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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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Hugo e Ricardo de São Vítor

Nesta iluminura de Giovanni di Paolo (séc. XV), Dante
e sua amada Beatriz (no alto, à esquerda) encontram-se
no Paraíso com alguns dos mais importantes religiosos
da história. Ricardo de São Vítor é o penúltimo direita
para a esquerda no arco de baixo. No alto, com Dante
e Beatriz, estão Tomás de Aquino e Alberto Magno. No
arco, da esquerda para a direita, Graciano de Chiusi,
Pedro Lombardo, Dionísio Areopagita, Salomão, Boécio,
Paulo Orósio, Isidoro de Sevilha (fitando o serafim),
Beda, Ricardo e Siger de Brabante.

Abaixo transcrevemos uma homilia do Papa Bento XVI sobre Hugo e Ricardo de São Vítor.

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 25 de Novembro de 2009

Hugo e Ricardo de São Vítor

Queridos irmãos e irmãs!
Nestas Audiências de quarta-feira estou a apresentar algumas figuras exemplares de crentes, que se comprometeram a mostrar a concórdia entre a razão e a fé e a testemunhar com a sua vida o anúncio do Evangelho. Hoje, pretendo falar-vos de Hugo e Ricardo de São Vítor. Ambos se situam entre aqueles filósofos e teólogos conhecidos com o nome de Vitorianos, porque viveram e ensinaram na abadia de São Vítor, em Paris, fundada no início do século XII por Guilherme de Chapeaux. O próprio Guilherme foi mestre renomado, que conseguiu dar à sua abadia uma sólida identidade cultural. Em São Vítor, de facto, foi inaugurada uma escola para a formação dos monges, aberta também a estudantes externos, na qual se realizou uma síntese feliz entre os dois modos de fazer teologia, da qual já falei em catequeses precedentes:  isto é, a teologia monástica, orientada sobretudo para a contemplação dos mistérios da fé na Escritura, e a teologia escolástica, que utilizava a razão para procurar perscrutar estes mistérios com métodos inovadores, e criar um sistema teológico.

Temos poucas notícias da vida de Hugo de São Vítor. São incertos a data e o lugar do nascimento:  talvez na Saxónia ou na Flandres. Sabe-se que, tendo chegado a Paris – a capital europeia da cultura desse tempo – transcorreu o resto dos seus anos na abadia de São Vítor, onde foi primeiro discípulo e depois professor. Já antes da morte, no ano de 1141, alcançou uma grande fama e estima, a ponto de ser chamado um "segundo Santo Agostinho":  de facto, como Agostinho ele meditou muito sobre a relação entre fé e razão, entre ciências profanas e teologia. Segundo Hugo de São Vítor, todas as ciências, além de serem úteis para a compreensão das Escrituras, têm um valor em si mesmas e devem ser cultivadas para ampliar o saber do homem, assim como para corresponder ao seu anseio por conhecer a verdade. Esta sadia curiosidade intelectual levou-o a recomendar aos estudantes que jamais limitassem o desejo de aprender e no seu tratado de metodologia do saber e de pedagogia, intitulado significativamente Didascalicon (sobre o ensino), recomendava:  "Aprende de bom grado de todos o que não sabes. Será mais sábio do que todos aquele que terá querido aprender algo de todos. Quem recebe algo de todos, acaba por se tornar mais rico do que todos" (Eruditiones Didascalicae, 3, 14:  PL 176, 774).

A ciência da qual se ocupam os filósofos e os teólogos chamados Vitorianos é de modo particular a teologia, que exige antes de tudo o estudo amoroso da Sagrada Escritura. Com efeito, para conhecer Deus não se pode deixar de começar a partir do que o próprio Deus quis revelar de si mesmo através das Escrituras. Neste sentido, Hugo de São Vítor é um típico representante da teologia monástica, totalmente fundada na exegese bíblica. Para interpretar a Escritura, ele propõe a tradicional articulação patrístico-medieval, ou seja, em primeiro lugar o sentido histórico-literal, depois o alegórico e anagógico, e por fim o moral. Trata-se de quatro dimensões do sentido da Escritura, que também hoje se redescobrem, pelo qual se vê que no texto e na narração oferecida se esconde uma indicação mais profunda:  o fio da fé, que nos conduz para o alto e nos guia nesta terra, ensinando-nos a viver. Contudo, mesmo respeitando estas quatro dimensões do sentido da Escritura, de modo original em relação aos seus contemporâneos, ele insiste – e este é um aspecto novo – sobre a importância do sentido histórico-literal. Por outras palavras, antes de descobrir o valor simbólico, as dimensões mais profundas do texto bíblico, é preciso conhecer e aprofundar o significado da história narrada na Escritura:  caso contrário – adverte com uma comparação eficaz – corre-se o risco de ser como que um estudioso de gramática que ignora o alfabeto. Para quem conhece o sentido da história descrita na Bíblia, as vicissitudes humanas parecem marcadas pela Providência Divina, segundo um seu desígnio bem ordenado. Assim, para Hugo de São Vítor, a história não é o êxito de um destino cego ou de um caso absurdo, como poderia parecer. Ao contrário, na história humana age o Espírito Santo, que suscita um diálogo maravilhoso dos homens com Deus, seu amigo. Esta visão teológica da história põe em evidência a intervenção surpreendente e salvífica de Deus, que realmente entra e age na história, quase se faz parte da nossa história, mas salvaguardando e respeitando sempre a liberdade e a responsabilidade do homem.

