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Sobre a Realidade das Matemáticas - por Carlos A. Casanova


APÊNDICE I

SOBRE A REALIDADE DAS MATEMÁTICAS [1]

Hoje existem aqueles que sustentam que a matemática é uma quimera, uma pura “invenção” da mente huma­na. Os axiomas da álgebra, em particular, seriam arbitrá­rios. Frente a eles se levantam não poucos matemáticos que pensam que seu objeto de estudo existe, tal como pensava Platão. Alguns sustentam que não pode ser uma criação da mente mas que procede da experiência sensorial, por abstra­ção. Outros, como Kant, supõem que o matemático apenas intua formas a priori, como a do espaço. Ainda outros estão de acordo com Aristóteles, para quem o objeto da matemá­tica vem da abstração de dimensões quantitativas do real, mas que são captados não pela pura experiência sensorial. Estes têm que enfrentar numerosas objeções, entre as quais podemos mencionar agora a dos husserlianos, os quais pensam que tal objeto não é um acidente como a quantidade, pois todos os entes, de qualquer gênero, são numeráveis. 

O que esboçamos acima será o problema central das páginas que seguem. Mas outro problema conexo será o seguinte: se o objeto das matemáticas é um fato que pode ser enquadrado em diversos sistemas axiomáticos, ou se nunca se pode dizer que seja um fato, e a diversidade de sistemas axiomáticos possíveis é conseqüência, simplesmente, da distinção entre a via inventionis (via da investigação) e a via demonstrationis (via da demonstração). Neste ponto será útil comparar a matemática com a física.


A. PARECE QUE A MATEMÁTICA NÃO TEM NENHUM OBJETO REAL

A primeira opinião se baseia, até onde sei, em dois tipos de argumentos: a) em que na álgebra se definem as noções primitivas das regras de inter-relação ou de conexão entre estas noções de um modo aparentemente arbitrário; e, ainda, que na matemática existem criações que definitivamente se distanciam de nossa experiência do mundo, tais como o espaço de mais de três dimensões ou os números complexos. E, b) em que um ramo da matemática tão venerável como a geometria de Euclides foi “superada” nos séculos XIX e XX. E se nem sequer a geometria pôde resistir aos embates do fluxo do pensamento humano, o que pode haver que seja fixo e verdadeiro? [2]

Ao primeiro tipo de fundamento desta opinião, o que surge dos princípios da álgebra ou de outras noções muito artificiais da matemática, há que se responder -- com uma obra que citaremos amiúde nestas páginas -- várias coisas:

a. i) nem todos os sistemas algébricos que se criam serão interessantes, mas apenas aqueles que respondam à realidade do objeto da disciplina, os que tenham grande significa­ção, seja nas matemáticas mesmas, seja em suas aplicações às ciências naturais ou técnicas [3].

a. 2) Os espaços de mais de três dimensões são aplicações metafóricas da noção de espaço a âmbitos não espaciais:

[...] A geometria mais primitiva estudava apenas as formas espaciais e as relações do mundo material, e portanto apenas na medida em que aparecem no marco da geometria euclidiana. Mas agora o objeto da geometria começou a incluir também muitas outras formas e relações do mundo real, com a suposição extra de que elas sejam semelhantes à espacial e, por conseguinte, permitam o uso de métodos geométricos. O termo 'espaço’, então, tomou nas matemáticas um novo significado, mais amplo e ao mesmo tempo mais especial. Simultaneamente, os métodos da geometria se fizeram muito mais ricos e mais variados. Por sua vez, eles nos forneceram um instrumento mais completo para apreender o mundo físico que nos rodeia, o mundo do qual foi abstraída a geometria em sua forma original [4].

a. 3) Quanto aos números complexos, Heisenberg faz observações sumamente interessantes em seu Diálogos sobre la física atómica [5]:

Estarás, sem dúvida [tu, Pauli] de acordo comigo se afirmo que a proposição “existe a raiz quadrada de $-1$” não significa outra coisa que “existem importantes rela­ções matemáticas que podem ser representadas de forma mais simples com a introdução do conceito raiz quadrada de $-1$”. Muito bem, as inter-relações existem também sem esta introdução. Por conseguinte, esta forma matemática pode ser aplicada praticamente tanto nas ciências naturais como na técnica. Na teoria das fun­ções, é um dado categórico, por exemplo, a existência de importantes estruturas matemáticas que se referem a pares de variáveis continuamente cambiáveis. Essas relações resultam mais facilmente inteligíveis se formamos o conceito abstrato raiz quadrada de $-1$, ainda que isso não seja fundamentalmente necessário para essa compreensão, e ainda que não se dê nenhum conceito correlativo entre os números naturais. [...] Portanto, na ciência matemática se registra um processo continuado de crescente abstração que possibilita a compreensão unitária de domínios cada vez mais amplos.

Quanto ao segundo tipo de argumentos que aduz esta tese, (b), deve-se dizer que o fato de que existam geometrias não euclidianas não invalida a obra de Euclides. Simplesmente a perspectiva deste pode ser completada com outras perspectivas. A experiência humana da realidade é sempre limitada, mas esses limites não implicam que as afirmações feitas dentro dela sejam falsas. E a linguagem nunca abarca toda a riqueza de nossa experiência; assim, a maneira como expressamos, e, inclusive, concebemos o que entendemos, pode padecer de imperfeições, as quais, não obstante, não impedem que, desde aquilo que foi expressado, se capte uma realidade que se encontra “para além” dele [6]. Ilustrarei isso com uns textos de Heisenberg, referidos em sua maioria à perspectiva constituída pela física newtoniana, mas aplicá­veis com mais razão (a fortiorí) à geometria de Euclides.

A Teoria da Relatividade e a mecânica quântica são sistemas axiomáticos introduzidos na física ou foram aceitos nela para dar conta de um conjunto de resultados experimentais que não podiam ser explicados pela mecânica newtoniana ou pela Teoria Eletromagnética de Maxwell. Contudo, os experimentos em que se obtiveram esses resultados foram concebidos e montados de acordo com as leis da mecânica newtoniana e a Teoria Eletromagnética de Maxwell. Isto coloca um problema teórico. E a ele responde Heisenberg:

[...] O ponto de partida óbvio para a interpretação física do esquema matemático na relatividade geral é o fato de que a geometria é muito aproximadamente euclidiana em dimensões pequenas. A teoria se aproxima da teoria clássica nesta região. Assim, aqui a correla­ção entre os símbolos matemáticos e as medições e os conceitos da linguagem ordinária não é ambígua. Não obstante, pode-se falar de geometrias não euclidianas a grandes dimensões. [Pelo dito, ...] na Teoria da Relatividade geral a linguagem pela qual descrevemos as leis gerais segue a linguagem científica dos matemáticos, e na descrição dos experimentos mesmos podemos usar os conceitos ordinários, posto que a geometria euclidiana é válida com suficiente precisão nas pequenas dimensões [7].

O texto anterior se refere diretamente à geometria euclidiana. Agora trarei outros que se referem a outras partes da ciência, mas que são úteis para mostrar o problema da rela­ção entre a linguagem e a experiência ou a relação entre a verdade e nossas perspectivas limitadas. Vejamos o primeiro:

O problema mais difícil, contudo, acerca do uso da linguagem, surge na Teoria Quântica. Aqui não temos desde o início um guia simples para correlacionar os símbolos matemáticos com os conceitos da linguagem ordinária, e o único que sabemos de início é que nossos conceitos comuns não podem ser aplicados à estrutura dos átomos. De novo, o ponto óbvio de partida para a interpretação do formalismo parece ser o fato de que o esquema matemático da mecânica quântica se aproxima do da mecânica clássica nas dimensões que são grandes comparadas com o tamanho do átomo [8].

