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Sobre o blog Summa Mathematicae

Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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O ensino da Matemática (Quadrivium) no período clássico

Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion, Campinas em 2017).

OS ESTUDOS CIENTÍFICOS

Mas não eram tão somente os estudos literários que, em princípio, integravam o programa do ensino secundário: Platão e Isócrates, concordes por uma vez, recomendavam, a exemplos de Hípias, o estudo das matemáticas, tão preciosas para a formação do espírito.

ENSINO DAS MATEMÁTICAS

Diversos indícios permitem-nos entrever que esses conselhos não passaram desaparecidos na época helenística. No quadro que, por volta de 240 antes de Cristo, traçou das penas da vida humana (1) (quadro que dois séculos mais tarde seria retomado, por sua vez, pelo autor de Axiochos (2)), Teles escolhe precisamente os professores de aritmética e de geometria (άριθμητικός, γεωμέτρης) para caracterizar, juntamente com o monitor de equitação, o grau secundário da educação, interposto entre a escola primária e a efebia.

Um catálogo dos vencedores dos concursos escolares de Magnésia do Meandro, datado do segundo século antes de Cristo, menciona uma competição de aritmética (3), ao lado de provas de desenho, de música e de poesia lírica, num contexto que, por conseguinte, evoca o ensino do segundo grau. Assim também no colégio do "Diogeneion", em Atenas, os (futuros) efebos aprendiam, como nos diz Plutarco (4) [1], geometria e música, ao mesmo tempo que letras e retórica. Em Delfos, no primeiro século antes de Cristo, um astrônomo pronuncia conferências no ginásio (5).

Estes testemunhos, como se vê, são bastante esparsos, e devemos perguntar-nos se sua relativa raridade não constitui, precisamente, um indício do pequeno interesse que, na prática, o ensino helenístico dispensava às ciências.

O IDEAL DA ΕΓΚΥΚΛΙΟΣ ΠΑΙΔΕΙΑ

Teoricamente, pelo menos, tal princípio jamais foi posto em causa: as ciências matemáticas jamais cessaram de figurar, como as disciplinas literárias, no programa ideal da "cultura geral" dos gregos helenísticos, a έγκύκλοις παιδεία [2].

Com efeito, nos escritores da época helenística e romana encontram-se numerosas menções deste termo, que não caberia transcrever literalmente por "enciclopédia", noção esta bem moderna (a palavra data apenas do século XVI) [3] e que não corresponde, absolutamente, à expressão antiga. "Enciclopédia" evoca, para nós, um saber universal: por mais elástico que possam ter sido seus limites, a έγκύκλοις παιδεία jamais pretendeu abarcar a totalidade do saber humano: na verdade, de acordo com o sentido que reveste normalmente o vocábulo έγκύκλοις no grego helenístico, έγκύκλοις παιδεία significa, simplesmente, "educação vulgar, corrente, comumente transmitida" -- donde a tradução que propus: "cultura geral".

Tal noção sempre apresentou contornos bastante vagos: o uso que dela se faz hesita entre duas concepções: ora é a cultura geral que convém ao perfeito cavalheiro, sem referência explícita ao ensino, e que reúne o teor de toda a educação, secundária e superior, escolar e pessoal; ora é a cultura de base, a propedêutica, as προπαιδεύματα (6), que devem preparar o espírito para receber as formas superiores do ensino e da cultura, ou, numa palavra, o programa ideal do ensino secundário. Esta concepção é, em particular, a dos filósofos, seja quando denunciam a inutilidade da έγκύκλοις παιδεία para a cultura filosófica, como a fazem Epicuro (7) e, com ele, os cínicos (8) e cético (9) de todas as escolas, seja quando insistem em sua necessidade, como convêm em fazê-lo a maioria das seita (10) e, notadamente, desde Crisipo (11), os estóicos (12).

Depois disso, as fronteiras ficam muito mal definidas: entendida no sentido perfectivo do vocábulo "cultura", a έγκύκλοις παιδεία tendeu a absorver não somente a própria filosofia, mas também diversas técnicas, em número que varia segundo os autores: medicina, arquitetura, direito, desenho, arte militar [4]. Mas a essência de seu programa, aquela a que se restringem os filósofos, permanece sempre constituída pelo conjunto das sete artes liberais, que a Idade Média herdaria da tradição escolar da baixa Antiguidade e cuja lista, encerrada definitivamente pelos meados do primeiro século antes Cristo, entre Dionísio o Trácio e Varrão, compreendida, como se sabe, além das três artes literárias, o Trivium dos carolíngios --- gramática, retórica e dialética ---, as quatro disciplinas matemáticas do Quadrivium --- geometria, aritmética, astronomia e teoria musical ---, cuja divisão era tradicional desde Arquitas de Tarento (13), senão desde o próprio Pitágoras [5].

Podemos fazer ideia precisa do que seria a iniciação de um jovem grego em cada uma dessas ciências através da farta coleção de manuais que a época helenística nos legou [6]. Conquanto desde Arquimedes até Papo e Diofanto as épocas helenísticas e romanas tenham vista a ciência grega realizar ainda grandes progressos, o traço dominante desde período é dado por um esforço de acerto final de maturação dos resultados obtidos pelas gerações que se haviam sucedido a partir de Tales e de Pitágoras. É então que a ciência grega atinge esta forma perfeita que jamais ultrapassaria.

A GEOMETRIA

No domínio da geometria, a ciência grega por excelência, o grande clássico é, sem dúvida, Euclides (330-275 aproximadamente), cujos Elementos alcançaram a glória de todos conhecida: diretamente ou indiretamente, forma eles a base de todo o ensino da geometria, não somente entre os gregos, mas também entre os romanos e os árabes e, depois entre os modernos (é sabido que, até uma data recente, os escolares britânicos utilizavam, como manual de geometria, uma tradução, levemente retocada, dos Elementos).

Não é, pois, necessário analisar longamente, aqui, o conteúdo e o método deste livro célebre: um e outro nos são familiares. A essência da exposição é formada pela seqüência dos teoremas às demonstrações. encadeadas a partir de uma série de definições e de αἰτήματα (termo que agrupa o que hoje distinguimos em axiomas e postulados). Ressaltarei, depois de tantos outros, o rigor lógico dessas demonstrações, o caráter estritamente racional da ciência: o geômetra raciocina sobre figuras inteligíveis e procede com extrema desconfiança em relação a tudo o que lembra a experiência sensível. Diversamente da pedagogia matemática de hoje, Euclides evita, tanto quanto possível (para escapar às dificuldade teóricas levantadas pela crítica eleata da noção de movimento), os procedimentos, a nós familiares, da rotação e da superposição: assim à demonstração de que num triângulo isósceles ABC os ângulos da base B e C são iguais, propriedade fundamental que demonstramos sem esforço, por simples giro, Euclides só chega à custa de longos rodeios; traça no prolongamento de AB e de AC, segmento iguais BD e CE, de modo a obter dois pares de triângulos iguais ABE e ACD, BCD e BCE... (14).

Ao método sintético sintético das demonstrações encadeadas, o ensino grego associava, intimamente aquilo que chamamos de análise, isto é, problemas, particularmente problemas, particularmente problemas de construção; os Elementos abrem-se com um exemplo característico: construir um triângulo equilátero sobre uma base dada (15). A importância metodológica dos problemas é, realmente, considerável (somente platônicos como Espeusipo, fechados em seu apriorismo, podiam pô-la em dúvida (16)): a construção permite demonstrar a existência real da figura considerada. O método que geralmente se seguia era o mesmo que hoje seguimos: supor o problema resolvido e, por ἁπαγωγή, reduzi-lo a proposições já estabelecidas. É sabido que a história da ciência grega mostra-se-nos toda balizada pelo estudo de tais problemas, os quais bem depressa, após a elementar duplicação do quadrado, deparam com dificuldades enormes ou intransponíveis: duplicação do cubo, trissecção do ângulo, quadratura do círculo.

Naturalmente, tais problemas se enquadram numa ordem estritamente especulativa: as aplicações numéricas e práticas, cálculos de áreas ou de volumes, não correspondem à geometria, mas a outras disciplinas, como a geodésia ou a metrologia, que eram, também por sua vez, objeto de ensino: possuimos manuais, como os de Hierão de Alexandria (segundo século antes de Cristo (17)), e papiro que oferecem exemplos concretos dos exercícios que eram propostos aos alunos (18); mas esse ensino dirigia-se somente aos futuros práticos agrimensores, empreiteiros, engenheiros ou carpinteiros; era um ensino, que não fazia parte da educação liberal e permanecia estranho ao ensino, propriamente dito, das matemáticas.

A ARITMÉTICA

As mesmas observações podem-se fazer com relação à aritmética: ciência teórica do número, negligencia ela, fiel aos conselhos de Platão, os problemas realísticos tão caros ao nosso ensino primário: problemas de lucro, de preço de venda ou de renda; a Antigüidade gabava o grande Pitágoras como tendo sido o primeiro a elevar a aritmética acima das necessidades dos comerciantes (19).

Não dispondo de um sistema de símbolos apropriados, a aritmética grega não pode ascender a um nível de generalidade e de perfeição tão alto como a geometria. É sabido (lembramo-lo mais acima) que os gregos utilizavam símbolos alfabéticos: três séries de noves sinais correspondiam às unidades, dezenas e centenas. Com um iota subscrito à esquerda, indicavam-se os milhares: o sistema permitia assim, teoricamente, nota todos os números inteiros de $1$ a $999.999$.

Menos maleável que o nosso sistema "árabe" de posição (que a civilização maia também descobriu, de seu lado), a notação grega, bastante cômoda para o uso prático, não permitia distinguir números elevados. Com efeito, os gregos não faziam a notação direta dos números superiores a $100.000$ (à diferença dos matemáticos da Índia dos séculos IV e V da nossa era, que gostavam de especular com números enormes, como $1.577.917.828$, diante dos quais um grego teria experimentado a angústia do ἄπειρον, do temível infinito). E, o que é mais grave, essa notação não permitia introduzir os números fracionários ou irracionais: é sob a forma geométrica que as matemáticas gregas levavam mais longe o estudo da noção de grandeza: isto se vê, particularmente, no livro X dos Elementos de Euclides, consagrado às grandezas irracionais.