Para o nosso autor, o estudo da Sagrada Escritura e do seu significado histórico-literal torna possível a teologia verdadeira, isto é, a ilustração sistemática das verdades, conhecer a sua estrutura, a explicação dos dogmas da fé, que ele apresenta numa síntese sólida no tratado De Sacramentis christianae fidei (Os sacramentos da fé cristã), onde se encontra, entre outras, uma definição de "sacramento" que, aperfeiçoada ulteriormente por outros teólogos, contém aspectos ainda hoje muito interessantes. "O sacramento", escreve ele, "é um elemento corpóreo ou material proposto de modo externo e sensível, que representa com a sua semelhança uma graça invisível e espiritual, a significa, porque para esta finalidade foi instituído, e a contém, porque é capaz de santificar" (9, 2; PL 176, 317). Por um lado a visibilidade no símbolo, a "corporeidade" do dom de Deus, no qual contudo, por outro lado, se esconde a graça divina que provém de uma história:  o próprio Jesus Cristo criou símbolos fundamentais. São portanto três os elementos que concorrem para definir um sacramento, segundo Hugo de São Vítor:  a instituição por parte de Cristo, a comunicação da graça e a analogia entre o elemento visível, o material e o elemento invisível, que são os dons divinos. Trata-se de uma visão muito próxima da sensibilidade contemporânea, porque os sacramentos são apresentados com uma linguagem rica de símbolos e imagens capazes de falar imediatamente ao coração dos homens. É importante também hoje que os animadores litúrgicos, e em particular os sacerdotes, valorizem com sabedoria pastoral os sinais próprios dos ritos sacramentais – esta visibilidade e tangibilidade da Graça – cuidando atentamente da sua catequese, para que cada celebração dos sacramentos seja vivida por todos os fiéis com devoção, intensidade e júbilo espiritual.

Um discípulo digno de Hugo de São Vítor é Ricardo, proveniente da Escócia. Ele foi prior da abadia de São Vítor de 1162 a 1173, ano da sua morte. Também Ricardo, naturalmente, atribui um papel fundamental ao estudo da Bíblia, mas, ao contrário do seu mestre, privilegia o sentido alegórico, o significado simbólico da Escritura com o qual, por exemplo, interpreta a figura veterotestamentária de Benjamim, filho de Jacob, como símbolo da contemplação e vértice da vida espiritual. Ricardo trata este tema em dois textos, Benjamim Menor e Benjamim Maior, nos quais propõe aos fiéis um caminho espiritual que convida antes de tudo a exercer as várias virtudes, aprendendo a disciplinar e a ordenar com a razão os sentimentos e os impulsos interiores afectivos e emotivos. Só quando o homem alcança equilíbrio e maturação humana neste campo, está pronto para aceder à contemplação, que Ricardo define como "um olhar profundo e puro da alma sobre as maravilhas da sabedoria, associado a um sentido estático de estupefacção e admiração" (Benjamim Maior, 1, 4; PL 196, 67).

Por conseguinte, a contemplação é o ponto de chegada, o resultado de um caminho difícil, que exige o diálogo entre a fé e a razão, ou seja – mais uma vez – um discurso teológico. A teologia começa a partir das verdades que são objecto da fé, mas procura aprofundar o conhecimento com o uso da razão, apropriando-se do dom da fé. Esta aplicação do raciocínio à compreensão da fé é praticada de modo convincente na obra-prima de Ricardo, um dos grandes livros da história, o De Trinitate (A Trindade). Nos seis livros que a compõem ele reflecte com perspicácia sobre o Mistério de Deus uno e trino. Segundo o nosso autor, dado que Deus é amor, a única substância divina exige comunicação, oblação e dilecção entre duas Pessoas, o Pai e o Filho, que se encontram entre si num intercâmbio eterno de amor. Mas a perfeição da felicidade e da bondade não admite exclusivismos nem fechamentos:  exige antes a presença eterna de uma terceira Pessoa, o Espírito Santo. O amor trinitário é participativo, concorde e requer superabundância de dilecção, gozo de alegria incessante. Isto é, Ricardo supõe que Deus é amor, analisa a essência do amor, o que está implicado na realidade do amor, chegando assim à Trindade das Pessoas, que é realmente a expressão lógica do facto de que Deus é amor.

Contudo Ricardo está consciente de que o amor, mesmo se nos revela a essência de Deus, nos faz "compreender" o Mistério da Trindade, contudo é uma analogia para falar de um Mistério que supera a mente humana, e – sendo poeta e místico – serve-se também de outras imagens. Por exemplo, compara a divindade com um rio, com uma onda amorosa que brota do Pai, flui e reflui no Filho, para ser depois felizmente difundida no Espírito Santo.

Queridos amigos, autores como Hugo e Ricardo de São Vítor elevam o nosso ânimo à contemplação das realidades divinas. Ao mesmo tempo, a imensa alegria que nos suscitam o pensamento, a admiração e o louvor da Santíssima Trindade, funda e apoia o compromisso concreto de nos inspirarmos neste modelo perfeito de comunhão no amor para construir as nossas relações humanas de todos os dias. A Trindade é deveras comunhão perfeita! Como mudaria o mundo se nas famílias, nas paróquias e em qualquer outra comunidade as relações fossem vividas seguindo sempre o exemplo das três Pessoas divinas, em que cada um vive não só com o outro, mas para o outro e no outro! Recordei isto há alguns meses no Angelus:  "Só o amor nos torna felizes, porque vivemos em relação, e vivemos para amar e para ser amados" (L'Oss. Rom., ed. port. de 13 de Junho de 2009). É o amor que realiza este milagre incessante:  como na vida da Santíssima Trindade, a pluralidade recompõe-se em unidade, onde tudo é complacência e júbilo. Com Santo Agostinho, tido em grande honra pelos Vitorianos, também nós podemos exclamar:  Vides Trinitatem, si caritatem vides – contemplas a Trindade, se vês a caridade" (De Trinitate VIII, 8, 12).

Texto retiro do site link.


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Instrução Didática, Mimética e Socrática

Tela "A Morte de Sócrates"
de Jacques-Louis David (1825)

Na respiração humana, a inspiração deve, necessariamente, preceder a expiração. Expira-se aquilo que previamente se inspirou. Podemos aplicar, analogicamente, o mesmo princípio à educação: Ensina-se o que foi previamente aprendido. Os atos e palavras empregados pelo professor são resultado daquilo que foi impresso em sua mente sobre aquele assunto. Antes de se ensinar, aprende-se. Esse princípio, que se aplica ao ato de ensinar – o estudante inspira aquilo que foi expirado pelo professor – também se aplica à própria maneira de aprender. A natureza do aprendizado é uma natureza dinâmica: inspira-se, através do recebimento da informação e de sua absorção, e expira-se, através de sua representação, a própria impressão daquele conhecimento na alma do estudante.

