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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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Uma breve história do livro

Codex Sinaiticus, um manuscrito da
Septuaginta do século IV,
escrito entre 330 e 350.
Trecho retirado do livro História da Educação na Idade Média de Ruy Afonso da Costa Nunes de 1979 e republicado em 2018 pelas Edições Kírion.

10. Convém, em tempo, lembrar com Régine Pernoud que no início da Idade Média -- época de Gregório de Tours e de Radegunda na Gália -- espalhou-se o livro na forma com que ainda hoje se apresenta, o codex, que substituiu o volumen, o rolo antigo de papiro ou pergaminho (13). Foi nas escolas e entre as seitas religiosas, observa Piganiol, que se desenvolveu o uso do livro com folhas, codex, desde livro o século IV, e só as obras literárias antigas transcritas dos volumina de papiro nos códices de pergaminho lograram sobreviver e, por isso, diz ele, saudemos com reconhecimento a aparição do livro (14). De modo mais preciso ensina D. Paulo Evaristo Arns que as valiosas obras cristãs e pagãs foram preservadas, graças aos escritores cristãos do século IV que escreveram no pergaminho, material de escrita feito da pele de animais e cujo nome procede, segundo antiga tradição, de Pérgamo, cidade da Ásia Menor que floresceu cerca de 300 a.C. (15). McMurtrie explica com minúcias o aparecimento dos livros no formato atual, de folhas ligadas e cosidas de um lado, que se generalizaram no século IV da era cristã, quando os juristas do Baixo Império Romano verificaram que o códice era mais conveniente para os seus livros de leis .que o rolo, volumen. "No códice (codex), explica McMurtrie, as folhas de pergaminho, em vez de serem coladas pelas extremidades e depois enroladas, dobravam-se para formar duas, e as coleções ou grupos destas folhas dobradas ligavam-se pelos vincos" (16). O códice, tal como o rolo, era escrito à mão e, por isso, estas duas espécies de livros antigos são conhecidas, segundo a designação latina, por libri ou codices manu scripti, livros ou códices escritos à mão. Esses livros manuscritos passaram por grande aperfeiçoamento na Irlanda nos séculos VI, VII e VIII, graças à arte caligráfica e às maravilhosas iluminuras feitas nos escritórios monásticos. A execução caligráfica dos monges irlandeses, diz McMurtrie, nunca foi ultrapassada em originalidade do desenho e em habilidade de confecção, e o seu mais célebre exemplar é o Livro de Kells que contém os evangelhos em latim e foi classificado por mais de um escritor como "o livro mais belo do mundo" (17). 

Durante a Alta Idade Média, até o século XII, a composição dos livros fazia-se principal ou exclusivamente nos escritórios, scriptoria, dos mosteiros onde essa arte manuscrita atingiu as culminâncias com a preciosidade das iluminuras e com notável habilidade caligráfica. No século XIII, devido à necessidade de livros para o ensino universitário, iniciaram-se a indústria e o comércio livreiro em grande escala, pois o librarius, editor dos códices manuscritos, não só mantém a livraria no quarteirão da escola - o vendedor é o stationarius - como trata de multiplicar os exemplares com o auxílio dos estudantes pobres que faziam cadernos e transcreviam livros a fim de ganhar dinheiro para custearem os estudos. O aparecimento do códice de pergaminho no século IV de nossa era levou ao rápido desaparecimento do papiro que predominara antes como material de escrita e começou a ser substituído pelo papel, de início charta bombycina, depois só bombycina, em 1231 charta papyri e, por fim, papyrus em 1311 (18).

11 . Na mesma época em que aparecia o códice, surgiu também o estilo da escrita "uncial", da palavra uncia, polegada, a duodécima parte de um pé, devido ao tamanho exagerado das letras. O estilo uncial já deixa ver como viriam a ser as minúsculas e predominou até o século VIII ou IX. As antigas letras maiúsculas ficaram reservadas para títulos de relevo, como os dos capítulos, em latim capita, donde o atual nome de "capitais". A partir do século V, a indústria do livro desapareceu e a cópia dos livros refugiou-se nos mosteiros. Daí o compartimento monástico dos escritórios e o cuidado dos grandes mentores culturais da época, como Boécio, Cassiodoro, Santo Isidoro de Sevilha e São Beda, de comporem livros de ortografia. As letras semi-unciais, no estilo das minúsculas, manifestaram a tendência de ligarem certas combinações de letras e foram aperfeiçoadas, por volta do ano 700, pelos monges irlandeses que criaram, diz McMurtrie, uma escrita admirável, uma das mais belas que já existiram. Essa escrita foi adotada pelos escribas carolíngios do mosteiro de Tours onde se desenvolveu a letra minúscula carolina (de Carolus Magnus) e se generalizou o uso do espaço entre as palavras para facilitar a leitura. Apesar do aparecimento das elegantes letras góticas no século XII, os humanistas do Renascimento, no início do século XV, adotaram a minúscula carolina que, fixada nos tipos de metal por Gutenberg, serviu de letra de imprensa, de modo que os nossos livros e impressos de hoje têm uma dívida notável para com os monges da Irlanda, da Inglaterra e da Gália d os séculos VIII e IX. 

