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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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As Artes Liberais do Trivium e do Quadrivium

Sete virtudes e sete artes liberais, Francesco Pesellino, 1450

Trecho extraído do livro "O Trivium - As artes liberais da lógica, da gramática e da retórica" da Irmã Miriam Joseph. Editora É Realizações, 2008. Pág 27-36.

As artes liberais denotam os sete ramos do conhecimento que iniciam o jovem numa vida de aprendizagem. O conceito é do período clássico, mas a expressão e a divisão das artes em trivium e quadrivium datam da Idade Média.

O trivium e o quadrivium

O trivium [1] inclui aqueles aspectos das artes liberais pertinentes à mente, e o quadrivium, aqueles aspectos das artes liberais pertinentes à matéria. Lógica, gramática e retórica constituem o trivium; aritmética, música, geometria e astronomia constituem o quadrivium. A lógica é a arte de pensar; a gramática, a arte de inventar símbolos e combiná-los para expressar pensamento; e a retórica, a arte de comunicar pensamento de uma mente a outra, ou de adaptar a linguagem à circunstância. A aritmética, ou teoria do número, e a música, uma aplicação da teoria do número (a medição de quantidades discretas em movimento), são as artes da quantidade descontínua ou número. A geometria, ou teoria do espaço, e a astronomia, uma aplicação da teoria do espaço, são as artes da quantidade contínua ou extensão.

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O trivium: As três artes da linguagem pertinentes à mente

Lógica: arte de pensar
Gramática: arte de inventar e combinar símbolos
Retórica: arte de comunicar

O quadrivium: As quatro artes da quantidade pertinentes à matéria

Quantidade descontínua ou número
Aritmética: teoria do número
Música: aplicação da teoria do número

Quantidade contínua ou extensão
Geometria: teoria do espaço

Astronomia: aplicação da teoria do espaço
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1-1. As sete artes liberais

Essas artes da leitura, da escrita e do cálculo formaram a base tradicional da educação liberal, cada uma constituindo tanto um campo do conhecimento quanto a técnica para adquirir esse conhecimento. O grau de bacharel em artes [2] é conferido àqueles que demonstram a proficiência requerida nessas artes; o grau de mestre em artes, àqueles que demonstram uma proficiência maior que a requerida.

Hoje, como em séculos passados, o domínio das artes liberais é amplamente reconhecido como a melhor preparação para o estudo nas escolas de formação profissional, tais como as de medicina, direito, engenharia ou teologia. Aqueles que primeiro aperfeiçoam suas próprias faculdades através da educação liberal estão, deste modo, mais bem preparados para servir aos outros em sua capacidade profissional.

As sete artes liberais diferem essencialmente das muitas artes ou ofícios utilitários (tais como carpintaria, alvenaria, vendas, impressão, edição, serviços bancários, direito, medicina, ou o cuidado das almas) e das sete belas-artes (arquitetura, música instrumental, escultura, pintura, literatura, teatro e dança), pois tanto as artes utilitárias como as belas-artes são atividades transitivas, enquanto a característica essencial das artes liberais é que elas são atividades imanentes ou intransitivas.

O artista utilitário produz utilidades que atendem às necessidades do homem; o artista de uma das belas-artes, se for de superlativa categoria, produz uma obra que é “algo de belo e uma alegria para sempre” [3] e que tem o poder de elevar o espírito humano. No exercício tanto das artes utilitárias quanto das belas-artes, ainda que a ação comece no agente, ela sai do agente e termina no objeto produzido, tendo normalmente um valor comercial; portanto, o artista é pago pelo trabalho ou obra. No exercício das artes liberais, todavia, a ação começa no agente e termina no agente, que é aperfeiçoado pela ação; consequentemente, o artista liberal, longe de ser pago por seu trabalho árduo – do qual, aliás, é o único a receber todo o benefício –, com frequência paga a um professor para que este lhe dê a instrução e o guiamento necessários na prática das artes liberais.
O caráter intransitivo das artes liberais poderá ser entendido melhor a partir da analogia a seguir.

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ANALOGIA: O caráter intransitivo das artes liberais

O carpinteiro aplaina a madeira.

A rosa floresce.

A ação de um verbo transitivo (como aplaina) começa no agente, mas “cruza” e termina no objeto (a madeira). A ação de um verbo intransitivo (como floresce) começa no agente e termina no agente (a rosa, que se aperfeiçoa por florescer).
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Classes de bens

As três classes de bens – valiosos, úteis e aprazíveis – ilustram o mesmo tipo de distinção que existe entre as artes.

Bens valiosos são aqueles que são desejados não apenas por sua própria causa, mas também porque aumentam o valor intrínseco de quem os possuir. Por exemplo: conhecimento, virtude e saúde são bens valiosos.

Bens úteis são aqueles que são desejados porque permitem que alguém adquira bens valiosos. Por exemplo: alimento, remédio, dinheiro, ferramentas e livros são bens úteis.

Bens aprazíveis são aqueles que são desejados por si mesmos em função da satisfação que dão a quem os possuir. Por exemplo: felicidade, uma reputação honrada, prestígio social, flores e comida saborosa são bens aprazíveis. Eles nada acrescentam ao valor intrínseco do possuidor nem são desejados como meios, ainda que possam estar associados a bens valiosos ou úteis. Por exemplo, o conhecimento, que acrescenta valor, pode ao mesmo tempo ser prazeroso; sorvete, que é um alimento nutritivo e, portanto, promove a saúde, é, ao mesmo tempo, agradável.

As artes utilitárias, ou servis, permitem que alguém seja um servidor – de outra pessoa, do Estado, de uma corporação, de uma profissão – e que ganhe a vida. As artes liberais, em contraste, ensinam a viver; treinam as faculdades e as aperfeiçoam; permitem a uma pessoa elevar-se acima de seu ambiente material para viver uma vida intelectual, uma vida racional e, portanto, uma vida livre para adquirir a verdade. Jesus Cristo disse: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8,32).

O novo lema do Saint John’s College, em Annapolis, Maryland, expressa o propósito de uma escola de artes liberais através de um interessante jogo com a etimologia da palavra liberal: “Facio liberos ex liberislibris libraque”. “Transformo crianças em homens livres por meio de livros e comparações” [experimentos em laboratório].

Ciência e arte

Cada uma das artes liberais é, a um só tempo, uma ciência e uma arte, no sentido de que em cada campo há algo a conhecer (ciência) e algo a fazer (arte). Uma arte pode ser empregada com sucesso antes que se tenha um conhecimento formal de seus preceitos. Por exemplo: uma criança de três anos pode fazer uso de gramática correta ainda que nada saiba de gramática formal. De maneira análoga, a lógica e a retórica podem ser usadas eficazmente por quem não conheça os preceitos teóricos dessas artes. Todavia, é desejável e satisfatório adquirir um conhecimento claro dos preceitos e saber por que certas formas de expressão ou de pensamento estão certas ou erradas.

O trivium é o órgão, ou instrumento, de toda educação em todos os níveis, porque as artes da lógica, da gramática e da retórica são as artes da comunicação mesma, uma vez que governam os meios de comunicar – a saber: leitura, redação, fala e audição. O pensamento é inerente a essas quatro atividades. A leitura e a audição, por exemplo, apesar de relativamente passivas, envolvem pensamento ativo, pois concordamos ou discordamos daquilo que lemos ou ouvimos.

O trivium é usado essencialmente quando exercitado na leitura e na composição. Foi exercitado sistemática e intensivamente na leitura dos clássicos latinos e na composição de prosa e versos latinos pelos garotos nas grammar schools [4] da Inglaterra e do continente europeu durante o século XVI. Este foi o treinamento que formou os hábitos intelectuais de Shakespeare e de outros autores da Renascença [5]. O resultado de tal treinamento transparece em suas obras [6]. O trivium era básico também no currículo do período clássico, na Idade Média e na pós-Renascença.

Na gramática grega de Dionísio da Trácia (circa 166 a.C.), o mais antigo livro de gramática [7] existente e a base para os textos gramaticais durante pelo menos treze séculos, a gramática é definida de uma maneira tão abrangente que inclui versificação, retórica e crítica literária.

A gramática é um conhecimento experimental dos modos de escrever nas formas geralmente correntes entre poetas e prosadores de uma língua. Está dividida em seis partes: (1) leitura instruída, com a devida atenção à prosódia [versificação]; (2) exposição, de acordo com figuras poéticas [retórica]; (3) apresentação das peculiaridades dialéticas e de alusões; (4) revelação das etimologias; (5) relato cuidadoso das analogias; (6) crítica das obras poéticas, que é a parte mais nobre da arte gramatical.

Uma vez que a comunicação envolve o exercício simultâneo da lógica, da gramática e da retórica, estas artes são as artes fundamentais da educação: ensinar e ser ensinado. Consequentemente, devem ser praticadas simultaneamente pelo professor e pelo aluno. O aluno deve cooperar com o professor; deve ser ativo e não passivo. O professor pode estar presente direta ou indiretamente. Quando alguém estuda através de um livro, o autor é um professor presente indiretamente. A comunicação, de acordo com a etimologia da palavra, resulta em algo que é possuído em comum; é uma unicidade compartilhada. A comunicação tem lugar somente quando duas mentes realmente se encontram. Se o leitor – ou o ouvinte – recebe as mesmas ideias que o escritor – ou o emissor – desejava transmitir, ele as entende (ainda que delas possa discordar); se não recebe ideia alguma, nada entende; se recebe ideias diferentes, entende mal. Os mesmos princípios da lógica, da gramática e da retórica guiam o escritor, o leitor, o emissor e o ouvinte.

A educação liberal

A educação é a mais nobre das artes no sentido de que impõe formas (ideias e ideais) não sobre a matéria, como fazem outras artes (por exemplo, a carpintaria e a escultura), mas sobre a mente. Essas formas não são recebidas passivamente pelo estudante, mas sim através da cooperação ativa. Na verdadeira educação liberal, e segundo Newman [8], a atividade essencial do estudante é relacionar os fatos aprendidos num todo unificado e orgânico, assimilando-os tal como um corpo assimila alimento, ou, ainda, como a rosa assimila nutrientes do solo e daí cresce em tamanho, vitalidade e beleza. Um aprendiz deve usar algo como colchetes mentais, com os quais ligue os fatos entre si de modo a formar um todo significativo. Isso torna o aprendizado mais fácil, mais interessante e muito mais valioso. O acúmulo de fatos é mera informação e não merece ser chamado educação, pois sobrecarrega a mente e a estultifica, em vez de desenvolvê-la, iluminá-la e aperfeiçoá-la. Mesmo quando alguém esquece muitos dos fatos que uma vez aprendeu e relacionou, a sua mente retém o vigor e o aperfeiçoamento que obteve ao neles se exercitar. Porém a mente faz isso somente porque lida com fatos e ideias. Ademais, é muito mais fácil lembrar ideias associadas do que ideias sem conexão.