A aritmética grega deve ser entendia, portanto, como a ciência do ἀριθμός no sentido preciso deste termos, isto é. do número inteiro. São ainda os Elementos de Euclides (20) que nos fornecem dele uma cômoda exposição, embora a Introdução Aritmética de Nicômaco de Gerasa (cerca de 100 anos depois de Cristo) tenha sido o manual que maior papel histórico desempenhou: logo adotado no ensino, abundantemente comentado, traduzido para o latim (e, mais tarde, para o árabe), sua influência foi tão profunda que desde então a aritmética suplantou a geometria e se tornou, em substituição a esta, a base e o campo mais importante do ensino das matemáticas.

Estudavam-se, então, as propriedade do número inteiro; distinguiam-se os números pares e os ímpares, e, em seguida, entre os pares, distinguiam-se números parmente pares (do tipo $2^n$), parmente ímpares (2 multiplicado por um número ímpar), imparmente pares, $2^{n+1}(2m +1)$. De outro ponto de vista, distinguiam-se os números primos, compostos primos entre si, de fatores comuns; os números iguais e desiguais, múltiplos e sub-múltiplos, superparciais e sub-superparciais (ou sejam, os números de fórmula $\dfrac{m+1}{m}$), etc. As proporções e as médias (aritméticas, geométricas, harmônicas, esta última estabelecida pela relação $\dfrac{a}{b} = \dfrac{m-a}{b-m}$)...

A esse estudo, surpreendentemente desenvolvido em suas minúcias, mas que, na verdade, pertence à ciência matemática, juntavam-se --- o que nos causa bastante estranheza --- considerações qualitativas e estéticas acerca das propriedade dos números. Não me refiro às classificação dos números compostos (isto é, dos números formados pelo produtos de diversos fatores), classificação esta de origem pitagórica, que a aritmética helenística levara, como se vê pela obra de Nicômaco, a um alto grau de precisão: números planos (produtos de dois fatores) e números sólidos (produtos de três fatores), e, entre os primeiros, números quadrado, triangulares, retangulares (distinguiam-se os "promekes", de fórmula $m(m+1)$ e os "heteromekes", de fórmula $m(m+n)$ sendo $n> 1$); entre os números sólidos, distinguiam-se os cúbicos, os piramidais, os paralelepipóides: $m^2(m+1)$, etc. Tal nomenclatura era perfeitamente legítima: os antigos representavam-se o número (inteiro) como uma coleção de unidade, de mônadas, figuradas por pontos materiais, e era, pois, cabível estudar-lhes os modos de reunião e unir, assim, a aritmética e a geometria.

Refiro-me, antes, à interpolação de juízos de valor, de ordem estética e às vezes moral, que se patenteia, por exemplo, na designação de números perfeitos, dada a números que, como 28, são iguais à soma de suas parte alíquotas ($28 = 1 + 2 + 4 + 7 + 14$), de números amigos (φίλιοι), como 220 e 284, cada um dos quais é iguais soma das partes alíquotas do outro ($220 = 1 + 2 + 4 + 71 + 142$ e $284 = 1 + 2 + 4 + 5 + 10 + 11 + 20 + 22 + 44 + 55 + 110$). Refiro-me, ainda, às especulações, por vezes espantosamente pueris, feitas acerca das propriedades maravilhosas dos dez primeiros números, desta década a que se reduza a toda série numérica: o fascínio pelas virtudes da unidade, princípio de todas as coisas, indivisível e imutável, que jamais extravasa de sua natureza própria através da multiplicação $(1\times 1 = 1)$... E, ainda, à "perfeição" do número três, o primeiro número que tem começo, meio e fim, representado cada um destes termos pela unidade $(1 + 1 + 1 = 3)$; também à estrutura harmoniosa e à pujança do quaternário, da τετρακτύς: $1 + 3 = 2 \times 2 = 4$, e à soma $1 + 2 + 3 + 4 = 10$, o quaternário engendrando a década... Era natural que se passasse, daí, à associação de um valor simbólico a cada um desses primeiros números: é sabido que os Pitágoras juravam pelo quaternário, "fonte da natureza eterna" (21). A unidade, isto é, a mônada, era objeto de uma verdadeira mística: "É nela que resida todo o Inteligível e o Inengendrado, a natureza das Ideias, Deus, o Espírito, o Belo, o Bem e cada uma das essências inteligíveis..." (22); o número Sete é Atena, a deusa sem genitora e sem genitura: não é ele o único número que não gera nenhum dos outros números da década e que não é, ele próprio, gera por nenhum outro? (23) Mas o Sete é também (e não apenas isto) Ares, Osíris, a Fortuna, a Ocasião, o sono, a voz, o canto, Clio ou Adrastéia (24).

Tudo isto provém do velho pitagorismo, mas a ciência grega jamais conseguiu despojar desses elementos qualitativos sua concepção do número: Nicômaco de Gerasa, o mesmo que nos legou a Introdução Aritmética, dedicou a esta aritmologia, a esta teologia do número, uma obra especial, os Theologoumena arithmetica; dela nos apenas o comentário, pormenorizado aliás, feito pelo patriarca Fócion (25), mas encontramos seu eco em vários tratados da baixa época romana (26).

A MÚSICA

É também a Pitágoras que remonta a terceira das ciências matemáticas, a das leis numéricas que regem a música. Dispomos de uma farta literatura, escalonada desde Aristóxeno até Boécio, que nos permite avaliar com exatidão, a amplitude dos conhecimentos da Antigüidade neste domínio [7]. A ciência "musical" compreendia duas partes: o estudo da estrutura dos intervalos e o estudo da rítmica. O primeiro, harmônico ou canônico, analisava as relações numéricas que marcam os intervalos da gama: $\dfrac{2}{1}$ para a oitava, $\dfrac{3}{2}$ para a quinta, $\dfrac{4}{3}$ para a quarta, $\dfrac{5}{4}$ e $\dfrac{6}{5}$ para as terças, maior e menor, e assim por diante: $\dfrac{9}{8}$, o excesso da quinta sobre a quarta ($\dfrac{3}{2}:\dfrac{4}{3} = \dfrac{9}{8}$), mede o tom (maior); a teoria leva muito adiante: para dar conta das sutilezas de acorde que os músicos gregos chamavam χροαί, era preciso chegar a medir o duodécimo de tom.

Todos estes números encontram-se, ainda hoje, em nossos tratados de acústica: sabemos que representam a relação das frequências que marcam a altura de cada som. Os antigos não dispunham de meio de medir, diretamente, a frequência das vibrações sonoras; faziam-no indiretamente, medindo, no monocórdio, o comprimento da corda vibrante, ou, então, o comprimento do tudo sonoro (comprimento estes que são inversamente proporcionais à frequência das vibrações). A descoberta de tais relações constitui uma das mais  notáveis proezas da ciência grega, e hoje podemos compreender por que não somente a escola pitagórica, mas todo o pensamento antigo, ficou por ela deslumbrado: não se havia conseguido estabelecer correspondência entre um número definido e, além disso, simples $(2, 3/2, \cdots)$, e a impressão subjetiva e o valor estético que constitui a noção de intervalo justo, de consonância (oitava, quinta ...)? Como duvidar, diante disto, de que seja o número a tessitura secreta do cosmos, de que todo o universo seja número?

Menos complicada em sua elaboração numérica, mas não menos precisa e não menos fecunda, era a teoria do ritmo: sequência de durações determinadas, o ritmo podia ser, mais facilmente ainda, reduzido a combinações simples de valores aritméticos, iguais, duplos ou sesquiálteros (exatamente como falamos, ainda, em ritmos binários e ternários). À diferença da nossa, a rítmica musical (e poética) dos gregos procedia não por divisão e subdivisões de um valor inicial (nossa semibreve), mas da adição de valores unitários indivisíveis, o "primeiro tempo" (χρόνος πρῶτος) de Aristóxeno: sistema mais matizado, compreendo ritmos mais ricos e mais complexos do que a nossa incipiente teoria do solfejo. Neste terreno, também, o luminoso gênio racional da Hélade construiu um monumento imperecível (κτῆμά ἐς ἀεί), que pertence ao tesouro de nossa tradição ocidental: seja-me permitido lembrar que o estudo dos fragmentos que conservaram dos Elementos Rítmicos de Aristóxeno permitiu a Westphal fazer uma sugestiva e aprofundada análise do ritmo das fugas do Cravo bem temperado [8].

A ASTRONOMIA

De desenvolvimento talvez mais tardio, também a astronomia matemática grega realizou, por sua vez, conquistas notáveis, particularmente no curso do período helenístico, desde Aristarco de Samos (310-250) e Hiparco (fim do segundo século a. C.): suas messes estão reunidas e, de certo modo, codificadas na Suma que representam os trezes livros do Almagesta deste último [9].

Este livro notável --- que alcançou tão grande sucesso na Idade Média bizantina, árabe e latina --- foi usado, como obra didática, por exemplo na escola neoplatônica de Atenas, no Baixo Império; para a iniciação elementar, entretanto, nas escolas gregas dispunha, de manuais mais modestos, como (sem falar na obra de Arato, à qual me reportarei mais adiante) a Introdução aos Fenômenos, do estóico Gemino de Rodes (século I a. C.): pequeno tratado, despretensioso, que começa por uma exposição sobre o zodíaco e as constelações, prossegue pelo estudo da esfera celeste --- eixo, polos, círculos (ártico, trópico, equador...) ---, do dia e da noite, dos meses, das fases da Lua, dos planetas, e termina com um calendário do nascer e do pôr das estrelas, fornecendo, ao mesmo tempo, muito dados numéricos.

Esse manual não é único em seu gênero: sabemos da existência ou possuímos os restos de uma serie bastante numerosa deles; alguns forma encontrados em papiros, como o tratado elementar, em 23 colunas, contido no Papiro de Letronne I (27) e que se apresenta como um resumo dos princípios de Eudoxo, segundo nos revela seu título acróstico --- Εὔδοξον τέχνη.

