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Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 1

Vincent van Gogh, Os livros amarelos, 1887
Neste texto, trago uma lista com alguns livros em língua portuguesa sobre educação. O critério da lista foi a minha pesquisa por livros sobre educação que não contivessem influências ideológicas e que estivessem preocupados em explanar sobre uma verdadeira educação. Muitos desses livros foram publicados pela primeira vez ou republicados recentemente no Brasil. Obviamente não é uma lista completa ou definitiva. Espero que continuar esta lista posteriormente.






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História da Educação na AntigüidadeHenri-Irénée Marrou. EPU, 1973 e Edições Kírion, 2017.

Sinopse: "Não se deve dizer, como o fazem freqüentemente seu detratores, que a cultura clássica 'nasceu com a cabeça virada para trás', olhando para o passado: ela não é como um outono, torturado com a lembrança nostálgica da primavera desaparecida. Ela se imagina, antes de tudo, como firmemente estabelecida num imóvel presente, em plena luz de um quente sol de verão. Ela sabe, ela reusa; os mestres estão ali.

Pouco importa que eles hajam aparecido em tal ou qual momento do passado, sob o efeito de tal ou qual força histórica: o importante é que existam, que novamente os descubra, da mesma maneira, cada uma das gerações sucessivas, que sejam reconhecidos, admirados, imitados".



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História da Educação na Antigüidade Cristã. Ruy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1978 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Henri Marrou dedica os dois últimos capítulos de sua História da Educação na Antigüidade às relações entre a educação clássica e o advento do Cristianismo e ao surgimento das escolas cristãs de tipo medieval. Nesta História da Educação na Antigüidade Cristã, Ruy Afonso da Costa Nunes dá seqüência ao trabalho de Marrou expondo as concepções pedagógicas dos Santos Padres — os doutores e escritores cristãos dos primeiros séculos — no contexto escolar e cultural do fim do mundo antigo.

“O Logos divino se encarnou, se fez homem para a nossa salvação. Agora não precisamos mais de nenhuma escola humana, não nos devemos preocupar com Atenas, com o resto da Grécia ou com a Jônia. Temos por didáscalos, mestre, aquele que tudo sabe e tudo criou com o seu poder e a sua bondade, e esse Mestre tudo nos ensina por meio das suas profecias, das suas leis e da sua doutrina, e pelo Logos divino o mundo inteiro tornou-se Atenas e Grécia”.

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História da Educação na Idade MédiaRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1979 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Depois de ter exposto, em sua História da Educação na Antigüidade Cristã, as idéias e a prática pedagógica dos Santos Padres, Ruy Afonso da Costa Nunes examina agora as transformações culturais e educacionais que ocorreram desde o fim do mundo antigo — a evangelização dos bárbaros e a preservação da cultura greco-romana feita pelos monges cristãos — até o século XIII, “o maior dentre os séculos”, com o surgimento das universidades e da escolástica, o apogeu da educação medieval.

“Da queda de Roma em 476 e do ocaso do Império Romano do Ocidente até ao surgimento da nova civilização medieval no início do século XII, estendem-se os séculos intermediários em que se contam as agitações, as guerras, a insegurança e as invasões, ao mesmo tempo em que se registra a cristianização dos povos germânicos e se processa a assimilação do patrimônio cultural antigo preservado pela Igreja Católica”.

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História da Educação no RenascimentoRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1980 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Nesta História da Educação no Renascimento, Ruy Afonso da Costa Nunes descreve a grande transformação que se deu na Europa nesta época, compondo, com riqueza de detalhes, o quadro geral das causas que confluíram para o ocaso da Idade Média e para a ascensão do humanismo. Além de delinear a mudança nas concepções e nas práticas pedagógicas no Renascimento, o historiador oferece um verdadeiro roteiro de estudos a quem queira se aprofundar no tema, registrando a biografia e as principais obras dos pedagogos mais relevantes do período.

“O fato histórico do Renascimento resultou da confluência de numerosos elementos de natureza diversa: grandes transformações econômicas e sociais, os descobrimentos marítimos e a formação dos impérios coloniais, surgimento de nova arte, aparecimento do humanismo e da ciência moderna, e a crise religiosa que levou à revolução protestante e à reforma católica. [...] A transformação da vida social na Europa, a aceitação de novos valores e o culto do ideal profano da vida pagã alardeado nas obras clássicas refletiu-se de modo claro na educação renascentista, nos escritos dos pedagogos e dos humanistas. Através do estudo da história das instituições e das idéias educacionais do Renascimento pode avaliar-se a extensão e a intensidade das transformações pelas quais passou a Europa no fim da Idade Média e no início da Idade Moderna”.

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História da Educação no século XVIIRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1980 e Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Com esta História da Educação no Século XVII, o autor encerra sua descrição das concepções, práticas e valores educacionais iniciada na História da Educação na Antigüidade Cristã. Tendo exposto as idéias pedagógicas dos primeiros mestres cristãos, as mutações culturais e civilizacionais transcorridas do fim do mundo antigo até o apogeu das universidades medievais, e em seguida o renascimento do humanismo por sobre o ocaso da Idade Média, Ruy Afonso da Costa Nunes delineia agora o nascimento da ciência e da filosofia modernas e sua influência na educação, tanto na metodologia e na formulação da didática como nos próprios conteúdos a serem estudados. Retrata, além disso, as diversas iniciativas de educação popular promovidas pela renovação das ordens religiosas.

“O século XVII foi a época da gênese da ciência moderna, com grandes avanços no campo das matemáticas e com o emprego vitorioso do método experimental que deu impulso às ciências da natureza, e à física de maneira especial. [...] Pareceu-nos válido e proveitoso começar este livro por um capítulo consagrado à apresentação panorâmica do século XVII, a fim de bem situar a floração das idéias pedagógicas e a germinação de certas instituições educacionais numa época de profunda perturbação política e de crise da consciência européia. [...] Cumpre, ainda, lembrar que fazemos questão de dar ênfase aos aspectos educacionais do século XVII que mais influenciaram os países latinos e que mais interessam à nossa própria história cultural”.

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Paideia: A formação do homem grego. Werner Jaeger. WMF Martins Fontes, 2010.

Sinopse: "Esta obra famosa de Werner Jaeger, um dos marcos da cultura do nosso tempo, é o estudo mais profundo e completo sobre os ideais de educação da Grécia antiga. Jaeger estudou a interação entre o processo histórico da formação do homem grego e o processo espiritual através do qual os gregos chegaram a elaborar seu ideal de humanidade. A partir da solução histórica e espiritual, foi possível chegar ao entendimento da criação educativa sem par de onde se irradia a imorredoura influência dos gregos sobre todos os séculos".

 

 

 

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Didascalicon. Sobre a Arte de Ler. Hugo de São Vitor. Edição bilíngüe Latim-Português. Tradução e notas: Roger Campanhari. Edições Kírion, 2018.

Sinopse: O que aqui se oferece ao leitor é uma obra rica e profunda, que por muito tempo constituiu um dos pilares da educação cristã. Neste Didascalicon sobre a arte de ler, o mestre Hugo de São Vítor apresenta as artes liberais e orienta seus alunos mostrando o que devem ler, em que ordem e, especialmente, de que modo devem fazê-lo. Tendo como base a tradição e as Sagradas Escrituras, sua pedagogia visava formar os estudantes para alcançarem a contemplação, o último grau da Sabedoria — com a qual “tem-se um antegosto nesta vida do que será a recompensa futura” —, uma formação integral que proporcionasse a união com Deus. Colocando o foco da educação no próprio estudante, este modelo da educação cristã não é um livro sobre como ensinar, mas sim sobre como aprender; não é um tratado de didática, mas uma verdadeira aula a todo aquele que deseje percorrer o caminho que conduz à Sabedoria.

“Existem principalmente duas coisas por meio das quais alguém é conduzido ao conhecimento, a saber, a leitura e a meditação, das quais a leitura vem em primeiro lugar no aprendizado, e é sobre ela que se ocupa esse livro, oferecendo os preceitos da arte da leitura. São três os preceitos mais necessários à leitura: primeiro, saber o que se deve ler; segundo, em que ordem se deve ler, isto é, o que vem antes e o que vem depois; terceiro, de que modo se deve ler. Este livro trata destes três preceitos, separadamente. Assim sendo, ele instrui tanto sobre a leitura dos escritos profanos quanto sobre a dos divinos”.