Cada uma das artes liberais veio a ser entendida não no sentido restrito de uma disciplina em separado, mas mais propriamente no sentido de um grupo de disciplinas relacionadas. O trivium, em si mesmo uma ferramenta ou uma habilidade, ficou associado às suas matérias de estudo mais apropriadas – línguas, oratória, literatura, história e filosofia. O quadrivium compreende não apenas a matemática, mas muitos ramos da ciência. A teoria do número inclui não apenas a aritmética, mas também álgebra, cálculo, teoria das equações e outros ramos da matemática superior. As aplicações da teoria do número incluem não só a música (aqui entendida como princípios musicais, tais como a harmonia, que constituem a arte liberal da música, a qual deve ser distinguida da música instrumental aplicada, que é uma das belas-artes), mas também a física, muito da química e de outras formas de medição científica de quantidades descontínuas. A teoria do espaço inclui geometria analítica e trigonometria. As aplicações da teoria do espaço incluem princípios da arquitetura, da geografia, da agrimensura e da engenharia.

Ler, escrever e contar constituem o cerne não apenas da educação elementar, mas também da educação superior. A competência no uso da linguagem e a competência em lidar com abstrações, particularmente as quantidades matemáticas, são consideradas como os mais confiáveis índices do calibre intelectual de um estudante. Consequentemente, criaram-se testes para medir essas competências, de modo que programas de orientação educacional e vocacional em instituições de ensino superior [9] e nas forças armadas se baseiam nos resultados de tais testes.

As três artes da linguagem proveem disciplina à mente, uma vez que esta encontra expressão na linguagem. As quatro artes da quantidade proveem meios para o estudo da matéria – mais precisamente, extensão –, visto que essa é a característica notável da matéria. (A extensão é uma característica apenas da matéria, enquanto o número é característica tanto da matéria quanto do espírito). A função do trivium é treinar a mente para o estudo da matéria e do espírito, que juntos constituem a substância da realidade. O fruto da educação é a cultura, que Matthew Arnold [10] definiu como “O conhecimento de nós mesmos [mente] e do mundo [matéria]”. Na “doçura e iluminação” da cultura cristã, que acrescenta a inteligência de Deus e a de outros espíritos ao conhecimento do mundo e de nós mesmos, tornamo-nos verdadeiramente aptos a “Ver a vida resolutamente; a vê-la por inteiro” [11].

AS ARTES DA LINGUAGEM

As artes da linguagem e a realidade

As três artes da linguagem podem ser definidas conforme se relacionam com a realidade e entre si. A metafísica ou ontologia [12], a ciência do ser, trata da realidade, da coisa tal como ela existe. A lógica, a gramática e a retórica têm as seguintes relações com a realidade.

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A lógica trata da coisa tal como ela é conhecida.

A gramática trata da coisa tal como ela é simbolizada.

A retórica trata da coisa tal como ela é comunicada.
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1-2. Linguagem e realidade

ILUSTRAÇÃO: Relação entre a metafísica e as artes da linguagem

A descoberta do planeta Plutão, em 1930, ilustra a relação entre a metafísica e as artes da linguagem. O planeta Plutão já era uma entidade real, percorrendo a sua órbita em torno do Sol havia muitos e muitos milênios, por nós desconhecido e, portanto, sem nome. A sua descoberta em 1930 não o criou; porém, ao ser descoberto, tornou-se uma entidade lógica. Quando lhe foi dado o nome Plutão, tornou-se uma entidade gramatical. Quando, por seu nome, o conhecimento dessa entidade foi comunicado a outros através da palavra falada e escrita, o planeta Plutão tornou-se então uma entidade retórica [13].

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A retórica é a arte mestra do trivium [14], pois pressupõe e faz uso da gramática e da lógica; é a arte de comunicar através de símbolos as ideias relativas à realidade.

Comparação de materiais, funções e normas das artes da linguagem

As artes da linguagem conduzem o orador, o escritor, o ouvinte e o leitor ao uso correto e eficaz da linguagem. A fonética e a ortografia, que estão associadas à arte da gramática, são aqui incluídas para demonstrar sua relação com as outras artes da linguagem no que concerne a materiais, funções e normas.

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Fonética: prescreve como combinar sons de modo a formar corretamente as palavras faladas.

Ortografia: prescreve como combinar letras de modo a formar corretamente as palavras escritas.

Gramática: prescreve como combinar palavras de modo a formar corretamente as frases.

Retórica: prescreve como combinar frases em parágrafos e estes numa composição completa, que apresente unidade, coerência e a ênfase desejada, bem como clareza, vigor e beleza.

Lógica: prescreve como combinar conceitos em juízos e estes em silogismos e cadeias de raciocínio de
modo a obter a verdade.
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1-3. As artes da linguagem: seus materiais e funções


Uma vez que a retórica almeja mais a eficácia do que a correção, lida não apenas com o parágrafo e com a composição completa, mas também com a palavra e a frase, pois prescreve que a dicção seja clara e apropriada; que as frases sejam variadas na estrutura e no ritmo. A retórica reconhece vários níveis de discurso, tais como o letrado ou literário (donzela, corcel), o comum (moça, cavalo), o iletrado (mulezinha) [15], o da gíria ou o regionalismo (cabrita, pangaré) e o técnico (Homo sapiens, Equus caballus), cada um com o seu uso apropriado. A adaptação da linguagem às circunstâncias, que é a função mesma da retórica, requer a escolha de certo estilo e dicção própria quando alguém fala a adultos, de outro estilo ao apresentar ideias científicas ao público em geral e de outro ainda quando essas ideias são apresentadas a um grupo de cientistas. Visto que a retórica é a arte mestra do trivium, pode até mesmo dar-se ao luxo de usar gramática ou lógica incorretas para efeito de caracterização de um personagem iletrado ou estúpido em uma narrativa qualquer.

Tanto quanto a retórica é a arte mestra do trivium, a lógica é a arte das artes porque dirige o ato mesmo de raciocinar, o qual dirige todos os outros atos humanos ao seu fim apropriado através dos meios que
determina.

No prefácio à sua Art of Logic, o poeta Milton observa:

O assunto geral das artes gerais é tanto a razão quanto a palavra. Elas são empregadas no aperfeiçoamento do raciocínio em benefício do bem pensar – como na lógica –, no aperfeiçoamento do modo de falar, em benefício do uso correto das palavras – como na gramática –, ou no uso eficaz das palavras – como na retórica. De todas as artes, a primeira e mais geral é a lógica, seguida da gramática e, por último, da retórica, uma vez que pode haver muito uso da razão sem o falar, mas nenhum uso da palavra sem a razão. Demos o segundo lugar à gramática porque o uso correto da palavra pode ser feito sem adornos; mas dificilmente será possível adorná-lo antes que esteja correto [16].

Considerando que as artes da linguagem são normativas, elas são estudos práticos quando em contraste com os teóricos. Um estudo teórico é aquele que busca apenas conhecer – a astronomia, por exemplo. Nós podemos apenas saber algo a respeito dos corpos celestes. Não podemos influenciar seus movimentos.

Um estudo prático, normativo, é aquele que busca regular, ajustar segundo uma norma ou padrão – a ética, por exemplo. A norma da ética é o bem, e seu propósito é ajustar a conduta humana em conformidade com a bondade.

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A correção é a norma da fonética, da ortografia e da gramática.

A eficácia é a norma da retórica.

A verdade é a norma (ou meta) da lógica. O pensar corretamente é o meio normal de chegar à verdade, que é a conformidade do pensamento com as coisas tais como são – com a realidade.
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O próprio intelecto, no que tange às suas operações, é aperfeiçoado pelas cinco virtudes intelectuais, três teóricas e duas práticas. A compreensão é o captar intuitivo dos princípios primeiros. (Por exemplo, em declarações contraditórias, uma deve ser verdadeira e a outra falsa.) A ciência é o conhecimento das causas mais prováveis (física, matemática, economia, etc.). A sabedoria é o conhecimento das causas fundamentais – a metafísica na ordem natural, a teologia na ordem supernatural. A prudência é o raciocínio reto concernente às ações [17]. A arte é o raciocínio reto concernente à produção [18].

Notas:

[1] Trivium significa o cruzamento e a articulação de três ramos ou caminhos e tem a conotação de um “cruzamento de estradas” acessível a todos (Catholic Encyclopedia, vol. 1, s.v., “The seven liberal arts”). Quadrivium significa o cruzamento de quatro ramos ou caminhos.

[2] A despeito da semelhança com a terminologia brasileira, os graus Bachelor of Arts e Master of Arts não encontram aqui equivalência direta e perfeita. Um BA é diploma obtido num College, que já é instituição de ensino de nível superior. O MA lhe é superior e confere o direito de lecionar. No passado, foi equivalente ao doutorado nos EUA; em algumas áreas e universidades, assim permanece. Todavia, hoje parece consolidar-se uma tendência para distinguir o mestrado como intermediário, antes do Ph.D., seguindo a tradição alemã em lugar da inglesa. (N. T.)

[3] “A thing of beauty and a joy forever” – Adaptado de “Endymion”, de John Keats (1795-1821): “A thing of beauty is a joy forever: / Its loveliness increases: it will never / Pass into nothingness”.

[4] Atualmente, equivale a uma escola secundária que só admite alunos por suas habilidades. Já nos EUA, a grammar-school equivale à escola primária. (N. T.)

[5] Marshall McLuhan trata do assunto, com ênfase em Thomas Nashe (1567-1601), na obra O Trivium Clássico. Trad. Hugo Langone. São Paulo, É Realizações, 2012. (N. E.)

[6] Ver T. W. Baldwin, William Shakespeare’s Small Latine and Lesse Greek. Urbana, The University of Illinois Press, 1944. A expressão “small Latine and lesse Greek” vem do poema de Ben Jonson “To the Memory of My Beloved, The Author, Mr. William Shakespeare”. Ben Jonson (1572-1637) era colega e amigo de Shakespeare.

[7] Elementos do esboço de gramática de Dionísio da Trácia ainda são componentes básicos num currículo de artes da linguagem: figuras de linguagem, uso da alusão, etimologia, analogias e análise literária.

[8] John Henry Newman (1801-1890), autor de The Idea of a University Defined e Apologia pro Vita Sua.

[9] A autora se refere aos Colleges, que são instituições de ensino superior, mas ainda não vocacional ou profissional. (N. T.)

[10] Matthew Arnold (1822-1888), poeta, ensaísta e crítico inglês. A expressão “sweetness and light” [doçura e iluminação] vem do seu ensaio “Culture and Anarchy”.

[11] Matthew Arnold, “To a Friend”.

[12] A Metafísica de Aristóteles deu sequência à sua obra em física. Em grego clássico, meta significa “depois” ou “além”. Na Metafísica, Aristóteles definiu os princípios primeiros no entendimento da realidade. A ontologia é um ramo da metafísica e trata da natureza do ser.

[13] A realidade do planeta Plutão, soubesse alguém ou não de sua existência, pertence ao reino da metafísica. É a descoberta humana que dele foi feita que o traz para o reino da lógica, da gramática e da retórica.

