e impoluta figura de Aquiles que encarna o ideal moral do perfeito cavalheiro homérico; uma frase o define: uma moral heróica da honra, É a Homero, com efeito, que remonta, é em Homero que cada geração antiga reencontra aquilo que constitui o cerne fundamental desta ética aristocrática: o amor da glória.

A base sobre a qual repousa é esse pessimismo radical da alma helênica que o jovem Nietzsche tão profundamente meditou: a tristeza de Aquiles! (14) A vida breve, angústia da morte, pouca consolação a esperar da vida de além-túmulo: nada há ainda de bem firme, na idéia de uma sorte privilegiada que se possa receber nos Campos Eliseos, quanto ao destino comum das sombras, esta existência incerta e vaga, que escárneo! Sabemos como a julga o próprio Aquiles, na famosa apóstrofe que dirige, do Hades, a Ulisses, admirando a maneira pela qual as sombras vulgares se afastam, respeitosas, da sombra do herói: “Ah! Não tentes consolar-me de minha morte, ilustre Ulisses: eu preferiria, sendo lavrador, viver a serviço de um homem pobre, que não tivesse muitos bens, a reinar sobre estes mortos, sobre todo este povo extinto!” [38].

Esta vida tão breve, que seu destino de combatentes torna ainda mais precária, nossos heróis a amam ferozmente, com este coração tão terrestre, com este amor tão franco, sem segundo pensamento, que definem, a nossos olhos, certo clima da alma pagã. E, no entanto, esta vida cá embaixo, tão preciosa, não constitui a seus olhos o valor supremo. Estão dispostos — e com que decisão! — a sacrificá-la por algo mais elevado que ela própria; por isso a ética homérica é uma ética da honra (15).

Esse valor ideal, pelo qual a vida mesma é sacrificada, é a ἀρετή, palavra intraduzível, que não se pode exprimir, como o fazem nossos léxicos, por “virtude”, a menos que se enriqueça este vocábulo sem força de tudo aquilo que os contemporâneos de Maquiavel punham em sua virtù. A ἀρετή é, de modo muito geral, o valor, no sentido cavalheiresco da palavra, aquilo que faz do homem um bravo, um herói: “Ele tombou como um bravo que era (νρ γαθός γενόμενος ἀπέθανε)”, fórmula incessantemente repetida para saudar a morte do guerreiro, a morte em que se consagra verdadeiramente seu destino, no sacrifício supremo: o herói homérico vive e morre por encarnar em sua conduta certo ideal, certa qualidade da existência, que esta palavra ἀρετή simboliza.

Ora, a glória, o renome adquirido no meio competente dos bravos, é a moderação, o reconhecimento objetivo do valor, Donde este desejo apaixonado da glória, de ser proclamado o melhor, que é a mola fundamental dessa moral cavalheiresca. Foi Homero o primeiro a formulá-la; em Homero os antigos redescobriram, com entusiasmo, esta concepção da existência como uma competição esportiva em que se trata de excelir este “ideal agonístico da vida”, em que, desde as brilhantes análises de Jakob Burckhardt, é clássico apontar um dos aspectos mais significativos da alma grega (16). Sim, o herói homérico, como, a seu exemplo, o homem grego, não é verdadeiramente feliz senão quando se sente, quando se afirma como o primeiro em sua categoria, distinto e superior.

É essa uma idéia fundamental na epopéia que, por duas vezes, põe o mesmo preceito, formulado pelo mesmo verso, na boca de Hipóloco, dirigindo-se a seu filho Glauco, e na do prudente Nestor, reportando a Pátroclo os conselhos de Peleu a seu filho Aquiles: “Ser sempre o melhor e conservar-se superior aos outros!”

ἀιὲν ἀριστεύειν καί ὐπείροχον ἒμμεναι ἂλλων [39].

A figura de Aquiles recebe, desta tensão da alma inteira para esse fim único, aquilo que faz sua nobreza e sua grandeza trágicas: ele sabe (Tétis revelou-lho) que, uma vez vitorioso sobre Heitor, deverá morrer; no entanto, de cabeça erguida, avança ao encontro desse destino. Não se trata, para ele, de sacrificar-se pela pátria aqueana, nem de salvar a expedição ameaçada, mas somente de vingar Pátroclo, de subtrair-se ao opróbrio que o teria ameaçado. Avança unicamente por sua honra. Não vejo nisto nenhum individualismo romântico, embora este ideal seja terrivelmente pessoal: este amor de si mesmo (φιλαυτία), que Aristóteles analisará mais tarde, não é o amor do eu, mas do Si, da Beleza absoluta, do Valor perfeito que o herói procura encarnar numa Gesta que arrebatará a admiração da turba invejosa de seus pares.