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A Formação da Personalidade. Padre Leonel Franca. Agir Editora, 1938. Edições Hugo de São Vitor, 2019 e Edições Kírion, 2019

Sinopse: Composta por diversos escritos pedagógicos e morais de Leonel Franca e lançada originalmente em 1938, esta obra nos desafia a arregaçar as mangas, pegar no arado e mover os sulcos empedrados e desnutridos de nossa alma!

Em suma, uma obra que molda caráter!

Trecho inicial do capítulo I Formação:

"Quem diz formação diz esforço para adquirir ou comunicar uma forma. E forma tem, aqui, não o seu significado óbvio e corrente de feitio, figura, aparência externa das coisas, forma; mas o sentido mais profundo e filosófico de perfeição, atuação de uma potencialidade anterior. Formar-se é, no sentido amplo, adquirir novas qualidades, acordar perfeições que dormiam nas possibilidades da nossa natureza.

Nessa acepção formação é quase sinônimo de cultura, e a análise de uma destas noções esclarece a outra. A palavra cultura, aplicada ao homem, é metafórica e deriva da analogia com os campos, aos quais se aplicam primeiro e ainda se aplica em sentido próprio. Cultivai --- Agricultura. Tomai uma terra no seu estado nativo; cardos e espinhos, ervilhaca e tiririca; plantas úteis e ervas venenosas --- tudo em desordem e confusão --- é uma terra brava --- selvagem. Passai-lhe o arado, arroteai-a, enriquecei-lhe com adubos apropriados a fecundidade natural e tereis jardins, pomares e plantações: é uma terra cultivada. Transportai a analogia para nossa vida superior.

Também aqui, no domínio do espírito --- uma grande possibilidade da natureza, a psicologia humana com toda a riqueza de suas virtualidades latentes; a inteligência, o sentimento, a atividade. Também aqui deixai todas estas virtualidades em seu estado bruto, nativo --- tereis o homem selvagem --- o bárbaro, o inculto. Aplicai-lhes o esforço, o trabalho que fecunda a natureza e desenvolveis as suas forças originais, tereis o homem culto ou cultivado".

Como pode-se ver, haverá um você antes e um você depois deste livro; realmente é algo precioso.

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Encíclica Divini Illius Magistri: Sobre a Educação Cristã. Pio XI. Várias editoras. Santa Sé, 1929. Disponível pelo link.

Sinopse: A encíclica trata da educação cristã da juventude, e foi escrita em resposta ao surgimento (principalmente no século XIX e início do século XX) das “novas teorias pedagógicas”, que erroneamente propunham métodos e meios, não só para facilitar, mas também para criar uma nova educação de “infalível eficácia”, que pudesse preparar as novas gerações para a suspirada felicidade terrena.

Diante desse cenário, o Papa propôs os seguintes questionamentos:

- Qual o papel da família, da Igreja e do Estado na educação?

- O que pensar da educação pública gratuita, das escolas mistas, da educação sexual?

- Os católicos ainda são obrigados a mandarem seus filhos estudarem em escola católicas?

- É lícito ter professores não católicos nas escolas católicas?

- Os pais devem proteger os filhos dos meios de comunicação de massa?

Estas questões foram respondidas por Pio XI neste documento que define um programa completo de recristianização da sociedade, defendendo as prerrogativas da família e a supremacia da Igreja contra um Estado laico, que cada vez mais busca arrancar os jovens das famílias para educá-los na ideologia revolucionária. Apesar de ter sido publicada em 1929, as falsas doutrinas educacionais de então pouco mudaram, fazendo desta encíclica um antídoto seguro, eficaz e atual contra os erros do nosso tempo.

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Filosofia da Educação segundo Santo Tomás de Aquino. Mary Meyer e Edward Fitzpatrick. Editora Odeon, 1935 e Editora Rumo à Santidade, 2023.

Sinopse: A educação no Brasil tem passado por diversas transformações nos últimos anos. Tanto o fomento às escolas em tempo integral quanto o novo currículo do Ensino Médio sinalizam mudanças profundas na formação de nossas crianças e adolescentes. Este cenário, muitas vezes incerto, convida pais e professores, preocupados em transmitir valores perenes, a se prepararem cada vez melhor para o mister de ensinar e a contraporem as ideologias antinaturais que se ocultam de múltiplas maneiras, em especial nos materiais didáticos.

Podem recorrer os educadores com segurança à obra “De magistro” de Santo Tomás de Aquino que, apesar dos seus séculos de existência, não foi até hoje superada em questões de filosofia da educação por quaisquer outras teorias, inclusive de inspiração evolucionista. Portanto, o presente livro se harmoniza, sem percalços, às necessidades de nosso contexto, como se verifica nos comentários elaborados pelos autores.

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Filosofia da Educação. Dom Antônio Maria Alves de Siqueira. Editora Vozes, 1948 e Calvariae Editorial, 2021

Sinopse: De fato, educar é transmitir espiritualmente a própria personalidade, em todo o seu complemento, não somente no que respeita aos conhecimentos especulativos, senão também e maximamente no que interessa ao procedimento moral e princípios de ação. Como transmitir o que se não possui? Aprender, portanto, antes de ensinar. "Há de ser péssimo mestre o que nunca aprendeu a ser discípulo. Miserum est enim eum fore magistrum qui nunquam se novit esse discipulum". Formar-se a si próprio, antes de formar os outros.

"Nada poderá substituir a séria reflexão sobre as operações da própria alma; este é o estudo que leva ao conhecimento exato dos homens".

"É erro profundo, ensina Spalding, crer que princípios, regras e métodos constituem o principal em matéria de educação. O professor vale o que vale o homem".

E, portanto, "teacher, educate thyself".

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A Educação Segundo a Filosofia PereneAntônio Donato Paulo Rosa. Disponível pelo link.

Sinopse: Vamos esboçar um plano a ser seguido, dividido em dez capítulos:

No primeiro capítulo, do qual estas linhas já fazem parte, fazemos uma introdução e um apanhado de notas biográficas sobre a vida e a obra de S. Tomás de Aquino.

No segundo capítulo, com base no Comentário ao Livro X da Ética, mostraremos como o fim do homem é a felicidade e como esta felicidade, não considerando os dados da Revelação, reside na contemplação; mostraremos, em seguida, a concepção de educação que daí se origina.

No terceiro capítulo, examinaremos os pressupostos históricos desta concepção de educação cuja finalidade última é a contemplação.

No quarto capítulo, examinaremos os pressupostos psicológicos que fundamentam esta forma de educação.

No quinto e sexto capítulos trataremos a respeito dos requisitos pedagógicos imediatos para a contemplação.

No sétimo capítulo trataremos dos requisitos pedagógicos remotos para a contemplação.

No oitavo capítulo abordaremos os pressupostos metafísicos desta concepção de educação.

No nono capítulo passaremos aos pressupostos políticos da educação para a contemplação.

Finalmente, no décimo capítulo, a que denominaremos de Perspectiva Teológica, fugiremos à metodologia que terá sido seguida em todo este trabalho e apontaremos sumariamente que modificações trariam ao quadro precedente da educação os textos teológicos de S. Tomás de Aquino. De fato, o pensamento completo de S. Tomás de Aquino só poderia ser exposto levando-se em conta seus trabalhos considerados teológicos, não apenas naquilo que eles contém de filosófico, mas também naquilo que contém de propriamente teológico. Tal como no pensamento filosófico, o pensamento teológico de S. Tomás de Aquino contém muito do que há de melhor em todos os teólogos que o precederam; uma exposição completa do assunto, porém, ultrapassaria os objetivos do presente trabalho, de modo que nos restringiremos a apontar diretivas gerais com o fim de uma melhor compreensão dos limites do presente trabalho.

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A idéia de verdade e a educaçãoRuy Afonso da Costa Nunes. EPU, 1978 e Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Ruy Afonso da Costa Nunes nos apresenta neste livro um estudo a respeito das concepções de verdade de vários autores da Antigüidade, da Idade Moderna e Contemporânea, guiando-nos de maneira clara e didática numa visão geral sobre o tema, enriquecida pela quantidade e pela precisão de suas pesquisas, sem poupar a crítica e a ironia para com alguns filósofos. Em seguida, correlaciona a verdade e a educação, mostrando a importância dessa idéia e suas decorrências na prática cotidiana do ensino.