O grande físico dissera anteriormente que a discrepância entre a mecânica newtoniana e os resultados experimentais que levaram à Teoria da Relatividade ou à mecânica quântica não era questão de “fatos” (facts), mas de linguagem [9]. Os fatos estavam claros. E entre eles não pode haver discrepância. O princípio de não-contradição está suposto em qualquer experiência humana da realidade distinta da primeira experiência intelectual, na qual, após captar o conceito 'ente’, já temos tal princípio. O que existe, outrossim, é um desacordo entre o modo de formular as experiências relativas a um campo de fenômenos e outro modo de formular as relativas a outro campo. Esse desacordo é visto como “um problema de linguagem” e, por isso, buscam-se caminhos que salvem todas as experiências.

Assim, pelo fato de as experiências que fundamentam a formulação newtoniana da mecânica não poderem “ser superadas”, Heisenberg pode dizer:

Creio que a mecânica newtoniana não pode ser aperfei­çoada de modo algum, e com isso quero dizer o seguinte: sempre que queremos descobrir qualquer fenômeno com os conceitos da física newtoniana, como, por exemplo, lugar, velocidade, aceleração, massa, força, etc., têm plena validez as leis de Newton, e nisto nada será modificado nos próximos cem mil anos. Para ser mais preciso, convém que acrescentemos algo: sempre que nos atemos ao grau de precisão com que se podem descrever os fenômenos com os conceitos newtonianos, possuem vigência também as leis de Newton. O fato de que esse grau de precisão seja limitado naturalmente já era um dado conhecido na física precedente, já que ninguém podia realizar medições com uma exatidão perfeita [10].

Mais adiante, Heisenberg acrescenta algo que é relevante indiretamente para a matemática: o critério de verdade da física. E digo que é relevante para a matemática porque a ciência da natureza utiliza o formalismo matemático: se existe verdade na ciência natural, como poderia não havê-la na matemática? Este é um argumento usado em outro de nossos capítulos, mas pode ser adiantado aqui. Segundo Heisenberg, pois, a física não se pode aperfeiçoar como a engenharia, que é uma disciplina mecânica ou prática, por meio de acréscimo de pequenas ferramentas conceituais:

Seria totalmente falso colocar como nível das corre­ções de um engenheiro as mudanças fundamentais que aparecem na passagem desde a mecânica newtoniana para a mecânica relativista ou para a quântica, porque o engenheiro, quando corrige, não necessita modificar nada de seus conceitos anteriores. Todas as palavras mantêm seu significado anterior; apenas se introduzem nas fórmulas correções para determinadas realidades que antes se haviam descuidado. Semelhantes mudanças, porém, não teriam sentido algum dentro da mecânica newtoniana. Não existe experimento algum que possa confirmá-lo. Nisto precisamente se estriba o sentido absoluto e permanente da física newtoniana: em que não é passível de ser aperfeiçoada dentro de seu campo de aplicação por pequenas modificações, e em que desde há muito tempo já encontrou sua forma definitiva. Mas existem campos experimentais nos quais não podemos avançar com o sistema conceitual da mecânica newtoniana. Para tais campos experimentais, necessitamos de estruturas conceituais totalmente novas, oferecidas, por exemplo, pelas teorias da relatividade e da mecânica quântica. A física newtoniana tem -- e isso para mim é importante - um grau de perfei­ção já concluído, que os recursos físicos do engenheiro jamais possuirão [11].

Esta perfeição já concluída está vinculada ao

critério mais importante da verdade de nossa ciência, a simplicidade sempre resplandecente das leis da natureza [...]. Se resumimos por meio de fórmulas o resultado dos experimentos, como sempre se deve fazer na física teórica, e chegamos assim a uma descrição fenomenológica dos processos, temos aí a impressão de que estamos a inventar essas fórmulas, e que isso pode ser feito de modo mais ou menos satisfatório. Porém, quando topamos com essas grandes inter-relações extraordinariamente simples que são fixadas definitivamente dentro da axiomática, o assunto toma um aspecto muito distinto. Neste caso aparece de repente, ante a mirada de nosso espírito, uma ordem total de inter-relações que sempre existiu sem nós, e que com absoluta evidência não foi feita pelo homem. Tais inter-relações constituem o conteúdo autêntico de nossa ciência. Somente quando tivermos interiorizado plenamente em nós mesmos a existência de tais interdependências, é que poderemos compreender realmente nossa ciência [12].

 

B. PARECE QUE O OBJETO DAS MATEMÁTICAS TEM UMA
EXISTÊNCIA INDEPENDENTE DAS COISAS SENSÍVEIS

A origem desta tese se encontra em Platão ou nos pitagóricos. Quando Protágoras objeta à veracidade da geometria que nada no mundo real era como o descreviam os geômetras (porque não existem pontos sem dimensões, nem linhas com apenas uma dimensão, nem planos com apenas duas dimensões, etc.), o ateniense responde que era certo que no mundo sensível os objetos da geometria não existiam, mas que isso não a afetava como ciência e, sim, à realidade ou consistência do mundo sensível. Neste, as coisas recebem seu consistir e sua inteligibilidade de outras realidades supra-sensíveis, que são as que a geometria estuda. E certo que nunca nesta vida vimos objetos como os definidos pela geometria, e que por isso é difícil explicar como é possí­vel reconhecer um raciocínio geométrico verdadeiro e distingui-lo de um falso; e ainda mais: como podemos fazer investigação em geometria, pois parece que não podemos saber como é aquilo que estamos buscando, nem podemos reconhecê-lo uma vez encontrado. Mas, desde logo, existem descobertas, a geometria não é arbitrária, e qualquer um que siga os raciocínios de modo devido pode distinguir um verdadeiro de um falso. Então, por que temos em nossa mente os conceitos necessários para orientar a investigação e reconhecer os resultados favoráveis? Porque nossa alma contemplou antes de estar encarnada no corpo esses objetos supra-sensíveis [13].

Hoje, como já se anunciou, não são poucos os matemá­ticos que subscrevem a tese platônica acerca da existência dos objetos de sua disciplina, mesmo que não subscrevam, talvez, a pré-existência da alma ou da inteligência [14]. Eles aduzem as mesmas experiências apontadas no parágrafo anterior, além de algumas outras. Transcrevo agora um texto de Roger Penrose em que alega outra experiência, mais vinculada (de modo inconsciente [15]) ao Fedro que as mencionadas anteriormente:

[...] O ponto e que, com respeito à comunicação das matemáticas, não estamos simplesmente transmitindo fatos. Porque, para que um conjunto de fatos [contingentes e particulares] sejam comunicados de uma pessoa a outra, é necessário que os fatos sejam cuidadosamente enunciados pela primeira, e a segunda deveria tomá-los individualmente. Mas na matemática o conteúdo fático é pequeno. As afirmações matemáticas são necessariamente verdades (ou então falsidades necessá­rias) e mesmo que a afirmação do primeiro matemático represente meramente uma sombra instável de uma verdade necessária, seria aquela mesma verdade a que seria transmitida ao segundo matemático, supondo que o segundo a tenha entendido adequadamente. As imagens mentais do segundo podem diferir nos detalhes das do primeiro matemático, e suas descrições verbais também, mas a idéia matemática relevante terá sido comunicada de um ao outro. [...] Quando ‘vemos’ uma verdade matemática, a própria consciência irrompe nesse mundo platônico de idéias e estabelece um contato direto com ele (acessível por meio do intelecto). [...] A descoberta matemática consiste na ampliação dessa área de contato [16].

As experiências originantes desta tese se tornarão mais claras quando virmos o enfrentamento entre ela e os empiristas, na próxima seção.


C. PARECE QUE A MATEMÁTICA PROCEDE DA EXPERIÊNCIA SENSORIAL

Na materialista e stalinista União Soviética de 1956, conseguiu-se escrever uma grande obra, Mathematics, Its Contents, Methods, and Meaning, editada por Aleksandrov, Kolmogorov e Lavrent'ev [17]. Como era de se esperar, pelo contexto histórico, a perspectiva desse livro é materialista e anti-idealista. Emprega, por isso, grande esforço para mostrar que a matemática é formada a partir da experiência sensível. Ao fazê-lo, coincide admiravelmente e sem sabê-lo com muitas teses aristotélicas, mas introduz aclaratórias ou correções que o distanciam parcialmente do Estagirita. Neste segundo aspecto coincide mais, de novo sem citações explícitas, com o empirismo que foi objeto de refutação por parte de Leibniz ou que deu lugar à crítica de Kant.