Um dos princípios-chave da Educação Clássica Católica é o respeito a esse princípio, é respeitar e honrar a natureza da criança e a natureza do aprendizado. Para atingir esse fim, a Educação Clássica emprega dois modos de instrução, a Instrução Mimética e a Instrução Socrática.

Instrução Didática

A instrução didática consiste principalmente na passagem de conteúdos do professor para o aluno de maneira passiva, por exemplo através de leituras, aulas discursivas. Discutiremos mais sobre a instrução didática no futuro. Apesar de não ser um modo próprio da Educação Clássica, é grandemente utilizada na Educação Mimética, mas não deve ser confundida com ela.

Instrução Mimética

E educação pode ser bem definida como o “cultivo da sabedoria e da virtude na alma através da promoção do verdadeiro, do bom e do belo". Em resumo, em aprender e crescer em virtude.

A Instrução Mimética fundamenta-se na ideia de que o ser humano aprende e cresce em virtude através da imitação. A Educação Clássica vê, porém, essa imitação não como um “macaquear” ou uma simples arremedação, mas como uma verdadeira mimesis, imitação interior, e não exterior. Ao aprender algo de maneira mimética, o aluno abstrai a ideia por meio do exemplo e da imitação e a internaliza, aplicando o que foi aprendido em sua vida. A educação mimética consiste em cinco etapas:

1. Pré-percepção

Pela memória, considera-se o que já se sabe sobre aquela ideia ou verdade, ou ideias correlatas.

2. Percepção

Pelos sentidos, considera-se a ideia em si mesma e sobre sua aplicação (por exemplo, ouvir a beleza de uma música ou de uma obra de arte)

3. Absorção

Imprime-se aquela ideia na alma através do senso comum, isto é, onde os sentidos físicos encontram a alma. Poderíamos considerar esse estágio como “contemplativo”, pois nele a alma une as diversas informações passadas pelos sentidos para construir uma ideia sobre o que está sendo tratado. Imaginemos uma escultura que expressa alegria. Os sentidos vêem apenas linhas, cores, formas. É o senso comum que une essas informações a fim de montar uma ideia na mente daquele que a admira.

4. Compreensão

Neste estágio, a mente apreende a ideia, isto é, compreende aquilo que foi absorvido para a alma. Aqui o aprendizado é feito. Aqui se conclui a inspiração

5. Representação

A ideia é impressa no estudante com uma nova forma. Aqui de fato a ideia ou verdade é personificada e imitada. Aqui se faz a expiração. Se apresenta a nova forma daquilo que foi impresso nos estágios precedentes.

Para compreender essas cinco etapas, consideremos, como exemplo, a ideia do Lar na Odisseia de Homero:

1. O que você considera um lar? Como é o seu lar? Você já esteve longe do seu lar por muito tempo?

2. Na leitura do livro, percebe-se a ideia de lar: casa de Nestor, de Zeus, de Menelaus, de Odisseu, etc.

3. Comparam-se os diferentes lares, incluindo o seu próprio: O que esses tipos (exemplos) de lar me ensinam sobre a ideia de “lar”?

4. O que um lar deve ser? O que torna algo um “lar”?

5. Representa-se o conhecimento adquirido por ideias, como num escrito, numa conversa ou numa explicação sobre o tema; ou por ações, como o cuidado maior pelo lar, a mudança de comportamento com relação a estar nele, etc.

A mimesis é a imitação, não da forma exterior, mas da ideia – não de uma ação, mas da ideia expressa nessa ação. Cada arte e habilidade é aprendida por essas etapas, seja na escola ou fora dela. É uma forma indutiva de instrução modificada, na qual os alunos são levados a entender ideias, contemplando modelos ou tipos deles. Esses modelos podem ser encontrados na literatura, história, matemática, música, artes, outras atividades humanas e na própria natureza.

Para educar de forma mimética, deve o professor seguir cinco estágios:

1. Preparação

O professor apresenta algo que o aluno já conhece ou cria a necessidade da ideia que será passada. Dessa maneira, o professor guia o aluno a preencher as lacunas que devem ser preenchidas pelo novo conhecimento a adquirir. Durante essa fase, a atenção, habilidade de raciocínio e imaginação do aluno estarão em grande atividade. O aluno ganhará confiança ao recordar os pontos que já conhece e percebê-los como ferramentas para o novo desafio. De igual maneira, o professor poderá melhor adaptar-se às necessidades dos alunos e o processo de aprendizado em geral será muito mais fácil e marcante. Essa é uma das partes mais importantes do processo de ensino e cerca de 40% do esforço e do tempo devem ser empregados nela, pois em grande parte da preparação depende o sucesso da instrução. Por exemplo, antes de se ensinar a multiplicar, o professor recorda a soma. Antes de se somar dois dígitos, deve-se apresentar a soma de um dígito só. Antes de se tratar da conjugação de determinado verbo, trata-se dos substantivos, etc.

2. Apresentação de tipos

O professor apresenta tipos, isto é, exemplos e ilustrações que incorporam e simbolizam a ideia que está sendo apresentada. Durante esta fase, a memória e a recordação ajudarão o estudante a resolver os problemas apresentados, participando neles. Cerca de 25% do tempo deve ser empregado nesta fase. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor aplica dois ou três casos de multiplicação a partir do conhecimento já adquirido (soma). Ao ensinar a soma de dois dígitos, aplica alguns exemplos (por exemplo a quantidade de alunos na sala) em que essa soma de dois dígitos seja necessária, etc.

3. Comparação de tipos

Após verem vários tipos, os alunos naturalmente começam a compará-los. Nesta fase, cabe ao professor aprofundar essas comparações através de perguntas. Todo processo é fundamentado no uso da memória e do raciocínio dos estudantes que comparam e entendem a relação entre os tipos. Toda a ideia desta fase é guiar os alunos a encontrar padrões por si mesmos (embora guiados e induzidos pelo professor) de modo a chegarem ao entendimento da ideia apresentada. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor induz os alunos a perceberem que a multiplicação nada mais é que repetir a soma. Isso pode ser feito, por exemplo, mostrando multiplicações simples como $3 \times 3$, $3 \times 4$ e $3 \times 5$ induzindo os alunos, através de perguntas e mesmo contra-exemplos, a perceber o padrão apresentado na ideia.