“A qualidade fundamental de quem filosofa é a fidelidade ao real, sob pena do recalcitrante se tornar vítima de alucina­ções intelectuais e de veros absurdos. Por isso, quando um pensador timbra em não reafirmar uma tese porque ela já foi exposta ou defendida por outrem, arrisca-se a defender freqüentemente uma tolice monumental só pelo prazer de estar a dizer algo de novo e, portanto, de ser original. Foi só devido a essa mania de originalidade que certos autores ousaram contestar a noção clássica de verdade que na prática, na convivência com outras pessoas e nos próprios estudos pessoais, eles conti­nuam implicitamente a admitir”.

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Pequena História da Educação. Ruy de Ayres Bello. Editora do Brasil, 1945 e Edições Liceu, 2020

Sinopse: “É a educação um fato social tão antigo quanto o próprio homem, devendo ter sido praticada desde que apareceu na Terra a primeira família humana. Coincide, assim, o início da História da Educação com o da História da Humanidade. Desse modo, para remontarmos às origens históricas da atividade educativa, teremos de estudá-la a partir de sua forma mais simples, por assim dizer, embrionária, tal como teria sido praticada entre os povos primitivos.”

— A educação primitiva

“Sócrates não foi, rigorosamente, um educador. Não foi um profissional do ensino, como os sofistas, nem chegou a fundar uma escola, como fizeram, em geral, os outros filósofos gregos. Tampouco, pretendeu formular uma doutrina educativa ou um sistema pedagógico. Entretanto, se tomarmos a palavra educador no seu sentido mais amplo, para qualificar o homem que intencionalmente consagra a sua atividade ao bem espiritual de seus semelhantes, mesmo que não exerça de maneira sistemática e formal a atividade docente, ninguém mais do que o grande filósofo merece esse título, pois toda a sua vida foi consagrada a esse ideal.”

— A educação na Grécia

“A história da educação no Brasil começa com o ato de D. João III determinando a vinda dos padres jesuítas para a catequese dos primitivos habitantes do país. Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil com o governador Tomé de Sousa, em 1549, tendo como superior o padre Manuel da Nóbrega. Foram eles os padres Leonardo Nunes, Antônio Pires, João Aspicuelta Navarro e os noviços Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. Em 1550 vieram os padres Afonso Brás, Francisco Pires, Salvador Rodrigues e Manuel Paiva. Com esses novos elementos, pôde o padre Nóbrega fundar a primeira escola jesuíta do Brasil, um orfanato, localizado na Bahia e que se denominou de Colégio dos Meninos de Jesus. A este se seguiu, em 1553, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente.”

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Filosofia PedagógicaRuy de Ayres Bello. Editora Globo, 1946 e Edições Liceu, 2021

Sinopse: A Ciência é um conhecimento certo pelas causas. Cognitivo certa per causa, diziam os antigos. Também a Filosofia é um conhecimento certo pelas causas, e nisto participa da mesma natureza da Ciência. Mas, enquanto a Ciência só procura atingir a causas próximas dos fatos que estuda, a Filosofia tem como objeto as causas universais, isto é, causas primeiras desses fatos. Por isso é que se define a Filosofia como "o conhecimento natural que considera as causas primeiras ou as razões mais elevadas de todas as coisas."

Vê-se, assim, que a Filosofia, tendo o mesmo objeto material da Ciência, o mundo, o homem e Deus, o considera de um ponto de vista formalmente diverso. Exemplificando: a alma humana é objeto material, tanto da Psicologia Experimental como da Psicologia Racional, que é uma parte da Filosofia. Mas, enquanto o objeto formal da Psicologia Experimental são, apenas, os fenômenos psíquicos e suas causas imediatas, a Psicologia Racional investiga as causas primeiras desses fenômenos, as suas razões mais altas, chegando, assim, à própria essência da alma. Outra exemplo: os corpos físicos são o objeto assim da Física, como da Filosofia, mas, enquanto a Física se limitará ao estudo das propriedades dos corpos e das leis que regem os fenômenos que neles se manifestam, ligando os fatos sensíveis pelas suas dependências e causalidades, a Filosofia procura descobrir, através desses fenômenos, a própria essência dos corpos, com o que atingirá a razão mais alta dos fenômenos observados. 

É que a Ciência só pode ir do visível ao visível, enquanto a Filosofia parte do visível para o invisível, pois que o seu objeto formal próprio se situa além do mundo dos fenômenos e da experiência sensível. Noutras palavras: a Ciência se limita ao domínio do que pode ser observado pelos sentidos, ao passo que a Filosofia se orienta para o conhecimento dos princípios que, por sua natureza mesma, escapam à percepção dos sentidos. 

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A Crise da Educação OcidentalChristopher Dawson. Editora É Realizações, 2020.

Sinopse: Em A Crise da Educação Ocidental, Christopher Dawson analisa os ideais pedagógicos da história do Ocidente, delineando as origens dos problemas enfrentados pelos sistemas educacionais modernos. Ele defende que o abandono do antigo ideal humanista teve como resultado a educação de caráter utilitário que temos atualmente, no qual o aluno deve aprender apenas o que é útil à sociedade e ao mercado de trabalho. Segundo Dawson, o papel da educação foi decisivo no desenvolvimento da cultura do Ocidente, quando as artes liberais, que remontam às tradições greco-latinas, tiveram grande destaque na época do surgimento da universidade. Porém, na era moderna, especialmente no Iluminismo, ocorreu o abandono completo da cultura clássica para se estabelecer o ensino técnico-científico. Para Dawson é necessário restabelecer uma visão mais abrangente da educação, retornando às raízes culturais que formaram a cultura ocidental.

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O Problema da Educação Brasileira. Cláudio Titericz. Editora ISA, 2022.

Sinopse: "Verifiquei que o ensino atual, centralizado e voltado exclusivamente para a economia, o qual muitos ainda pensam tratar-se de educação, considera os estudantes como seres humanos incompletos que têm uma finalidade muito diferente daquela dos gregos, dos cristãos ou da escola clássica. E uma pergunta me veio ao finalizar este estudo: será que temos uma saída para resgatar este ser humano e elevá-lo ao patamar que sua dignidade merece? este livro traz uma síntese de como responder esta questão, além de pretender introduzir o leitor no mundo da educação".




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O Método Educativo de Dom Bosco. Mario Casotti. Editora IVE, 2022.

Sinopse: Não estamos diante uma pedagogia otimista ingênua, mas fundada em um realismo antropológico e teológico que considera o homem em sua integralidade horizontal e vertical; horizontal porque leva em conta todos os aspectos do ser natural: sensibilidade, inteligência, vontade, afetos etc. Vertical porque esse mesmo homem também tem uma dimensão que olha para cima, para o sobrenatural: uma pedagogia que integra fé e razão unidas pelo amor.

Esperamos que este livro possa ser um fermento de renovação para a pedagogia no Brasil; uma alternativa às teorias pedagógicas materialistas e imanentistas hoje imperantes em nosso sistema educacional. Em particular, fazemos votos para que o presente livro seja útil a todos aqueles interessados em conhecer as práticas e os princípios de uma autêntica pedagogia católica.

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A Pedagogia de Santo Tomás de AquinoMario Casotti. Editora IVE, 2022.

Sinopse: O que há de mais vazio e superficial nas recentíssimas teorias pedagógicas, aquele contínuo encher a boca de palavras vãs e imprecisas, aquela conversa sem sentido de autoeducação, de liberdade, de “criação”, aquele ingênuo otimismo naturalista, que faz do aluno e da criança um semideus , encontrava já em Santo Tomás o crítico mais categórico e radical que se poderia desejar.

A pedagogia de Santo Tomás não foi estudada por nós com uma intenção arqueológica, diríamos, como para descobrir e exibir um monumento digno de um passado glorioso, mas para mostrar os numerosos e atualíssimos problemas que um pensamento eternamente jovem, próprio da juventude imortal da verdade, levanta quando é reconsiderado em relação às novas necessidades do espírito moderno.


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Desconstruindo Paulo FreireThomas Giulliano (Org.). Editora ‏História Expressa, 2020.