[14] Chamar a retórica de “a arte mestra do trivium” é um lembrete quanto à ambivalência associada ao termo. Durante as pesquisas para a terceira edição do American Heritage Dictionary, os editores indagaram de especialistas no vernáculo se a sentença retórica vazia era redundante. Um terço dos especialistas disse que sim, enquanto a maioria ainda aceitava o sentido tradicional do termo. Em sua obra sobre a retórica, Aristóteles dá esta definição: “A retórica pode ser definida como a faculdade de, em qualquer situação, perceber os meios de persuasão disponíveis” (1.2). Todavia, mesmo na sua Retórica, Aristóteles é obrigado a justificar o seu uso. Ele argumenta que o uso de algo bom para um fim mau não nega a boa qualidade da coisa mesma. “E, se é possível objetar que alguém que faça mau uso de tal poder da palavra pode causar grande dano, então esta é uma acusação que poderia ser feita também contra todas as coisas excelentes, exceto a virtude, e, acima de tudo, contra as coisas mais úteis, tais como a força de vontade, a saúde, a riqueza e a capacidade de comando” (1.1) (Aristóteles, The Rhetoric and the Poetics of Aristotle. Trad. W. Rhys [Rhetoric] e Ingram Bywater [Poetics]. Nova York, The Modern Library, 1984).

[15] No original, o nível iletrado de cavalo é exemplificado por hoss, intraduzível para a língua portuguesa. (N. T.)

[16] John Milton, Artis Logicae. Trad. Allan H. Gilbert. The Works of John Milton. Nova York, Columbia University Press, 1935, v. 2, p. 17.

[17] Aristóteles diz: “A ação [práxis] é diferente da produção [poíesis]. A arte é uma capacidade de produzir com raciocínio reto. É produção e não ação. A carência de arte é uma disposição acompanhada de falso raciocínio.” In: Ética a Nicômaco, 1140a.

[18] O Trivium oferece uma precisão no modo de pensar que frequentemente se reflete no uso de categorias. Neste aspecto, a irmã Miriam Joseph segue Aristóteles, cujos escritos dão forma a O Trivium. Categorias é uma das obras de Aristóteles que apresentam a sua teoria da lógica.


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O modelo de Educação Jesuíta

Santo Inácio de Loyola
Fundador do Jesuítas

Analisando os últimos 400 anos em que os jesuítas estiveram engajados na educação, é evidente que eles estiveram na linha de frente, um fato universalmente admitido por amigos e inimigos. Há um livro que relembra uma conferência proferida no final do século XIX pelo presidente de uma prestigiosa universidade não católica chamada The Jesuit and Puritan Systems Compared (Os sistemas jesuítas e puritanos comparados). É um constante e violento ataque à fé católica e aos jesuítas, mas mesmo assim foi admitido pelo antagonista – eis por que, imagina-se, nos séculos XVII e XVIII, os jesuítas eram acusados de bruxaria e magia – que ele não podia argumentar que os jesuítas estavam fazendo algo incrível, que estavam ensinando e educando e liderando, e influenciando a sociedade através de sua educação.

Santo Inácio estava tentando formar uma tropa de choque para o papado, um grupo de homens pequeno, móvel e bem-educado que tinha mobilidade – eles não seriam amarrados nem por deveres paroquiais nem educacionais. Quando o papa precisava deles em algum lugar, eles deveriam ser enviados. Era isso que Santo Inácio tinha em mente ao fundar a Companhia de Jesus. No entanto, sendo um santo, ele propôs e, em seguida, Deus dispôs.

E o que aconteceu muito rapidamente, mesmo na vida de Santo Inácio, foi a sua percepção de que o caminho para defender a fé é através da educação. Há um desenvolvimento orgânico, certamente com os jesuítas e também conosco, da necessidade de nosso envolvimento na educação. Não há mais vocações provenientes dos lugares onde poderíamos esperar no passado, devido às condições religiosas e sociais de hoje. Estamos reconhecendo o fato de que, para cumprirmos os nossos objetivos precisamos, então, nos tornar muito sérios sobre educação e lidar adequadamente com nossas escolas.

No excelente livro The Jesuits and Education, Pe. William J. McGucken, S.J, diz:

Quase contra sua vontade, Santo Inácio e seus seguidores passaram a ver o poder da educação. Isso não seria uma cura para a heresia, mas um preventivo disso. Para salvar o sul da Alemanha para a Igreja, era necessário um gênio como Pedro Canísio, e até mesmo seus heroicos esforços eram impotentes para remediar todos os estragos causados pela heresia e pelos prelados do mundo. Mas uma vez que você tenha o controle da juventude, treine-os em princípios corretos, comunique a eles, ao mesmo tempo, uma educação igual ou superior a qualquer um na Europa, e todo o mundo será salvo para a Igreja (p.9).

Uma vez que Santo Inácio percebe que Deus dispõe a ele para entrar na educação, ele o faz, e então você tem esse grande sistema educacional dos jesuítas, que se desenvolverá até sua desintegração nos últimos tempos.

Antes de entrar realmente nos objetivos da metodologia jesuíta, precisamos primeiro nos familiarizar com a Ratio Studiorum, o manual jesuíta de educação.

Os jesuítas não começaram a estabelecer escolas seculares, isto é, matricular estudantes que não pretendiam entrar em sua ordem como religiosos. Eles chegaram a ver a necessidade de ter tais escolas, no entanto, como um desenvolvimento lógico e natural do seu propósito. Sua grande conquista pode ser medida recordando as condições sociais do tempo que foram culminadas pela destruição, implosão e corrosão do sistema universitário. A maioria das universidades da época eram canteiros de heresia. Um remédio tinha que ser encontrado. Santo Inácio não estava prestes a levar seus jovens e enviá-los a essas universidades para serem treinados. Ele percebeu que tinha que fazer a educação ele mesmo. Este foi um espelho do início do sistema educacional jesuíta.

A meta histórica dos jesuítas era dar ordem, hierarquia, estrutura, unidade e metodologia à educação. Este é o seu grande legado, e aprender com isso é algo extremamente benéfico para nós no campo da educação.

Eles começaram a fundar faculdades. Havia uma faculdade em Goa; São Francisco Xavier começou a colocar pessoas naquela faculdade e treinou jesuítas para começar a ensinar. São Francisco Bórgia fez o mesmo na Espanha. Então, em 1551, Santo Inácio decidiu fundar o Colégio Romano. Uma vez decidido, ele determinou que seria o melhor do mundo, um modelo de todos os modelos. Ele não poupou esforços nem gastos para torná-la a maior de todas as universidades do seu tempo. Essa foi a mentalidade de Santo Inácio, da qual, dependendo do nosso caráter individual, devemos compartilhar.

Havia necessidade de um sistema de educação para um sistema de estudos; portanto, eles se colocaram na tarefa. Eles começaram a reunir vários documentos, alguns antecedentes da Ratio Studiorum: o De Studiis Societatis Jesu, o Ordo Studiorum e a Summa Sapientiae.

Finalmente, em 1581, o quinto Superior Geral, Cláudio Aquaviva, um pouco parecido com o que São Pio X fez para o direito canônico, decidiu pesquisar e combinar todos esses documentos em um manual para que qualquer um pudesse saber o que os jesuítas queriam dizer sobre educação – os papéis do reitor, prefeito e professor; seu modo de operação, etc. Aquaviva foi eleito em 1581; Em 1584, ele começou seu trabalho sobre a Ratio, mas somente 1599 que a Ratio Studiorum completa foi publicada. Os jesuítas não eram sujeitos do estilo “band-aid”; eles não estavam fora para simplesmente remendar as coisas. Eles decidiram fazer as coisas corretamente, não importando quanto tempo levasse e estavam convencidos de que não poderiam proceder de outra maneira, já que esse apostolado considerava a educação das futuras gerações, de seus próprios homens e professores, e a adequada construção de suas escolas. De modo algum negligenciaram o “aqui e agora”, mas tinham uma visão de longo prazo do seu apostolado educacional. Quando, 15 anos depois de ter começado, o Ratio Studiorum saiu, seu uso era obrigatório.

Este documento foi fundamental para dar estrutura aos jesuítas e tornar seu sistema educacional possivelmente o maior da história do mundo. Suas faculdades, universidades e escolas secundárias se espalham pelo mundo.

A Ratio Studioroum é muito inaciana. Não é um tratado teórico sobre educação; é um código prático para estabelecer e conduzir escolas. Estabelece o quadro, apresenta os objetivos educacionais e os arranjos definitivos de aulas, horários e programas, com atenção detalhada aos métodos pedagógicos e, de forma crítica, à formação de professores, que Aquaviva colocou no topo da lista. O coração de qualquer escola são seus professores, e isso deve estar no topo da lista.

Em geral, o que é importante para nós é compartilhar a sabedoria dos companheiros católicos, mesmo aqueles do passado. Por suas razões, o Deus Todo-Poderoso dispôs-nos a viver nestes tempos e, por mais loucos que sejam, devemos nos beneficiar da riqueza do pensamento e da ação de católicos do passado. Não devemos reinventar a roda. A Ratio e o que os jesuítas fizeram é útil para nós. A essência de sua visão é muito bem resumida por pe. Hughes:

Existe a melhor maneira de fazer tudo e não menos importante na educação. De maneira tão positiva, alguns elementos são essenciais em todos os momentos, enquanto outros são acidentais e variam com o tempo, lugar e circunstância. O sistema ideal preservará em sua integridade aquilo que é essencial, e então adaptará os princípios gerais com o ajuste mais próximo ao ambiente particular (Loyola e o Sistema Educacional dos Jesuítas, p.141).

Acho que é muito importante ter em mente que, embora os jesuítas tivessem a Ratio Studiorum, não eram escravos dela. Eles eram amantes dos princípios consagrados na Ratio, não escravos de sua carta. Em outras palavras, conheciam os princípios e prudentemente os aplicavam na situação específica. Neste ponto de nossa história, podemos aprender com os jesuítas, os salesianos, os cristãos, os maristas e tirar o melhor de cada um deles. Certamente, haverá princípios perenes subjacentes em todos os seus sistemas, mas também meios particulares de abordagem, metodologia, estrutura de classes, currículo, etc., que podemos adaptar e usar a nós mesmos.

Objetivos

Por que os jesuítas se envolveram com a educação? Por que nós faremos o mesmo? Essas perguntas são facilmente respondidas respondendo-se à pergunta subjacente a ambas: “Por que qualquer ordem da Igreja Católica existe?” O que Santo Inácio escreve nas instituições:

O fim da sociedade não é apenas cuidar da salvação e perfeição de suas próprias almas com a graça divina, mas com a mesma [divina graça] seriedade para se dedicar à salvação e perfeição de seus próximos. Pois foi especialmente instituído para a defesa e propagação da Fé, e o progresso das almas na vida e na doutrina cristã.

A partir disso, os jesuítas perceberam a necessidade de estabelecer escolas.

A filosofia jesuíta da educação nada mais é do que a filosofia católica da educação intimamente e inextricavelmente ligada a filosofia escolástica e os ensinamentos dogmáticos da Igreja, isto é, razão e religião, São Tomás e o Magistério. Primordial é a compreensão adequada da natureza humana como criada pelo Deus Todo-Poderoso e o destino final do homem.