Das quatro disciplinas matemáticas, a astronomia era a mais popular, e objeto da mais viva curiosidade: esses interesse não era puramente especulativo e deve ser relacionado ao gosto, sempre crescente, que a sociedade helenístico-romana manifestou pela astrologia. Astrologia e astronomia era, de fato, inseparáveis (as duas palavras aparecem, praticamente, como equivalentes): um verdadeiro cientista, como Ptolomeu, pôs seu nome não somente num tratado de verdadeira astronomia, como Almagesta, mas também num manual de astrologia, o famoso Tetrabiblos. Contudo não há nenhum indício que nos permita afirmar que a astronomia houve penetrado nas escolas ou figurasse no programa do ensino liberal.

RETRATAÇÃO NO ESTUDO DAS CIÊNCIAS

É bem fácil, como se viu, fazer uma ideia do conteúdo e dos métodos do ensino das ciências na época helenística. O verdadeiro problema que desafia a sagacidade do historiador não é o de saber em que consistia esse ensino, mas o de averiguar a quem era ele ministrado.

A teoria, tal como fora formulada por Platão e Isócrates, e que na época helenística se exprimia pela fórmula da έγκύκλοις παιδεία, pretendia que as matemáticas fizessem parte de toda educação verdadeiramente liberal. Que se passava, realmente, na prática? A quem se dirigia o ensino das matemáticas: a todos ou a uma elite de especialistas? Estava ele integrado, como o pretendia a teoria, no ensino secundário, ou estava circunscrito apenas aos estudos superiores?

Problema difícil de resolver. O leitor não terá deixado de admirar-se do escasso número de testemunhos diretos que me foi possível reunir, no começo deste capítulo. É claro que se poderia empandeirá-los, mediante a anexação de alguns outros dados, sobretudo daqueles que deparamos nas fichas biográficas e bibliográficas referentes a certo número de escritores ou de personagens conhecidos. Diógenes Laércio fala-nos dos anos de formação do filósofo Arcesilau --- conduzindo-nos, assim, aos meados do século III a. C. (28). Como é natural, sua cultura tinha sólida base literária; ele admirava Píndaro e nunca deixava de começar e encerrar seu dia com uma leitura Homero; havia-se exercitado, ainda, na poesia e na crítica literária. Mas estudara também matemáticas e sabemos até os nomes de seus mestres, Autólico, o músico Xanto e o geômetra Hiponico; além do que a história registra, a propósito dos dois primeiros, que ele lhes seguira curso antes de proceder à decisiva escolha entre a filosofia e retórica, as duas formas rivais do ensino superior: tais estudos matemáticos inscrevem-se, pois, no caso particular de Arcesilau, no período que corresponde ao nosso ensino secundário.

Nicolau de Damasco, historiador contemporâneo de Augusto, informa-nos diretamente, num texto autobiográfico (29), que inicialmente estudara gramática, depois retórica, música e matemáticas, antes de dedicar-se, por fim, à filosofia. O médico Galeno, nascido em Pérgamo em 129 d. C.,  também nos informa, no interessante tratado que dedica a Seus próprios Escritos, que em sua juventude estudara não somente gramática, dialética e filosofia, disciplinas a que mais tarde consagrou muitas obras (30), mais também geometria, aritmética e suas aplicações práticas (logística) (31).

Poder-se-iam juntar, sem dúvida, alguns outros testemunhos do mesmo gênero: não creio, porém, que sejam numerosos a ponto de modificarem nossa impressão de conjunto: na verdade, nota-se que, à medida que se avança, nos tempos helenísticos e romanos, o estudo das ciências, cada vez mais, cede terreno às disciplinas literárias. Invoco, entre meus leitores, o testemunhos de todos os humanistas: a leitura dos clássicos desta época bem mostra que a cultura helenística se havia tornado eminentemente literária e que as matemáticas nela ocupavam um lugar modesto. É de crer-se que estas não mais desempenhavam um papel muito atuante na formação dos espíritos.

Não creio que se possa, no plano educacional, contestar esta conclusão: os estudos literários praticamente acabaram por eliminar as matemáticas do programa do ensino secundário. Não há dúvida que o estudo das ciências não é abandonado, mas os que por ele se interessam, sejam estes especialistas, sejam filósofos que reputem as matemáticas uma propedêutica indispensável, nada mais podem esperar das escolas secundárias: urge-lhes alojar o estudo destas disciplinas no ensino superior. 

É significativo que um Teon de Esmirna tenha, no começo do século II da nossa era, julgado necessário escrever um epítome matemático em cinco livros (aritmética, geometria plana, geometria no espaço, astronomia e "música"), sob o título de Conhecimento Matemáticos Úteis ao Conhecimento de Platão: como ele próprio explica no começo (32), muitas pessoas que gostariam de estudar Platão não haviam tido oportunidade de exercitar-se o necessário, nas ciências matemáticas, desde a infância.

O testemunho dos neoplatônicos do Baixo Império é ainda mais significativo: eles são suficiente fiéis ao ensino da República para insistirem ainda, resolutamente, na necessidade de uma "purificação preliminar" do espírito (προκαθαρσία), através das matemáticas; mas os jovens que vêm sentar-se à sua escola receberam, apenas, uma formação estritamente literária, e é dentro mesmo da escola que urge proporcionar-lhes aquela iniciação científica [10]. Recordarei, a título de exemplo, a experiência de Proclo, cujos anos de aprendizado conhecemos bem, graças à biografia deixada por Marino de Néapoles. Sua primeira formação havia sido puramente literário: gramática e retórica (33); foi somente após sua conversão à filosofia que ele empreendeu o estudo das matemáticas, sob a direção de Héron, ao mesmo tempo que, conduzido por Olimpiodoro, iniciava o estudo da lógica de Aristóteles (34).

ARATO E O ESTUDO LITERÁRIO DA ASTRONOMIA

É-nos possível, num caso particularmente expressivo, surpreender esta invasão das disciplinas científicas pela técnica literária do "gramático". A astronomia, como já observei, era objeto de especial predileção; mas, se procurarmos determinar a forma em que esta ciência figurava nas escolas helenísticas [11], descobriremos surpresos, que seu estudo tinha como ponto de partida não um destes manuais elementares de teor matemático, a que fiz alusões, mas o poema, em 1154 hexâmetros, que Arato de Soles havia composto, por volta de 276-274 a. C., sob o título de Fenômenos (não se devendo destacar-lhe a segunda parte (35), consagrada aos Prognósticos).

Este texto conheceu uma divulgação extraordinária, contou  com uma constante preferência nos círculos escolas, como o atestam, fartamente, comentários, escólios e traduções, sem mencionar os monumentos figurativos: para a arte helênica, Arato é o Astrônomo, como Homero simboliza a poesia [12]. E, todavia, Arato não era um sábio, um técnico em astronomia: sua cultura era de cunho essencialmente literário e filosófico; ele pertencia ao círculo de espíritos de escol, reunidos na corte de Antígono Gônatas. Seu papel constituiu, apenas, em reduzir a versos, de ponta a ponta, dois trabalhos compostos em prosa, a saber, os Fenômenos, de Eudoxo de Cnidos, e a segunda parte do medíocre Περί σημείων, de Teofrasto. Tal como se nos apresenta, o poema de Arato nada tem de matemático; nada de números, algumas indicações bastante sumárias referentes à esferas celeste, seu eixo, os polos (36); o essencial é descrição, pormenorizada e "realista", das figuras tradicionalmente referidas às constelações: mostra-nos (37) Perseu, sustentando nos ombros sua esposa Andrômeda, a mão direita estendida em direção ao leito de sua sogra (Cassiopeia), avançando velozmente em meio a uma nuvem de poeira (uma miríade de estrelas que povoam esta região do céu)... O mesmo antropomorfismo na descrição do nascer e do por das constelações (38), que sucede a uma breve evocação dos planetas e dos círculos da esfera celeste (39). Os erros de observação não faltam: como o assinalava já o comentário de Hiparco (40), Arato ignora que as Plêiades apresentam, na verdade, sete, e não seis estrela visíveis a olho nu (embora a menor seja quase imperceptível (41)). Erros, ainda mais graves, encontram-se na segunda parte, os Prognósticos, que encerra muitas superstições populares.

Tal caráter exotérico era, ainda, fortalecido pela maneira segundo a qual se orientava o estudo de Arato nas escolas helenísticas. Embora matemáticos e astrônomos não se furtassem a comentar os Fenômenos (conforme se vê, no segundo século antes de Cristo, por Átalo de Rodes e Hiparco), o poema era explicado mais frequentemente, por gramáticos. Do ponto de vista científico, o comentário destes limitava-se a uma introdução, bastante sumária, à esfera, definindo o que se entendia por eixo, polos, círculos (ártico, trópicos, equador, eclíptica); é possível que se valessem, para tal exposição, de um modelo da esfera celeste, mas, a julgar pelos escólios que conservaram, essa iniciação não ia muito longe em precisão matemática. O comentário era, antes tudo, literário, e estendia-se às etimologia e, principalmente, às lendas mitológicas relacionadas com a descrição de Arato.

Eis um ponto de capital importância: se a astronomia ocupa um lugar de certo destaque no programa das escolas secundárias, tal lugar ela deve a Arato, e é sob a forma de uma explicação de texto, de uma explicação essencialmente literária, que ela ali aparecia. Não obstante certa resistência da parte dos matemáticos (42), parece que o gramático, ou melhor, o professor de letras conseguiu, praticamente, eliminar os geômetras e outros professores especializados nas ciências. As matemáticas continuam representadas no ensino somente por pequenos detalhes, consignados de passagem num comentário, ou por introduções gerais, extremamente sumárias, elaboradas por alguns gramáticos com alguma tintura de ciência, como este Mnáseas de Corcira, cujo epitáfio foi descoberto, e que nos informa, orgulhosamente, ter-se dedicado à astronomia (43) e à geometria (44), tanto como ao comentário dos poemas homéricos (45).

Na época helenística, a educação clássica acaba com esta evolução, adquirindo um dos traços que vão caracterizar sua fisionomia definitiva. Com efeito, nada é mais característico da tradição clássica (podemos avaliá-lo pela influência que ela exerceu e ainda exerce sobre nossa educação) do que esta preeminência literária, esta adversão a alojar as matemáticas na base da formação geral dos espíritos: as matemáticas são respeitadas, são admiradas, mas entenda-se que permanecem circunscritas apenas aos especialistas, isto é, que exigem uma vocação específica.