A escrita carolina, ensina Dawson no seu livro A Formação da Europa, parece ter surgido na abadia de Corbie, na segunda metade do século VIII, tendo sido aperfeiçoada no famoso scriptorium da abadia de Alcuíno em Tours. A sua difusão, por certo, deveu-se ao emprego que dela fizeram Alcuíno e os seus monges nas transcrições dos livros litúrgicos, executadas por ordem do imperador. Montalembert declara na sua famosa obra Os Monges do Ocidente que a transcrição dos manuscritos era a principal e mais constante ocupação das beneditinas letradas e que não se avaliam os serviços que prestaram à ciência e à história as mãos delicadas das religiosas da Idade Média. "Elas punham, diz ele, nesse trabalho uma habilidade, uma elegância e uma atenção, que os próprios monges não podiam atingir, e nós lhes devemos alguns dos mais belos monumentos da maravilhosa caligrafia dessa época" (19).

12. Os copistas medievais tinham os seus instrumentos de trabalho, e os principais eram as penas e a tinta, pois empregavam, também, facas, raspadoras, etc., para lidarem com o pergaminho e a encadernação. O escriba antigo (antiquarius, librarius, scriptor, scriba, notarius, clericus) usava o estilete de ponta metálica para escrever nas tabuinhas de cera e a pena de cana, calamus, nas "membranas" ou pergaminhos. No império romano popularizara-se a pena de bronze ou de prata, penna, pennula. Desde o século IV, época do códice, o escriba passou a utilizar a pena de ganso. O copista medieval usava no scriptorium a pena de cana, o cálamo, que era conservada num recipiente cilíndrico de madeira ou de metal, theca calamaria, theca canarum ou calamarium. As penas eram guardadas num estojo comprido, de acordo com o seu formato, a theca litteraria ou calamarum. Esses recipientes podiam, ainda, comportar um tinteiro, atramentarium, incausterium ou calamarium. Guardava-se a tinta em chifres de veado (cornu), um para tinta preta e outro para a vermelha, e eles eram pendurados na parede ou colocados no vão de uma janela. O copista experimentava a pena muitas vezes, robationes, antes de iniciar o trabalho. A tinta era chamada atramentum librarium para distingui-la da tinta do sapateiro, atramentum sutorium. Quando era obtida por cozimento chamava-se encaustum, incaustum ou tincta, tingta, tinctura, de tingere, tingir. Desde o século III ou IV, fabricava-se tinta preta com sais metálicos, o sulfato de ferro e o sulfato de cobre. A tinta vermelha era feita de cinabre, minério de mercúrio, e servia para traçar letras ornamentais nos títulos, no começo, incipit, e no fim, explicit, dos textos, assim como para desenhar iluminuras. No período carolíngio começou a ser usada a tinta doirada e a prateada.

Citações:

(13) Nessa mesma época, diz a medievalista, foi elaborada a linguagem musical do canto-chão ou canto gregoriano que será a de todo o Ocidente até o nosso tempo. Régine Pernoud, Pour em funir avec le Moyen Âge, pág. 44.
(14) Piganiol, L'Empire Chrétien, pág. 393.
15 . Arns, E., "Book, the Ancient", em New Catholic Encyclopedia, vol. 2, págs. 680 - 684.
"Jérôme entre dans l'histoire au moment même où se déroule la lutte décisive entre le papyrus et le parchemin. Bien plus, si la victoire est restée à ce dernier, c'est grâce à l'entourage du moine de Bethléem et à celui de ses collegues latins." Arns, La Technique du Livre d'apres Saint Jérôme, pág. 23.
"L'amour du livre sacré et surtout la position officielle de l'Église a précipité l'évolution de la technique du livre em parchemin." Ibid, pág. 26.
(16) Douglas C. McMurtrie, O Livro, pág. 78.
(17) Ibid., pág. 82.
(18) A. Bruckner, "Book, the Medieval", in New Catholic Encyclopedia, vol. 2, págs. 684 - 689.
(19) Montalembert, Les Moines d'Occident, t. VI, pág. 190.

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