O homem não é apenas um cidadão deste ou daquele país; ele nasceu para ser um cidadão do céu. Portanto, em toda a verdade, podemos dizer que o propósito da educação é uma preparação para a vida, de maneira mais próxima nesta vida, mas ao final da vida eterna. É por isso que os jesuítas educam e por que educamos. E estamos aqui para aprender os princípios necessários para cumprir esse objetivo. A glória de nossa vocação específica como educadores é apenas isso; temos a oportunidade de formar jovens almas. Isso é algo que os diretores e professores precisam meditar constantemente; deveria ser sua preocupação diária. Estamos intimamente envolvidos na formação de cidadãos para o céu, almas feitas para a Visão Beatífica. E isso nunca pode ser enfatizado demais.

Portanto, não estamos falando de intelectualismo. A educação não é apenas formação intelectual nem instrução; é a formação do homem todo. É interessante notar que as aulas formais de religião na maioria das escolas jesuítas nunca foram dadas mais do que duas horas por semana. Em vez disso, os jesuítas se esforçavam para que a religião permeasse tudo. Eles achavam um tanto estranho ou superficial fazer da religião um curso por si só, ou dedicar muitas, muitas horas a isso, simplesmente porque seus professores eram religiosos. Ao contrário dos jesuítas, não temos apenas padres ou irmãos religiosos ensinando. Devemos nos certificar de que trabalhamos nossas faculdades com o tipo certo de professor, não apenas alguém que saiba matemática ou história, mas um homem católico em estado de graça e lutando pela santidade para que a religião permeie sua classe, seja qual for o assunto. Isso é crítico, porque a religião não é apenas uma classe em um determinado momento; religião é tudo.

Religião é tudo ou religião não é nada!

Estamos cientes de como temos que lutar constantemente contra essa atitude de mediocridade chamada “catolicismo dominical”. O que estamos fazendo com nossos filhos? – Estamos educando-os para que não se tornem um daqueles “católicos dominicais”. Portanto, a religião tem que penetrar. Essa é a majestade da nossa vocação e que glória é essa! Todos nós sabemos o trabalho, tempo e esforço necessários para fazer o que temos que fazer em nossas escolas, mas vale a pena cada minuto. Não pode haver nada mais glorioso do que ser um professor ou ser um diretor, orientar professores, orientar toda a escola.

Os fins

O objetivo final é levar os alunos ao conhecimento e amor de Deus. Essencialmente, a educação é em última instância apostólica. É uma missão apostólica. Nós instilamos nas crianças um conhecimento e amor a Deus Todo-Poderoso, um conhecimento e amor pela santa Fé Católica, um entusiasmo pela Fé Católica, manifestando sua importância: que é o primeiro princípio, que não é apenas algo que eles fazem no domingo, ou algo que eles fazem na aula de religião. É algo que é importante o tempo todo – deve penetrar e permear! A escola, a educação, o método, o currículo, seja o que for: são meios para esse fim, que eles saibam, amem e sirvam a Deus Todo-Poderoso. Estamos aspirando a formar Cristo em todos e cada um desses estudantes. Que papel maior existe?

Os objetivos educacionais aproximados são, primeiro, desenvolver todos os poderes do corpo e da alma. É o homem todo que está sendo formado: seu corpo, sentidos, memória, imaginação, intelecto e vontade. Está desenvolvendo, disciplinando e direcionando todas as capacidades da personalidade humana. Esse é o propósito da educação. Aqui está uma citação notável da Ratio Studiorum:

O desenvolvimento da capacidade intelectual do aluno é a parte mais característica da escola. No entanto, esse desenvolvimento será defeituoso e até perigoso, a menos que seja fortalecido e completado pelo treinamento da vontade e da formação do caráter.

Se você está apenas atirando para o conhecimento intelectual e não está fortalecendo a vontade e formando o caráter ao mesmo tempo, não apenas a educação é defeituosa, mas é capaz de ser “até perigosa”! A educação prepara a natureza para receber e cooperar com a graça de Nosso Senhor. Estamos instruindo o intelecto, treinando a vontade e formando o caráter – em outras palavras, o homem todo – baseado em princípios sérios.

Meio Distintos

Crítico para os jesuítas e para qualquer boa escola é a formação de professores e seu ensino hábil. O professor é o coração do processo educacional. Obviamente, o padre responsável como diretor é aquele que dá a direção. Ele é claramente a cabeça; ele é aquele que definirá o espírito e o tom para a escola. No entanto, os professores são aqueles com as mãos no barro fazendo a formação imediata regular. É por isso que um professor ruim, carente de disciplina ou conhecimento, causa desastres, e o pior é quando extingue o desejo dos alunos de aprender e amar o aprendizado. Seja vigilante! Professores entediantes, professores despreparados, corpos mornos jogados em uma cadeira porque ninguém mais está disponível – esses são a destruição de uma escola, e não apenas a destruição de uma escola, mas a destruição de almas confiadas aos nossos cuidados. Nós não podemos fazer isso! Qualquer conversa sobre o estabelecimento de escolas significa necessariamente que falamos sobre ter professores treinados adequadamente ensinando nossos filhos.

Ensino hábil

Pegue em suas mãos e leia Teacher and Teaching do pe. Richard Tierney, S.J. Ele diz:

A verdadeira educação é geralmente o trabalho de professores habilidosos. Uma vez que a primeira é uma pérola sem preço [a verdadeira educação], o valor deste último dificilmente pode ser superestimado. Ensinar é a arte do interessante, o inspirador (p.27).

Um professor genuíno leva os alunos à ação, intelectual ou física, seja qual for o caso. Ter esses professores é o primeiro meio de assegurar uma boa educação para um estudante. Como diz o famoso ditado: “Muitos ensinam, mas poucos inspiram”. Não se pode exagerar a necessidade de ter bons professores inspiradores. Podemos sofrer várias restrições monetárias que, acreditamos, nos impedem de compensar um professor em proporção ao seu valor, mas eu diria que agora é a hora de fazer todos os sacrifícios possíveis para recompensar nossos professores e atrair pessoas qualificadas.

Não nos esqueçamos da necessidade de treinamento adequado. Devemos monitorar e nutrir os professores que temos. Reciprocamente, eles devem desejar nosso monitoramento e nutrição. Nem nós nem eles podem esquecer que são professores católicos. Avaliação e crítica construtiva devem ser oferecidas de forma contínua durante todo o ano letivo. Até mesmo o melhor professor ainda precisa se desenvolver para melhorar; nós fornecermos os meios para isso é uma parte importante do nosso papel administrativo como um verdadeiro diretor.

Pe. McGucken escreve magistralmente sobre a história e pedagogia da educação jesuíta em The Jesuits and Education. Ele diz que Santo Inácio e a Companhia estavam determinados, uma vez que o trabalho de educação era entendido como a vontade de Deus e foi decidido envolver-se nele, para não poupar esforços nem despesas na formação de seus professores. Eles fariam qualquer coisa para garantir que os professores fossem formados corretamente. Isso é algo em que temos que refletir, que o ensino especializado depende muito do sucesso de uma escola.

Currículo

Uma boa educação será determinada pela qualidade do currículo. Infelizmente, levaria meses para examinar os detalhes do currículo, mas vamos discutir alguns princípios básicos. O primeiro princípio orientador é que o currículo demonstre formação, não apenas informação. O currículo é estruturado para desenvolver os hábitos intelectuais e morais, para formar o caráter. O objetivo de um currículo católico não é meramente ser um acúmulo de informações para entregar ao aluno. Este, no entanto, é o objetivo dos currículos na era moderna, informacional e tecnológica – de que o estudante adquira o máximo de fatos possível, coloque-os dentro de seu cérebro; então ele é um homem inteligente. Não! – Mas devemos ter certeza de não ir ao outro extremo, ou seja, de que a informação factual não é importante. Embora não seja o principal, nem a causa formal, ainda é o material da educação. Precisamos saber fatos e datas, circunstâncias históricas – essas coisas compõem a questão da educação. Elas não são o fim, mas são meios até o fim.

Uma alma não é adequadamente formada pela mera acumulação de informação. A metodologia da educação jesuíta era formar um homem para treiná-lo a pensar. Um dos nossos maiores desafios é treinar um jovem para pensar, analisar. Essa incapacidade de pensar será superada pela formação dos hábitos intelectuais e morais de uma pessoa, ajudando o estudante a penetrar na realidade das coisas, em vez de meramente encher sua mente com resmas de fatos. O ensino com conhecimento e envolvimento irá percorrer um longo caminho nesta batalha.

O segundo princípio em relação ao currículo é que seu estudo seja intensivo e não extensivo. Queremos formar, não simplesmente informar, e a maneira de fazer isso é ser intensivo, estudando em profundidade um número relativamente pequeno de sujeitos, em vez de estudar superficialmente um grande número. É estudar as coisas mais importantes e estudá-las completamente.

Os clássicos

Para o ensino médio, os jesuítas consideravam as disciplinas humanas – literatura, língua e história – a coisa mais importante. A ênfase nesses assuntos, sem excluir absolutamente os outros, naturalmente contribuiu para a formação equilibrada do ser humano, tornando-o um receptáculo adequado para a graça de Deus. As disciplinas humanas oferecem valores permanentes e universais para a formação do homem. Por que os grandes clássicos, as grandes obras e os grandes autores foram estudados? – Simplesmente, eles fornecem o que é necessário para formar uma alma, formar uma personalidade. Pe. Richard Tierney, S.J., alude a isso em seu livro Teachers and Teaching:

O que é que mais contribuiu para imortalizar os grandes clássicos? Certamente não o nome do autor, pois um autor brilha na luz refletida em seu livro. Não em sua dicção, pois a dicção sozinha é como o som de latão e címbalos tilintantes. O que então? Os grandes pensamentos e os nobres feitos que parecem fazer as páginas palpitar a vida. Homero é o herói de Homero… É o fogo que flui na mente muito depois de a música da língua ter morrido no ouvido e a beleza da imagem ter desaparecido da memória. É isso e coisas afins que chamam ao que há de melhor no homem que educa.

A literatura não visa apenas palavras e frases e figuras. Devemos olhar abaixo para o principal instrumento pelo qual devemos realizar o objetivo em vista. Teremos louvor por tudo o que é nobre, desprezo por tudo o que é básico. A Guerra de Tróia será mais do que uma sucessão de batalhas; será uma punição temporal do crime. A fuga de Enéias da cidade em chamas será um exemplo heróico de amor e reverência pelos pais e autoridades. O inferno da Eneida e a piscina de Fédon mostrarão, primeiro que a razão, sem a revelação, exige uma punição futura para o crime; em segundo lugar, que o dogma católico sobre este ponto se encaixa perfeitamente nos ditames da razão e encontra um instinto da natureza. Então, a lição será tornada real por referências ao pensamento atual e outras condições contemporâneas (pp. 4, 6).

Ao utilizar essas obras perenes, os jesuítas formaram a alma por ações nobres e grandes atos; inspirou seus alunos e forneceu uma visão para a mente jovem. Estes são conceitos permanentes na educação e por que é tão necessário basear nossas escolas neles. Por tais estudos, os jesuítas fomentavam em seus alunos a capacidade de pensar pensamentos válidos e expressá-los com eficácia. Para fazer a mesma coisa, devemos também nos concentrar nos clássicos e disciplinas humanas. Nossos currículos devem apresentar um corpo de conhecimento que valha a pena (não apenas qualquer coisa e tudo), estimular no aluno o entusiasmo de pensar e organizar esse conhecimento de uma forma viável e, finalmente, dispor dele para expressar seus pensamentos de forma eficaz escrevendo ou especialmente falando. É por isso que os jesuítas basearam sua educação nesses clássicos. Os jesuítas a chamavam de eloquentia perfecta; conhecer as coisas certas, conhecê-las bem, ser capaz de organizá-las adequadamente e expressá-las da maneira apropriada.