4. Compreensão e expressão da ideia

Após o encontro de padrões, o professor deve pedir aos alunos para explicar ou descrever a ideia utilizando suas próprias palavras, deve guiá-los para a apreensão da ideia e a exteriorização do que até então esteve apenas internamente neles. Deve-se verificar o aprendizado não apenas em um, mas em vários alunos, senão em todos. É importante fazer boas perguntas para que um aluno simplesmente não repita o outro, mas sempre demonstre seu entendimento. Pode ser útil fazer algo escrito para garantir o sucesso do exame. Caso os alunos não consigam explicar ou descrever a ideia ensinada, deve-se voltar ao ponto 3 e comparar os tipos com maior cuidado. Esta fase tende a ser a mais curta do processo. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor pede multiplicações de alguns alunos, de outros pede para explicarem o conceito, a outros dá problemas matemáticos que se resolveriam aplicando o que foi aprendido, a outros pede-se que explique como fazer para outra pessoa. A analogia à inspiração e expiração aqui encontra sua maior similaridade: Uma vez adquirido o conhecimento, nesta fase os alunos devem ser guiados a expressá-lo. Este também é um bom momento para engajar os alunos de forma socrática, como veremos a seguir, a fim de chegarem ao conhecimento através do membro processo.

5. Aplicação da ideia

Somente após os alunos conseguirem expressar por si mesmos a ideia em questão deve o professor revisar a lição e apresentar exercícios de aplicação do que foi aprendido. O professor fará isso através de exercícios que pratiquem mediante a repetição e da diversidade o que foi ensinado e testem a apreensão da ideia pelo aluno por meio de aplicações reais dela. Essa fase é muito importante e não se deve satisfazer-se com pouco, nela.

Dorothy Sayers, em seu “The Lost Tools of Learning”*, indica que devemos ensinar as pessoas da mesma maneira como se faz o polimento de uma madeira: seguindo a direção da fibra, e não indo contra ela. A educação mimética está radicada nesta ideia: Os seres humanos só podem aprender movendo-se da parte ao todo, do particular – coisas específicas e concretas – para o universal – ideias gerais e abstratas.

Instrução Socrática

A Instrução Socrática é o processo dialético de examinar uma ideia “desconstruindo-a” para encontrar fraquezas e inconsistências no entendimento de alguém, e depois “reconstruindo-a” para esclarecer ou purificar o entendimento do aluno. Esses dois estágios são realizados envolvendo-se em discussão reflexiva (dialética) com o aluno, não para destruir, mas para purificar seu entendimento. Esta discussão reflexiva é realizada através do uso de perguntas penetrantes pelo professor.

Sem dúvidas, a Instrução Socrática é o modo de instrução mais mal compreendido, mas também é um dos mais poderosos. Mal compreendido porque facilmente se confunde com elementos da educação progressista em que se visa “desconstruir” as visões dos alunos para doutrinação ideológica ou elementos em que o professor não assume a postura de mestre, mas de alguém que também está querendo aprender com os alunos. Confunde-se também com simples discussões relativistas e debates vazios. A Instrução Socrática difere muito desses elementos empregados pela educação progressista sobretudo porque não encara a discussão como fim em si mesmo, mas é verdadeiro modo de ensino. É uma verdadeira lição, tal como a feita didaticamente, na qual o professor guia o aluno à verdade através de um processo dialético.

A Instrução Socrática não é um método que pode ser sempre empregado, nem mesmo pode ser “marcado para acontecer”. Ele deve ser empregado quando as condições assim o pedirem, em geral quando há uma falsa compreensão do assunto que precisa ser substituída pela correta compreensão.

Há, basicamente, três estágios na Instrução Socrática:

1. Estágio Irônico

O estágio irônico consiste em, com delicadeza, revelar os erros contidos na compreensão dos estudantes e desconstruir o pensamento errado do aluno. A primeira etapa do estágio irônico é realmente entender o que o aluno pensa. O professor deve fazer perguntas de comparação e definição com a intenção de encontrar contradições no pensamento do aluno. Esse estágio é vital, porque se o aluno pensa de maneira errada no pouco, isso no futuro resultará em grandes erros.

2. Estágio metanoico

Após ter entendido como o aluno pensa e encontrar as contradições nesse pensamento, o professor deve, com mais perguntas, levar o aluno a perceber as suas contradições e erros do seu pensamento e reconsiderar aquilo que antes pensava ser verdade. Essa etapa se chama metanoia, ou arrependimento, mudança de pensamento.

3. Estágio Maiêutico

Nesse ponto, o professor continua a fazer perguntas, orientando o aluno a enxergar a verdade e guiando-o na correta compreensão, é o momento de construir o pensamento correto no aluno. Pode-se fazer isso empregando a instrução mimética ou mesmo didática, sempre aplicando os princípios do questionamento socrático, ou ainda dando exemplos e analogias da ideia na vida real. O estudante, através dessa instrução, contempla e compara as analogias até “dar a luz” (1) à ideia na sua mente.

O professor aproxima o aluno da compreensão precisa de uma ideia através deste processo. A instrução socrática está enraizada na ideia de que a verdade é cognoscível, mas que geralmente somos descuidados sobre como sabemos disso. Nós tiramos conclusões muito apressadamente e depois as aplicamos amplamente. Para amadurecer em nosso raciocínio, devemos purificar nosso pensamento através de uma dialética crítica socrática.

Dada sua natureza, há alguns princípios que podem ajudar o professor a praticar a Instrução Socrática e levar os alunos à verdade. Em primeiro lugar, respeito e amor deve preencher toda a instrução. O professor deve ter grande respeito pelo aluno como um buscador da verdade. As perguntas, as respostas, a linguagem corporal e mesmo o tom de voz deve refletir essa atitude. Em segundo lugar, o professor deve garantir que entendeu o que o aluno quis dizer. Isso pode ser feito com perguntas “Você quer dizer isso, entendi corretamente?”.