Sinopse: Há três anos era lançado o “Desconstruindo Paulo Freire”. Após esse tempo, considerei necessário acrescentar novos textos nessa discussão teórica em torno do pedagogo mais conhecido de nosso país. Sintetizo essa necessidade como uma inquietação intelectual de querer materializar em um livro as novas pesquisas que realizei acerca da pedagogia de Paulo Freire. Na época em que pela primeira vez me deparei com os escritos de Paulo Freire, ainda não tinha o entendimento de sua repercussão. Ao longo desses anos de estudos, entendi que muitos que o criticam estão certos, mesmo desconhecendo o porquê. Gradativamente, percebi, leitura a leitura, que Paulo Freire é a personificação de que o nosso contemporâneo vive uma realidade paralela dos sentidos. Também descobri que as análises acerca da pedagogia freireana descoladas de uma massa amestrada ocupam a condição de demanda intelectualmente reprimida. Pertence a Paulo Freire o título de mentira selecionada que entrou para os anais permanentes das verdades tupiniquins. Em nosso estado de barbárie social, passou a ser tratado como a síntese de uma pluralidade, homem que congrega um conjunto de virtudes singulares, sinônimo de objeto inimputável, intelectual travestido de paladino das massas. Apesar de Paulo Freire ser um autor entediante, ao longo dos últimos meses, entendi que seria insuficiente deixar à disposição dos leitores apenas a versão de estréia do “Desconstruindo Paulo Freire”. Esta nova edição mantém as versões de todos os seus textos inaugurais. Esse método é motivado pela crença historiográfica de que eles são evidências de um tempo com história e representação próprias. Uma vez que o passado existe enquanto realidade temporal, não me agrada mutilar qualquer fonte histórica em busca de uma pretensa evolução investigativa. Prefiro escrever um novo texto a ter que alterar o material passado, independentemente de o escrito ter mais doses de erros ou acertos, pois, pensem comigo, tanto uma retratação quanto um aperfeiçoamento geram um novo texto. Percebam que caso eu mudasse o artigo “O patrono do pau oco”, ou qualquer outro escrito, perderíamos um texto original. Teríamos novos textos, melhores ou piores, mas não seriam os mesmos. Seus períodos de composição passariam a ser suplantados em busca de melhorias que comportam alguns limites. Palavras seriam substituídas, complementos teóricos desenvolvidos. Não considero isso justo com o que realizei editorialmente. Prefiro preservar até as páginas que explicitam a minha inquietude em desconstruir o patrono da educação de meu país logo em minha estreia editorial. Com esse entendimento, os esforços para a composição dos textos originais foram preservados. Como diz o historiador francês Paul Veyne: “O cão que é atropelado neste dia não é aquele que foi atropelado na véspera”. No fim das contas, tentei aprimorar os questionamentos sobre o método de Paulo Freire e a sua forma de conscientizar o aluno. Acredito que consegui.

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O Método Pedagógico Dos Jesuítas: O Ratio StudiorumPadre Leonel Franca. Agir Editora, 1952, Edições Hugo de São Vitor, 2019 e Edições Kírion, 2019.

Sinopse: “No desenvolvimento da educação moderna o Ratio Studiorum ou Plano de Estudos da Companhia de Jesus desempenha um papel cuja importância não é permitido desconhecer ou menosprezar. Historicamente, foi por esse Código de ensino que se pautou a orga­nização e a atividade dos numerosos colégios que a Companhia de Jesus fundou e dirigiu durante cerca de dois séculos, em toda a Terra”.

Neste livro, o padre jesuíta Leonel Franca oferece-nos uma longa introdução ao Plano de Estudos da Companhia, expondo suas fontes e o processo de sua elaboração — pautado sempre na experiência concreta — e explica a sua metodologia de modo a nos revelar o valor permanente da educação jesuíta, voltada para seu elevado ideal. Apresenta-nos, em seguida, sua tradução do texto integral do Ratio Studiorum.

“Estudar um sistema pedagó­gico que tem em seu abono a prova decisiva de uma experiência mul­tissecular não é porventura empreender um trabalho com a segurança dos resultados mais positivos, com a certeza de deparar muitos destes elementos da pedagogia perene que mergulha as suas raízes nas pro­fundezas da própria natureza humana? Quantos problemas agitados pelos educadores modernos encontrariam, talvez, num princípio ou numa sugestão do Ratio, a inspiração bem-vinda de uma solução feliz?”.

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Sobre alguns autores:

Henri-Irénée Marrou (1904–1977) foi um historiador da Antigüidade de currículo extenso e riquíssimo. Sua obra, além de seus títulos principais, se compõe de inúmeros ensaios, monografias, edições críticas e importantes colaborações a outras obras e revistas, como a Esprit de Mounier. Especialista na antigüidade tardia e no cristianismo primitivo, tratou também da filosofia e da teologia da história. Em 1937 defendeu sua tese doutoral Santo Agostinho e o fim da cultura antiga. Antes de se tornar, em 1945, catedrático de história do cristianismo na Sorbonne — onde permaneceu até 1975 —, lecionou nas Universidades do Cairo, de Nancy, Montpellier e Lyon. Foi um dos primeiros colaboradores da coleção de obras patrísticas Sources Chrétiennes, além de ter editado a Patristica Sorbonensia, coleção de trabalhos acadêmicos sobre os Padres da Igreja publicada pela Seuil. Músico amador, publicou artigos de musicologia sob o pseudônimo Henri Davenson.

Ruy Afonso da Costa Nunes nasceu em Sorocaba no dia 13 de maio de 1928. Bacharel e licenciado em filosofia, Doutor em educação e Livre-docente de filosofia e ciências da educação da Faculdade de Educação da USP, foi também catedrático de filosofia do Instituto de Educação Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, professor fundador da antiga Faculdade de Ciências e Letras de Sorocaba, atual UNISO, e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além dos quatro volumes de sua História da Educação — na Antigüidade Cristã (1978), na Idade Média (1979), no Renascimento (1980), e no Século XVII (1981) — publicou A formação intelectual segundo Gilberto de Tournai (1970), Gênese, significado e ensino da filosofia no século XII (1974) e A idéia de verdade e a educação (1978). Faleceu aos 11 de setembro de 2006, com 78 anos de idade, deixando uma imensa e rara biblioteca de aproximadamente 30.000 volumes.

Hugo de São Vitor (1096-1141) nasceu na Saxônia, território que hoje é a Alemanha, mas à época fazia parte do então Sacro Império Romano Germânico. Quando jovem, impelido pela vocação sacerdotal e aconselhado pelo tio, que era bispo, mudou-se para Paris e ingressou no Mosteiro de São Vítor, fundado por Guilherme de Champeaux, ex-professor de Teologia da escola anexa à Catedral de Notre Dame. Posteriormente, foi professor no mesmo mosteiro, assumiu sua direção e organizou a estrutura de sua escola de Teologia. Homem de talento, brilhante inteligência, notáveis santidade e vocação para a docência, instituiu uma prática pedagógica que conduzia à contemplação através da boa leitura, do diligente estudo e da meditação, e cuja finalidade era a santintificação e a perfeita preparação para o magistério.

Sua obra é extensa e uma das mais importantes de toda a história da educação, e compõe-se de tratados como o Didascalicon, sobre a leitura (provavelmente seu primeiro escrito), o Tratado dos Três Dias, muitos opúsculos – dentre os quais o conhecido Opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar –, comentários a livros bíblicos e a primeira Suma Teológica de toda a tradição cristã, Os Mistérios da Fé Cristã (ou, De Sacramentis Fidei Christianæ).

Pe. Leonel Edgard da Silveira Franca, S.J. (1893–1948) nasceu em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Fez os primeiros estudos no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, onde viria mais tarde a lecionar. Ingressou na Companhia de Jesus em 1908, e em 1910 iniciou o curso de letras próprio da formação dos jesuítas. Foi para Roma em 1912 para cursar o triênio de filosofia, na Universidade Gregoriana, e voltou para o Rio em 1915 exercer o magistério no Colégio Santo Inácio. Como um prolongamento de suas aulas desta época, publicou seu primeiro e famoso livro Noções de história da filosofia. Tornou a Roma em 1920 para cursar os quatro anos de teologia, sendo ordenado sacerdote em 1923, mesmo ano em que publicou A Igreja, a Reforma e a Civilização. Em 1924 doutorou-se em filosofia e teologia, e no ano seguinte completou a formação jesuítica em Oya, na Espanha. Estabeleceu-se definitivamente no Rio de Janeiro em 1927, onde publicou vários de seus livros, como A crise do mundo moderno e A psicologia da fé. Em 1931 foi um dos fundadores do Conselho Nacional de Educação. Em 1939 foi encarregado de criar a primeira universidade católica do Brasil, a PUC-Rio, da qual foi o Reitor até sua morte.