A sucessão dos currículos das ciências humanas para a filosofia e teologia é muito importante. Algumas pessoas objetam que só precisamos aprender o catecismo e ler a vida dos santos. Mais uma vez, isso não é apenas educação. Não podemos restaurar todas as coisas em Cristo com tal ponto de vista. É um ponto de vista que se opõe demasiadamente ao ponto de vista dos utilitaristas que excluem da educação tudo aquilo que não ajudará a ganhar dinheiro! É condenado pelos grandes educadores católicos da história e por qualquer homem com bom senso. Os jovens são deficientes nessa área, essa área vital e fundamental. Pe. Hughes faz um breve resumo, abordando os responsáveis ​​pelas escolas:

Antes de ensinar homens, moldar mestres de homens ou mesmo conceber a primeira ideia de legislar para o mundo intelectual, ele deve primeiro aprender. Há duas lições fundamentais que ele aprende, e elas vão formá-lo: uma é que, entre todas as atividades, o estudo da virtude é supremo. A outra é que, suprema como a virtude é, sem aprendizado secular, a maior virtude fica desarmada, e na melhor das hipóteses é lucrativa para si mesmo (p. 15).

Deus formou a natureza humana para trabalhar de uma maneira específica. Ele dá graças para aperfeiçoar essa natureza, não para trabalhar fora dela. A educação deve formar todo o homem, corpo e alma, natural e sobrenatural.

Pe. Tierney ataca os utilitaristas ao falar de matemática, e nós vivemos hoje em um momento em que é indevidamente exaltado. Ele fala sobre a principal função do estudo da matemática, que é treinar o intelecto para não pular no escuro, mas para andar cautelosamente em terreno firme sob uma luz plena. A matemática não é inspiradora, a matemática não é edificante. Matemática é matemática. Portanto, ter uma escola desenvolvida em torno dela é incrivelmente utilitarista e, em última análise, uma malformação de nossos filhos. Isto voa em face do melhor da história educacional. Os pais costumam dizer: “Se o nosso filho não está estudando matemática avançada, como ele vai para a faculdade, como ele vai se tornar um engenheiro?” A resposta é: se o seu filho é formado adequadamente aos 18 anos e sabe pensar, ele pode ir a qualquer faculdade e abordar os assuntos de sua escolha. Isso pressupõe que nós lhe demos os fundamentos. Se alguém conhece a álgebra e a conhece bem, ele não terá nenhum problema para o cálculo na faculdade. Não há razão para nos preocuparmos em ensinar cálculos e matemática avançada em nossas escolas, a menos que você tenha uma série de escolas especificamente matemáticas; isso, no entanto, seria uma deformação da educação.

Os Jesuítas e o Latim

Uma discussão é necessária sobre os jesuítas e o latim, porque todo o seu sistema escolar era mais ou menos baseado no latim, até mesmo no início do século XX. Uma diretriz da Província Maryland-Nova York da Companhia de Jesus lamenta o estado do latim nos currículos e admite o efeito adverso que isso teve em seu sucesso geral na educação. Diz que um retorno à maneira como os jesuítas sempre ensinaram o latim em suas escolas era absolutamente necessário.

Freqüentemente, argumentos são feitos hoje de que não precisamos mais do latim porque ele não é mais “útil”. No entanto, quanto é a perda do latim e nosso conhecimento desta grande linguagem ligada à perda de cultura e senso de história, para estudos clássicos adequados, para a realização dos objetivos tradicionais, clássicos na educação católica? Pe. Camille de Rochemonteix, um renomado historiador jesuíta, resume:

Então o latim foi celebrado em homenagem. Eles não tentaram formar matemáticos ou médicos, artistas ou agrônomos ou especialistas; antes, orgulhavam-se de saber, escrever e falar latim porque esse conhecimento era indispensável para o estudo da filosofia, a coroa de uma educação clássica; porque era o idioma da Igreja e da ciência; porque era a linguagem do passado em religião, literatura, filosofia e teologia; e porque ninguém pensava que uma educação pudesse ser liberal sem o latim.

Devemos lembrar o objetivo próximo dos jesuítas – tentar transmitir a cultura, fazendo um homem eloqüente ser um receptáculo apto e capaz da graça de Deus. O melhor e mais adequado meio de obter eloqüência na fala, na escrita – cultura – foi, para a mente jesuíta, a compreensão do latim – e quão grande foi o sucesso deles! Eles sinceramente e sem reservas acreditavam nisso, até os últimos tempos. Os jesuítas não negaram o título de “escolas latinas”. Foi o núcleo do currículo. Nove décimos de tudo foi ensinado em latim. Havia algumas escolas em que você não podia falar no vernáculo, mesmo fora da sala de aula. A língua da escola era latina. Eles acreditavam que o latim era o principal veículo e instrumento na formação da mente, e a chave para abrir a porta para a santa Madre Igreja e para a cultura clássica. Eles acreditavam que você não poderia se tornar um homem culto, obter os verdadeiros estudos clássicos e penetrar na mente verdadeira da Igreja, a menos que você realmente soubesse latim e fosse capaz de falar e escrever fluentemente. Este não era um objetivo impossível; Foi feito. Como eles frequentemente diziam, “o grego era para o estudante talentoso, o latim para todos!”

A Ratio Studiorum diz que o propósito do latim era ensinar cultura. Desejava que o latim fosse ensinado porque, sem ele, ninguém pode alcançar essa bela apreciação e se deliciar com as coisas belas, nem se sentir confortável e em casa com elas, o que é a marca da mente culta. A Ratio desejava que o aluno se tornasse um mestre de sua expressão e seu apreço: encontrar sua leitura em livros latinos, expressar seus pensamentos em latim, conversar, planejar, argumentar, sonhar, rezar, viver em latim. O treinamento da mente, formação adequada, foi um subproduto do ensino latino (The Jesuits and Education, pp. 163, 164).

O ensino, a aprendizagem e a compreensão do latim tiveram uma importância singular e o sucesso de suas escolas estava inextricavelmente ligado a ele.

É interessante e importante observar a maneira pela qual eles ensinaram a linguagem sagrada. Vamos dar a palavra ao pe. McGucken:

O objetivo do ensino latino, implicitamente contido na Ratio, era, como se viu, eloquentia – isto é, a capacidade de falar e escrever latim… Os meios adotados para fomentar a eloquência eram o método direto do ensino latino.

O “método direto” consiste em evitar, na medida do possível, o uso do vernáculo como o meio pelo qual o latim é aprendido. Muitas vezes, o método direto é referido como o método natural de aprendizagem de línguas. Temos muita sorte hoje em ter a série Lingua Latina Per Se Illustrata de Hans Orberg. Estas palavras tiradas das cartas de Woodstock (1893) de várias correspondências entre os educadores jesuítas americanos são apropriadas:

Não pode haver dúvidas sobre a possibilidade de os meninos americanos falarem latim; é algo que já foi feito antes, e agora está sendo feito em algumas de nossas faculdades, pelo menos em algumas classes. Alguns de nossos professores, não muitos, objetam que o latim é de fato um bom treinamento para a mente, mas não precisa ser falado. Não é necessário ter muita familiaridade com o ensino para saber que nosso curso de instrução é impossível nas classes mais altas, completamente impossível, se o latim não foi ensinado aos meninos anteriormente como uma língua viva… A inovação de ensinar latim através do o vernáculo foi introduzido pelos portistas realistas.

O método jesuíta tradicional de ensinar latim era, pelo menos até muito recentemente, o método direto. Como pe. McGucken observa:

A tradição do método direto morreu muito lentamente nas escolas americanas. Mesmo em 1910, o Calendário do Comitê de Estudos da Província de Maryland e Nova York recomendava enfaticamente que a conversação em latim fosse “mais cuidadosamente atendida em nossas classes mais baixas, como se observou que uma tendência negligencia cada vez mais a prática tradicional da Sociedade (pp.199.200).

O estudo da linguagem por meio de traduções idiomáticas e ativas não foi imposto. Tal processo era quase desconhecido nas escolas jesuítas antes da supressão da Sociedade. Foi no máximo tolerado na Sociedade. Pode-se dizer que é um grande obstáculo ao domínio total da língua. Isso porque, por esse método, você está aprendendo a traduzir; você não está realmente aprendendo latim.

Segundo os jesuítas, o latim era para todos e necessário para a formação normal. O grego era para o aluno talentoso. Todos falavam e escreviam latim. Com o “método de tradução”, somente os melhores, os mais brilhantes e os mais motivados ficam bons o suficiente para traduzir o latim para começar a lê-lo. O método direto tenta fazer com que todos leiam. Nem todos serão fluentes, mas a maioria dos meninos pode obter certa proficiência em latim. Claro, isso pressupõe que o professor vá trabalhar primeiro e ser muito bom no próprio latim, a fim de obter esse conhecimento – “Você não pode dar o que você não tem”. Esse método evita a situação em que quase todo mundo odeia o latim porque somente os mais talentosos fazem a transição. Para os jesuítas, o latim é o veículo para formar um homem culto, os vir eloquens; e o caminho a percorrer é o “método direto”.

Princípios na sala de aula

Os jesuítas chamam sua metodologia de ensino de “fórmula de domínio”. Ele contém dois passos. A primeira é a auto-atividade – ut excitetur ingenium – em outras palavras, levando o aluno a pensar. Por parte do aluno, a participação ativa na sala de aula é fundamental. Os professores não estão lá apenas para informar, para dar grandes discursos e sermões. Eles estão lá para fazê-los pensar e ajudá-los a aprender – para formar essas almas – e isso significa fazê-las por conta própria. Isso é educação. É como a mãe ajudando seu filhinho a dar seus primeiros passos: você o guia, e sua esperança é que a criança ande sozinha. A mesma verdade é ilustrada por um pai ensinando seu filho a andar de bicicleta: as rodas de treinamento se soltam, o pai corre ao lado e, quando a criança não está olhando, ele tira a mão. A criança pode cair, mas levanta-se…. O domínio do assunto e as aulas bem preparadas são fundamentais nesta área, mas isso torna as aulas interessantes. A melhor maneira de matar tudo é estar lá em cima aborrecendo a aula com recitação monótona ou lições despreparadas e sem imaginação. Nós todos sabemos o que isso faz para nós; Todos nós já tivemos esses professores no passado. É por isso que o ensino é frequentemente chamado de “arte do interessante”.