Em terceiro lugar, o professor deve ser paciente e respeitar o tempo de cada aluno. Não dar de pronto a resposta da pergunta, mas guiar o aluno à resposta verdadeira. Por fim, o professor deve ter um inegociável e irreprimível compromisso com a verdade. A verdade é mais importante que se provar certo. Ser fiel à verdade é ser fiel à Verdadeira Verdade, Nosso Senhor Jesus Cristo, e guiar os alunos até Ele, como princípio da Educação Católica, é nosso dever inescusável como educadores.

(1) Este é o significado de maiêutico, estágio parteiro.

Retirado do site: Link

* Este livro da Dorothy Leigh Sayers foi publicado em português pelas Edições Kírion com o título "As ferramentas perdidas da aprendizagem" em 2023.


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As 4 causas da Educação Clássica

Busto de Aristóteles. Cópia romana
de uma escultura de Lísipo

Pensar profundamente sobre o conhecimento é algo particular da Filosofia. Em nossos tempos de pragmatismo e de opiniões, a filosofia pode ser vista com maus olhos pela sociedade, mas é importante fazer perguntas sobre as coisas que mais intimamente afetam nossas ações. Com efeito, uma das mais importantes noções filosóficas é a noção do ser e de suas causas: Como saber que determinada coisa é, verdadeiramente, aquela coisa?

Aristóteles, em seu livro Física, declara que sabemos que uma coisa é quando conhecemos suas causas, que são quatro: Causa material, causa formal, causa eficiente e causa final:

Causa material

Neste sentido se diz que é causa aquele constitutivo interno de que algo é feito, como por exemplo o bronze a respeito da estátua ou a prata a respeito da taça, bem como o gênero dessas coisas.

Causa formal

Em outro sentido, é a forma ou o modelo, isto é, a definição da essência e seus gêneros (…) e as partes da definição.

Causa eficiente

Em outro sentido é o princípio primeiro de onde vem a mudança ou o repouso, como o que quer algo é causa, como é também o pai é causa de seu filho, e de modo geral o que faz algo é causa do que é feito, e o que faz mudar é causa do que é mudado.

Causa final

E em outro sentido, causa é o fim, isto é, aquilo para o qual é algo, por exemplo: o caminhar é a causa da saúde. Pois por que caminhamos? Ao que respondemos: para ficar saudáveis, e ao dizer isso cremos ter indicado a causa. E também qualquer coisa que, sendo movida por outra coisa, chega a ser um meio para obter um fim, como os medicamentos e os instrumentos cirúrgicos são meios para obter a saúde. Todas essas coisas são para um fim, e se diferenciam entre si em que umas são atividades e outras, instrumentos.

Aristóteles, Física, Livro II, Cap. III

Um exemplo clássico para as quatro causas é uma escultura de homem: A causa material é a argila, a causa formal é de um homem, a causa eficiente é o escultor, a causa final é a apreciação visual.

Como adeptos da herança clássica, precisamos ver as quatro causas da educação clássica para clarear o seu real significado e incluir todos os aspectos essenciais.

Causa material da Educação Clássica

Examinemos, primeiramente, a causa material, pois assumimos que é a mais evidente. Do que é feita a educação? Livros? Fatos? Conhecimento? Estudantes? Qualquer uma dessas opções terá efeitos a longo alcance. Se escolhermos livros, todo o processo se torna abstrato e impessoal. Se escolhermos fatos, estaremos simplesmente formando robôs informativos? Embora livros e conhecimento sejam cruciais, são senão meios de moldar o material. A causa material da educação clássica é a própria criança – o estudante – e qualquer resposta diferente reduz a educação a fórmulas estereotipadas ou método.

Causa eficiente da Educação Clássica

Quem ou o que está afetando a mudança no aluno? Poderíamos propor que as informações apresentadas ou os exercícios trabalhados estejam educando a criança, mas a resposta, a causa eficiente da educação, é o professor. Afirmar que o professor é a causa eficiente está de acordo com o que Santo Agostinho diz em sua obra De Catechizandis Rudibus (Sobre a instrução dos ignorantes). Todo o trabalho de Santo Agostinho gira em torno de como o professor deve tornar seu discurso interessante, e como o professor deve conhecer intimamente seus alunos para personalizar a lição para eles.

Causa formal da Educação Clássica

Para cada professor, o objetivo de educar poderia ser diferente. Alguns professores podem querer que seus alunos consigam bons empregos, ou sejam imitadores de escolásticos medievais, homens da Renascença ou oradores dos tempos romanos. Qual destas é a melhor opção? Ou existe uma forma diferente que é melhor para moldar uma criança?

Santo Agostinho via a educação clássica, liberal, como a melhor maneira de preparar alguém para abraçar a fé cristã. A causa formal, então, é o ideal que o professor tem em mente sobre o que ele quer que o aluno se torne. Então podemos dizer que a forma que um professor deve moldar o estudante é a de uma pessoa instruída – uma pessoa qualificada nas artes liberais e mergulhada nos Grandes Livros, que é solo fértil para o Evangelho.

Causa final da Educação Clássica

Finalmente, a causa final: para que fim uma educação clássica é orientada? Por que deveríamos tentar moldar uma criança em uma pessoa educada de forma clássica, liberal? Pela mesma razão pela qual fomos criados: Ser à imagem e semelhança de Deus, Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. O paralelo à bondade, verdade e beleza é inconfundível. Que melhor maneira de nos colocar em correspondência com a nossa natureza do que poder reconhecer a verdade (sabedoria)? Que melhor maneira do que andar fielmente no Caminho (virtude)?

Para uma vida bela e plena, sabedoria e virtude são os dois componentes essenciais. Ao dizer que a causa final da educação clássica é sabedoria e virtude, o que estamos realmente afirmando é que queremos que a criança viva plenamente de acordo com a forma como foi criada: à imagem e semelhança de Deus. Reconhecemos que Deus é quem produz o objetivo final (Ele é o principal promotor do professor e trabalha diretamente na criança) e fazemos tudo o que podemos para “preparar o solo”.