Christopher Dawson. Compreendendo uma coleção de ensaios e escritos que percorrem quatro décadas de uma brilhante carreira intelectual, Dinâmicas da História do Mundo se apresenta como uma obra que engloba o melhor de um dos maiores filósofos da história do século XX, o galês Christopher Dawson.

Embora seja praticamente desconhecido do público brasileiro, esse historiador, nascido no final do século XIX, foi um dos intelectuais mais completos de sua época, pois conseguia transitar com rara facilidade e sólida competência por entre quase todos os domínios das ciências humanas, abraçando os campos da sociologia, da antropologia, da filosofia e da teologia. Reconhecido por muitos, tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha, como uma das maiores autoridades na área de história da cultura ocidental, durante todo o seu período de gestação e consolidação na Idade Média e no Renascimento, Christopher Dawson deixará o leitor brasileiro surpreso com a profundidade com que desenvolve suas análises históricas, as quais nos revelam os mais preciosos tesouros das culturas, das civilizações e do papel do homem em suas constituições.

O pensamento histórico desse grande intelectual, como o próprio título da obra indica, se assenta em uma concepção singularmente dinâmica dos processos históricos, os quais estão em ininterrupto diálogo com forças espirituais e materiais, as quais por sua vez, ao se encontrarem temporal e espacialmente no homem, manifestam a própria história. Escritos ao longo de décadas extremamente difíceis e turbulentas para a Europa – entre 1920 e 1950 –, os ensaios de Dawson ainda possuem uma enorme atualidade para todos aqueles que se preocupam em salvaguardar as conquistas mais valiosas de nossa civilização contra os ataques das forças totalitárias que usam a impessoalidade das massas para usurpar a liberdade do indivíduo humano. Embora tenha sido convidado pela Universidade de Edimburgo, em 1946, para proferir as prestigiadas Palestras Gifford, além de ter assumido, em 1958, uma cátedra como professor de estudos católicos romanos em Harvard, Christopher Dawson sempre viveu fora do circuito acadêmico, participando como articulista, idealizador e editor de uma série de revistas e periódicos de cultura, os quais tinham o intuito de revitalizar o vigor espiritual da civilização ocidental, afastando-a dos perigos e das seduções das ideologias totalizadoras da modernidade.

Dawson escreveu mais de vinte livros e muitas dezenas de artigos e ensaios para revistas especializadas em história, sociologia, cultura e religião. Em Dinâmicas da História do Mundo o leitor encontrará, em escritos selecionados e organicamente articulados, uma trajetória completa da obra e do pensamento de Dawson, o qual nos apresenta uma visão espiritual abrangente e profunda sobre o homem e suas realizações culturais mais significativas. O leitor brasileiro terá a oportunidade única de vislumbrar o legado absolutamente valioso que a civilização, da qual ele faz parte, nos deixou (Maurício G. Righi).

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Paideia de Werner Jaeger

Por Marcelo Vagner Bruggemann*.

A obra de Werner Jaeger, “Paideia, a formação do homem grego”, em sua 6ª edição de 2013, nos leva até a velha Grécia, já por volta do séc. XII a.C., chegando em Platão e Aristóteles  quando a dupla emergiu racionalmente a existência política e social do homem, a partir do século IV a.C. Posteriormente, essa cultura chegou aos confins geográficos do mundo oriental graças a expansão macedônica liderada por Alexandre o Grande, onde do lado ocidental, os romanos também absorveram a cultura grega, que por sua vez, fez todo mundo helenizado, tornar-se pavimento para o cristianismo.

Para o ocidente, a paideia se converteu em um dos legados imortais da mentalidade grega. Obviamente a palavra em si, “paideia”, não tem nos dias de hoje uma tradução ou um significado literal, tal nome remete a um conceito de entendimento global de “formação integral do ser humano”, como o próprio Jaeger assim diz:

Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a entender que essa coisa se contempla não com os olhos do homem moderno, mas sim com os do homem grego.

Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os gregos entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de emprega-los todos de uma vez. (JAEGER, 2013)  

Refletindo em Jaeger (p.36), entende-se que o único caminho para a compreensão do conceito de “paideia”, é o debruçamento sobre a configuração da sociedade grega e como os gregos entendiam a cultura e a educação nessa sociedade. E a partir daí, como eles realizavam a educação dos seus cidadãos na forma como entendiam o ser humano. Ou seja, alguém que precisava se adaptar a sua estrutura biológica para alastrar-se às mais elevadas esferas espirituais, cujo fim, é a formação integral do homem para servir a cidade, tornando-se um exemplo de cidadão ético, moral, justo e virtuoso na pólis. 

Platão e Aristóteles entendem a pólis, como o lugar onde “se encontra aquilo que abrange todas as esferas da vida espiritual e humana e determina de modo decisivo a sua estrutura” (p.107), nesse sentido, a cidade e o cidadão são inseparáveis, sendo a cidade virtuosa o lugar do ser humano honrado que compreende a educação como um meio para a consolidação de valores sólidos como estruturas de uma polis justa:

É esta a significação do novo Estado na formação do homem. Platão afirma, com razão que cada forma do Estado implica a formação de um tipo de homem definido, e tanto ele como Aristóteles exigem que educação de um Estado perfeito imprima em todos a marca do seu espírito (p.142). 

Chegando até aqui, pode-se ampliar a educação grega, para os sofistas, conhecidos como os tiranos do logos, mas, na “Paideia” de Jaeger, receberam grande destaque, sendo considerados inclusive como “os fundadores da ciência da educação” (p.348), não é por menos que até nos dias de hoje esse debate sofístico é ainda pauta do “ser ou não ser” da pedagogia como uma “ciência ou arte”. De todo modo, foram os sofistas que ofereceram aos indivíduos a retórica, como ferramenta de ação em um mundo complexo, mutável e carregado de conflitos, onde cada cidadão pode, por meio de decisões tomadas individualmente, apontar o caminho da verdadeira educação.

A partir da reflexão política de Aristóteles, nos leva ao questionamento: qual é o papel humano diante da sociedade? A resposta se encontra na vivência para a ação na pólis como aponta Sócrates, tratado dogmaticamente por Platão, como “o educador” (p.511), ou seja, todo o esforço humano deve ser direcionado para a alma como templo da razão, da inteligência. Cuidar da alma, significa concretamente “um cuidado através do conhecimento do valor e da verdade” (p.521). Por este caminho, se pode chegar a uma venturosa “harmonia entre a existência moral do homem e a ordem natural do universo” (p. 535).

A respeito do conhecimento da verdade e da moral expressada por Sócrates, seu principal discípulo, teve todo cuidado artesanal de registrá-las em forma de diálogo na República. É nesta grande obra de Platão, que se encontra os mais elevados exemplos das virtudes dos velhos gregos, um verdadeiro tratado pedagógico em que o próprio Jean-Jacques Rousseau declarou “a República não era uma teoria de Estado, como pensavam que só julgavam os livros pelos títulos, mas sim o mais famoso estudo jamais escrito sobre educação” (p.759).

A República é o centro da obra de Jaeger. Nela, o autor lembra a justiça como um audacioso projeto de reforma da sociedade idealizado por Platão, o qual concebe o Estado perfeito pela imagem aumentada do homem. Formar o Estado para Platão, significa formar o verdadeiro homem, isso porque, esse homem “traz na sua alma o verdadeiro Estado e age e vive em vista dele” (p.982). A paideia grega é um projeto tão ambicioso que o próprio cristianismo, só encontra sentido por meio do ideal de transformação do indivíduo para reformar a sociedade.

Nesse sentido, Platão entende que as três virtudes do corpo – saúde, beleza e força – são as bases para a medicina, contribuindo diretamente para a harmonização com as quatro virtudes da alma – piedade, valentia, moderação e justiça, como tal, essa harmonia constitui a “essência da saúde e de toda perfeição física em geral” (p.1071).  Portanto, a Medicina como Paideia se resume em atitudes educadoras que ultrapassam em muito, os limites do tratamento da doença em si, incluindo as práticas esportivas, musicais, danças e teatros no cotidiano como práticas educativas, tendo no médico apenas um conhecedor da natureza e das ervas medicinais, o qual era chamado apenas para recompor a saúde do doente, eliminando a causa da dor para sarar o homem, afastando o que o fazia sofrer.