Segundo os russos, a matemática surgiria da experiência dos objetos sensíveis, por abstração. O número seria a numeração dos objetos mas abstraindo sua natureza: “O conceito de figura geométrica é o resultado da abstração de todas as propriedades dos objetos existentes, exceto sua forma espacial e suas dimensões” [18]. Estes são dois dos conceitos primeiros e elementares. Foram seguidos por outros muitos, cada vez mais abstratos e de tal generalidade que aparentemente perderam toda a conexão com a vida ou experiência ordinárias. Não obstante, também eles possuem um conteú­do concreto e estão conectados com a vida, coisa que se pode demonstrar sem muita dificuldade [19].

Toda ciência particular é abstrata. Mas a matemática versa apenas acerca de todas as possíveis (e variáveis) rela­ções quantitativas e interdependências entre as magnitudes e acerca das formas espaciais; encerra uma série de graus de crescente abstração, caminho em que chega mais longe que qualquer outra ciência; e move-se inteiramente no campo dos conceitos abstratos e de suas inter-relações - diferentemente do cientista natural, que constantemente retorna ao experimento para provar suas asserções [20].

Os matemáticos fazem constante uso de modelos, aná­logos físicos e exemplos inteiramente concretos, que servem como fonte da teoria e como meio para descobrir seus teoremas, mas nenhum teorema pertence definitivamente à matemática até que tenha sido rigorosamente provado por um argumento lógico [21].

“Podemos medir os ângulos da base de milhares de [triângulos] isósceles com total exatidão, mas tal procedimento nunca nos dará uma prova matemática do teorema segundo o qual os ângulos da base de um triângulo isósceles são iguais. A matemática exige que esse resultado se deduza dos conceitos fundamentais da geometria [...] que estão precisamente formulados nos axiomas”.

O autor do Livro VII da República subscreveria este texto sem problemas. Mas, em contrapartida, colocaria sérias objeções a esse outro texto:

“Em última instância, a vitalidade das matemáticas surge do fato de que seus conceitos e resultados, com toda sua abstração, se originam, como veremos, no mundo real/ e / encontram mui variada aplicação em outras ciências, nas engenharias e em todos os assuntos práticos da vida diária. Dar-se conta disto é o mais importante pré-requisito para compreender a matemática”. [22]

O segundo trecho em destaque não necessita refutação, creio. Poucos são os matemáticos que se enamoram de sua disciplina por suas aplicações em outras disciplinas; a maioria se deixa deslumbrar pela beleza intrínseca de seu objeto. Vamos discutir o primeiro trecho em itálico.

Para provar que a matemática surge do “mundo real”, empregam os russos dois tipos de argumentos. O primeiro tem que ver com a impressionante aplicabilidade da matemática aos problemas de todas as disciplinas que estudam ou manipulam o mundo natural, aplicabilidade que se estende até a conceitos ou construções mais abstratos, tais como os números imaginários ou números complexos e espaços de mais de três dimensões [23].

O segundo tipo de argumentos encontra-se ligado à história da aritmética e da geometria. Ambas as disciplinas surgiram em variados momentos e lugares históricos concretos, mas vamos concentrar-nos na aritmética para não alargar desnecessariamente essas páginas e porque o argumento não muda em nada quando aplicado à geometria. Em muitos povos, até quase contemporâneos, não se conheciam noções para números maiores que dois ou três. Em outros, noções mais refinadas foram desenvolvidas, como a de números maiores, de soma, ou de multiplicação, frutos de múltiplas experiências. Mas na China, Egito e Babilônia desenvolveram-se símbolos para os números, o que permitiu representar cifras inimagináveis numa representação visual. O conceito necessita de um “corpo”, ainda que seja abstrato, e, na falta de representação visual, fornece-se um símbolo. Nas duas últimas civilizações mencionadas acima, começou a se desenvolver o interesse pela matemática sem conexão imediata com problemas práticos. Mas foram os gregos que, já no século IV antes de Cristo [24], haviam descoberto que os números podem ser indefinidamente estendidos, e, mais importante, que é possível discutir-se acerca dos números em geral e formular e provar teoremas gerais acerca deles. Com o qual contemplamos uma transição a um novo nível de abstração “desde certos números (ainda que abstratos) aos números em geral, a qualquer número possível”, segundo dizem os autores [25].

Com base nas observações anteriores, os russos afirmam que “a aritmética, como vemos, não surgiu do pensamento puro, como supõem os idealistas, mas é o reflexo de propriedades definidas de coisas reais e surgiu de uma larga experiência de muitas gerações” [26]. “A história dos conceitos da aritmética mostra quão errada é a perspectiva realista segundo a qual eles surgiram do ‘pensamento puro’, da ‘intuição inata’, da ‘contemplação de formas a priori’, ou coisas semelhantes” [27]. A razão pela qual os resultados da aritmética são tão convincentes é que

“suas conclusões fluem logicamente de seus conceitos básicos, e ambos, os métodos da lógica e os conceitos da aritmética, foram elaborados e firmemente fixados em nossa consciência por três mil anos de experiência prática sobre a base de uniformidades objetivas que se dão no mundo que nos rodeia” [28].

Tudo parece claro, mas alguns problemas aguardam, implícitos, na própria exposição dos russos. Vejamos os textos relevantes:

Os teoremas gerais acerca de qualquer propriedade de um número arbitrário contêm, já de forma implícita, muitas asserções acerca das propriedades dos números individuais, e são, por conseguinte, qualitativamente muito mais ricos que qualquer afirmação particular que pudesse ser verificada acerca de números especí­ficos. Por essa razão os teoremas gerais devem ser provados com argumentos gerais que procedem da regra fundamental para a formação da seqüência dos números. Aqui percebemos uma profunda peculiaridade da matemática: toma como objeto não apenas relações quantitativas dadas, mas todas as possíveis relações quantitativas, e, portanto, a infinitude [29].

À pergunta de por que a matemática pode ter um campo tão vasto de aplicações, respondem que ela “generaliza uma enorme quantidade de experiência, reflete em forma abstrata aquelas relações do mundo real com as que nos encontramos constantemente e em todas as partes”, que “a possibilidade de ampla aplicação vem garantida pela mesma abstração da aritmética, ainda que seja importante que não se trata de uma abstração vazia, mas derivada de uma ampla experiência prática” [30]. E acrescentam, finalmente, que “a abstração de tudo que não é essencial descobre o núcleo da matéria e garante o êxito nesses casos onde um papel decisivo é desempenhado pelas propriedades e relações captadas e preservadas pela abstração” [31].

O que sempre chamou a atenção de filósofos com Platão, Leibniz [32] ou Kant foi que nas coisas concretas das quais temos experiência nunca se dá a perfeição própria das definições matemáticas - da geometria, por exemplo. E nossos sentidos nunca nos dão uma idéia universal e necessá­ria, senão, no melhor dos casos, imagens vagas que podem abarcar, por sua própria vagueza, diversos indivíduos. Por mais experiências sensoriais que tenhamos de infinidades de coisas concretas, jamais poderemos descobrir na realidade sensível, nem com nossos sentidos, um conceito universal e necessário cuja análise possa dar lugar a demonstrações igualmente universais e necessárias. Em Platão, ademais, encontramos uma explicação de por que pode haver um aprendizado gradual da matemática ou da ciência em geral, que é precisamente um dos temas centrais do Mênon: a anamnese das idéias separadas se dá pouco a pouco e com a ajuda dos deuses ou de um mestre.