Ofuscar, ser o primeiro, o vencedor, sobrepor-se, afirmar-se na competição, excluir um rival perante os juízes, realizar a façanha (ἀριστεία) que o classificará perante os homens, diante dos vivos, e talvez da posteridade, no primeiro plano: eis por que vive ele, e por que morre.

Sim, uma ética da honra, por vezes bastante estranha para uma alma cristã; implica na aceitação do orgulho (μεγαλοψυχία), que não é um vicio, mas o desejo elevado de quem aspira a ser grande, ou, no herói, a tomada de consciência de sua superioridade real; a aceitação da rivalidade, da inveja, esta nobre Ἒρις, inspiradora de grandes ações que Hesíodo celebrará [40], e com ela, do ódio, como o reconhecimento de uma superioridade manifestada: vede como Tucídides faz Péricles falar [41]: “O ódio e a hostilidade são sempre o que atraem, de imediato, aqueles que pretendem comandar os outros. Mas expor-se ao ódio por um fim nobre é bem inspirado!”

A IMITAÇÃO DO HERÓI

É em função desta alta idéia da glória que se define o papel próprio do poeta, que é de ordem educativa. O fim a que sua obra se subordina não é essencialmente de ordem estética, mas consiste em imortalizar o herói. O poeta, dirá Platão [42], “cobre de glória miríades de feitos dos antigos e assim faz a educação da posteridade”: sublinho este último traço, que parece fundamental.

Para compreender qual foi a influência educadora de Homero, basta lê-lo e ver como ele próprio procede, como ele concebe a educação de seus heróis. Faz-lhes propor, por seus conselheiros, grandes exemplos tirados à gesta legendária, exemplos que devem despertar neles o instinto agonístico, o desejo de rivalizar. Assim Fênix propõe a Aquiles, ao pregar-lhe a conciliação, o exemplo de Meleagro: “É exatamente isto o que nos ensinam os feitos dos antigos heróis... Recordo-me ainda desta gesta (τόδε ἒργον), uma história bem antiga... [43]”

Da mesma maneira Atena, querendo despertar afinal a vocação heróica nesse meninão irresoluto que é Telêmaco, opõe-lhe o exemplo de decisão viril de Orestes: “Deixa os brinquedos de criança, que não são mais para a tua idade. Vê o renome que entre os humanos conquistou o divino Orestes, quando matou o assassino de seu pai, esse astucioso Egisto [44]". O mesmo exemplo aparece ainda três vezes [45].

Tal é o segredo da pedagogia homérica: o exemplo heróico (παράδειγμα): Assim como à baixa Idade Media nos legou a Imitação de Cristo, a idade média helênica transmitiu à Grécia clássica, por meio de Homero, esta Imitação do Herói. É nesse sentido profundo que foi Homero o educador da Grécia: como Fênix, como Nestor ou Atena, continuamente apresenta, ao espirito de seu discípulo, modelos idealizados de ἀρετὴ heróica; ao mesmo tempo, pela perenidade sua obra, manifesta a realidade desta suprema recompensa que é a glória.

A História atesta o quanto suas lições foram ouvidas: o exemplo dos heróis freqüentou a alma dos gregos. Alexandre (como Pirro, depois dele) julgou-se, sonhou ser um novo Aquiles: quantos gregos aprenderam como ele, em Homero, “a subestimar uma vida longa e sem brilho por uma glória breve”, mas heróica!

Sem dúvida, não foi Homero o único educador que a Grécia ouviu: de século em século, os clássicos vieram completar o ideal moral da consciência helênica (vede como Hesíodo a enriquece já com suas noções tão preciosas de Direito, Justiça, Verdade); todavia, não é menos verdadeiro, por isso, que Homero representa a base fundamental de toda a tradição pedagógica clássica, e, quaisquer que tenham sido, aqui ou ali, as tentativas de sacudir sua influência tirânica, a continuidade dessa tradição manteve viva por séculos, na consciência de todos os gregos, sua ética feudal da façanha.


Notas Complementares

(1) A educação homérica: não há dúvida que sobre este tema se encontra, como sobre todos os temas possíveis, a Dissertação inaugural alemã de tipo clássico: R. F. KLÖTZER, Die Griechische Erziehung. Erziehung in Homers Iliad und Odyssee, ein Beitrag zur Geschichte der Erziehung im Altertum, diss. Leipzig, 1911; as páginas mais sugestivas que encontrei são, porém, as de W. JAEGER, Paideia, I, ps. 46-105 (ital). V. BENETTI-BRUNELLI, L'Educazione in Grecia, I. L'Educazione della Grecia eroica. Il problema (Publicazioni della Scuola di filosofia della R, Università di Roma, XIII), Florença, 1939, contém apenas prolegômenos e não versa a matéria anunciada.