A rigor, a harmonia que Jaeger insiste em sua Paideia, remete a união entre a filosofia com a experiência humana e sua concepção com o lugar do indivíduo na polis, no caso grego, a sociedade. A Paideia dos velhos gregos se resume na educação para a formação do homem integral, livre, e apto para o exercício pleno da cidadania. O objetivo de tal educação, consiste em determinar as coisas que constituem a razão do ser e viver. É o horizonte a ser alcançado pela capacidade intelectual somado a liberdade moral e a apreciação estética com o controle das emoções evitando tudo que é nocivo à alma.

***

* Marcelo Vagner Bruggemann é Doutor em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela FIAM-FAAM Centro Universitário. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Alvorada Paulista. Especialista em Gestão de Cidades e Planejamento Urbano pela Universidade Candido Mendes. Graduado em História pelo Centro Universitário Assunção. Jornalista profissional com Mtb 52.882. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8099-9410.

Texto do artigo disponível no link.


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Prática x Teórica: Educação Isocrática e Educação Platônica

Busto de Isócrates por
William Jennings Bryan e
Francis Whiting Halsey, 1906

Isócrates (não confundir com Sócrates) nasceu em Atenas, no ano de 436 a.C e  foi, essencialmente, um professor de eloqüência. Contemporâneo de Platão e dos socráticos, a tradição afirma que, além de aluno dos sofistas Górgias e Pródico, também acompanhou as andanças de Sócrates pelos ginásios e praças de sua cidade.*

Isócrates contra Platão

Eis nos já bem distantes da filosofia, e, mormente, da filosofia platônica. A atitude de Isócrates com relação a esta e ao programa de educação que ela preceitua faz-me lembrar o julgamento sumário de Pascal sobre Descartes: "Inútil e incerto!" Para compreendê-la é necessário, sem dúvida, colocar-nos no plano que Isócrates jamais consente em deixar, a saber, o da vida quotidiana e da eficácia prática. Platão pretende impor-nos um imenso ciclo de estudos, tão complexo e difícil que elimina, de princípio, a maioria dos candidatos, e isto com o quimérico objetivo de fazer-nos assomar à ciência perfeita. Mas na vida prática não há ciência possível, a tomar-se a palavra no sentido preciso que assume, em Platão, o termo πιστήμη: conhecimento racional e demonstrado (74). Situamo-nos diante de um problema concreto: trata-se de saber o que fazer e o que dizer. Jamais haverá uma ciência teórica bastante exata para ditar-nos a conduta a seguir. O homem "verdadeiramente culto" (πεπαιδευμένος) é, segundo professa Isócrates, o que tem o dom de "atinar" com a boa solução (πιτυγχάνειν) ou, então, com a menos má, com a mais adequada à conjuntura (καιρός), e isto pelo fato de ter uma "opinião" justa (δόξα) (75). Esta palavra, depreciada por Platão, define, ao contrário, para o modesto Isócrates, o horizonte efetivamente acessível, a única ambição que o homem possa realizar.

Se a ciência é inacessível, de que vale, na perspectiva de um resultado tão incerto, esforçar-se tanto e blasonar tantas pretensões?! Conforme o próprio Platão o declara, a ciência do filósofo é inútil, porquanto este, falto de uma cidade verdadeira e sadia, está condenado a voltar-se para a cidade ideal, para este sonho que ele transporta no bojo de sua alma, por isso que, na cidade real, está, como o vimos, fadado ao ridículo, ao malogro, à perseguição -- à morte!

Já Isócrates resolveu consagrar-se a uma tarefa de eficácia mais certa e cuja urgência é, ademais, imediata: plasma seus discípulos na experiência, na prática da vida política, preferindo ensiná-los a formarem uma opinião razoável sobre as coisas úteis, a fazê-los queimarem as pestanas em busca de certeza sobre questões perfeitamente inúteis (76), como a duplicação do cubo ou a classificação dicotômica do pescador de anzol (77). Não se cogita de ascender ao céu das Idéias nem de brincar com paradoxos: a conduta da vida reclama não idéias admiráveis e novas, mas comprovado bom senso, o bom senso da tradição (78).

"ESPRIT DE FINESSE, ESPRIT GÉOMÉTRIQUE"

Em última análise, a oposição de Isócrates a Platão é a do "esprit de finesse" ao "esprit géométrique". Isócrates procura desenvolver em seu discípulo o espírito de resolução, o sentido da intuição complexa, a percepção destes imponderáveis que dirigem a "opinião" e a tornam justa. A cultura literária, a arte (e não ciência) da palavra constituem o instrumento que pode servir para aguçar o senso de julgamento. O instrumento, por si só, não basta, mas é necessário, ainda, o dom, porque no domínio da realidade moral e humana não pode existir procedimento coercitivo que permita obter, de um espírito qualquer, desde que seja racional, um resultado certo. Nada de mais absurdo, aos olhos de Isócrates, que a pretensão socrática de fazer da "virtude" um conhecimento, uma ciência do gênero das matemáticas, e passível, por conseguinte, de ser ensinada (79).

Cumpre aprofundar a conexão empírica que estabelecemos entre retórica e moral e retomar, em um sentido muito mais sutil, a relação íntima que se estabelece, na arte oratória, entre a forma e o fundo. Estes dois aspectos são, como dizíamos, inseparáveis. Com efeito, o esforço para conseguir a expressão adequada exige e desenvolve uma agudeza de pensamento, um senso dos matizes que o pensamento conceptual não explicitaria sem esforço e que nem sempre é, talvez, capaz de explicitar. A idéia é familiar a todo leitor de Valéry ou de Bremond: há coisas que o poeta sente e faz sentir, e que o sábio, com seu passo lento, busca, em vão, alcançar. Conquanto esta educação oratória, de aparência puramente estética, vise formar apenas "virtuoses da frase", ela é, na realidade, entre todas, a mais eficaz para desenvolver a sutileza de pensamento.

"A palavra adequada é o mais seguro indício do pensamento reto" (80): esta idéia, fundamental em Isócrates, tem uma profundidade e um alcance de que ele próprio, talvez, não haja suspeitado. Teria sido bom fosse ele dotado ainda de mais "esprit de finesse", fosse menos prosaico e mais consciente dos valores propriamente poéticos da prosa de arte: teria, então, podido invocar, contra Platão, o exemplo do próprio Platão, e opor, ao cientificismo renitente de sua teoria, a prática do escritor; vimos tudo aquilo que, na pena de Platão, exprimem, como valores, o mito, a poesia, a arte pura -- a da preparação psicológica, do ritmo dos diálogos, a arte da frase, do vocábulo. Não terá sido aí, muitas vezes, mais que nos passos de dialética ressequida e laboriosa, que Platão alojou a essência mesma de sua mensagem, aquilo que há de mais sutil, de mais fino e de mais verdadeiro em todo pensamento?

AS DUAS COLUNAS DO TEMPLO

Tais são os dois tipos fundamentais de educação, as duas orientações rivais que Platão e Isócrates imprimiram à pedagogia grega, àquilo que se vai tornar a tradição clássica. Para defini-los, fui levado  a esquematizar e a enrijar um pouco a oposição entre um e outro. Com efeito, o ensino platônico e o ensino isocrático, paralelos e contemporâneos, jamais se defrontaram com tal rigor, como rivais e adversários.

Seria extremamente interessante -- mas, creio que, no estrado atual de nossa documentação, isto seja, de fato, impossível -- reconstituir a história, presumivelmente complexa e matizada, de suas relações [14]. Elas passaram por uma evolução. Cada um deles não tinha apenas um adversário único. Isócrates não era toda a retórica: vimo-lo opor-se à pura sofística de um Alcídamas. Platão não era toda a filosofia: os "erísticos" que Isócrates combate talvez sejam também, ou sobretudo, o Megára ou Antístenes. Entre os chefes das duas facções foi possível estabelecerem-se aproximações e alianças, para a luta contra um mesmo inimigo: uma frente comum dos Dogmáticos contra a crítica dissolvente da escola de Mégara, e mesmo uma frente dos "Ideólogos" ou apóstolos da alta cultura contra o espírito estreio dos políticos realistas.