Por outro lado, é certo, como veremos, que a ampla aplicabilidade da matemática é sinal de que as relações quantitativas de que trata se dão de alguma maneira no mundo sensível. Mas também isso Platão explica: o mundo sensível participa dos objetos matemáticos ou os imita, ainda que não perfeitamente. Daí a distância entre a física e a matemática... Esta mesma ampla aplicabilidade supõe, ademais, como dizem os russos, que a matemática não parte de uma abstração vazia. Mas isso implica que o núcleo das noções matemáticas não pode ser uma imagem vaga [33]. Tem de existir algo distinto. A captação do núcleo essencial tem de ser intelectiva, não sensorial. E se no sensível não existe nada tão perfeito como nas definições da geometria (de novo, por exemplo), e, ademais, nossos sentidos não captam senão o particular e imperfeito, como poderíamos formar as noções básicas da matemática a partir do sensível? Para rematar, o que existe no mundo sensível como nossas operações aritméticas ou algébricas universais? É óbvio que nossa mente não é um reflexo especular do mundo sensível, e que muitas das noções que usamos para nos expressar na física e na matemática ou na linguagem em geral não foram tomadas de nossa experiência sensível. Assim, por exemplo, nunca vimos a semelhança, mas apenas coisas semelhantes; e, na realidade, nunca vimos nada exatamente igual, apenas coisas mais ou menos semelhantes. [Como, de passagem, sabemos o que significa ‘mais semelhante’ ou ‘menos semelhante’ se não sabemos o que é a semelhança ou a igualdade? E como sabemos o que é, se não a vimos? Donde procede nossa noção?]


D. PARECE QUE A MATEMÁTICA PROCEDE DA INTUIÇÃO DE
UMA FORMA POSSUÍDA A PRIORI PELA SENSIBILIDADE

Kant teve de se enfrentar com uma situação em que a filosofia primeira de tipo cartesiano-idealista havia sido posta por terra na rasteira da crítica de Hume e, em contrapartida, a geometria, e sobretudo a física, estavam em seu apogeu graças à descoberta da geometria analítica por Descartes e Fermat e à formulação da mecânica de Newton. O agudo crítico escocês supunha que a experiência humana era puramente sensorial e que as noções de razão eram um puro hábito. Vejamos como o diz Kant:

[Hume] acreditou poder dizer que tal princípio [da causalidade] é absolutamente impossível a priori, e, segundo suas conclusões, tudo o que chamamos metafísica repousaria sobre uma simples opinião de um pretenso conhecimento racional, que de fato nasce simplesmente da experiência e que recebe do hábito certa aparência de necessidade. [Tudo que captamos é a sucessão dos fenômenos, mas ela pode produzir um costume e nós projetarmos sobre ela a “causalidade” como princípio necessário]. Esta afirmação, destruidora de toda filosofia pura, nunca deveria ter sido feita se o autor tivesse abarcado em toda generalidade esse problema, porque então teria compreendido que, segundo seu argumento, tampouco poderiam existir as matemáticas puras, pois estas contêm certamente princípios sintéticos a priori, e o bom entendimento do autor haveria de retroceder ante tal assertiva [34].

Kant tomou muito de Hume (em particular sua noção de experiência), mas introduziu importantes mudanças. As noções ou formas ou categorias necessárias da razão existiam, mas não podiam ser aplicadas ao mundo porque, definitivamente, ao fazê-lo incorreríamos numa “ilusão transcendental”. A causalidade, por exemplo, é uma noção de nossa mente, a priori, mas não deve ser projetada ao mundo, como se existisse “em si”. O famoso penso, logo existo’ projeta sobre o mundo uma idéia que está apenas em nossa mente: que existe um sujeito do pensar e que existe em si. Mas esta projeção é indevida. Para não mencionar a projeção da existência de Deus. Definitivamente, do mundo exterior somente possuímos experiência sensorial e esta nos proporciona imagens vagas ou costumes, mas não raciocí­nios necessários nem noções universais. De onde, portanto, podem proceder a física pura (que segundo Kant é a priori) e a matemática? Já que a metafísica está em crise, deve-se tomar como modelo do conhecimento humano a física e a matemática, que visivelmente alcançaram resultados incontestáveis. Agora o ramo teórico da filosofia primeira se limitará a desvelar as condições transcendentais da matemáti­ca e da física newtoniana. Mostremos que são disciplinas sérias, e como isto é possível [35].

Que tal seja o problema central do ramo teórico da metafísica, e que esta simplesmente determine as condições de possibilidade das ciências existentes, é dito de modo explí­cito na Crítica:

Na resolução do problema precedente [do fundamento de nossas noções racionais] está também compreendida a possibilidade do emprego da Razão Pura na funda­ção e construção de todas as ciências que contêm um conhecimento teórico a priori dos objetos, quer dizer, está contida a resposta a estas perguntas:
Como são possíveis as matemáticas puras?
Como é possível a física pura?

Não se pode perguntar destas ciências mais que o como são possíveis, pois ao existirem como reais, demonstram já que o são. [E acrescenta Kant, aqui, uma nota que deixa fora de dúvidas qual era a situação histórica de sua obra: “A respeito da Física pura, poderíamos ainda duvidar; mas podemos considerar tão-somente as diferentes proposições tratadas no início da Física propriamente empírica, como a permanência da quantidade de matéria, a da inércia, a da igualdade de ação e reação, e prontamente alcançamos a convicção de que constituem uma Física pura (ou racional), que bem merece ser exposta separadamente, como Ciência especial.] No que toca à Metafísica, como seus passos até hoje têm sido tão infelizes, tão distantes do fim essencial de si mesma que se pode dizer que todos tenham sido em vão, e perfeitamente se explica a dúvida acerca de sua possibilidade e de sua existência [36].

A estas perguntas, Kant responde, para a geometria, que ela é possível pela intuição da forma a priori de nossa sensibilidade do espaço. E, para a física, que procede da intuição das formas de espaço e tempo, e que o tempo é também uma forma a priori. A física empírica seria o fruto da copulação das formas a priori da sensibilidade (espaço e tempo) com a experiência sensorial, mas não a Física pura.

Em que se baseia Kant para afirmar que o espaço e o tempo sejam a priori? Nos seguintes argumentos: a) O espa­ço e o tempo tal como o concebem os físicos são absolutos. E um espaço e um tempo absolutos são quimeras, inexistentes na natureza, b) Os metafísicos leibnizianos-wolfianos concebem o espaço como relação entre os objetos. Mas os objetos são “percebidos” na experiência. Se, pois, o espaço fosse o conjunto de relações entre os objetos, ele seria de experiência. Mas da experiência (puramente) sensorial não pode provir uma noção perfeita de cuja análise provenha uma disciplina com raciocínios que gozem de uma certeza apodítica ou que sejam necessários (e nós, conscientes desta necessidade) [37]; e da intuição da forma de espaço provém a geometria. Logo, o espaço não pode ser entendido como relações entre os objetos. Ele é, outrossim, uma forma possuída a priori pela sensibilidade. E constitui o “meio” no qual percebemos os objetos. Algo semelhante pode ser dito da forma do tempo e dos raciocínios necessários da mecânica. Logo, nossa experiência, em particular a explicada pela física newtoniana, resulta de uma copulação da experiência puramente sensorial, por um lado, e das formas de nossa sensibilidade, por outro. É por isso que não podemos saber como são as coisas em si mesmas. Porque só sabemos como são os “objetos”, mas esses nos são dados na experiência, ou seja, no marco das formas a priori de espaço e tempo [38].

Existe uma óbvia objeção a ser feita à “estética transcendental” de Kant, a este ramo de sua metafísica: as experiências dos físicos e geômetras do final do século XIX e começos do XX levaram a abandonar a noção newtoniana de espaço e a introduzir outra junto à euclidiana [39]. Se esta fosse uma forma a priori, não seria possível que a experiência sugerisse uma distinta. Essa objeção levou a que muitos kantianos corrigissem a filosofia de seu mestre e a afirmar que as categorias e a experiência se inter-relacionam na história e evoluem juntas. Assim o afirmou, por exemplo, Manuel Granell entre nós, seguindo a Scheler, em Del pensar venezolano [40]. Com isso, se acercam admiravelmente num ponto crucial, e sem sabê-lo, da filosofia de Aristóteles, na qual a experiência humana não é puramente sensorial nem passiva, mas também que a ação da mente não consiste numas formas que ela imponha ao percebido, consistindo senão numa imaterialização das formas que caem em nossa experiência. Vejamos diretamente o Estagirita e seu maior discípulo cristão, Sto. Tomás de Aquino.