Em meio a essa atmosfera intelectual estimulante, o segundo passo da fórmula entra em ação, que é o domínio do assunto progressivamente difícil – alcançando o equilíbrio necessário entre compreensão e progressão. Muito de acordo com o senso comum, esta é a metodologia pela qual os professores jesuítas procedem: crianças imbuídas de um verdadeiro desejo de aprender lidando com materiais cada vez mais desafiadores. Isso leva à formação de hábitos não apenas intelectuais, mas também morais. Uma exposição completa é encontrada nos livros jesuítas sobre educação. Aqueles que ensinam acharão que vale a pena ir a esses livros e ver como os jesuítas os expõem. Sem poder abordá-las completamente aqui, deixe-me pelo menos enumerar os componentes importantes para o seu ensino: pré-eleitoral (a preparação adequada antes dos estudos); repetição; trabalho de memória; emulação ou competição – eles estavam sempre promovendo uma competição saudável nos vários domínios. Pe. McGucken em The Jesuits and Education detalha estes.

Atividades extracurriculares

Estudos complementares são atividades extracurriculares. Coisas como peças de teatro eram muito importantes no sistema jesuíta. Tal atividade coloca a coisa na vida real. Tendo já coberto o trabalho na aula de literatura, os estudantes agora deveriam produzir a peça. Com as próprias mãos, a coisa ganha vida; eles agem, vêem seus amigos agirem; eles são parte disso. O interesse que isso gera é incrível. Enquanto a peça está acontecendo, os garotos que não estão em uma cena correm para a parte de trás da tenda para assistir a ação. É algo bonito; é a educação que vem à vida, complementando maravilhosamente a experiência em sala de aula. Os jesuítas eram muito para isso, com departamentos teatrais muitas vezes muito elaborados.

A educação física também tem um papel importante no desenvolvimento de nossa juventude. Isso vem do padre. O livro de Schwickerath, Jesuit Education: Its History and Principles, no qual ele escreve sobre a cultura física e a educação física do aluno:

A cultura física é uma das características mais importantes de um bom sistema de educação: mens sana in corpore sano. Atletismo, esportes ao ar livre e ginástica fazem muito pela saúde física dos alunos. Além disso, exige e, consequentemente, ajuda a desenvolver rapidez de apreensão, firmeza e frescor, autoconfiança, autocontrole, prontidão para subordinar os impulsos individuais a um comando. Isso tudo é valioso para a educação (p. 570).

Em nossos tempos loucos por esportes, devemos permanecer equilibrados, não nos alternando nem para um extremo nem para o outro. A educação física tem claramente seu lugar na educação, mas deve desempenhar seu papel adequado na hierarquia. Como sempre, a virtude está no meio.

Conhecimento Pessoal e Disciplina

Para citar o livro Teacher and Teaching do Pe. Richard Tierney:

Os professores estão mais preocupados com a formação da alma, não apenas com o intelecto, a formação do caráter. Manter relacionamentos próximos é um meio de inspirar os alunos, de formar altos ideais, de ensinar por meio do exemplo, tanto nas ordens espirituais como nas intelectuais… Que parte o professor deve desempenhar na formação do caráter do aluno? Em geral, ele deve inculcar princípios e fomentar a formação do hábito. Isso requer atividade constante e conhecimento elaborado, mas definido. Mero conhecimento de certas fraquezas comuns da natureza humana não é suficiente. Cada menino em particular deve ser conhecido intimamente e treinado individualmente. Caso contrário, há muito espancamento inútil do ar (p. 106).

Este é um resumo de sua abordagem. Precisamos conhecer nossos alunos com conhecimentos mais que superficiais. Um internato é uma bênção para esse fim porque existe a oportunidade de conhecer os alunos em várias circunstâncias, antecipar suas reações, lidar com as várias personalidades e ajudá-los a adquirir a virtude. É mais difícil em um dia escolar, certamente. Você não terá as mesmas oportunidades, mas teremos que nos esforçar para organizá-las. Isso significa organizar atividades extracurriculares, atividades fora da escola; significa organizar as coisas para conhecê-las. Se você não conhece alguém, você não pode afetá-lo ou direcioná-lo adequadamente para uma meta, que é, para nós, encorajar no estudante um grande amor de nosso Senhor Jesus Cristo, como o Papa Pio XI disse, “verdadeiros e perfeitos cristãos”. Nossos alunos são os “livros” que devemos estudar. Se apenas tivermos um conhecimento superficial deles, se não soubermos com quem estamos lidando, estaremos “batendo no ar”.

Para discipliná-los, a supervisão deve ser constante e criteriosa. Pe. Tierney prossegue por três páginas sobre “espionagem”, como isso é humilhante para o cargo de professor e, em última instância, contraproducente. Um exemplo de sua supervisão zelosa, prudente e caritativa era que os escolásticos e mestres eram obrigados a participar de recreação com seus alunos. Se você é fisicamente capaz de fazer isso, então faça: são os jesuítas. A razão subjacente é clara: isso é recreação, tempo livre, não o tempo de aula obrigatório, portanto, uma influência maior pode ser exercida.

A punição corporal foi seriamente desencorajada. A vontade precisa ser vencida e a punição corporal dificulta isso. Eles não disseram que jogaram tudo fora, mas como diriam os educadores católicos, seria uma raridade. Sucessivas gerações de sistemas de educação católica eram apenas os herdeiros da grande sabedoria dos tempos. A chave, o elo perene, é caridade de Cristo – amor em vez de medo.

O segredo da ascendência magisterial, como Inácio de Loyola projetava, deveria ser encontrado na realização intelectual do mestre ou professor, que naturalmente impressionava as mentes jovens; e também em uma afeição paterna, que conquistou corações jovens. Será que algo mais parece necessário à plena ideia de autoridade (Pe. Thomas Hughes, S.J., Loyola e o Sistema Educacional dos Jesuítas, pp. 107, 108)?

Do livro The Jesuits and Education do pe. McGucken, lemos:

Em suma, a disciplina no colégio jesuíta do século XVII era amena. Houve, em nítido contraste com a prática vigente do dia, muito pouco castigo corporal. Os jesuítas acreditavam que a prevenção da desordem era melhor do que os remédios pós-factuais e, em geral, tentavam conquistar seus alunos pelo amor e não pelo medo.

Ao longo de sua história, foi assim que os jesuítas motivaram seus alunos.

Nós não somos jesuítas, nem salesianos, nem dominicanos, etc., mas temos a oportunidade de usar o que se mostrou mais eficaz nas abordagens das ordens da Igreja Católica que se tornaram conhecidas pela educação. Porque herdamos a nobre tarefa da educação, temos o dever de aplicar os princípios perenes da educação. Devemos continuar nos dedicando ao estudo da educação: sua história, métodos, a formação adequada do caráter … Este é nosso dever, nossa glória, nosso próprio caminho para o céu. Confie aos nossos cuidados os futuros cidadãos do reino eterno. E não devemos poupar despesas, nem trabalho, nem esforço ou energia, para colaborar com o Senhor da vinha e realizar plenamente esta colheita celestial!

Tradução e adaptação por um congregado mariano
de The Jesuit Model of Education, Pe. Michael McMahon

Texto retirado do site: Link

Texto original em inglês: Link


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O papel das matemáticas na educação, segundo Platão

Platão na Escola de
Atenas por Rapael Sanzio

Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion em 2017)

Mas, na μονσική (música) Platão introduz, de modo bastante inesperado (84), uma terceira ordem de estudos, ou, pelo menos, amplia-lhe o papel em tal medida que o edifício inteiro de educação se vê assim renovado: trata-se das matemáticas. Elas não são mais, para ele, como o eram para seus antecessores (Hípias, por exemplo), um campo reservado ao grau superior do ensino: devem encontrar lugar em todos os níveis, começando pelo mais elementar.

Sem dúvida, desde a sua criação, a escola secundária teve de incluir um estudo elementar dos números: contar um, dois, três... (85), aprender a série dos inteiros e, provavelmente, as frações duodecimais empregadas na metrologia grega, isto fazia parte do aprendizado da língua e da vida. Mas Platão vai muito mais longe: ao estudo propriamente dito dos números, que constitui, para os gregos, objeto próprio da aritmética, ele junta a λογιστική (86), isto é, a prática dos exercícios de cálculos (λογισμοί) ligados a problemas concretos, extraídos da vida e dos negócios: algo equivalente, segundo se pode conjecturar [15], aos problemas de "lucro" e de "torneiras", com que afligimos nossas crianças. Paralelamente, ele concede um lugar, na geometria, a aplicações numéricas simples: medidas de comprimento, superfície e volumes (87), e, em relação à astronomia, no mínimo de conhecimento suposto pelo uso do calendário (88).

Eis aí uma inovação de imenso alcance pedagógico. Trata-se, conforme que nos assegura Platão (89), de uma imitação das práticas egípcias (que ele pode ter efetivamente conhecido, se não diretamente ao menos por intermédio do matemático Eudóxio de Cnidos, seu discípulo, que havia feito um estágio de estudos no Egito (90)): com efeito, tais problemas figuravam no programa das escolas de escribas, como a descoberta de papiros matemáticos nos permitiu verificar [16].

Todas as crianças devem, portanto, estudar matemática, pelo menos nesse grau elementar: serão introduzidas nesse estudo desde o início (91), conservando-se em tais exercícios o atrativo de um jogo (92); terão eles, como objetivo imediato, a aplicação à vida prática, à arte militar (93), ao comércio (94), à agricultura ou à navegação (95). Não é permitido, a ninguém, ignorar este mínimo, ao menos se quer fazer-se merecedor do nome de homem (96) e não do de porco de engorda (97).

Mas, e eis aqui o essencial, o papel das matemáticas não se limita a este equipamento técnico: estes primeiros exercícios, por mais práticos que seja, possuem já uma virtude formadora mais profunda (98). Recolhendo e desenvolvendo a herança de Hípias, Platão proclama a eminente virtude educativa das matemáticas: nenhum objeto de estudo, afirma ele (99), a possui em tão alto grau; elas servem para despertar o espírito, fazem-no adquirir desembaraço, memória e vivacidade.

Todos tiram delas proveito: esses exercícios de cálculo aplicado revelam os espíritos bem dotados e desenvolvem lhes a natural disposição para entrarem em qualquer espécie de estudo; mas os espíritos de início inertes, mais lentos, por meio deles despertam, com o tempo, de sua sonolência, aguçam-se e tornaram-se mais aptos a aprenderem do que o eram por natureza (100). Observação original e profunda: à diferença de muitos de seus sucessores (antigos e modernos), para os quais somente as letras tem valor universal e as matemáticas são reservadas aos felizes que, "tendo a bossa", podem "mordê-las", Platão professa que estas ciências se dirigem a todos, porque exercitam apenas a razão, faculdade comum a todos os homens.

Ainda que neste escalão elementar -- pois somente um pequeno número de espíritos de escol poderão levar as matemáticas até o fim (101), pequeno grupo esse que será necessário selecionar com cuidado (102) --, salientemos aqui o aparecimento, na história da pedagogia, desta noção de seleção, que ficou na base do nosso regime de exames e concurso. No pensamento de Platão, são precisamente as matemáticas que servem para por à prova as "melhores naturezas (103)", os espíritos aptos a tornarem-se um dia dignos da filosofia (104): nelas revelarão sua facilidade em aprender, sua penetração, sua memória, sua capacidade de envidar um esforço constante, que não se deixa enfadar pela aridez destes pesados  estudos (105). Ao mesmo tempo que selecionam os futuros trabalhos; assim, o elemento essencial de sua "educação preparatória", (προπαιδεία) é constituído pelas matemáticas (106).