Tal caráter manifesta-se na época helenística: estamos, então, longe de Hípias e de Platão, e mesmo de Isócrates. Enquanto ciência particular, as matemáticas, sem dúvida, continuam, como o recordei, a desenvolver-se e a evoluir; senão seu ensino, seu estudo continua difundindo-se amplamente; podemos, graças aos papiros, avaliar sua difusão no Egito: descobrem-se fragmentos dos Elementos de Euclides em Oxirrinco, no Fayum (46), tratados de ciência musical (47), de astronomia (48), problemas de geometria, Tudo isto é, porém, doravante, matéria de especialista: as matemáticas não mais se acham, realmente, representadas na cultura comum, como tampouco neste alicerce profundo, que assegura a unidade de todas as variedades da cultura de uma época, e que é a formação primeira do adolescente, a saber, o ensino secundário.


Referências:

(1) TELES ap. ESTOBEU, Extratos, 98, 72.
(2) [PLATÃO], "Axiochos", 366e.
(3) W. DITTENBERGER, Sylloge Inscriptionum Graecarum (3.ª ed.), 960, 17.
(4) PLUTARCO, Questões de Banquete, IX, 736 D.
(5) Bibliothèque de l'Ecole pratique des Hautes-Êtudes (section des Sciences historiques et philologiques), 272, 15.
(6) FILÃO DE ALEXANDRIA, Sobre os Estudos Preparatórios (ed. Cohn, t. III), 9; ORÍGENES, Carta a São Gregório o Taumaturgo, 1.
(7) DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, X, 6.
(8) [PSEUDO-CEBES], Quadro.
(9) SEXTO EMPÍRICO, Contra os Matemáticos.
(10) DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, II, 79; IV. 10; V, 29-33. 
(11) Idem, VII, 129; cf. QUINTILIANO, Instituição Oratória. I, 10, 15.
(12) SÊNECA O FILÓSOFO, Cartas a Lucílio, 88, 20.
(13) ARQUITAS DE TARENTO, frag. 1 (Diels, Fragmente der Vorsokratiker, § 47).
(14) EUCLIDES, Elementos de Geometria, I, pr. 5.
(15) Idem, I, pr. 1.
(16) PROCLO, Comentário aos "Elementos" de Euclides, I, p. 77, 15 s.
(17) HIERÃO DE ALEXANDRIA, Geometria; Geodésia; Estereometria.
(18) Papiro Ayer (American Journal of Philology, 19, 1898), 25 s; Mizraim, 3 (1936) 18 s.
(19) ESTOBEU, Extratos, I, 9, 2.
(20) EUCLIDES, Elementos de Geometria, VII-IX; cf. II.
(21) [PSEUDO-PITÁGORAS], Os Versos de Ouro. 47-48.
(22) TEON DE ESMIRNA, Aritmética, 40.
(23) Idem, 46.
(24) NICÔMACO DE GERASA ap. FÓCIO O PATRIARCA, Biblioteca (Migne, Patrologie Grecque, t. 103 ou t. 104), 187, 600 B; FILÃO DE ALEXANDRIA, De opficio mundi, 100.
(25) Idem, 187, 591 s. 
(26) ANATÓLIO DE LAODICÉIA, Sobre a Década (P. Tannery, Mémoires Scientifiques, III); TEON DE ESMIRNA, Aritmética, 37-49; [JÂMBLICO], Teologia dos Números; SANTO AGOSTINHO, Sobre a Música, I, 11 (18) - 12 (26).
(27) Notices et Extraits des Manuscrits de la Bibliothèque Nacional (ex-Imperial), XVIII, 2, 25-76.
(28) DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, IV, 29-33.
(29) Ap. SUIDAS, Lexicon, III, p. 468.
(30) GALENO, Sobre seus próprios Escritos (ed. Kühn, t. XIX), 11-18, ps. 39-48
(31) Idem, 11, p. 40.
(32) TEON DE ESMIRNA, Aritmética, 1.
(33) MARINO DE NEÁPOLIS, Vida de Proclo, 8.
(34) Idem, 9.
(35) ARATO DE SOLES, Os Fenômenos, 733 s.
(36) Idem, 19-27.
(37) Idem, 248-253.
(38) Idem, 559-732.
(39) Idem, 454-558.
(40) HIPARCO, Comentário aos "Fenômenos" de Arato, I, 6, 12.
(41) ARATO DE SOLES, Os Fenômenos, 254-258.
(42) Escólios de Arato, 19; 23.
(43) Inscriptiones Graecae, IX, 1, 880, 6-8.
(44) Idem, 8-9.
(45) Idem, 9-13.
(46) B. P. GRENFELL, A. S. Hunt, H. I. BELL, etc., The Oxyrhynchus Papyri, 29; B. P. GRENFELL, A. S. HUNT, D. G. HOGARTH, Fayûm Towns and their Papyri, 9.
(47) B. P. GRENFELL, A. S. Hunt, J. G. SYMLY, E. J. GOODSPEED, The Tebtunis Papyri, 694: TH. REINACH, Papytus Grecs et Démotiques (paris, 1905), 5; B. P. GRENFELL, A. S. Hunt, H. I. BELL, etc., The Oxyrhynchus Papyri, 9; 667; Papiro Hibeh, I, 13.
(48) Papyrus Letronne (Notices et Extraits des manuscrits de la Bibliothèque Nationale, t. XVIII), 1.

Notas complementares:

[1] A que época se refere o depoimento de Plutarco sobre o ensino das ciências do "Diogeneion" (Quaest. Conv., IX, 736 D) ? Parece impossível determiná-la com segurança. Plutarco diz simplesmente: "Sendo estratego, Amônio instituíra um exame no "Dieogeneion" para os efebos (sic: de fato, como vimos, esse colégio recebia os "melefebos", os jovens que, no ano seguinte, entrariam na efebia) que aprendiam as letras, a geometria, a retórica e a música". Muitos personagens tiveram o nome Amônio e não podemos afirmar que algum deles tenha sido estratego; como Plutarco não julga necessário esclarecer esse ponto, poder-se-ia supor que se trate do Amônio mais conhecido do nosso autor: o décimo-segundo referido no artigo dedicado aos Ammonios por PAULY-WISSOWA (I, c. 1862), ou seja, o filósofo platônico de quem Plutarco foi aluno em Atenas e do qual fala, ou faz falar, várias vezes em sua obra (cf. a Introduction de R. FLACELIÈRE à sua edição do tratado Sur l'E de Delphes, Annalaes de l'Université de Lyon, 3, Lettres, 11, ps. 8-10): remontaríamos assim à época de Nero. Mas essa é apenas uma hipótese.

[2] Dediquei à história da έγκύκλοις παιδεία um capítulos de minha tese, Saint Augustin et la Fin de la Culture antique, Paris, 1937, ps. 211-235. Faço questão de sublinhar os dois pontos em que hoje me parece necessário corrigir a doutrina em que me havia detido naquela ocasião: a) o aparecimento desse ideal da formação do espírito não deve ser situado, como eu o afirmava, na geração que sucede Aristóteles; como vimos, ele fora afinal, formulado, nitidamente, ao mesmo tempo por Platão e por Isócrates, concordes em juntar as matemáticas à instrução literária; pode-se, pois, evitar desacreditar (op. cit., p. 221, n. 1) o testemunho de DIÓGENES LAÉRCIO (II, 79) sobre Aristipo que comparava os que negligenciam a filosofia depois de ter estudado os έγκύκλια μαθήματα aos amantes de Penélope; b) já não estou mais tão certo que a concepção de έγκύκλοις παιδεία como "cultura geral" em oposição à "cultura propedêutica" seja o resultado de um "abastardamento", devido à decadência do ensino secundário na época romana (op. cit., ps. 226-227). Integrando a retórica, o programa da έγκύκλοις παιδεία ultrapassava, desde a origem, o domínio do ensino secundário propriamente dito; podia satisfazer plenamente um discípulo de Isócrates; somente os filósofos, herdeiros de Platão, viam-se obrigados a lhe conferir um caráter estritamente propedêutico. Sustento, em compensação, apesar das críticas de A.-J. FESTUGIÈRE (ap. Revue des Études grecques, LII [1939], p. 239), que esse programa não define mais do que um ideal, muito raramente e muito imperfeitamente realizado na prática.

[3] Enciclopédia é um conceito moderno: cf., ainda, meu Saint Augustin, ps. 228-229: o grego só conhece a έγκύκλοις παιδεία; a forma έγκύκλοιςπαιδεία só se encontra nos manuscritos de QUINTILIANO (I, 10, 1), e é sem dúvida uma corruptela devida aos copistas. O termo enciclopédia aparece no século XVI (em inglês: Elyot, 1531; em francês; Rabelais, 1532) e foi recriado ou pelo menos repensado, em função de uma etimologia radicando-o diretamente a κύκλος (o ciclo completo dos conhecimentos humanos), enquanto que no grego helenístico o adjetivo έγκύκλοις tinha um valor derivado muito menos forte: "em circulação", de onde "corrente", "vulgar", ou ainda "que volta periodicamente", ou seja, "quotidiano", "de cada dia".

[4] Extensão variável do programa έγκύκλοις παιδεία: ver os testemunhos por mim citados ap. Saint Augustin..., p. 227, n. 1: VITR., I, 1, 3-10; GAL., Protrept., 14, ps. 38-39; MAR. VICTOR., ap. KEIL, Grammatici Latini, VI, p. 187; Scsol. em D. THR., ap. HILGARD, Grammatici Graeci, III, p. 112; PHILSTR., Gym., 1.

[5] O programa da έγκύκλοις παιδεία entre os filósofos helenísticos e romanos: ver o quadro descrito ap. Saint Augustun, ps. 216-217: Heraclides o Pôntico (DL., V, 86-88), Arcesilau (DL., IV, 29-33), PS. Cebes (Pinax), Filão (De Congr., pass.) Sêneca (Ep., 88, 3-14), Sexto Empírico (plano do Contra Matemáticos), Orígenes (Ep. ad Greg. 1; cf. EUS., H. E., VI, 18, 3-4), Anatólio de Laodicéia (EUS., H. E., VII, 32, 6; HIER., Vir. Ill., 73), Porfírio (TZETZ. Chil., XI, 532), Lactâncio (Inst., III, 25, 1); cf. ibid., p. 189, para Santo Agostinho (de Ord., II, 12, 35 segs.; II, 4, 13 segs.; De Quant. an., 23, 72; Retract., I, 6; Conf., IV, 16, 30.