(2) A questão homérica: seria abusivo, aqui, pretender orientar o leitor no dédalo da bibliografia; limito-me a remetê-lo a P. MAZON, Introduction à l'Iliade, Paris, 1942: obra recente, bem informada, bastante equilibrada e bem repousante, após as orgias conjecturais da erudição romântica, alemã sobretudo — da qual a Odyssée de V. BÉRARD, Paris, 1924, é ainda, de algum modo, uma bem curiosa herança.

(3) Jamais haverá consensus omnium em filologia: sempre haverá espíritos aventurosos a proporem hipóteses ousadas (equivalentes àquilo que os químicos chamam “experiências para ver”): mas não é necessário registrá-las, como tampouco refutá-las pormenorizadamente. Aqui, alude-se a Ed. SCHWARTZ (1924) e a U. VON WILAMOWITZ (1927), que pretendiam situar por volta de 550 as partes recentes da Odisséia: contrariamente, JAEGER, Paideia, I, p. 48.

(4) Sigo, citando-o, P. MAZON, Introduction à l'Iliade, p. 266.

(5) Relativamente à fixação desta data, os antigos hesitavam entre 1159 a.C. (Helanico) e 686 (Teopompo): PAULY-WISSOWA, VIII, c. 2207-2210, s. v. Homeros.

(6) Valor histórico do testemunho de Homero: ver um resumo das discussões a este respeito, ap. H. JEANMAIRE, Couroi et Courètes, essai sur l'Éducation spartiate et sur les Rites d'adolescence dans l'Antiquité hellénique, Travaux et Mémoires de l'Université de Lille, n.º 21, Lille, 1939, p. 12, n. 1; acrescentar MAZON, Introduction, ps. 288-292.

[7] Cavalaria homérica: adoto aqui as conclusões do primeiro capítulo (que tem este título) da tese, já citada, de H. JEANMAIRE, Couroi et Courètes, ps. 11-111.

(8) O esporte nos lazeres homéricos: cf. ainda B 773-775 (quando em inatividade, os guerreiros de Aquiles entretêm-se, na praia, no arremesso do disco ou do dardo, ou no exercício do arco).

(9) “Torneios de eloqüência? Pelo menos a aceitar-se (hesito, porém, em fazê-lo) a interpretação de H. JEANMAIRE, que toma em sentido forte os versos O 283-284, onde o poeta diz, de Thoas:

ἀγορῆ δὲ ἐ ραῦροι Ἀχαιῶν
νίκων, ὀππότε κοῦροι ἐρίσσειαν περὶ μύθων

“e na ágora poucos aqueus o sobrepujam quando os jovens guerreiros deblateram sobre os mitos”, — e não: “...discutem as opiniões na assembléia” (tese citada, p. 42).

(10) Pugilismo minoano: E. N. GARDNER, Athletics of the ancient world, ps. 11-14. Não posso senão levantar aqui o árduo problema das sobrevivências creto-micênias nos jogos gregos clássicos, esportivos ou musicais: cf. PAUS. XVIII, 4, 1; 23, 2; HES. Op., 655 (GARDINER, ibid. p. 30; W. D. RIDINGTON, The Minoan-Mycaenian background of Greek athletics, dissert. de Filadélfia, 1935).

(11) Quirão, educador de Aquiles: cf. V. SYBEL, s. v. Cheiron, ap. W. H. ROSCHER, Ausf. Lexikon der gr. u röm. Mythologie, I, c. 888-892; DE RONCHAUD, s. v. Chiron, ap. DAREMBERG-SAGLIO, I, 2, ps. 1105a- 1106a. Os textos mais interessantes são os de PÍNDARO, privilegiada testemunha da tradição aristocrática: Pyth., III, 1-5 (cf. IV, 101-115); VI, 20-27; Nom., III, 43-58. Entre os monumentos figurados, notar-se-ão um belo vaso de figuras vermelhas no Louvre, em que se vê Peleu conduzindo Aquiles pequeno até Quirão (C.V.A., Louvre, fasc. 2, III, 1 c, pl. 20, fig. D, uma pintura frequentemente reproduzida de Herculanum, no museu de Nápoles, Quirão ensinando a lira a Aquiles (O. ELIA, Pitture murali e mosaici nel Museo Nazionale di Napoli, Roma, 1932, n.º 25 (9019), fig. 5, p. 25) e os relevos da tensa capitolina, Quirão ensina a Aquiles a caça e o dardo (S. REINACH, RR.G.R., I, 377, II, a).

Existiu um poema arcaico, os Ensinamentos de Quirão (Χίρωνος  'Υροθῆκαι), do qual nos restam alguns fragmentos gnômicos, transmitidos sob o nome de Hesíodo. (ver, por exemplo, na edição Didot deste, ps. 61-69).