E. PARECE QUE A MATEMÁTICA PROCEDE DA EXPERIÊNCIA,
MAS GRAÇAS A UM ATO DE IMATERIALIZAÇÃO

Os autores russos têm razão em que a matemática tenha se desenvolvido a partir da experiência. Inclusive, no Egito, segundo Eudemo de Rodes [41], graças às inundações do Nilo e à necessidade de resolver as controvérsias acerca da propriedade ou posse da terra. Mas os autores inatistas, em suas duas classes, têm razão em que as demonstrações gerais e necessárias ou a perfeição das definições da geometria não podem provir da experiência puramente sensorial. Precisa-se acrescentar uma reflexão não servil do sensível para se desenvolver esta ciência pura. No mesmo Egito foi a casta dos sacerdotes a que deu maior impulso à matemática por gozarem do ócio, segundo o conhecido texto do Livro Alfa (I) da Metafísica de Aristóteles.

E certo que os platônicos podem explicar o vínculo entre a experiência e o aprendizado por meio da anamnese: os homens recordariam as idéias, contempladas antes da encarnação da alma, graças à parecença das coisas sensíveis com seus modelos. Mas a crítica aristotélica à teoria das idéias me parece definitiva [42]. Por seu lado, os kantianos se toparam com a gravíssima dificuldade de que novos conceitos de espaço [e tempo] surgiram da experiência, à margem das formas que eles tinham por a priori e supostas em toda a experiência.

Em Aristóteles encontramos uma resposta que explica todos os aspectos do problema. No último capítulo do Livro II dos Analíticos posteriores, ele sustenta que os axiomas procedem da experiência sensível e da indução [43] (epagogué), ainda que pertençam ao âmbito do intelecto [44]. No Livro III De Anima introduz, não obstante, a figura do intelecto agente distinta da do intelecto possível. Qual é a experiência originante desta figura na obra de Aristóteles? Somente Sto. Tomás de Aquino tem uma resposta a esta pergunta, e por essa razão apenas ele pode nos ajudar a entender um tema sobre o qual se gastou muita tinta. Destruída a teoria das idéias, havia que dar conta do salto que se dá desde o sensível até nossas noções intelectuais. Não bastava o intelecto como “olho da alma” porque não existe, na natureza submetida a nossa experiência, objetos como os que pode conceber o intelecto; quer dizer, imateriais, universais, imóveis [45]. O “olho da alma”, portanto, no mundo sensível estaria como às escuras, sem poder perceber nada. Carecia-se de um “artesão das idéias” (ou conceitos), que imaterializasse as formas existentes no sensível. Um princípio agente em nossa alma que tornasse possível nossa intelecção. Mas é um princípio que não “cria” as formas, mas apenas as “imaterializa”, como se disse. Por isso se o compara também a uma “luz”, para indicar que o é unicamente em potência, assim como a luz torna visíveis as cores (ou qualidades presentes nos corpos, pelas quais estes refletem determinados comprimentos de onda e não outros) [46].

Com esse princípio agente e o “olho da alma”, estamos preparados para adquirir a experiência intelectiva, no sensí­vel. Porque nossa experiência é a de um intelecto sensiente ou a de uns sentidos inteligentes, penetrados por uma potência superior que pertencem a um só ser, à pessoa humana. Mas, no início de nossa vida, somente os sentidos estão maduros para atuar ou ser atuados, como se fez evidente pela experiência dos “meninos lobo”, o desgraçado francesinho e a desafortunada americaninha que, resgatados muito tarde do descuido em que foram criados, nunca puderam aprender a falar. Por isso, necessitamos, como também aponta Aristó­teles no Livro III De Anima, de um intelecto em ato, de um adulto que nos mostre o que devemos reconhecer na experi­ência como pertencente a uma classe ou tipo. Faz falta que existam umas “categorias”, mas não a priori, para ordenar o caos de nossos sentidos. E nos são dadas por nossos pais ou pelos adultos em geral. Claro que essas “categorias”, na realidade, o que fazem é mostrar-nos o que temos de descobrir por nós mesmos. A função do professor não é nos dar a vista, mas apontar na direção adequada, como disse Platão na República VII. Neste período de nossa vida, captamos todas as noções e o contexto de inteligibilidade que necessitamos para a matemática. Por isso pode parecer que ela seja uma ciência que procede de noções ou formas a priori, porque nossa mente, quando seu nível de consciência é ainda débil, alcança tudo de que precisa para encerrar-se em si mesma e encontrar a matemática.

Mas os platônicos ainda podem fazer uma pergunta mais: como o homem reconhece uma descoberta inteligí­vel, incluindo a mais elementar, como que um objeto pode ser significado por uma palavra? Se não sabe o que busca, como o reconhece? E se sabe, para que o busca? A isto responderiam Aristóteles e seu discípulo Sto. Tomás que na natureza humana existe um amor inato à verdade. E que o ser amado está no amador, de alguma maneira. E que, portanto, o “reconhecimento” não se deve a um conhecimento a priori, mas a um amor inato ou natural, a uma “semente” de verdade [47].

Segundo Aristóteles, existe uma diferença crucial entre a matemática e a física. Esta investiga acerca das rationes com matéria sensível e a outra acerca de rationes abstratas. Por isso a ciência natural necessita retornar continuamente à experiência, e a matemática, em contrapartida, é adequada aos meninos, que não têm muita experiência [48]. A física, para usar o exemplo clássico do Estagirita, estuda o “nariz côncavo”, com sua matéria sensível; em contrapartida, a matemática estuda a concavidade mesma, sem matéria sensível [49]. Uma forma real, a categoria “quantidade” - que abarca a quantidade discreta (os números) e a contínua (a res extensa abstrata, o corpus quantum) e todas as relações quantitativas - é seu objeto, como alegavam os russos. E se trata de uma forma acidental, mas que é o primeiro dos acidentes a influir decisivamente em todos os demais e na própria substância material. Daí sua aplicabilidade tão profunda a tantas matérias.

O fato de que seja uma “forma” coloca a resposta de Aristóteles a uma distância imensa de todos os mecanicismos (pré-socráticos ou pós-cartesianos), nominalismos, etc., e o aproxima de Platão. Também o aproxima de seu mestre a consciência de que a forma está em nossa mente com uma perfeição que não possui no mundo sensível. Este não é o lugar apropriado para responder de modo completo aos que criticam as formas, ainda que o seja para observar que a crítica de Hume à metafísica não atinge a Aristóteles mas aos pós-cartesianos, precisamente no que estes tinham de nominalistas [50].


F. RESPOSTA A ALGUMAS OBJEÇÕES

A primeira objeção que examinaremos consiste em que o aristotelismo seria um realismo “ingênuo”, que faria acreditar que nossa mente é um “espelho do mundo”. A segunda, de seguidores de Husserl, que “obviamente” os números não procedem do acidente quantidade, mas da numeração de entes de qualquer classe, e por esta razão o numerar poderia ser estendido até a substâncias imateriais, como os anjos. A terceira, do kantiano Stephan Körner, de que Aristóteles seria incapaz de explicar uma parte fundamental dos problemas matemáticos modernos, os que se referem aos infinitos atuais.