Quanto à data do aparecimento do setenário das artes liberais, entre Dionísio o Trácio e Varrão, acompanho F. MARX, Prolegomena à sua edição de CELSO, ap. Corpus Medicorum Latinorum, I, Leipzig, 1915, p. x (cf. meu Saint Augustin, p. 220, n.º 2).

[6] História da geometria e da aritmética gregas: existem vários livros elementares sobre o assunto (a meu ver, o melhor é: D. E. SMITH, History of Mathematics, 2. vols., Boston, 1925), mas convém reler: J. Gow, A short history of Greek mathematics, Cambridge, 1884, que diversas obras mais recente se limitam a copiar. Sem dúvida, um estudo mais profundo não poderia ignorar os trabalhos de M. CANTOR, Vorlesungen über Geschichte der Mathematik, I4, Leipzig, 1922, e P. TANNERY, La Géométrie grecque. Comment son histoire nous est parvenue, ce que nous en savons, I, Paris, 1887, e os artigos reunidos na edição póstuma de suas Mémoires scientifiques, t. I-IV, Paris-Toulouse, 1912-1920.

[7] Sobre a ciência musical grega, cf. além de L. LALOY, Aristoxène de Tarente, e Th. REINACH, La Musique grecque, aos quais já remeti o leitor: M. EMMANUEL, Histoire de la Langue musicale, I, Paris, 1911, ps. 61-165; Grèce ('Art gréco-romain), ap. H. LAVIGNAC, Encyclopédie de la Musique, 1, I, ps. 377-537.

[8] R. G. H. WESTPHAL ligou o estudo da rítmica grega ao da rítmica de nossa música clássica: cf. suas conhecidas obras: Die Fragmente und Lehrsätze der grieschischen Rhythmiker (1861) e Allgemeine Theorie der musikalischen Rhythmik seit J. S. Bach (1881).

[9] Sobre a astronomia grega: é sempre interessante retomar: J.-B. DELAMBRE, Histoire de l'Astronomie ancienne, Paris, 1817; ver, em seguida: P. TANNERY, Recherches sur l'Histoire de l'Astronomie ancienne, Paris, 1893; J. HARTMANN, Astronomie, ap. Die Kultur der Gegenwart, III, 3, 3, Leipzig, 1921.

[10] Sobre o ensino das ciências nas escolas neoplatônicas: F. SCHEMMEL, Die Hochschule von Konstantinopel im IV. Jahrhundert, ap. Neue Jahrbücher das klassische Altertumsgeschichte und deutsche Literatur, 22 (1908), ps. 147-168; Die Hochschule von Athen im IV. und V. Jahrhundert, ibid., ps. 494-513;  Die Hochschule von Alexandreia in IV. und V. Jahrhundeert, ibid., 24 (1909), ps. 438-457; O. SCHISSEL VON FLESCHENBERG, Marinos von Neapolis und die neuplatonischen Tugendgrade, Atenas, 1928 (e a resenha de E. BRÉHIER, ap. Revue d'Histoire de la Philosophie, 1929, ps. 226-227); C. LACOMBRADE, Synesios de Cyrène, hellène et chrétien, Paris, 951, ps. 39-46, 64-71.

[11] O ensino de astronomia: cf. H. WEINHOLD, Die Astronomie in der antiker Schule, dissertação de Munique, 1912: obra excelente, mas o autor não percebeu as conclusões que se tiram dos fatos que tão bem reuniu; acrescentar L. ROBERT, ap. Études Épigraphiques et Philologiques (BEHE, 272), Paris, 1938, p. 15.

[12] Arato de Soles, representado em companhia da musa Urânia, como imagem típica da ciência astronômica: por exemplo, numa taça de prata do tesouro de Berthouville: Ch. PICARD, Monuments Piot, t. XLIV, 1950, ps. 55-60, pr. V., e em geral: K. SCHEFOLD, Die Bildnissse der antiken Dichter, Redner und Denker, Basileia, 1943. Sobre a vida e a obra de Arato, ver em último lugar V. BUESCU, edição de CICÉRON, Les Aratea (coleção de edições críticas do Instituto romeno de Estudos latinos, 1), Paris-Bucareste, 1941, ps. 15 segs.



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Sobre o blog Summa Mathematicae


Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), sobre a Educação Clássica aos moldes de Hugo de São Vitor e outras coisas relacionadas à Filosofia Aristotélico-Tomista.

É um projeto pessoal bem despretensioso e simples, fruto de uma especialização em Educação Clássica que fiz. Espero pelo menos colaborar na divulgação desse conhecimento, pois os tópicos me são muito caros e pouco se fala sobre isso na atualidade. 

Em caso de dúvidas ou sugestões, entre em contrato pelo e-mail: marcos325alves@gmail.com.


Bons estudos!


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Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 1

Vincent van Gogh, Os livros amarelos, 1887
Neste texto, trago uma lista com alguns livros em língua portuguesa sobre educação. O critério da lista foi a minha pesquisa por livros sobre educação que não contivessem influências ideológicas e que estivessem preocupados em explanar sobre uma verdadeira educação. Muitos desses livros foram publicados pela primeira vez ou republicados recentemente no Brasil. Obviamente não é uma lista completa ou definitiva. Espero que continuar esta lista posteriormente.






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História da Educação na AntigüidadeHenri-Irénée Marrou. EPU, 1973 e Edições Kírion, 2017.

Sinopse: "Não se deve dizer, como o fazem freqüentemente seu detratores, que a cultura clássica 'nasceu com a cabeça virada para trás', olhando para o passado: ela não é como um outono, torturado com a lembrança nostálgica da primavera desaparecida. Ela se imagina, antes de tudo, como firmemente estabelecida num imóvel presente, em plena luz de um quente sol de verão. Ela sabe, ela reusa; os mestres estão ali.

Pouco importa que eles hajam aparecido em tal ou qual momento do passado, sob o efeito de tal ou qual força histórica: o importante é que existam, que novamente os descubra, da mesma maneira, cada uma das gerações sucessivas, que sejam reconhecidos, admirados, imitados".



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História da Educação na Antigüidade Cristã. Ruy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1978 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Henri Marrou dedica os dois últimos capítulos de sua História da Educação na Antigüidade às relações entre a educação clássica e o advento do Cristianismo e ao surgimento das escolas cristãs de tipo medieval. Nesta História da Educação na Antigüidade Cristã, Ruy Afonso da Costa Nunes dá seqüência ao trabalho de Marrou expondo as concepções pedagógicas dos Santos Padres — os doutores e escritores cristãos dos primeiros séculos — no contexto escolar e cultural do fim do mundo antigo.

“O Logos divino se encarnou, se fez homem para a nossa salvação. Agora não precisamos mais de nenhuma escola humana, não nos devemos preocupar com Atenas, com o resto da Grécia ou com a Jônia. Temos por didáscalos, mestre, aquele que tudo sabe e tudo criou com o seu poder e a sua bondade, e esse Mestre tudo nos ensina por meio das suas profecias, das suas leis e da sua doutrina, e pelo Logos divino o mundo inteiro tornou-se Atenas e Grécia”.

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História da Educação na Idade MédiaRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1979 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Depois de ter exposto, em sua História da Educação na Antigüidade Cristã, as idéias e a prática pedagógica dos Santos Padres, Ruy Afonso da Costa Nunes examina agora as transformações culturais e educacionais que ocorreram desde o fim do mundo antigo — a evangelização dos bárbaros e a preservação da cultura greco-romana feita pelos monges cristãos — até o século XIII, “o maior dentre os séculos”, com o surgimento das universidades e da escolástica, o apogeu da educação medieval.

“Da queda de Roma em 476 e do ocaso do Império Romano do Ocidente até ao surgimento da nova civilização medieval no início do século XII, estendem-se os séculos intermediários em que se contam as agitações, as guerras, a insegurança e as invasões, ao mesmo tempo em que se registra a cristianização dos povos germânicos e se processa a assimilação do patrimônio cultural antigo preservado pela Igreja Católica”.

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História da Educação no RenascimentoRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1980 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Nesta História da Educação no Renascimento, Ruy Afonso da Costa Nunes descreve a grande transformação que se deu na Europa nesta época, compondo, com riqueza de detalhes, o quadro geral das causas que confluíram para o ocaso da Idade Média e para a ascensão do humanismo. Além de delinear a mudança nas concepções e nas práticas pedagógicas no Renascimento, o historiador oferece um verdadeiro roteiro de estudos a quem queira se aprofundar no tema, registrando a biografia e as principais obras dos pedagogos mais relevantes do período.

“O fato histórico do Renascimento resultou da confluência de numerosos elementos de natureza diversa: grandes transformações econômicas e sociais, os descobrimentos marítimos e a formação dos impérios coloniais, surgimento de nova arte, aparecimento do humanismo e da ciência moderna, e a crise religiosa que levou à revolução protestante e à reforma católica. [...] A transformação da vida social na Europa, a aceitação de novos valores e o culto do ideal profano da vida pagã alardeado nas obras clássicas refletiu-se de modo claro na educação renascentista, nos escritos dos pedagogos e dos humanistas. Através do estudo da história das instituições e das idéias educacionais do Renascimento pode avaliar-se a extensão e a intensidade das transformações pelas quais passou a Europa no fim da Idade Média e no início da Idade Moderna”.

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História da Educação no século XVIIRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1980 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Com esta História da Educação no Século XVII, o autor encerra sua descrição das concepções, práticas e valores educacionais iniciada na História da Educação na Antigüidade Cristã. Tendo exposto as idéias pedagógicas dos primeiros mestres cristãos, as mutações culturais e civilizacionais transcorridas do fim do mundo antigo até o apogeu das universidades medievais, e em seguida o renascimento do humanismo por sobre o ocaso da Idade Média, Ruy Afonso da Costa Nunes delineia agora o nascimento da ciência e da filosofia modernas e sua influência na educação, tanto na metodologia e na formulação da didática como nos próprios conteúdos a serem estudados. Retrata, além disso, as diversas iniciativas de educação popular promovidas pela renovação das ordens religiosas.