(12) Conjugar os papéis respectivos de Fênix e Quirão é tarefa que oferece algumas dificuldades. Os antigos (a julgar por LUCIANO, Dial. Mort., XV, 1) não viam malícia nisto, e falavam, simplesmente, “dos dois mestres” de Aquiles (τοῖν διδακάλοιν αμφοῖν). J. A. SCOTT, American Journal of Philology, XXXIII (1912), p. 76, esforça-se por mostrar que Aquiles teria tido Fênix por tutor durante sua primeira infância, antes de estudar com Quirão: mas Homero não reduz Fênix ao simples papel de “ama seca” (cf. 438 segs. 485). Para W. JAEGER, Paideia, I, ps. 60-65, Fênix é um correspondente humanizado do personagem mítico de Quirão, que o poeta não podia trazer judiciosamente à cena, em virtude do realismo de sua epopéia: o canto I pode ter sido composto à parte e acrescentado depois, mais ou menos tardiamente, e não sem certa discrepância, ao resto da Ilíada (cf. no mesmo sentido MAZON, Introduction, p. 178).

(13) Homero, como poeta não religioso, de espirito nobre, laico, anti-sacerdotal: cf. as fecundas observações de O. SPENGLER, Le Déclin de l'Occident, tradução francesa, II, II, p. 418 — este monumento de tenebrosos erros, entremeados de brilhantes lampejos. Em sentido contrário, a hipótese, bastante aventurosa e mal assentada, de C. AUTRAN, Homère et les Origines sacerdotales de l'Epopée grecque, t. I-III, Paris, 1938-1944; cf. também M. P. NILSSON e, contra, E. EHNMARK: ap. A, PASSERINI, IXe Congrès intern. des Sciences historiques, Paris, 1950, t. I, p. 125, n. 28; p. 126, a opinião do próprio Passerini.

(14) A tristeza de Aquiles: cf. o artigo, bastante falacioso, de resto, publicado sob este título por G. MÉAUTIS, ap. Revue des Études Grecques, XLIII (1930), ps. 9-20.

(15) A ética homérica: é aqui, principalmente, que faço eco do substancioso pensamento de W. JAEGER, Paideia, I, ps. 76 segs. Cf. também, secundariamente, P. MAZON, Introduction, ps. 296 segs.: “La morale de l'Iliade”, e uma bela página do padre A.-J. FESTUGIÈRE, L'Enfant d'Agrigente, ps. 13-14.

(16) O ideal agonístico: J. BURCKHARDT, Griechische Kulturgeschichte, pass. (assim II, ps. 365 segs.; IV, ps. 89 segs.) e, para uma sumária recapitulação, C. ANDLER, Nietzsche, I, ps. 299 segs.


Referências

[1] [PLATÃO] Hiparco, 228 b.

[2] Heródoto, História, II, 53.

[3] Homero, Ilíada, XIX, 404-423.

[4] Idem, XVIII, 590-605.

[5] Idem, I, 463; 470. 

[6] Idem, IX, 175; Odisséia, 1, 148; III, 339; XXI, 271.

[7] Ilíada, XIX, 238 a.

[8] Idem, I, 463 s.

[9] Idem, I 473-474.

[10] Idem, XXIII, 90.

[11] Odisséia, VIII, 104 a.

[12] Ilíada, IX, 186 s. 

[13] Idem, XXIII, 261-897.

[14] Idem, 257 s.

[15] Idem, 694.

[16] Idem, 822. 

[17] Odisséia, 1, 433.

[18] Ilíada, XI, 832.

[19] Idem, 219.

[20] XENOFONTE, Sobre a Caça I.

[21] Homero, Ilíada, XI, 831-2; IV, 219.

[22] Sabedoria de Salomão (Antigo Testamento grego), 7, 17-20. 

[23] Homero, Ilíada, IX, 434 s.

[24] Idem, 607. 

[25] Idem, 434-605.

[26] Idem, 480 s.

[27] Idem, 488-491.

[28] Idem, 485. 

[29] Idem, 442.

[30] Odisséia, I, 80 s.

[31] Idem, II, 267 s.

[32] PLATÃO, As Leis, I, 643a-644a.

[33] A República, X. 606e; cf. Protágoras, 339a.

[34] XENÓFANES DE CÓLOFON, frag. 10 (ed. Dils).

[35] Xenofonte, O Banquete, III, 5.

[36] Heródoto, História, II, 53.

[37] Homero, Odisséia, XIII, 287 s.

[38] Idem, XI, 488 a.

[39] Ilíada, VI, 208 - XI, 784.

[40] HESÍODO, Os Trabalhos e os Dias, 17 s.

[41] TUCÍDIDES, História da Guerra do Peloponeso, II, 64. 

[42] PLATÃO, Fedro, 245a.

[43] HOMERO, Ilíada, IX, 524 s.

[44] Odisséia, 1, 206 s.

[45] Idem, 1, 30, 40; III, 306.

***

Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion, Campinas em 2017).


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