Notar-se-á, sobretudo, que tais aproximações táticas foram acompanhadas, certamente, de troca de influências mútuas. Isócrates parece, realmente, receber influência de Platão ao conceder, às matemáticas e à filosofia, tão honroso lugar em sua cultura propedêutica. Não haverá, por outro lado, uma concessão de Platão a Isócrates, na forma de um reconhecimento de legitimidade da arte literária, neste manifesto em prol de uma retórica filosófica que é o Fedro, e que, no seio mesmo da Academia, precisamente o jovem Aristóteles, "docente-livre" de retórica, será incumbido de aplicar? [15].

Entre Isócrates e Platão há, portanto, não apenas rivalidades, mas emulação, e isso interessa ao desenvolvimento da nossa história: aos olhos da posteridade, a cultura filosófica e a cultura oratória aparecem, realmente, como rivais, mas também como irmãs; elas têm não apenas uma origem comum, mas também ambições paralelas e, por vezes, idênticas; são, como dizíamos, duas variedades de uma mesma espécie; o debate que mantiveram enriqueceu a tradição clássica, sem comprometer-lhe a unidade. À porta do santuário em que vamos entrar postam-se, de um lado e de outro como dois pilares, como dois robustos atlantes, as figuras destes dois grandes mestre, "equilibrando-se como que respondendo-se mutuamente" (ἀντιστρόφους καὶ σύζυγας)(81).


Referências:

(74) Isócrates, Sobre a Troca, 184.
(75) Idem, 271; Panatenaica, 30-32.
(76) Elogio de Helena, 5.
(77) Cf. PLATÃO, O Sofista, 218e s.
(78) ISÓCRATES, A Nícocles, 41.
(79) Contra os Sofistas, 21; Sobre a Troca, 274.
(80) Nícocles, 7; Sobre a Troca, 255.
(81) Cf. ISÓCRATES, Sobre a Troca, 182.

Notas complementares:

[14] As relações entre Isócrates e Platão foram objeto de inúmeros e contraditório estudos: a lista deles pode ser encontrada ap. A. DIÈS, Autour de Platon, II, p. 407, n. 1; MATHIEU, BREMOND, Introduction à sua edição de Isocrate, t. I, p. IX, n. 3 (cf. ps. 155-157); G. MÉRIDIER, em sua edição do Euthydème, ps. 133 segs., p. 137, n. 1; DIÈS, Introduction à La République, ps. LVI segs.; L. ROBIN, em sua edição do Phèdre, p. XXII segs., CLXI segs.; acrescentar: R. FLACELIÈRE, L'Éloge d'Isocrate à la fin du Phèdre, Revue des Études Grecques, XLVI (1933), ps. 224-232; G. MATHIEU, Les Premiers Conflits entre Platon et Isocrate et la date de l'Euthydème, Mélanges G. Glotz, Paris, 1932, II, ps. 555-564; Notice à sua edição de Antídosis, edição "Budé" de Isocrate, III, Paris, 1942, ps. 90-94; e, por último, W. JAEGER, Paideia, III, Londres, 1945, pass. (cf. p. 364, s. v. Isocrates and Plato).
Não ouso considerar incorporadas à ciência as conclusões de nenhum destes eruditos, Notem-se as razões por que tal pesquisa, aventurosa, está, até nova ordem, condenada ao fracasso: 1. Imprecisão da cronologia respectiva das obras dos dois autores; quaisquer que sejam os progresso realizados, particularmente no que tange aos Diálogos platônicos, desde Campell e Lutislawski, muitas incertezas subsistem: o Busiris é anteriores ou posterior a A República? Cf. A. DIÈS, Autour de Platon, II, p. 247.
   2. Imprecisão das alusões de Isócrates: um dos traços característicos de sua estética (e ele será largamente imitado por seus sucessores!) é evitar as designações precisas; ele fala de seus adversários, empregando fórmulas vagas, tais como "aqueles que se dedicam a discussões" ou "à filosofia". Tratar-se-á de Platão? De Antístenes? De ambos simultaneamente? Estão abertas as apostas. Também é possível que Isócrates esboce um retrato compositivo, cujos traços sejam tirados ora a um certo grupo de filósofos, ora a outro, quando não a sofista do tipo de Alcídamas.
    3. Finalmente, incerteza quanto ao valor que se deva atribuir aos juízos de Platão. Assim, no fim de Fedro (278d-279b), ele faz Sócrates pronunciar um elogio de Isócrates: cabe tomá-lo a sério (FLACELIÈRE, e já o próprio Isócrates, Ep., V)? Mas, não se trataria de ironia (ROBIN)? E mesmo a tomá-lo literalmente, que significa ele exatamente? Tratar-se-ia de um elogia ao Isócrates da data em que Platão escreve (WILAMOWITZ, Platon², II, p. 212), ou de uma nostálgica alusão às belas promessas que Isócrates justificativa em sua juventude, no momento em que Sócrates falava (suponhamos que por volta de 410) e que teriam falido (TH. GOMPERZ, Penseurs de la Grèce, II, p. 438)?

[15] Aristóteles e o ensino da retórica no seio da Academia: cf. por último W. Jaeger, Paideia, III, ps. 147, 185-186, que remete ao trabalho de seu discípulo F. SOLMSEN, Die Entwicklung der aristotelischen Logik und Rhetorik, Neue Philologische Untersuchungen, IV, Berlim, 1929.

* http://www.hottopos.com/mirand12/euzeb.htm

Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion, Campinas, 2017).


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Boécio e Cassiodoro

Cassiodoro, em um manuscrito
do século XII
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 12 de Março de 2008

Boécio e Cassiodoro

Amados irmãos e irmãs

Hoje, gostaria de falar de dois escritores eclesiásticos, Boécio e Cassiodoro, que viveram nos anos mais atormentados do Ocidente cristão e, em particular, da península itálica. Odoacre, rei dos Erulos, uma etnia germânica, revoltou-se, pondo fim ao império romano do Ocidente (a. 476), mas depressa teve que sucumbir aos Ostrogodos de Teodorico, que por algumas décadas mantiveram o controle da península itálica. Boécio nasceu em Roma por volta do ano 480, da nobre linhagem dos Anísios, e entrou ainda jovem na vida pública, alcançando já com vinte e cinco anos de idade o cargo de senador. Fiel à tradição da sua família, comprometeu-se na política, convencido de que se podiam conciliar as linhas fundamentais da sociedade romana com os valores dos novos povos. E neste novo tempo do encontro das culturas, considerou como sua missão reconciliar e unir estas duas culturas, a clássica romana com a cultura nascente do povo ostrogodo. Foi igualmente activo na política, mesmo sob Teodorico, que nos primeiros tempos o estimava muito. Apesar desta actividade pública, Boécio não descuidou os estudos, dedicando-se em particular ao aprofundamento de temas de ordem filosófico-religiosa. Mas escreveu também manuais de aritmética, de geometria, de música e de astronomia: tudo com a intenção de transmitir às novas gerações, aos novos tempos, a grande cultura greco-romana. Neste âmbito, ou seja, no empenho de promoção do encontro das culturas, utilizou as categorias da filosofia grega para propor a fé cristã, também aqui em busca de uma síntese entre o património greco-romano e a mensagem evangélica. Precisamente por isto, Boécio foi qualificado como o último representante da cultura romana antiga e um dos primeiros intelectuais medievais.

Sem dúvida, a sua obra mais conhecida é o De consolatione philosophiae, que ele compôs no cárcere para dar um sentido ao seu aprisionamento injusto. Com efeito, fora acusado de conspiração contra o rei Teodorico, por ter assumido a defesa em juízo de um amigo, o senador Albino. Mas este era um pretexto: na realidade Teodorico, ariano e bárbaro, suspeitava que Boécio tivesse simpatias pelo imperador bizantino Justiniano. De facto, processado e condenado à morte, foi justiçado no dia 23 de Outubro de 524, com apenas 44 anos. Precisamente por este seu fim dramático, ele pode falar do interior da sua experiência também ao homem contemporâneo e sobretudo às numerosas pessoas que padecem a sua mesma sorte por causa da injustiça presente em muitas partes da "justiça humana". Neste obra, no cárcere busca a consolação, a luz, a sabedoria. E diz que soube distinguir, precisamente em tal situação, entre os bens aparentes na prisão eles desaparecem e os bens verdadeiros, como a amizade autêntica que mesmo na prisão não desaparecem. O bem mais excelso é Deus: Boécio aprendeu e ensina-nos a não cair no fatalismo, que apaga a esperança. Ele ensina-nos que não é o caso que governa, mas sim a Providência, e que ela tem um rosto. Pode-se falar com a Providência, porque Ela é Deus. Assim, também no cárcere lhe permanece a possibilidade da oração, do diálogo com Aquele que nos salva. Ao mesmo tempo, também nesta situação, ele conserva o sentido da beleza da cultura e evoca o ensinamento dos grandes filósofos antigos gregos e romanos, como Platão, Aristóteles, começara a traduzir estes gregos em latim Cícero, Sêneca e inclusive poetas como Tibulo e Virgílio.