“O século XVII foi a época da gênese da ciência moderna, com grandes avanços no campo das matemáticas e com o emprego vitorioso do método experimental que deu impulso às ciências da natureza, e à física de maneira especial. [...] Pareceu-nos válido e proveitoso começar este livro por um capítulo consagrado à apresentação panorâmica do século XVII, a fim de bem situar a floração das idéias pedagógicas e a germinação de certas instituições educacionais numa época de profunda perturbação política e de crise da consciência européia. [...] Cumpre, ainda, lembrar que fazemos questão de dar ênfase aos aspectos educacionais do século XVII que mais influenciaram os países latinos e que mais interessam à nossa própria história cultural”.

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Paideia: A formação do homem grego. Werner Jaeger. WMF Martins Fontes, 2010.

Sinopse: "Esta obra famosa de Werner Jaeger, um dos marcos da cultura do nosso tempo, é o estudo mais profundo e completo sobre os ideais de educação da Grécia antiga. Jaeger estudou a interação entre o processo histórico da formação do homem grego e o processo espiritual através do qual os gregos chegaram a elaborar seu ideal de humanidade. A partir da solução histórica e espiritual, foi possível chegar ao entendimento da criação educativa sem par de onde se irradia a imorredoura influência dos gregos sobre todos os séculos".

 

 

 

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Didascalicon. Sobre a Arte de Ler. Hugo de São Vitor. Edição bilíngüe Latim-Português. Tradução e notas: Roger Campanhari. Edições Kírion, 2018.

Sinopse: O que aqui se oferece ao leitor é uma obra rica e profunda, que por muito tempo constituiu um dos pilares da educação cristã. Neste Didascalicon sobre a arte de ler, o mestre Hugo de São Vítor apresenta as artes liberais e orienta seus alunos mostrando o que devem ler, em que ordem e, especialmente, de que modo devem fazê-lo. Tendo como base a tradição e as Sagradas Escrituras, sua pedagogia visava formar os estudantes para alcançarem a contemplação, o último grau da Sabedoria — com a qual “tem-se um antegosto nesta vida do que será a recompensa futura” —, uma formação integral que proporcionasse a união com Deus. Colocando o foco da educação no próprio estudante, este modelo da educação cristã não é um livro sobre como ensinar, mas sim sobre como aprender; não é um tratado de didática, mas uma verdadeira aula a todo aquele que deseje percorrer o caminho que conduz à Sabedoria.

“Existem principalmente duas coisas por meio das quais alguém é conduzido ao conhecimento, a saber, a leitura e a meditação, das quais a leitura vem em primeiro lugar no aprendizado, e é sobre ela que se ocupa esse livro, oferecendo os preceitos da arte da leitura. São três os preceitos mais necessários à leitura: primeiro, saber o que se deve ler; segundo, em que ordem se deve ler, isto é, o que vem antes e o que vem depois; terceiro, de que modo se deve ler. Este livro trata destes três preceitos, separadamente. Assim sendo, ele instrui tanto sobre a leitura dos escritos profanos quanto sobre a dos divinos”.

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A Formação da Personalidade. Padre Leonel Franca. Agir Editora, 1938. Edições Hugo de São Vitor, 2019 e Edições Kírion, 2019

Sinopse: Composta por diversos escritos pedagógicos e morais de Leonel Franca e lançada originalmente em 1938, esta obra nos desafia a arregaçar as mangas, pegar no arado e mover os sulcos empedrados e desnutridos de nossa alma!

Em suma, uma obra que molda caráter!

Trecho inicial do capítulo I Formação:

"Quem diz formação diz esforço para adquirir ou comunicar uma forma. E forma tem, aqui, não o seu significado óbvio e corrente de feitio, figura, aparência externa das coisas, forma; mas o sentido mais profundo e filosófico de perfeição, atuação de uma potencialidade anterior. Formar-se é, no sentido amplo, adquirir novas qualidades, acordar perfeições que dormiam nas possibilidades da nossa natureza.

Nessa acepção formação é quase sinônimo de cultura, e a análise de uma destas noções esclarece a outra. A palavra cultura, aplicada ao homem, é metafórica e deriva da analogia com os campos, aos quais se aplicam primeiro e ainda se aplica em sentido próprio. Cultivai --- Agricultura. Tomai uma terra no seu estado nativo; cardos e espinhos, ervilhaca e tiririca; plantas úteis e ervas venenosas --- tudo em desordem e confusão --- é uma terra brava --- selvagem. Passai-lhe o arado, arroteai-a, enriquecei-lhe com adubos apropriados a fecundidade natural e tereis jardins, pomares e plantações: é uma terra cultivada. Transportai a analogia para nossa vida superior.

Também aqui, no domínio do espírito --- uma grande possibilidade da natureza, a psicologia humana com toda a riqueza de suas virtualidades latentes; a inteligência, o sentimento, a atividade. Também aqui deixai todas estas virtualidades em seu estado bruto, nativo --- tereis o homem selvagem --- o bárbaro, o inculto. Aplicai-lhes o esforço, o trabalho que fecunda a natureza e desenvolveis as suas forças originais, tereis o homem culto ou cultivado".

Como pode-se ver, haverá um você antes e um você depois deste livro; realmente é algo precioso.

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Encíclica Divini Illius Magistri: Sobre a Educação Cristã. Pio XI. Várias editoras. Santa Sé, 1929. Disponível pelo link.

Sinopse: A encíclica trata da educação cristã da juventude, e foi escrita em resposta ao surgimento (principalmente no século XIX e início do século XX) das “novas teorias pedagógicas”, que erroneamente propunham métodos e meios, não só para facilitar, mas também para criar uma nova educação de “infalível eficácia”, que pudesse preparar as novas gerações para a suspirada felicidade terrena.

Diante desse cenário, o Papa propôs os seguintes questionamentos:

- Qual o papel da família, da Igreja e do Estado na educação?

- O que pensar da educação pública gratuita, das escolas mistas, da educação sexual?

- Os católicos ainda são obrigados a mandarem seus filhos estudarem em escola católicas?

- É lícito ter professores não católicos nas escolas católicas?

- Os pais devem proteger os filhos dos meios de comunicação de massa?

Estas questões foram respondidas por Pio XI neste documento que define um programa completo de recristianização da sociedade, defendendo as prerrogativas da família e a supremacia da Igreja contra um Estado laico, que cada vez mais busca arrancar os jovens das famílias para educá-los na ideologia revolucionária. Apesar de ter sido publicada em 1929, as falsas doutrinas educacionais de então pouco mudaram, fazendo desta encíclica um antídoto seguro, eficaz e atual contra os erros do nosso tempo.

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Filosofia da Educação segundo Santo Tomás de Aquino. Mary Meyer e Edward Fitzpatrick. Editora Odeon, 1935 e Editora Rumo à Santidade, 2023.

Sinopse: A educação no Brasil tem passado por diversas transformações nos últimos anos. Tanto o fomento às escolas em tempo integral quanto o novo currículo do Ensino Médio sinalizam mudanças profundas na formação de nossas crianças e adolescentes. Este cenário, muitas vezes incerto, convida pais e professores, preocupados em transmitir valores perenes, a se prepararem cada vez melhor para o mister de ensinar e a contraporem as ideologias antinaturais que se ocultam de múltiplas maneiras, em especial nos materiais didáticos.

Podem recorrer os educadores com segurança à obra “De magistro” de Santo Tomás de Aquino que, apesar dos seus séculos de existência, não foi até hoje superada em questões de filosofia da educação por quaisquer outras teorias, inclusive de inspiração evolucionista. Portanto, o presente livro se harmoniza, sem percalços, às necessidades de nosso contexto, como se verifica nos comentários elaborados pelos autores.

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Filosofia da Educação. Dom Antônio Maria Alves de Siqueira. Editora Vozes, 1948 e Calvariae Editorial, 2021

Sinopse: De fato, educar é transmitir espiritualmente a própria personalidade, em todo o seu complemento, não somente no que respeita aos conhecimentos especulativos, senão também e maximamente no que interessa ao procedimento moral e princípios de ação. Como transmitir o que se não possui? Aprender, portanto, antes de ensinar. "Há de ser péssimo mestre o que nunca aprendeu a ser discípulo. Miserum est enim eum fore magistrum qui nunquam se novit esse discipulum". Formar-se a si próprio, antes de formar os outros.

"Nada poderá substituir a séria reflexão sobre as operações da própria alma; este é o estudo que leva ao conhecimento exato dos homens".

"É erro profundo, ensina Spalding, crer que princípios, regras e métodos constituem o principal em matéria de educação. O professor vale o que vale o homem".

E, portanto, "teacher, educate thyself".

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A Educação Segundo a Filosofia PereneAntônio Donato Paulo Rosa. Disponível pelo link.

Sinopse: Vamos esboçar um plano a ser seguido, dividido em dez capítulos:

No primeiro capítulo, do qual estas linhas já fazem parte, fazemos uma introdução e um apanhado de notas biográficas sobre a vida e a obra de S. Tomás de Aquino.

No segundo capítulo, com base no Comentário ao Livro X da Ética, mostraremos como o fim do homem é a felicidade e como esta felicidade, não considerando os dados da Revelação, reside na contemplação; mostraremos, em seguida, a concepção de educação que daí se origina.

No terceiro capítulo, examinaremos os pressupostos históricos desta concepção de educação cuja finalidade última é a contemplação.

No quarto capítulo, examinaremos os pressupostos psicológicos que fundamentam esta forma de educação.

No quinto e sexto capítulos trataremos a respeito dos requisitos pedagógicos imediatos para a contemplação.

No sétimo capítulo trataremos dos requisitos pedagógicos remotos para a contemplação.

No oitavo capítulo abordaremos os pressupostos metafísicos desta concepção de educação.

No nono capítulo passaremos aos pressupostos políticos da educação para a contemplação.

Finalmente, no décimo capítulo, a que denominaremos de Perspectiva Teológica, fugiremos à metodologia que terá sido seguida em todo este trabalho e apontaremos sumariamente que modificações trariam ao quadro precedente da educação os textos teológicos de S. Tomás de Aquino. De fato, o pensamento completo de S. Tomás de Aquino só poderia ser exposto levando-se em conta seus trabalhos considerados teológicos, não apenas naquilo que eles contém de filosófico, mas também naquilo que contém de propriamente teológico. Tal como no pensamento filosófico, o pensamento teológico de S. Tomás de Aquino contém muito do que há de melhor em todos os teólogos que o precederam; uma exposição completa do assunto, porém, ultrapassaria os objetivos do presente trabalho, de modo que nos restringiremos a apontar diretivas gerais com o fim de uma melhor compreensão dos limites do presente trabalho.