Nada mais longe do aristotelismo que pensar que a mente seja um espelho do mundo. A crítica mais dura do Estagirita à teoria das idéias de seu mestre residia em que as “Idéias” eram uma projeção de nossas noções mentais à realidade. Platão não distinguira o bastante aquilo que conhecemos de aquilo por que o conhecemos. Existem entes naturais e entes de razão. Transcreverei agora uma passagem completamente aristotélica de Sto. Tomás de Aquino, na qual se vê de modo muito claro essa distinção:

A espécie recebida no intelecto possível [o conceito] não se considera como “o que” se entende. Pois acerca dessas coisas que se entendem são todas as artes e ciências, e seguiria-se que todas as ciências versariam sobre as espécies que existem no intelecto possível, o que é obviamente falso, pois nenhuma ciência versa acerca delas, mas apenas a lógica e a metafísica. Não obstante, através delas conhecemos quaisquer coisas que existem em todas as ciências. Tem-se, por conseguinte, a espé­cie inteligível no intelecto possível quando entende não como o que se entende, mas como aquilo pelo que se entende. Como também a espécie da cor no olho não é aquilo que se vê, mas aquilo pelo que vemos. Mas isso que entendemos é a mesma “ratio” (razão ou forma) das coisas que existem fora da alma [51], como também as coisas que existem fora da alma se vêem com a visão corporal. Pois para isso foram encontradas (ou inventadas) as artes e as ciências, para que se conhecessem em sua natureza as coisas existentes fora da alma.

Mas tampouco se segue que, porque as ciências versam acerca do universal, existam fora da alma universais existentes por si, como afirmou Platão. Pois, ainda que para a verdade do conhecimento seja preciso que o conhecimento responda à coisa, sem embargo não é necessário que seja o mesmo o modo [de ser] do conhecimento e o da coisa. Pois as coisas que estão unidas na realidade, às vezes se conhecem separadamente, pois a mesma coisa é branca e doce, mas a vista conhece somente a brancura e o gosto apenas a doçura. Assim também o intelecto entende a linha que existe na matéria sensível sem matéria sensível, ainda que também possa entendê-la com matéria sensível. Mas esta diversidade ocorre segundo a diversidade de espécies inteligíveis recebidas no intelecto, que alguma vez é semelhança de quantidade somente, alguma vez da substância sensível e dotada de quantidade. De modo semelhante, ainda que a natureza do gênero e da espé­cie nunca exista senão nos indivíduos, não obstante o intelecto entende a natureza do gênero e da espécie sem entender os princípios individuantes. E isto é entender os universais. E assim, estas duas coisas não se recha­çam mutuamente, que os universais não existam fora da alma e que o intelecto, entendendo os universais, entenda as coisas que estão fora da alma. - Mas que o intelecto entenda a natureza do gênero ou da espécie, despojada de princípios individuantes, é possível pela condição da espécie inteligível recebida nele, que é tornada imaterial pelo intelecto agente, quer dizer, abstra­ída da matéria e das condições da matéria, pelas quais algo se individua. E por isso não podem as potências sensitivas conhecer os universais, porque não podem receber a forma imaterial, pois sempre recebem num órgão corporal [52].

Para colocar em termos claros e aplicados a nosso problema, a matemática estuda a essência real, mas os conceitos matemáticos não têm por que possuir uma imagem especular no mundo. Quando os cientistas refletem sobre seus conceitos para determinar sua realidade, então necessitam de hábitos de pensamento distintos aos que foram usados em sua ciência, porque o que eles estudaram foram as coisas, não os conceitos. Só a metafísica pode estudar em que sentido os conceitos e proposições das ciências particulares correspondem à realidade, porque somente ela versa acerca do “que é” [53], e corresponde à mesma ciência estudar o “que é” e o “se é” [54]. As disciplinas científicas naturais supõem que exista seu gênero sujeito, e pela experiência sensível manifestam o que pertence a tal qüididade ou essência. A matemática também o supõe, mas toma por abstração sua qüididade da experiência que serve de base para a metafísica e o postula por hipótese [55]. E a metafísica se dá conta de que as ciências conhecem por proposições; que na realidade não existem sujeitos e predicados, nem negações, etc., mas o conhecido não são essas proposições, mas as coisas a que se referem. Por isso os matemáticos costumam ser platônicos, como o citado Penrose, porque sabem que não estão “inventando” suas proposições ou demonstrações, estão apenas formulando algumas exigências de seu objeto. Ainda que perguntemos a um deles, de modo repentino, se existem a igualdade de suas fórmulas ou os números imaginários, provavelmente não saberá o que responder, ou, se o fizer, o fará com um hábito distinto ao da ciência matemática.

Vejamos agora a segunda objeção, a dos husserlianos. Segundo várias conferências que pude ouvir deles, como Husserl em sua primeira etapa da filosofia da matemática, eles afirmariam que o número seria um tipo de conjunto mental com o que abarcamos coisas que têm em comum, ao menos que são “alguma coisa qualquer que seja”. Se dizemos “dez”, deve tratar-se de “dez frutas” ou “dez maçãs” ou “dez coisas”. “Dez maçãs e pêras” seriam “dez frutas”, claro. Mas podem ser dez de gêneros completamente díspares. Daí quererem concluir que não se pode dizer que o número seja uma “forma acidental” abstraída, porque pode ser aplicada a qualquer ente, inclusive aos anjos, que são imateriais. De fato, hoje se aplica de modo sistemático às qualidades, como em “dez graus centígrados” ou ao comprimento de onda das cores.

Em sua Filosofia da aritmética, Husserl, é certo, se aparta da concepção de número como “quantidade”, com o único fundamento de que se podem contar todo tipo de coisas, de mesmo ou de distintos gêneros [56]. Um exame cuidadoso de suas reflexões revela que ele não se deu conta de que “unidade” pode ser entendida, ao menos, em dois sentidos básicos. Um, como princípio do número matemático; e outro como indivisão metafísica. O segundo sentido é aplicável a todo ente e é o princípio da multiplicidade. Esta falta de distin­ção aproxima as reflexões de Husserl mais com o platonismo (em particular com O sofista) e com certas passagens do Livro X da Metafísica, que com a filosofia aristotélica da matemática. Mas o parente moderno acaba sempre vindo numa envoltura, digamos, “cartesiana”: Husserl nunca fala das coisas, mas das representações mentais, de nossa atenção sobre elas e do exame crítico das mesmas.

Segundo o ilustre autor alemão, o “uno” que é origem do número e da multiplicidade é “algo”, de qualquer gênero que seja. Desde logo, este “algo” teria que distinguir-se de [ao menos] “outro”, mas em um momento prévio a qualquer comparação expressa: por isso não importa o conteúdo concreto da representação de cada um desses “algos”. O princípio da multiplicidade não é “algo diferente”, que suponha a comparação de conteúdo com outros algos, mas simplesmente algo “distinto” [57]. “Algo” seria a concepção mais geral, que excluiria qualquer conteúdo concreto [58]. Vários “algos” podem ser tomados em conjunto ou “coligarem-se” por um ato da mente, que acrescenta aos elementos isolados o incluí-los a todos em um grupo ou conjunto [59]. Assim se origina a multiplicidade. Quando esses “algos” que são princípio da multiplicidade se determinam como “uno” [“e uno e uno, etc.”], então se pode contar, se pode determinar uma multiplicidade para passar a concebê-la como “número”, e se pode diferenciar esta de outras [60]. Além de “algo”, essas três seriam as concepções mais gerais e mais vazias de conteúdo: múltiplo, uno, número [61]. Dentro da última pode haver lugar para as concepções dos números particulares, se se acrescentam as concepções de “mais” e “menos” [62].