Daí o programa e o espírito bem definido, segundo o qual seu estudo deve ser conduzido: deve-se lembrar que o livro VII da República, consagrado a estas ciências, se abre com o mito da Caverna (107); as matemáticas são o principal instrumento da "conversão" da alma, desta correção interior pela qual ela desperta à plena luz e se torna capaz de contemplar não mais "as sombras dos objetos reais", mas "a própria realidade (108)".

Para obter-se tal benefício, urge orientar o estudo de maneira que elas levem o espírito a libertar-se do sensível, a conceber e a pensar o Inteligível, única realidade verdadeira, única verdade absoluta. Desde cedo, esta orientação filosófica deve penetrar no ensino: Platão (109) não quer que os problemas elementares de cálculo se atenham às aplicações práticas (venda, compra...), mas -- como, a crer nele, os jogos educativos dos egípcios (110) -- considera que se devem encaminhar para um grau superior de abstração: noções de par e ímpar, de proporcionalidade. A "logística" deve ser apenas uma introdução à "aritmética" propriamente dita, que é a ciência teórica do número, e esta, por sua vez, deve culminar numa tomada de consciência da realidade inteligível. Desta pedagogia, dá-nos Platão um notável exemplo: parte ela da consideração de dados elementares (os três primeiros números) e daí se eleva a considerações sobre as noções abstratas de unidade e de grandeza, aptas a "facilitar à alma a passagem do mundo do devir ao da verdade e da essência (111)".

O programa será, como o era em Hípias, aquele mesmo, já tradicional, do Quadrivium pitagórico: aritmética (112), geometria (113), astronomia (114), acústica (115); preocupado em incorporar ao ensino os resultados das mais recentes conquistas da ciência, Platão completa-o simplesmente, juntando, à geometria plana, a geometria no espaço, que acabava de ser criada pelo grande matemático Teeteto e para o progresso da qual a Academia, na pessoa de Eudóxio, contribuirá ativamente. Todavia, importa-lhe bem mais depurar a concepção que cumpre fazer destas ciências: elas devem eliminar todo resíduo de experiência sensível, tornarem-se puramente racionais, direi mesmo apriorísticas.

Seja, por exemplo, o caso da astronomia [17]: deve ser ela uma ciência matemática, não uma ciência de observação. Para Platão, o céu estrelado, no esplendor e na regularidade de seus movimentos ordenados, é ainda, apenas, uma imagem sensível: ele é, para o verdadeiro astrônomo, o mesmo que uma figura geométrica, fosse este desenhado com o maior rigor aparente pelo artista mais hábil, é para o verdadeiro geômetra: é-lhe totalmente inútil, pois ele opera abstratamente, sobre a figura inteligível (116). A astronomia platônica é uma combinação de movimentos circulares e uniformes, que pretende não apenas, como a interpreta de maneira ainda demasiado empírica Simplício (117), "salvar as aparências" (isto é, dar contas dos fenômenos observados), mas, na verdade, reencontrar os próprios cálculos de que se serviu o Demiurgo para organizar o mundo.

Transcendendo as preocupações utilitárias, Platão confia às matemáticas um papel antes de tudo propedêutico: elas deve, não mobiliar a memória com conhecimento úteis, mas formar uma "teste bien faicte", ou seja, um espírito capaz de receber a verdade inteligível, no sentido em que a geometria fala de um arco "capaz" de um ângulo dado. Não se poderia salientar demasiadamente o imenso alcance histórico desta doutrina, que marca uma data capital na história da pedagogia: Platão introduz aqui nada menos que a noção ideal e o programa específico daquilo que propriamente se deve chamar de ensino secundário.

Ele se opõe, bem conscientemente, ao otimismo ingênuo, ou interessado, dos seus predecessores, os Sofistas, os quais, seguros de si, franqueavam o acesso de mais alta cultura "ao primeiro que chega" (ό τυχών) (118), sem levar em conta suas aptidões nem sua formação preliminar: o insucesso de tais tentativas, insucesso que, como o deplora Platão, acabou por refletir-se na filosofia (119), prova suficientemente seu erro. É necessário, ao mesmo tempo, experimentar e preparar os candidatos a filósofos: Platão é o primeiro a estabelecer e justificar esta exigência, que se imporá doravante ao educador. O que permanecerá de peculiar a seu próprio plano de estudos é o lugar eminente que nele cabe às matemáticas; como vimos, ele não negligencia a contribuição propedêutica da educação literária, artística e física: elas tem seu papel, imprimindo à personalidade, no seu todo, certa harmonia, certa eurritmia; não obstante, esse papel nada tem de comparável, em fecundidade, ao das ciências exatas, primeiro gênero acessível de conhecimento verdadeiro, iniciação direta à alta cultura filosófica, a qual se estriba, como o sabemos, na busca da Verdade racional.

Referências:

(84) PLATÃO, A República, VII, 721c s.; As Leis, V, 747b; VII, 809c.
(85) A República, VII, 522c.
(86) Idem, 522e; 525a; As Leis, VII, 809c; 817e.
(87) As Leis, 818e; 819cd.
(88) Idem, 809cd.
(89) Idem, VII, 819bc.
(90) DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, VIII, 87.
(91) PLATÃO, A República, VII, 536d.
(92) Idem, 537a; cf. As Leis, VII, 819b.
(93) A República, VII, 522ce; 525b; 526d.
(94) Cf. Idem, 525c.
(95) Idem, 527d.
(96) Idem, 522e.
(97) As Leis, VII, 819d.
(98) Idem, 818c.
(99) Idem, V, 747b.
(100) A República, VII, 526b.
(101) As Leis, VII, 818a.
(102) A República, VII, 503e-504a.
(103) Idem, 526c.
(104) Idem, 503e-504a.
(105) Idem, 535cd.
(106) Idem, 536d.
(107) Idem, 514a s.
(108) Idem, 521c; 532bc.
(109) Idem, 525cd.
(110) As Leis, VII, 181bc.
(111) A República, VII, 525c.
(112) Idem, 521c s.
(113) Idem, 526c s.
(114) Idem, 527c s.
(115) Idem, 530d.
(116) Idem. 529de.
(117) SIMPLÍCIO, Comentário ao "Do Céu" de Aristóteles, II, 12, 488; 493
(118) PLATÃO, A República, VII, 539d.
(119) Idem, 535c; 536b.

Notas complementares:

[15] Os problemas de aritmética elementar: Platão apenas os assinala num palavra: το λογισóν (Rsp., VII, 522c.), λογιστική (525a), λογισμοί (Leg., VII, 809 c, 817 e). De maneira um pouco mais precisa, nas Leg., VII, 819 c, descreve ele os jogos aritméticos que afirma em uso nas escolas egípcias e que dirigindo-se no sentido da aritmética pura, exigem as "aplicações das operações aritméticas indispensáveis", τάς τῶν άναγκαíων άριθμῶν χρήσεις.

Nas Leg., VII, 809 c, associa ele o estudo do cálculo ao conjunto dos conhecimentos cujas aquisição é necessária com vistas à guerra, aos negócios domésticos, à administração da cidade. Este caráter prático e concreto aparece mais nitidamente e contrario nas passagens em que Platão, definindo a orientação abstrata, científica e desinteressada, que convém dar à sua propedêutica matemática, a opõe ao uso exotérico geralmente aceito (em que ele próprio admite no primeiro grau, elementar, para a massa: Leg., VII, 818 a): entre os aprendizes-filósofos, a aritmética pura não servirá, como entre os negociantes e comerciantes, para cálculo de venda e compra (Rsp., VII, 525 c), não introduzirá em seus raciocínios, números representativos dos objetos visíveis ou materiais (525 e), eliminará o que de iliberal e cúpido nestas aplicações (Leg., VII, 147 b).

[16] Papiros matemáticos egípcios: A. REY, La Science dans l'antiquité (I), la Science orientale avant les Grecs, Paris, 1930, ps. 201, 287.

[17] Concepção racional, geométrica, da astronomia platônica: cf. com as páginas clássicas de P. DUHEM, Le Système du monde, Histoire des doctrines cosmologiques de Platon à Copernic, t. I, Paris, 1913, ps. 94-95; t. II, ps. 59 segs. (bibliografia anterior, p. 67, n. 1), A. RIVAUD, Le Système astronomique de Platon, Revue d'Histoire de la Philosophie, II (1928), ps. 1-26. Pode-se aproximar-lhe, utilmente, a concepção, não menos apriorística, da acústica: A. RIVAUD, Platon et la Musique, mesma Revue, III (1929), ps. 1-30.


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Instrução Didática, Mimética e Socrática

Tela "A Morte de Sócrates"
de Jacques-Louis David (1825)

Na respiração humana, a inspiração deve, necessariamente, preceder a expiração. Expira-se aquilo que previamente se inspirou. Podemos aplicar, analogicamente, o mesmo princípio à educação: Ensina-se o que foi previamente aprendido. Os atos e palavras empregados pelo professor são resultado daquilo que foi impresso em sua mente sobre aquele assunto. Antes de se ensinar, aprende-se. Esse princípio, que se aplica ao ato de ensinar – o estudante inspira aquilo que foi expirado pelo professor – também se aplica à própria maneira de aprender. A natureza do aprendizado é uma natureza dinâmica: inspira-se, através do recebimento da informação e de sua absorção, e expira-se, através de sua representação, a própria impressão daquele conhecimento na alma do estudante.

Um dos princípios-chave da Educação Clássica Católica é o respeito a esse princípio, é respeitar e honrar a natureza da criança e a natureza do aprendizado. Para atingir esse fim, a Educação Clássica emprega dois modos de instrução, a Instrução Mimética e a Instrução Socrática.

Instrução Didática

A instrução didática consiste principalmente na passagem de conteúdos do professor para o aluno de maneira passiva, por exemplo através de leituras, aulas discursivas. Discutiremos mais sobre a instrução didática no futuro. Apesar de não ser um modo próprio da Educação Clássica, é grandemente utilizada na Educação Mimética, mas não deve ser confundida com ela.

Instrução Mimética

E educação pode ser bem definida como o “cultivo da sabedoria e da virtude na alma através da promoção do verdadeiro, do bom e do belo". Em resumo, em aprender e crescer em virtude.

A Instrução Mimética fundamenta-se na ideia de que o ser humano aprende e cresce em virtude através da imitação. A Educação Clássica vê, porém, essa imitação não como um “macaquear” ou uma simples arremedação, mas como uma verdadeira mimesis, imitação interior, e não exterior. Ao aprender algo de maneira mimética, o aluno abstrai a ideia por meio do exemplo e da imitação e a internaliza, aplicando o que foi aprendido em sua vida. A educação mimética consiste em cinco etapas:

1. Pré-percepção

Pela memória, considera-se o que já se sabe sobre aquela ideia ou verdade, ou ideias correlatas.