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A idéia de verdade e a educaçãoRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1978 e Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Ruy Afonso da Costa Nunes nos apresenta neste livro um estudo a respeito das concepções de verdade de vários autores da Antigüidade, da Idade Moderna e Contemporânea, guiando-nos de maneira clara e didática numa visão geral sobre o tema, enriquecida pela quantidade e pela precisão de suas pesquisas, sem poupar a crítica e a ironia para com alguns filósofos. Em seguida, correlaciona a verdade e a educação, mostrando a importância dessa idéia e suas decorrências na prática cotidiana do ensino.

“A qualidade fundamental de quem filosofa é a fidelidade ao real, sob pena do recalcitrante se tornar vítima de alucina­ções intelectuais e de veros absurdos. Por isso, quando um pensador timbra em não reafirmar uma tese porque ela já foi exposta ou defendida por outrem, arrisca-se a defender freqüentemente uma tolice monumental só pelo prazer de estar a dizer algo de novo e, portanto, de ser original. Foi só devido a essa mania de originalidade que certos autores ousaram contestar a noção clássica de verdade que na prática, na convivência com outras pessoas e nos próprios estudos pessoais, eles conti­nuam implicitamente a admitir”.

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Pequena História da Educação. Ruy de Ayres Bello. Editora do Brasil, 1945 e Edições Liceu, 2020

Sinopse: “É a educação um fato social tão antigo quanto o próprio homem, devendo ter sido praticada desde que apareceu na Terra a primeira família humana. Coincide, assim, o início da História da Educação com o da História da Humanidade. Desse modo, para remontarmos às origens históricas da atividade educativa, teremos de estudá-la a partir de sua forma mais simples, por assim dizer, embrionária, tal como teria sido praticada entre os povos primitivos.”

— A educação primitiva

“Sócrates não foi, rigorosamente, um educador. Não foi um profissional do ensino, como os sofistas, nem chegou a fundar uma escola, como fizeram, em geral, os outros filósofos gregos. Tampouco, pretendeu formular uma doutrina educativa ou um sistema pedagógico. Entretanto, se tomarmos a palavra educador no seu sentido mais amplo, para qualificar o homem que intencionalmente consagra a sua atividade ao bem espiritual de seus semelhantes, mesmo que não exerça de maneira sistemática e formal a atividade docente, ninguém mais do que o grande filósofo merece esse título, pois toda a sua vida foi consagrada a esse ideal.”

— A educação na Grécia

“A história da educação no Brasil começa com o ato de D. João III determinando a vinda dos padres jesuítas para a catequese dos primitivos habitantes do país. Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil com o governador Tomé de Sousa, em 1549, tendo como superior o padre Manuel da Nóbrega. Foram eles os padres Leonardo Nunes, Antônio Pires, João Aspicuelta Navarro e os noviços Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. Em 1550 vieram os padres Afonso Brás, Francisco Pires, Salvador Rodrigues e Manuel Paiva. Com esses novos elementos, pôde o padre Nóbrega fundar a primeira escola jesuíta do Brasil, um orfanato, localizado na Bahia e que se denominou de Colégio dos Meninos de Jesus. A este se seguiu, em 1553, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente.”

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Filosofia PedagógicaRuy de Ayres Bello. Editora Globo, 1946 e Edições Liceu, 2021

Sinopse: A Ciência é um conhecimento certo pelas causas. Cognitivo certa per causa, diziam os antigos. Também a Filosofia é um conhecimento certo pelas causas, e nisto participa da mesma natureza da Ciência. Mas, enquanto a Ciência só procura atingir a causas próximas dos fatos que estuda, a Filosofia tem como objeto as causas universais, isto é, causas primeiras desses fatos. Por isso é que se define a Filosofia como "o conhecimento natural que considera as causas primeiras ou as razões mais elevadas de todas as coisas."

Vê-se, assim, que a Filosofia, tendo o mesmo objeto material da Ciência, o mundo, o homem e Deus, o considera de um ponto de vista formalmente diverso. Exemplificando: a alma humana é objeto material, tanto da Psicologia Experimental como da Psicologia Racional, que é uma parte da Filosofia. Mas, enquanto o objeto formal da Psicologia Experimental são, apenas, os fenômenos psíquicos e suas causas imediatas, a Psicologia Racional investiga as causas primeiras desses fenômenos, as suas razões mais altas, chegando, assim, à própria essência da alma. Outra exemplo: os corpos físicos são o objeto assim da Física, como da Filosofia, mas, enquanto a Física se limitará ao estudo das propriedades dos corpos e das leis que regem os fenômenos que neles se manifestam, ligando os fatos sensíveis pelas suas dependências e causalidades, a Filosofia procura descobrir, através desses fenômenos, a própria essência dos corpos, com o que atingirá a razão mais alta dos fenômenos observados. 

É que a Ciência só pode ir do visível ao visível, enquanto a Filosofia parte do visível para o invisível, pois que o seu objeto formal próprio se situa além do mundo dos fenômenos e da experiência sensível. Noutras palavras: a Ciência se limita ao domínio do que pode ser observado pelos sentidos, ao passo que a Filosofia se orienta para o conhecimento dos princípios que, por sua natureza mesma, escapam à percepção dos sentidos. 

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A Crise da Educação OcidentalChristopher Dawson. Editora É Realizações, 2020.

Sinopse: Em A Crise da Educação Ocidental, Christopher Dawson analisa os ideais pedagógicos da história do Ocidente, delineando as origens dos problemas enfrentados pelos sistemas educacionais modernos. Ele defende que o abandono do antigo ideal humanista teve como resultado a educação de caráter utilitário que temos atualmente, no qual o aluno deve aprender apenas o que é útil à sociedade e ao mercado de trabalho. Segundo Dawson, o papel da educação foi decisivo no desenvolvimento da cultura do Ocidente, quando as artes liberais, que remontam às tradições greco-latinas, tiveram grande destaque na época do surgimento da universidade. Porém, na era moderna, especialmente no Iluminismo, ocorreu o abandono completo da cultura clássica para se estabelecer o ensino técnico-científico. Para Dawson é necessário restabelecer uma visão mais abrangente da educação, retornando às raízes culturais que formaram a cultura ocidental.

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O Problema da Educação Brasileira. Cláudio Titericz. Editora ISA, 2022.

Sinopse: "Verifiquei que o ensino atual, centralizado e voltado exclusivamente para a economia, o qual muitos ainda pensam tratar-se de educação, considera os estudantes como seres humanos incompletos que têm uma finalidade muito diferente daquela dos gregos, dos cristãos ou da escola clássica. E uma pergunta me veio ao finalizar este estudo: será que temos uma saída para resgatar este ser humano e elevá-lo ao patamar que sua dignidade merece? este livro traz uma síntese de como responder esta questão, além de pretender introduzir o leitor no mundo da educação".




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O Método Educativo de Dom Bosco. Mario Casotti. Editora IVE, 2022.

Sinopse: Não estamos diante uma pedagogia otimista ingênua, mas fundada em um realismo antropológico e teológico que considera o homem em sua integralidade horizontal e vertical; horizontal porque leva em conta todos os aspectos do ser natural: sensibilidade, inteligência, vontade, afetos etc. Vertical porque esse mesmo homem também tem uma dimensão que olha para cima, para o sobrenatural: uma pedagogia que integra fé e razão unidas pelo amor.

Esperamos que este livro possa ser um fermento de renovação para a pedagogia no Brasil; uma alternativa às teorias pedagógicas materialistas e imanentistas hoje imperantes em nosso sistema educacional. Em particular, fazemos votos para que o presente livro seja útil a todos aqueles interessados em conhecer as práticas e os princípios de uma autêntica pedagogia católica.

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A Pedagogia de Santo Tomás de AquinoMario Casotti. Editora IVE, 2022.

Sinopse: O que há de mais vazio e superficial nas recentíssimas teorias pedagógicas, aquele contínuo encher a boca de palavras vãs e imprecisas, aquela conversa sem sentido de autoeducação, de liberdade, de “criação”, aquele ingênuo otimismo naturalista, que faz do aluno e da criança um semideus , encontrava já em Santo Tomás o crítico mais categórico e radical que se poderia desejar.

A pedagogia de Santo Tomás não foi estudada por nós com uma intenção arqueológica, diríamos, como para descobrir e exibir um monumento digno de um passado glorioso, mas para mostrar os numerosos e atualíssimos problemas que um pensamento eternamente jovem, próprio da juventude imortal da verdade, levanta quando é reconsiderado em relação às novas necessidades do espírito moderno.


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Desconstruindo Paulo FreireThomas Giulliano (Org.). Editora ‏História Expressa, 2020.