Com base em tudo isso, conseguimos chegar a uma definição: A Educação Clássica é a formação da criança pelo professor em alguém habilidoso nas artes liberais e mergulhado nos Grandes Livros a fim de cultivar a sabedoria e a virtude. Examinemos, parte a parte, esta definição.

A Educação Clássica é a formação da criança pelo professor

Existe uma relação de orientador-orientado na educação que é essencial. Negar esta ordem, afirmando igualdade ou que as crianças aprendem com seus colegas é quebrar a corrente da tradição da qual o papel do professor é um elo essencial e indispensável – até quando a educação é feita de maneira autodidata, todo o processo de aprendizado é uma grande “conversa” entre o aluno e o professor, entre o leitor e autor, entre aquele que ensina e aquele que aprende.

em alguém habilidoso nas artes liberais

As artes liberais são habilidades específicas de domínio. Não se aprende gramática no vácuo; aprende-se gramática no contexto de uma língua (preferencialmente latina). Não se aprende habilidades de pensamento crítico fora do contexto; aprende-se as regras da lógica no contexto do argumento real. Não se aprende oratória através da abstração; aprende-se os meios de persuasão e como aplicá-los em um discurso ou artigo real. Não se aprende funções matemáticas sem números; aprende-se a teoria e a aplicação de números discretos e contínuos. Gramática, lógica, retórica, aritmética, geometria, música e astronomia, entendidas no sentido medieval, são a condição sine qua non da educação.

mergulhado nos Grandes Livros

A civilização, desde milhares de anos, foi inspirada por grandes ideais. Esses ideais são transmitidos nos melhores livros, histórias, diálogos, peças teatrais, discursos e ensaios da humanidade. Ser ignorante dessas obras é ignorar esses ideais. E como é que a criança vive numa sociedade que estima esses ideais se ele não os conhece? Destes livros, sem dúvida, o maior são os Santos Evangelhos e as Sagradas Escrituras.

a fim de cultivar a sabedoria e a virtude

Deve-se poder olhar para qualquer pessoa com formação clássica e dizer: “Eis uma pessoa cheia de bom caráter que sabe distinguir o certo do errado, o bem do mal e a verdade da falsidade". Ser virtuoso é ser de bom caráter. Ser sábio é ser capaz de fazer distinções (no jargão moderno, “pensar criticamente”). Todas as escolas clássicas devem ter a aquisição de sabedoria e virtude como seu objetivo.

A Educação Clássica é a formação da criança pelo professor em alguém habilidoso nas artes liberais e mergulhado nos Grandes Livros a fim de cultivar a sabedoria e a virtude. Esta é a nossa definição essencial de educação clássica, obtida por meios clássicos.

Tradução do artigo The Four Causes of Classical Education de Paul Schaeffer, por um Congregado Mariano

Retirado do site: Link

Original em inglês: Link


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A verdadeira filosofia da educação

Já tivemos o conceito da ciência da Filosofia neste site*, o qual pode ser reduzido basicamente ao estudo do saber. Estudo que orienta o indivíduo tanto na aquisição da concreta visão da vida, seus valores e significados, seus fins próximos e últimos, quanto sobre a conduta humana, em geral. Trata-se ainda de um conjunto de princípios definidos, orientadores, que regulam a conduta humana e os valores nos vários e especializados campos do conhecimento.


Portanto, sendo a filosofia um elemento chave para formação do conhecimento, não seria de se assustar a observação de que a Ciência da Educação e a própria pedagogia bebam diretamente nesta fonte, ou seja, que dependam necessariamente da filosofia para serem aplicadas. É por isso que alguns estudiosos da filosofia da educação assim expressam:

“A pedagogia é a aplicação de princípios da filosofia” Cônego Antônio Siqueira

“Todo sistema de educação é um produto e uma tentativa para perpetuar determinada filosofia de vida” e “A verdadeira filosofia da vida é a essência íntima e a alma da ciência da educação” John Redden e Francis Ryan


Por isso, por exemplo, que podemos observar que a filosofia da educação católica é (ou deve ser) a filosofia escolástica, que teve seu auge durante a Idade Média e cujo estudo foi exortado por alguns papas nos últimos séculos, a exemplo de Leão XIII (1), tamanha é sua importância e o quanto ela pode influenciar nas salas de aula das escolas e na educação dos filhos.

A filosofia católica filia-se a uma verdade absoluta, eterna e imutável, pois para uma verdadeira filosofia há apenas uma única fonte de todo saber: Deus, que é eterno e não muda.

Alguns do princípios básicos que regem a filosofia católica e por consequência a maneira católica de educar são estes:

1. O universo foi criado por Deus Todo Poderoso e é governado por Sua Providência;

2. O homem, criatura com corpo e alma, foi criado por Deus para servi-lO na terra e alcançar, com Ele, a felicidade no Céu;

3. Dotado de consciência e livre arbítrio, o homem é responsável por sua conduta, cujas normas são preestabelecidas pelos princípios eternos da lei moral, que é imutável e independente do homem;

4. O homem recebeu de Deus o dom de aprender certas verdades de ordem natural e sobrenatural, e Deus revelou-lhe verdades de ordem sobrenatural, verdades que, dado o limite da capacidade humana, não poderia aprender de outro modo;

5. Deus doou ao homem certos meios sobrenaturais de conduta, como, por exemplo, a graça que ultrapassa os poderes naturais do homem;

6. Em conseqüência do pecado original o homem tem um intelecto reduzido para perceber a verdade, e uma vontade também limitada para procurar o bem e sua natureza mais inclinada para o mal. O pecado original não afetou a natureza da inteligência e vontade humanas, mas privou-as de especiais e poderosos recursos;

7. Através do batismo, certos dons sobrenaturais são restituídos ao homem, mas permanecem os efeitos do pecado original no que toca à inteligência, à vontade e à natureza.

8. O homem, pela sua verdadeira natureza, é ser social, tendo obrigações para com a sociedade e sendo, em troca, por ela afetado.

9. A educação, que é, ao mesmo tempo, processo individual e social, deve abranger a formação, o desenvolvimento e a orientação sistemáticos de todas as potencialidades legítimas do homem, de acordo com a sua verdadeira natureza e a hierarquia essencial dessas potencialidades.