Quando Sócrates estranhou tanto que “um e outro sejam dois” e Platão afirmou que a causa era a participação na dualidade [63], os antigos chegaram a uma solução semelhante à de Husserl acerca da natureza do número. Mas o “um” que se há de acrescentar a outro era concebido como um ente real, não como uma “representação” [64]; e a Forma que abarcava ambos os “unos” estava no mundo [das idéias, claro], não apenas em nossa mente. Aristóteles teve muito o que corrigir nestes primeiros passos dos antigos, dirigidos à constituição de uma filosofia da matemática e de uma metafísica da unidade transcendental. O Estagirita distinguiu entre a unidade como indivisão da substância ou do ser, que permite falar de uma pluralidade de substâncias ou de seres acidentais e que admite tanta multiplicidade de significados como “ente”, por um lado, e a unidade como princípio do número, por outro [65]. Quanto à unidade no sentido transcendental, eu diria que as principais diferenças entre Husserl e Aristóteles estão em que o grego (1) não vê a “unidade” como a concep­ção mais genérica, mas como uma noção que transcende os gêneros e que tem muitos significados, ainda que conexos [66]; (2) por isso mesmo, sabe que a unidade se dá principalmente na substância e sobretudo na substância incorpórea, ainda que nós a conheçamos primeiro na substância corpórea [67]; (3) sabe também que a comunidade de gênero necessita também de alguma comunidade na matéria, razão pela qual não se podem conumerar as substâncias separadas e os seres corpóreos, salvo falando de modo muito impróprio e vago [68]; (4) e que, pelo mesmo motivo, a conumeração que não seja uma simples adição per accidens, como a que pode fazer um menino imprudente, necessita certa unidade, seja no gênero, seja na ordem [69]. Em contrapartida, Aristóteles estaria plenamente de acordo com que o conceito de número que abarca um conjunto de coisas e que nesse sentido se aplica a elas está apenas em nossa inteligência, havendo sido formado pelo intelecto agente, ainda que tenha um fundamento na realidade [70]. Este fundamento é o que torna “falsa” ou “verdadeira” a aplicação do conceito a coisas reais.

Quanto ao outro sentido de unidade, é óbvio que o poder de contar substâncias, materiais ou imateriais, não é o que dá origem aos números matemáticos (reais), que são um contí­nuo: dividir três pessoas em dois não é possível, mas dividir um contínuo como a quantidade medida pelos números, sim. Aristóteles chegou a descobrir por esta via que o que de real havia na matemática era essa forma acidental da quantidade, abstraída de toda outra determinação, qualitativa ou substantiva (exceto a “matéria inteligível”, da qual não podemos falar agora). Era a unidade como princípio do número matemático a que podia ser incluída no gênero da quantidade, não a unidade transcendental. O fato de que se possa falar de “graus centígrados” ou de comprimentos de onda não mostra senão que o que se pode medir é a quantidade, ou a base ou os efeitos quantitativos das qualidades. O que se mede com a expressão “graus centígrados” é a altura de uma coluna de mercúrio, tomando como base de medição a centésima parte da diferença desta altura quando o mercúrio se encontra à temperatura de ebulição da água ou à temperatura de solidificação da mesma. E o “comprimento de onda” de uma cor seria o do raio de luz que é refletido pela superfície de uma substância opaca [71].

Os autores russos citados parecem dar seu aval à opinião dos husserlianos, pois ao falar acerca da origem da aritméti­ca [72], dizem que é aplicável a qualquer tipo de ser e não primariamente à quantidade. Mas logo citam a Aritmética geral de Newton e subscrevem sua opinião, apegada a Aristóteles, para definir os números reais: “Por número entendemos não tanto uma coleção de unidades como uma proporção abstrata de uma certa quantidade a outra quantidade tomada como unidade” [73].

Convém dedicar um breve excurso a Gottlob Frege. Este autor se apartou da concepção newtoniana e aristotélica do número e tentou alcançar ao mesmo tempo tanto uma noção puramente a priori e analítica, como um conceito que incluísse na ciência a vida cotidiana. Ele confessa, todavia, que não pode opor a Newton objeção alguma, salvo o fato de não ver como poderia o inglês explicar os números da vida ordinária, pois a pergunta “quantos?” pode ser respondida tanto com as unidades contidas numa quantidade maior quanto, por exemplo, com uma enumeração de substâncias [74]. Já vimos como Aristóteles replicaria a semelhante objeção. Acrescentemos agora que a concepção de Frege é, ou ainda mais distante da vida cotidiana, ou bem de uma natureza semelhante em quase tudo à aristotélica, salvo por lhe faltar a distinção dos dois tipos de unidades, metafísicas e propriamente matemáticas. Se aceitarmos como verdadeiras as pretensões de Frege, segundo as quais os números ou bem a) podem ser definidos sem relação alguma com a experiência; ou bem b) caem sob um conceito que consiste somente na forma lógica de relações entre a extensão de outros diferentes conceitos, e, por isso, é uma noção a priori e analítica [75], então teríamos de dizer, sem dúvida, que o conceito de número de modo algum inclui na ciência o número da vida cotidiana. Mas se atentarmos para as opera­ções que ele aponta em seus Grundlagen der Arithmetik como originantes do conceito de número, então veremos que, na realidade, sua noção é fruto de um processo de “generalização” ou abstração, semelhante ao que propôs Aristóteles.

Nos §§ 74-83 tenta-se uma verdadeira definição puramente formal dos números individuais dentro da “série dos números naturais”. Mas ela se aparta da vida ordinária muito mais que Aristóteles ou Newton e possui dois furos óbvios: o conceito “série dos números naturais” é introduzido arbitrariamente e o número “o” tem de ser definido em termos não puramente formais e introduzido de modo arbitrário como o início da série. Este exercício lógico é precedido por reflexões que, estas sim, têm a ver com a vida ordinária.

Com efeito, no raciocínio dos §§ 45-73 da obra Grundlagen der Arithmetik, encontramos um processo de generaliza­ção [76] e formalização. É natural, pois se não partíssemos de experiências concretas para formar o conceito de número, não poderíamos retornar à experiência ordinária para aplicar tal conceito. Não obstante, Frege está ansioso para esclarecer que o que tomamos por abstração (e não através da percepção sintética consciente, que pode se dar até certo ponto nos animais) são os conceitos de primeiro grau [77], enquanto o número é, se tanto, um conceito de segundo grau, quer dizer, uma relação formal entre as extensões dos diversos conceitos. “O número de luas de Júpiter” é o mesmo que “o número de letras na palavra inglesa gold”. “Quatro” não é, diz Frege, nem luas nem letras, mas uma relação formal entre as extensões dos conceitos “luas de Júpiter” e “letras de gold”, ou entre as extensões de quaisquer outros conceitos que sejam “equinumeráveis”.

Com a afirmação de que os conceitos de segundo grau não são abstratos, Frege tem a esperança de escapar do pesadelo da crítica humeana à indução [78]. A origem dos conceitos pode ser empírica, diz, mas isso não os faz menos a priori: as afirmações sobre a origem dos conceitos são psicológicas e irrelevantes desde o ponto de vista lógico ou filosófico. Desde este ponto de vista o que importa é seu conteúdo e, com ele, sua verdade [79]. Já vimos que este problema não existe em Aristóteles. Podemos acrescentar que, num contexto kantiano como o de Frege, este problema é, de fato, insolúvel. Frege nos diz com toda a razão que, quando dizemos, por exemplo, que $5$ medidas de volume de um líquido acrescentadas a $2$ medidas constituem um volume equivalente a $7$ medidas, estamos nos referindo não ao significado da proposição $5 + 2 = 7$, mas a estamos aplicando a um caso particular [80]. Mas isto não responde ao problema, porque o ponto está em que a aplicação pressupõe podermos reconhecer o número nas coisas. Sem este reconhecimento, o número não significaria absolutamente nada.

Ademais, é falso que se possa estabelecer uma relação meramente formal ou independente da experiência entre a extensão de vários conceitos de primeiro grau: determinar a extensão requer a aplicação dos conceitos às coisas, como fica claro em operações do tipo “cinco volumes mais dois volumes” ou em expressões tais como “letras da palavra gold” ou “luas de Júpiter”. Tentando salvar seu conceito de número deste tipo de objeções, Frege afirma que cada número é um indivíduo, não um conceito que se aplique diretamente às coisas, diferentemente das figuras geométricas [81]. Mas isso parece arbitrário. Com efeito, a) as figuras geométricas podem ser multiplicadas em seu tipo (não apenas em sua aplicação às coisas sensíveis) do mesmo modo que os números (de três lados, de quatro, de cinco, etc.; circunferência de tal raio ou tal outro, etc.). E óbvio que os números podem repetir-se, ainda considerados em abstrato, como indivíduos de um conceito. Isso ocorre, por exemplo, quando se diz “$1 + 1 = 2$” [82]. E b) nem as figuras geométricas nem os números se realizam na realidade sensível do modo abstrato em que existem em nossa mente: em comparação com o sensível, os números e as figuras geométricas são igualmente abstratos e universais.