A filosofia, no sentido da busca da verdadeira sabedoria, é segundo Boécio o autêntica remédio da alma (cf. lib. I). Por outro lado, o homem pode experimentar a verdadeira felicidade unicamente na sua interioridade (cf. lib II). Por isso, Boécio consegue encontrar um sentido, pensando na sua tragédia pessoal à luz de um texto sapiencial do Antigo Testamento (cf. Sb 7, 30-8, 1), que ele cita: "Contra a sabedoria, a maldade não pode prevalecer. Ela estende-se de um confim ao outro com força e governa com bondade excelente todas as coisas" (lib III, 12: PL 63, col. 780). A chamada prosperidade dos malvados, portanto, revela-se falsa (cf. lib. IV) e evidencia-se a natureza providencial da adversa fortuna. As dificuldades da vida não somente revelam como ela é efémera e de breve duração, mas chegam a demonstrar-se úteis para reconhecer e manter os relacionamentos genuínos entre os homens. A adversa fortuna permite, efectivamente, discernir os amigos falsos dos verdadeiros e faz compreender que nada é mais precioso para o homem que uma amizade autêntica. Aceitar de modo fatalista uma condição de sofrimento é absolutamente perigoso, acrescenta o crente Boécio, porque "elimina pela raiz a própria possibilidade da oração e da esperança teologal, que se encontram na base da relação do homem com Deus" (lib. V, 3: PL 63, col. 842).

A peroração final do De consolatione philosophiae pode ser considerada uma síntese de todo o ensinamento que Boécio dirige a si mesmo e a todos aqueles que viessem a encontrar-se nas suas mesmas condições. Assim escreve na prisão: "Combatei portanto os vícios, dedicai-vos a uma vida virtuosa, orientada pela esperança que eleva o coração a ponto de alcançar o céu com as orações alimentadas de humildade. A imposição que padecestes pode transformar-se, se rejeitardes a mentira, na enorme vantagem de ter sempre diante dos olhos o juiz supremo que vê e sabe como as coisas verdadeiramente são" (lib. V, 6: PL 63, col. 862). Cada prisioneiro, independentemente do motivo pelo qual terminou no cárcere, intui como é pesada esta particular condição humana, sobretudo quando é embrutecida, como acontece com Boécio, pelo recurso à tortura. Particularmente absurda é, além disso, a condição de quem, ainda como Boécio que a cidade de Pavia reconhece e celebra na liturgia como mártir da fé, é torturado mortalmente, sem qualquer motivo que não seja o das suas próprias convicções ideais, políticas e religiosas. Boécio, símbolo de um número imenso de aprisionados injustamente de todos os tempos e de todas as latitudes, é com efeito a objectiva porta de entrada para a contemplação do misterioso Crucificado no Gólgota.

Contemporâneo de Boécio foi Marcos Aurélio Cassiodoro, um calabrês nascido em Squillace por volta do ano 485, que faleceu em idade avançada em Vivarium, por volta de 580. Também ele, homem de alto nível social, se dedicou à vida política e ao compromisso cultural como poucos outros no ocidente romano do seu tempo. Talvez os únicos que podiam comparar-se com ele neste seu dúplice interesse foram o já recordado Boécio e o futuro Papa de Roma, Gregório Magno (590-604). Consciente da necessidade de não deixar esquecer todo o património humano e humanístico, acumulado nos séculos de ouro do império romano, Cassiodoro colaborou generosamente, e nos níveis mais elevados da responsabilidade política, com os novos povos que tinham atravessado os confins do império, estabelecendo-se na Itália. Também ele foi modelo de encontro cultural, de diálogo de reconciliação. As vicissitudes históricas não lhe permitiram realizar os seus sonhos políticos e culturais, que visavam criar uma síntese entre a tradição romano-cristã da Itália e a nova cultura gótica. Porém, aquelas mesmas vicissitudes convenceram-no da providencialidade do movimento monástico, que se ia confirmando nas terras cristãs. Decidiu apoiá-lo, dedicando-lhe todas as suas riquezas materiais e forças espirituais.

Concebeu a ideia de confiar precisamente aos monges a tarefa de recuperar, conservar e transmitir à posteridade o imenso património cultural dos antigos, para que não se perdesse. Por isso, fundou o Vivarium, um cenóbio no qual tudo era organizado de tal maneira que o trabalho intelectual dos monges fosse considerado extremamente precioso e irrenunciável. Ele dispôs que também os monges que tinham uma formação intelectual não deviam ocupar-se somente do trabalho material, da agricultura, mas também transcrever manuscritos e assim contribuir para transmitir a grande cultura às gerações vindouras. E isto sem qualquer desvantagem para o compromisso espiritual, monástico e cristão, nem para a actividade caritativa aos pobres. No seu ensinamento, distribuído em várias obras, mas sobretudo no tratado De anima e nas Institutiones divinarum litterarum, a oração (cf. PL 69, col. 1108), nutrida pela Sagrada Escritura e particularmente pela leitura assídua dos Salmos (cf. PL 69, col. 1149), tem sempre uma posição central como alimento necessário para todos. Eis, por exemplo, como este doutíssimo calabrês introduz a sua Expositio in Psalterium: "Rejeitando e abandonando em Ravena as solicitações da carreira política assinalada pelo sabor amargo das preocupações mundanas, e tendo experimentado o Saltério, livro descido do céu como autêntico mel da alma, mergulhei ávido como um sedento para o perscrutar sem cessar e para me deixar permear inteiramente por esta docilidade salutar, depois de me ter saturado das numerosas amarguras da vida activa" (PL 70, col. 10).

A busca de Deus, orientada para a sua contemplação anota Cassiodoro permanece a finalidade permanente da vida monástica (cf. PL 69, col. 1107). Porém, ele acrescenta que, com a ajuda da graça divina (cf. PL 69, col. 1131-1142), uma melhor fruição da Palavra revelada pode ser alcançada através da utilização das conquistas científicas e dos instrumentos culturais "profanos" já possuídos pelos Gregos e pelos Romanos (cf. PL 69, col. 1140). Pessoalmente, Cassiodoro dedicou-se a estudos filosóficos, teológicos e exegéticos sem uma particular criatividade, mas atento às intuições que reconhecia válidas nos outros. Lia com respeito e devoção, sobretudo Jerónimo e Agostinho. Deste último, dizia: "Em Agostinho, há tanta riqueza que me parece impossível encontrar algo que não tenha já sido tratado abundantemente por ele" (cf. PL 70, col. 10). Citando Jerónimo, ao contrário, exortava os monges de Vivarium: "Alcançam a palma da vitória não somente aqueles que lutam até à efusão do sangue ou que vivem na virgindade, mas também todos aqueles que, com a ajuda de Deus, vencem os vícios do corpo e conservam a recta fé. Mas para que possais, sempre com a ajuda de Deus, vencer mais facilmente as solicitações do mundo e as suas seduções, permanecendo nele como peregrinos continuamente a caminho, procurai acima de tudo garantir para vós a ajuda salutar sugerida pelo primeiro Salmo, que recomenda meditar a lei do Senhor noite e dia. Com efeito, o inimigo não encontrará qualquer passagem para vos assaltar, se toda a vossa atenção for ocupada por Cristo" (De Institutiones Divinarum Scripturarum, 32: PL 70, col. 1147). É uma admoestação que podemos acolher como válida também para nós. De facto, agora vivemos num tempo de encontro de culturas, de perigo da violência que destrói as culturas e do necessário compromisso de transmitir grandes valores e de ensinar às novas gerações o caminho da reconciliação e da paz. Encontramos este caminho, orientando-nos para Deus com o rosto humano, o Deus que se nos revelou em Cristo.


Texto disponível aqui.


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