Veja que uma educação verdadeiramente católica não deve dissociar-se de sua doutrina, já que é por meio dela que formará as bases necessárias do conhecimento natural e também sobrenatural.

Por outro lado, a educação moderna, buscando afastar-se dos princípios orientadores católicos, baseia-se no conceito amplo do naturalismo, pelo qual o homem é um produto da evolução, explicado em termos da pura natureza física e totalmente conhecido pelo estudo das ciências naturais. Para as filosofias modernas, que necessariamente geraram sistemas educacionais próprios, podemos destacar alguns pontos chave de aplicação:

1. a biologia é a única ciência capaz de explicar o homem, sendo afastado todo elemento de filosofia sobrenatural;

2. as filosofias modernas entre si possuem verdades fragmentárias, contestadas umas pelos outras;

3. são negativas porque não conseguem chegar a uma concepção da realidade;

Tais doutrinas padecem de exclusivismo, porque possuem uma concepção unilateral da realidade, de modo que quando uma nova doutrina moderna surge o faz para combater um exagero de uma anterior, a exemplo do socialismo que nasceu de homens desfavoráveis ao individualismo liberalista/naturalista.

Por isso também que a filosofia católica concentra maior perfeição, pois: a) institui a religião como base da vida e da educação; b) é universal e objetiva em sua aplicação, independente de tempo, lugar ou condições sociais; c) é tradicionalmente sã nos princípios.

Sendo assim, a filosofia católica não adapta-se aos tempos ou circunstâncias e por isso não ocasiona injustiças ou desequilíbrio quando aplicada corretamente à educação. A exemplo disto, o catolicismo sempre considerou o homem um ser ético que reúne, dentro de si mesmo, elementos do mundo vegetal e animal, que participa, com os animais, da sensação, mas que, não obstante, é dotado de alma espiritual, feita à imagem e semelhança de Deus. Não é só um proletário como diz Marx, nem um ser social como diz Dewey, nem um puro indivíduo biológico como é para o naturalismo. Para a filosofia católica, o homem reúne os elementos de corpo e alma que por grau de importância e por meio de relações sociais devem ser desenvolvidos.

Por isso, alguns requisitos da verdade sobrenatural devem ser aplicados à ciência da educação, os quais tem opositores na filosofia moderna, quais sejam:

1. Origem e natureza do homem: criado por Deus, o homem é criatura constituída de corpo e alma, feito à imagem e semelhança de Deus. De modo opositor há teoria evolucionista do homem e a concepção materialista de sua natureza;

2. Condição natural do homem: fruto do pecado original, nasceu o homem dotado de intelecto menos apto a atingir a verdade, com vontade menos apta a procurar o bem e, consequentemente, com natureza sujeita à corrupção corpórea e inclinando as afeições desordenadas. Em oposição a isto há a teoria predominante a partir de Rousseau de que o homem é naturalmente perfeito, pela qual se dá superênfase à autodescoberta e auto-expressão do indivíduo na educação;

3. Fim último do homem: criado para louvar, reverenciar e servir a Deus, fazendo-o atingir a felicidade eterna com Ele, no Céu, tem o homem. Diverso da concepção materialista que limita o fim do homem à sua vida na terra e afirma que a função da educação diz respeito, apenas, a essa vida.


A filosofia católica da educação usa a razão natural como guia, mas nunca ignora ou negligencia as verdades básicas da revelação divina que fundamentam uma verdadeira filosofia da vida.

O fim último da educação cristã não diz respeito a este mundo, mas a uma vida além desta, a ser alcançada pela imitação de Cristo. Com a religião cristã, surgiu o elemento capital na vida e na educação. O verdadeiro cristão, com esses elementos, sempre procurou a salvação de sua alma e a regeneração moral da sociedade. Além disso, devem-se buscar os conhecimentos secundários de cultura, vocação, disciplina, eficiência, sempre subordinados ao fim último do homem.

Fontes:

REDDEN, John D.; RYAN, Francys A. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO. 1973 – 5ª Ed. tradução de Nair Fortes. Livraia AGIR Editora, Rio de Janeiro.

SIQUEIRA, Cônego Antônio A. de. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO. 1948 – 2ª Ed. Editora Vozes, Rio de Janeiro.

(*) Site

(1) Encíclica Aeterni Patris

Retirado do site: Link


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Definição de educação

Santo Agostinho de Philippe
de Champaigne, século XVII

Artigo I - Definição de educação.

<Inclinar-se sobre uma alma imortal,
adivinhar cada instinto para lhe nobreza,
espiar cada arroja, imprimindo-lhe fortaleza> (1).

Que quer dizer a palavra educação?

Etimologicamente, a palavra educação significa, mais ou menos, menos que a palavra criação. Educar, do latim educere, <é quase criar, é como tirar do nada, é, pelo menos, despertar do sono e da letargia as faculdades adormecidas, é dar a vida, o movimento e a ação a uma existência ainda imperfeita> (2). Educar é fazer que alguém se desentranhe de si mesmo; é fazer duma criança um homem, dum homem um cristão, dum cristão um santo, um eleito (3).

Não haverá uma palavra ainda mais expressiva do que aquela?

Sim, e uma palavra bem portuguesa: enobrecer. Dizemos: enobrecer a juventude; enobrecer a alma; enobrecer os sentimentos; enobrecer os pensamentos; enobrecer o caráter, etc. Enobrecer é como que divinizar; é tomar um objeto que está na escuridão e colocá-lo numa região mais bela e mais pura, onde ele domina e brilha. Assim, no alto drapeja a bandeira, domina a cruz, a alma é diamante. <Enobrecer uma criança é tomar uma alma de criança  tão indecisa e indistinta, quase vizinha do nada e guiá-la, por ascensões sucessivas, às regiões luminosas da verdade, às mais altas regiões da virtude> (4).

Como se poderá definir a educação?

A educação é a arte de cultiva, exercitar, desenvolver, fortificar e polir todas as faculdades físicas, intelectuais, morais e religiosas, que constituem na criança a natureza e a dignidade humanas; dar a estas faculdades uma perfeita integridade; elevá-las à plenitude da sua força e da sua ação. E, deste modo, formar o homem, prepará-lo a bem servir a pátria nos diversos cargos sociais, que um dia seja chamado a desempenhar através da jornada da vida; e assim, num alto pensamento, conquistar a vida eterna, enobrecendo a vida presente. Eis a obra e o fim da educação (5).