2. Percepção

Pelos sentidos, considera-se a ideia em si mesma e sobre sua aplicação (por exemplo, ouvir a beleza de uma música ou de uma obra de arte)

3. Absorção

Imprime-se aquela ideia na alma através do senso comum, isto é, onde os sentidos físicos encontram a alma. Poderíamos considerar esse estágio como “contemplativo”, pois nele a alma une as diversas informações passadas pelos sentidos para construir uma ideia sobre o que está sendo tratado. Imaginemos uma escultura que expressa alegria. Os sentidos vêem apenas linhas, cores, formas. É o senso comum que une essas informações a fim de montar uma ideia na mente daquele que a admira.

4. Compreensão

Neste estágio, a mente apreende a ideia, isto é, compreende aquilo que foi absorvido para a alma. Aqui o aprendizado é feito. Aqui se conclui a inspiração

5. Representação

A ideia é impressa no estudante com uma nova forma. Aqui de fato a ideia ou verdade é personificada e imitada. Aqui se faz a expiração. Se apresenta a nova forma daquilo que foi impresso nos estágios precedentes.

Para compreender essas cinco etapas, consideremos, como exemplo, a ideia do Lar na Odisseia de Homero:

1. O que você considera um lar? Como é o seu lar? Você já esteve longe do seu lar por muito tempo?

2. Na leitura do livro, percebe-se a ideia de lar: casa de Nestor, de Zeus, de Menelaus, de Odisseu, etc.

3. Comparam-se os diferentes lares, incluindo o seu próprio: O que esses tipos (exemplos) de lar me ensinam sobre a ideia de “lar”?

4. O que um lar deve ser? O que torna algo um “lar”?

5. Representa-se o conhecimento adquirido por ideias, como num escrito, numa conversa ou numa explicação sobre o tema; ou por ações, como o cuidado maior pelo lar, a mudança de comportamento com relação a estar nele, etc.

A mimesis é a imitação, não da forma exterior, mas da ideia – não de uma ação, mas da ideia expressa nessa ação. Cada arte e habilidade é aprendida por essas etapas, seja na escola ou fora dela. É uma forma indutiva de instrução modificada, na qual os alunos são levados a entender ideias, contemplando modelos ou tipos deles. Esses modelos podem ser encontrados na literatura, história, matemática, música, artes, outras atividades humanas e na própria natureza.

Para educar de forma mimética, deve o professor seguir cinco estágios:

1. Preparação

O professor apresenta algo que o aluno já conhece ou cria a necessidade da ideia que será passada. Dessa maneira, o professor guia o aluno a preencher as lacunas que devem ser preenchidas pelo novo conhecimento a adquirir. Durante essa fase, a atenção, habilidade de raciocínio e imaginação do aluno estarão em grande atividade. O aluno ganhará confiança ao recordar os pontos que já conhece e percebê-los como ferramentas para o novo desafio. De igual maneira, o professor poderá melhor adaptar-se às necessidades dos alunos e o processo de aprendizado em geral será muito mais fácil e marcante. Essa é uma das partes mais importantes do processo de ensino e cerca de 40% do esforço e do tempo devem ser empregados nela, pois em grande parte da preparação depende o sucesso da instrução. Por exemplo, antes de se ensinar a multiplicar, o professor recorda a soma. Antes de se somar dois dígitos, deve-se apresentar a soma de um dígito só. Antes de se tratar da conjugação de determinado verbo, trata-se dos substantivos, etc.

2. Apresentação de tipos

O professor apresenta tipos, isto é, exemplos e ilustrações que incorporam e simbolizam a ideia que está sendo apresentada. Durante esta fase, a memória e a recordação ajudarão o estudante a resolver os problemas apresentados, participando neles. Cerca de 25% do tempo deve ser empregado nesta fase. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor aplica dois ou três casos de multiplicação a partir do conhecimento já adquirido (soma). Ao ensinar a soma de dois dígitos, aplica alguns exemplos (por exemplo a quantidade de alunos na sala) em que essa soma de dois dígitos seja necessária, etc.

3. Comparação de tipos

Após verem vários tipos, os alunos naturalmente começam a compará-los. Nesta fase, cabe ao professor aprofundar essas comparações através de perguntas. Todo processo é fundamentado no uso da memória e do raciocínio dos estudantes que comparam e entendem a relação entre os tipos. Toda a ideia desta fase é guiar os alunos a encontrar padrões por si mesmos (embora guiados e induzidos pelo professor) de modo a chegarem ao entendimento da ideia apresentada. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor induz os alunos a perceberem que a multiplicação nada mais é que repetir a soma. Isso pode ser feito, por exemplo, mostrando multiplicações simples como $3 \times 3$, $3 \times 4$ e $3 \times 5$ induzindo os alunos, através de perguntas e mesmo contra-exemplos, a perceber o padrão apresentado na ideia.

4. Compreensão e expressão da ideia

Após o encontro de padrões, o professor deve pedir aos alunos para explicar ou descrever a ideia utilizando suas próprias palavras, deve guiá-los para a apreensão da ideia e a exteriorização do que até então esteve apenas internamente neles. Deve-se verificar o aprendizado não apenas em um, mas em vários alunos, senão em todos. É importante fazer boas perguntas para que um aluno simplesmente não repita o outro, mas sempre demonstre seu entendimento. Pode ser útil fazer algo escrito para garantir o sucesso do exame. Caso os alunos não consigam explicar ou descrever a ideia ensinada, deve-se voltar ao ponto 3 e comparar os tipos com maior cuidado. Esta fase tende a ser a mais curta do processo. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor pede multiplicações de alguns alunos, de outros pede para explicarem o conceito, a outros dá problemas matemáticos que se resolveriam aplicando o que foi aprendido, a outros pede-se que explique como fazer para outra pessoa. A analogia à inspiração e expiração aqui encontra sua maior similaridade: Uma vez adquirido o conhecimento, nesta fase os alunos devem ser guiados a expressá-lo. Este também é um bom momento para engajar os alunos de forma socrática, como veremos a seguir, a fim de chegarem ao conhecimento através do membro processo.

5. Aplicação da ideia

Somente após os alunos conseguirem expressar por si mesmos a ideia em questão deve o professor revisar a lição e apresentar exercícios de aplicação do que foi aprendido. O professor fará isso através de exercícios que pratiquem mediante a repetição e da diversidade o que foi ensinado e testem a apreensão da ideia pelo aluno por meio de aplicações reais dela. Essa fase é muito importante e não se deve satisfazer-se com pouco, nela.

Dorothy Sayers, em seu “The Lost Tools of Learning”*, indica que devemos ensinar as pessoas da mesma maneira como se faz o polimento de uma madeira: seguindo a direção da fibra, e não indo contra ela. A educação mimética está radicada nesta ideia: Os seres humanos só podem aprender movendo-se da parte ao todo, do particular – coisas específicas e concretas – para o universal – ideias gerais e abstratas.

Instrução Socrática

A Instrução Socrática é o processo dialético de examinar uma ideia “desconstruindo-a” para encontrar fraquezas e inconsistências no entendimento de alguém, e depois “reconstruindo-a” para esclarecer ou purificar o entendimento do aluno. Esses dois estágios são realizados envolvendo-se em discussão reflexiva (dialética) com o aluno, não para destruir, mas para purificar seu entendimento. Esta discussão reflexiva é realizada através do uso de perguntas penetrantes pelo professor.

Sem dúvidas, a Instrução Socrática é o modo de instrução mais mal compreendido, mas também é um dos mais poderosos. Mal compreendido porque facilmente se confunde com elementos da educação progressista em que se visa “desconstruir” as visões dos alunos para doutrinação ideológica ou elementos em que o professor não assume a postura de mestre, mas de alguém que também está querendo aprender com os alunos. Confunde-se também com simples discussões relativistas e debates vazios. A Instrução Socrática difere muito desses elementos empregados pela educação progressista sobretudo porque não encara a discussão como fim em si mesmo, mas é verdadeiro modo de ensino. É uma verdadeira lição, tal como a feita didaticamente, na qual o professor guia o aluno à verdade através de um processo dialético.

A Instrução Socrática não é um método que pode ser sempre empregado, nem mesmo pode ser “marcado para acontecer”. Ele deve ser empregado quando as condições assim o pedirem, em geral quando há uma falsa compreensão do assunto que precisa ser substituída pela correta compreensão.

Há, basicamente, três estágios na Instrução Socrática:

1. Estágio Irônico

O estágio irônico consiste em, com delicadeza, revelar os erros contidos na compreensão dos estudantes e desconstruir o pensamento errado do aluno. A primeira etapa do estágio irônico é realmente entender o que o aluno pensa. O professor deve fazer perguntas de comparação e definição com a intenção de encontrar contradições no pensamento do aluno. Esse estágio é vital, porque se o aluno pensa de maneira errada no pouco, isso no futuro resultará em grandes erros.

2. Estágio metanoico

Após ter entendido como o aluno pensa e encontrar as contradições nesse pensamento, o professor deve, com mais perguntas, levar o aluno a perceber as suas contradições e erros do seu pensamento e reconsiderar aquilo que antes pensava ser verdade. Essa etapa se chama metanoia, ou arrependimento, mudança de pensamento.

3. Estágio Maiêutico

Nesse ponto, o professor continua a fazer perguntas, orientando o aluno a enxergar a verdade e guiando-o na correta compreensão, é o momento de construir o pensamento correto no aluno. Pode-se fazer isso empregando a instrução mimética ou mesmo didática, sempre aplicando os princípios do questionamento socrático, ou ainda dando exemplos e analogias da ideia na vida real. O estudante, através dessa instrução, contempla e compara as analogias até “dar a luz” (1) à ideia na sua mente.

O professor aproxima o aluno da compreensão precisa de uma ideia através deste processo. A instrução socrática está enraizada na ideia de que a verdade é cognoscível, mas que geralmente somos descuidados sobre como sabemos disso. Nós tiramos conclusões muito apressadamente e depois as aplicamos amplamente. Para amadurecer em nosso raciocínio, devemos purificar nosso pensamento através de uma dialética crítica socrática.

Dada sua natureza, há alguns princípios que podem ajudar o professor a praticar a Instrução Socrática e levar os alunos à verdade. Em primeiro lugar, respeito e amor deve preencher toda a instrução. O professor deve ter grande respeito pelo aluno como um buscador da verdade. As perguntas, as respostas, a linguagem corporal e mesmo o tom de voz deve refletir essa atitude. Em segundo lugar, o professor deve garantir que entendeu o que o aluno quis dizer. Isso pode ser feito com perguntas “Você quer dizer isso, entendi corretamente?”.

Em terceiro lugar, o professor deve ser paciente e respeitar o tempo de cada aluno. Não dar de pronto a resposta da pergunta, mas guiar o aluno à resposta verdadeira. Por fim, o professor deve ter um inegociável e irreprimível compromisso com a verdade. A verdade é mais importante que se provar certo. Ser fiel à verdade é ser fiel à Verdadeira Verdade, Nosso Senhor Jesus Cristo, e guiar os alunos até Ele, como princípio da Educação Católica, é nosso dever inescusável como educadores.

(1) Este é o significado de maiêutico, estágio parteiro.

Retirado do site: Link

* Este livro da Dorothy Leigh Sayers foi publicado em português pelas Edições Kírion com o título "As ferramentas perdidas da aprendizagem" em 2023.


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