Sinopse: Há três anos era lançado o “Desconstruindo Paulo Freire”. Após esse tempo, considerei necessário acrescentar novos textos nessa discussão teórica em torno do pedagogo mais conhecido de nosso país. Sintetizo essa necessidade como uma inquietação intelectual de querer materializar em um livro as novas pesquisas que realizei acerca da pedagogia de Paulo Freire. Na época em que pela primeira vez me deparei com os escritos de Paulo Freire, ainda não tinha o entendimento de sua repercussão. Ao longo desses anos de estudos, entendi que muitos que o criticam estão certos, mesmo desconhecendo o porquê. Gradativamente, percebi, leitura a leitura, que Paulo Freire é a personificação de que o nosso contemporâneo vive uma realidade paralela dos sentidos. Também descobri que as análises acerca da pedagogia freireana descoladas de uma massa amestrada ocupam a condição de demanda intelectualmente reprimida. Pertence a Paulo Freire o título de mentira selecionada que entrou para os anais permanentes das verdades tupiniquins. Em nosso estado de barbárie social, passou a ser tratado como a síntese de uma pluralidade, homem que congrega um conjunto de virtudes singulares, sinônimo de objeto inimputável, intelectual travestido de paladino das massas. Apesar de Paulo Freire ser um autor entediante, ao longo dos últimos meses, entendi que seria insuficiente deixar à disposição dos leitores apenas a versão de estréia do “Desconstruindo Paulo Freire”. Esta nova edição mantém as versões de todos os seus textos inaugurais. Esse método é motivado pela crença historiográfica de que eles são evidências de um tempo com história e representação próprias. Uma vez que o passado existe enquanto realidade temporal, não me agrada mutilar qualquer fonte histórica em busca de uma pretensa evolução investigativa. Prefiro escrever um novo texto a ter que alterar o material passado, independentemente de o escrito ter mais doses de erros ou acertos, pois, pensem comigo, tanto uma retratação quanto um aperfeiçoamento geram um novo texto. Percebam que caso eu mudasse o artigo “O patrono do pau oco”, ou qualquer outro escrito, perderíamos um texto original. Teríamos novos textos, melhores ou piores, mas não seriam os mesmos. Seus períodos de composição passariam a ser suplantados em busca de melhorias que comportam alguns limites. Palavras seriam substituídas, complementos teóricos desenvolvidos. Não considero isso justo com o que realizei editorialmente. Prefiro preservar até as páginas que explicitam a minha inquietude em desconstruir o patrono da educação de meu país logo em minha estreia editorial. Com esse entendimento, os esforços para a composição dos textos originais foram preservados. Como diz o historiador francês Paul Veyne: “O cão que é atropelado neste dia não é aquele que foi atropelado na véspera”. No fim das contas, tentei aprimorar os questionamentos sobre o método de Paulo Freire e a sua forma de conscientizar o aluno. Acredito que consegui.

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O Método Pedagógico Dos Jesuítas: O Ratio StudiorumPadre Leonel Franca. Agir Editora, 1952, Edições Hugo de São Vitor, 2019 e Edições Kírion, 2019.

Sinopse: “No desenvolvimento da educação moderna o Ratio Studiorum ou Plano de Estudos da Companhia de Jesus desempenha um papel cuja importância não é permitido desconhecer ou menosprezar. Historicamente, foi por esse Código de ensino que se pautou a orga­nização e a atividade dos numerosos colégios que a Companhia de Jesus fundou e dirigiu durante cerca de dois séculos, em toda a Terra”.

Neste livro, o padre jesuíta Leonel Franca oferece-nos uma longa introdução ao Plano de Estudos da Companhia, expondo suas fontes e o processo de sua elaboração — pautado sempre na experiência concreta — e explica a sua metodologia de modo a nos revelar o valor permanente da educação jesuíta, voltada para seu elevado ideal. Apresenta-nos, em seguida, sua tradução do texto integral do Ratio Studiorum.

“Estudar um sistema pedagó­gico que tem em seu abono a prova decisiva de uma experiência mul­tissecular não é porventura empreender um trabalho com a segurança dos resultados mais positivos, com a certeza de deparar muitos destes elementos da pedagogia perene que mergulha as suas raízes nas pro­fundezas da própria natureza humana? Quantos problemas agitados pelos educadores modernos encontrariam, talvez, num princípio ou numa sugestão do Ratio, a inspiração bem-vinda de uma solução feliz?”.

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Sobre alguns autores:

Henri-Irénée Marrou (1904–1977) foi um historiador da Antigüidade de currículo extenso e riquíssimo. Sua obra, além de seus títulos principais, se compõe de inúmeros ensaios, monografias, edições críticas e importantes colaborações a outras obras e revistas, como a Esprit de Mounier. Especialista na antigüidade tardia e no cristianismo primitivo, tratou também da filosofia e da teologia da história. Em 1937 defendeu sua tese doutoral Santo Agostinho e o fim da cultura antiga. Antes de se tornar, em 1945, catedrático de história do cristianismo na Sorbonne — onde permaneceu até 1975 —, lecionou nas Universidades do Cairo, de Nancy, Montpellier e Lyon. Foi um dos primeiros colaboradores da coleção de obras patrísticas Sources Chrétiennes, além de ter editado a Patristica Sorbonensia, coleção de trabalhos acadêmicos sobre os Padres da Igreja publicada pela Seuil. Músico amador, publicou artigos de musicologia sob o pseudônimo Henri Davenson.

Ruy Afonso da Costa Nunes nasceu em Sorocaba no dia 13 de maio de 1928. Bacharel e licenciado em filosofia, Doutor em educação e Livre-docente de filosofia e ciências da educação da Faculdade de Educação da USP, foi também catedrático de filosofia do Instituto de Educação Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, professor fundador da antiga Faculdade de Ciências e Letras de Sorocaba, atual UNISO, e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além dos quatro volumes de sua História da Educação — na Antigüidade Cristã (1978), na Idade Média (1979), no Renascimento (1980), e no Século XVII (1981) — publicou A formação intelectual segundo Gilberto de Tournai (1970), Gênese, significado e ensino da filosofia no século XII (1974) e A idéia de verdade e a educação (1978). Faleceu aos 11 de setembro de 2006, com 78 anos de idade, deixando uma imensa e rara biblioteca de aproximadamente 30.000 volumes.

Hugo de São Vitor (1096-1141) nasceu na Saxônia, território que hoje é a Alemanha, mas à época fazia parte do então Sacro Império Romano Germânico. Quando jovem, impelido pela vocação sacerdotal e aconselhado pelo tio, que era bispo, mudou-se para Paris e ingressou no Mosteiro de São Vítor, fundado por Guilherme de Champeaux, ex-professor de Teologia da escola anexa à Catedral de Notre Dame. Posteriormente, foi professor no mesmo mosteiro, assumiu sua direção e organizou a estrutura de sua escola de Teologia. Homem de talento, brilhante inteligência, notáveis santidade e vocação para a docência, instituiu uma prática pedagógica que conduzia à contemplação através da boa leitura, do diligente estudo e da meditação, e cuja finalidade era a santintificação e a perfeita preparação para o magistério.

Sua obra é extensa e uma das mais importantes de toda a história da educação, e compõe-se de tratados como o Didascalicon, sobre a leitura (provavelmente seu primeiro escrito), o Tratado dos Três Dias, muitos opúsculos – dentre os quais o conhecido Opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar –, comentários a livros bíblicos e a primeira Suma Teológica de toda a tradição cristã, Os Mistérios da Fé Cristã (ou, De Sacramentis Fidei Christianæ).

Pe. Leonel Edgard da Silveira Franca, S.J. (1893–1948) nasceu em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Fez os primeiros estudos no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, onde viria mais tarde a lecionar. Ingressou na Companhia de Jesus em 1908, e em 1910 iniciou o curso de letras próprio da formação dos jesuítas. Foi para Roma em 1912 para cursar o triênio de filosofia, na Universidade Gregoriana, e voltou para o Rio em 1915 exercer o magistério no Colégio Santo Inácio. Como um prolongamento de suas aulas desta época, publicou seu primeiro e famoso livro Noções de história da filosofia. Tornou a Roma em 1920 para cursar os quatro anos de teologia, sendo ordenado sacerdote em 1923, mesmo ano em que publicou A Igreja, a Reforma e a Civilização. Em 1924 doutorou-se em filosofia e teologia, e no ano seguinte completou a formação jesuítica em Oya, na Espanha. Estabeleceu-se definitivamente no Rio de Janeiro em 1927, onde publicou vários de seus livros, como A crise do mundo moderno e A psicologia da fé. Em 1931 foi um dos fundadores do Conselho Nacional de Educação. Em 1939 foi encarregado de criar a primeira universidade católica do Brasil, a PUC-Rio, da qual foi o Reitor até sua morte.

Christopher Dawson. Compreendendo uma coleção de ensaios e escritos que percorrem quatro décadas de uma brilhante carreira intelectual, Dinâmicas da História do Mundo se apresenta como uma obra que engloba o melhor de um dos maiores filósofos da história do século XX, o galês Christopher Dawson.

Embora seja praticamente desconhecido do público brasileiro, esse historiador, nascido no final do século XIX, foi um dos intelectuais mais completos de sua época, pois conseguia transitar com rara facilidade e sólida competência por entre quase todos os domínios das ciências humanas, abraçando os campos da sociologia, da antropologia, da filosofia e da teologia. Reconhecido por muitos, tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha, como uma das maiores autoridades na área de história da cultura ocidental, durante todo o seu período de gestação e consolidação na Idade Média e no Renascimento, Christopher Dawson deixará o leitor brasileiro surpreso com a profundidade com que desenvolve suas análises históricas, as quais nos revelam os mais preciosos tesouros das culturas, das civilizações e do papel do homem em suas constituições.

O pensamento histórico desse grande intelectual, como o próprio título da obra indica, se assenta em uma concepção singularmente dinâmica dos processos históricos, os quais estão em ininterrupto diálogo com forças espirituais e materiais, as quais por sua vez, ao se encontrarem temporal e espacialmente no homem, manifestam a própria história. Escritos ao longo de décadas extremamente difíceis e turbulentas para a Europa – entre 1920 e 1950 –, os ensaios de Dawson ainda possuem uma enorme atualidade para todos aqueles que se preocupam em salvaguardar as conquistas mais valiosas de nossa civilização contra os ataques das forças totalitárias que usam a impessoalidade das massas para usurpar a liberdade do indivíduo humano. Embora tenha sido convidado pela Universidade de Edimburgo, em 1946, para proferir as prestigiadas Palestras Gifford, além de ter assumido, em 1958, uma cátedra como professor de estudos católicos romanos em Harvard, Christopher Dawson sempre viveu fora do circuito acadêmico, participando como articulista, idealizador e editor de uma série de revistas e periódicos de cultura, os quais tinham o intuito de revitalizar o vigor espiritual da civilização ocidental, afastando-a dos perigos e das seduções das ideologias totalizadoras da modernidade.

Dawson escreveu mais de vinte livros e muitas dezenas de artigos e ensaios para revistas especializadas em história, sociologia, cultura e religião. Em Dinâmicas da História do Mundo o leitor encontrará, em escritos selecionados e organicamente articulados, uma trajetória completa da obra e do pensamento de Dawson, o qual nos apresenta uma visão espiritual abrangente e profunda sobre o homem e suas realizações culturais mais significativas. O leitor brasileiro terá a oportunidade única de vislumbrar o legado absolutamente valioso que a civilização, da qual ele faz parte, nos deixou (Maurício G. Righi).

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