Por que se define a educação: <a arte de cultivar?>

Porque, efetivamente, a educação procede como um jardineiro inteligente: colocar numa terra boa a planta que lhe confiam; rega-a com água pura e abundante; arranca as ervas daninhas, que estorvariam a sua vegetação; e como se desenvolve; favorece o desabrochar das flores e dos frutos. Portanto, a educação cultiva (6), e cultiva pelos cuidados físicos, pelos ensinamento intelectual, pela disciplina moral, pelos meios sobrenaturais.

Por que se define a educação: <a arte de exercitar?>

Porque a educação não é somente um meio de agir; é ainda o recurso e a obrigação de fazer agir; não é só obra da autoridade, é também obra do respeito; exige do educando a colaboração duma docilidade respeitosa: --- exercita. Propõe então ao educando certos estudos, determinados atos e certo esforços; anima-o com persuasão; dirige-o com sabedoria; numa palavra, fá-lo concorrer eficazmente para a sua própria educação: --- e assim é necessário, porque <jamais se educará uma criança sem o seu esforço ou contra a sua vontade> (7).

Por que se define a educação: <a arte de desenvolver?>

Porque a educação só cultiva, e exercita, age e faz agir, afim de desenvolver. E, na verdade, a educação é o desenvolvimento da natureza em tudo o que tem de bom. Por isso, sabiamente disse Fénelon: <Basta contentarmo-nos com seguir e ajudar a natureza> (8). A educação deve seguir e ajudar a natureza e todos os terrenos; deve segui-la e ajudá-la sem nunca se deter nem afrouxar; apodera-se do homem e acompanha-o até o limite da sua carreira.

Por que se define a educação: a arte de <fortificar?>

Porque desenvolver, sem fortificar, equivaleria praticamente a destruir. A educação que não fortificasse seria, pelo menos, vã e enganosa, sem consistência e sem virtude. O Evangelho indica, aliás, a necessidade deste duplo progresso, falando de Jesus Menino: Puer crescebat et confortabatur (9). O Menino crescia e fortificava-se.

Por que se define a educação: a arte de <polir?>

Porque a educação não é somente para o homem uma necessidade, uma condição de existência; é também uma prenda adorável. Deve suavizar, adornar, embelezar a natureza. Realmente, a educação bem entendida faceta o espírito, pule o caráter e os costumes; até a virtude se torna mais bela. E a polidez foi sempre um dos mais belos caracteres de educação portuguesa. Não se considera, entre nós, bem educado quem não possui a arte de saber viver.

Por que se fez menção, na definição dada, da faculdades <físicas, intelectuais, morais e religiosas?>

Porque a educação, tomada na sua acepção completa, abrange o homem todo, o seu corpo e a sua alma; esforça-se pela realização do ideal traçado pelos antigos, quando falavam duma alma sã num corpo vigoroso: mens sana in corpore sano (10). Esta alma sã é a inteligência bem formada; é a vida moral despojadas dos seus defeitos e enriquecida de virtudes; é a vida sobrenatural assegurada, salvaguardada, aperfeiçoada, querida e defendida... De maneira que a educação, vista em conjunto, compreende cuidados físicos, ensinamento intelectual, uma disciplina moral e formação sobrenatural.

De que se trata, afinal, quando se fala da educação?

1.º Trata-se de formar o homem; o homem com as suas faculdades gerais e as suas qualidades individuais, tal qual o exigem a sociedade e a religião; o homem de razão, de senso e de gosto; o homem de imaginação regrada; o homem de coração; o homem de vontade firme e reta; o homem como foi criado por Deus e regenerado por Jesus Cristo; o homem de fé e de consciência; o homem do seu século e do seu país, no sentido perfeito destas duas palavras.

Vereis só por seus filhos um povo renascer:
O coração e o cérebro quem os pode refundir?
Mas os petizinhos, se quisermos, podem ser
Os homens mais felizes, Portugueses do porvir (11).

2.º Trata-se de formar o eleito e o herdeiro do céu. Joubert, num escrínio de Pensamentos delicados e luminosos, escreveu: <Ao educardes uma criança, pensai na sua velhice>. Mas não é tudo. O pensamento de Joubert deve ser completado, tomando esta forma: < Ao educardes uma criança, pensai na sua eternidade>.

Ó jovens mães, na hora bendita em que vós tendes no regaço o entezinho adorado, e em cuja fronte desenhais sonhos fagueiros, pensai e pensai bem que não é tão somente um preciso objeto que adornais com esmero; fitai os seus olhos; neles lereis deveres mais austeros. Está escrito que a maternidade é um sacerdócio, um apostolado divino de que Deus nos revestiu; que é preciso fazer da criança, primeiro, um homem e, depois, um eleito do céu; que, se assim o não fizerdes, melhor seria nunca terdes um filho.

Este dever é tão imperioso que S. Paulo não hesita em afirmar que a mãe que o esquece é inferior a uma pagã (12).

Referências:

(1) Citado por P. Combes, O livro da educadora, p. 80.

(2) Mgr. Dupanloup, Da Educação, t. I, p. 3-4.

(3) Mgr. Pichenot, Tratado prático da educação maternal, p. 64.

(4) Mgr. Rozier, A arte de ser mãe, p. 29.

(5) Mgr. Dupanloup, Da Educação, t. I, p.2.

(6) S. Paulo chama a alma <o campo de Deus; Dei agricultura estis> (I Cor. III-9).

(7) Mgr. Dupanloup, Da Educação, t. I, p. 177

(8) Da educação das meninas, cap. III

(9) Luc. I, 80, e II 40.

(10) Juvenal.

(11) Jean Aicard, A canção da criança. <O pequeno povo>

(12) Mgr. Rosier, A arte de ser mãe (2.ª ed.) p. 9.

Trecho retirado do Livro Catecismo da Educação - Abade René Bethléem, 1952, Livraria Figuerinhas - Porto.


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