Quanto à terceira objeção, vejamos brevemente primeiro em que consiste. De acordo com Stephan Körner, Aristó­teles sustentava que os infinitos em ato seriam logicamente impossíveis na experiência sensível e usou este princípio em sua demonstração da existência de uma Causa Primeira. E nisto o teria seguido Sto. Tomás de Aquino. Uma linha, por exemplo, poderia sempre ser dividida em partes cada vez menores, mas sem nunca alcançar “a menor parte”. Igualmente, uma série de números poderia sempre crescer, mas nunca alcançaria “o último número” [83]. Essa concepção de que somente os infinitos potenciais são logicamente possíveis

teria impedido os gregos de fazerem a unificação entre a aritmética e a geometria do modo como o fizeram Descartes e Leibniz e seus sucessores. Essa unifica­ção levou de modo natural e quase inevitável a uma matemática que distingue entre os tamanhos de vários infinitos em ato e entre suas estruturas e que realiza cálculos com números ordinais e cardinais infinitos [84].

Um exame detido da objeção, no contexto da obra em que se formula, leva a uma franca perplexidade. Em primeiro lugar, porque o próprio Körner estava muito consciente da necessidade de distinguir entre a física e a matemática ou entre os conceitos exatos e inexatos (dotados de matéria sensível ou despojados dela, podemos dizer à maneira aristotélica). Então, o fato de que o infinito atual não se possa dar em nossa experiência sensível, como na cadeia de causas, não quer dizer que não se possa dar uma concepção matemática da infinitude. Em segundo lugar, o tipo de infinitude contido no cálculo leibnizeano, por exemplo, não é de modo algum incompatível com a concepção aristotélica da matemática. Assim, por exemplo, segundo Aristóteles, o ponto não é parte de uma linha, mas se encontra nela e poderia ser entendido como um tipo de limite ao qual a divisão da linha poderia tender sem alcançá-la jamais. Em terceiro lugar, como se pode perceber na resposta anterior, Aristóteles poderia admitir uma certa concepção mental dos infinitos como entes de razão. Körner nos diz que os números reais são fruto de uma concepção de infinitos em ato e remete ao Apêndice A de seu livro para demonstrá-lo [85]. Ao estudarmos cuidadosamente tal apêndice, vemos que o que se tenta é justificar o uso da raiz quadrada de dois (representante da diagonal de um quadrado) como um número que possui as mesmas propriedades dos números racionais. Para isso, na versão de Dedekind, constroem-se os números reais, e se usa em tal construção a divisibilidade infinita de uma linha. Numa dada linha, com efeito, faz-se “cortes” que englobam alguns números racionais menores, sem que se possa determinar o maior número racional que contém [86]. Claro, isso não é um modo de proceder incompatível com a concepção aristotélica da matemática. Em quarto lugar, porque muitos dos filósofos e matemáticos modernos que citam Körner rechaçam a concepção de infinitos em ato. Não vemos, portanto, como se poderia dizer que a nega­ção de Aristóteles pudesse ter levado a um estancamento da matemática, mas não a negação dos outros filósofos ou matemáticos [87].


G. PODE-SE DIZER QUE O OBJETO DA MATEMÁTICA SEJA UM CONJUNTO DE “FATOS” ?

Gian-Carlo Rota, um matemático que teceu reflexões filosóficas acerca de sua disciplina, nos diz, em capítulo intitulado “The Pernicious Influence of Mathematics upon Philosophy” [88], que a matemática trata primeiramente de “fatos” (facts), como qualquer outra ciência. Coloca como exemplos que as alturas de um triângulo se encontram num ponto, que existem dezessete tipos de simetria no plano, que existem cinco equações diferenciais não lineares com singularidades fixas... E afirma que esses fatos, por abstrusos que possam parecer, encontram simples aplicações práticas. Mas secundariamente a matemática versa acerca de provas.

Todo fato da matemática deve ser integrado numa teoria axiomática e provado formalmente se tiver que ser aceito como verdade. A exposição axiomática é indispensável na matemática porque os fatos da matemática, diferentemente dos da física, não são acessíveis à verificação experimental. O método axiomático da matemática é uma das grandes conquistas de nossa cultura. Não obstante, é apenas um método. Enquanto os fatos da matemática, uma vez descobertos, nunca mais se alterarão, o método pelo qual esses fatos são verificados mudou muitas vezes e seria uma loucura esperar que tais mudanças não ocorram no futuro [89].

Essa distinção é sumamente interessante, mas creio que a linguagem de Rota induz a confusões. Obviamente, o objeto da matemática não é um conjunto de “fatos”, posto não serem “acessíveis à investigação experimental”, porque a matemática não tem por objeto rationes consideradas na matéria sensível nem sujeitas a mudança, mas rationes abstratas, como acabamos de ver. Por isso as demonstrações da matemática são muito mais sólidas que as da física, como sabia Aristóteles [90]. Será útil ver, neste sentido, um texto do Traité de la Lumière, de Christiaan Huygens, citado por Crombie em seu Historia de la ciência. De San Agustín a Galileo:

Aqui se vai encontrar um tipo de demonstração que não produz uma certeza tão grande como a da Geometria, e que é na verdade muito distinta da empregada pelos geômetras, posto que eles demonstram suas proposições por meio de princípios certos e incontestáveis, enquanto aqui os princípios são comprovados pelas conseqüências derivadas deles. A natureza do tema não permite outro tratamento. Não obstante, é possível alcançar deste modo um grau de probabilidade que com freqüência é escassamente menor que a certeza completa. Isto sucede quando as conseqüências dos princípios aqui supostos concordam perfeitamente com os fenômenos observados e especialmente quando essas confirmações são numerosas, mas sobretudo quando podemos imaginar e prever novos fenômenos que se seguirão das hipóteses que empregamos e logo se vê que nossas expectativas se cumprem [91].

Pela mesma razão, Penrose estaria em desacordo com Rota quanto à distinção entre o conhecimento das verdades matemáticas e sua demonstração. Segundo Penrose, a visão de uma verdade matemática se transmite a outra mente não tanto por uma explicação detalhada quanto por um apontar em direção ao “mundo platônico” [92].

Penso que a causa da distinção de Rota reside em que se deve distinguir entre a via inventionis e a via demonstrationis, como em toda ciência. Mas a demonstração não é senão a recomposição que segue o resolver as verdades descobertas nos princípios de que dependem [93]. Essa resolução pode ser tornada melhor ou pior, desde um ponto de vista ou desde outro, mas não é arbitrária e não está desligada das verdades que logo se demonstrarão, verdades que nos são conhecidas antes de sua demonstração.


Notas:

[1] Publicado originalmente como artigo em Areté. Lima, 2003, Vol. XV, Nº 1, pp. 35 62. Foi, contudo, revisado para esta edição.

[2] Este tipo de argumento seria a suposta base do nominalismo de Bertrand Russel, por exemplo. Para uma apresentação suscinta e útil deste, cf. Stephan Körner, The Philosophy of Mathematics. An Introductory Essay. Hutchinson University Library. Londres, 1960, pp. 32-71. Cf. especialmente, pp. 34 e ss.

[3] Cf. Mathematics: Its Content, Methods, and Meaning (editado por Aleksandrov, Kolmogorov e Lavrent’ev). Traduzido por S. H. Gould e T. Bartha. MIT Press. Cambridge, Massachussets, 1965), pp. 264-265. No mesmo sentido, Leo Corry, “Hilbert y su filosofia empirista de la geometria”, p. 31, em: Bolettín de la Asociación Matemática Venezolana. Volume IX, Nº 1. Caracas, 2002, pp. 27-43.

[4] Cf. Mathematics: Its Content, Methods, and Meaning (cit.), pp. 56-57 e 264-265.

[5] Biblioteca de Autores Cristianos. Madri, 1975, p. 112.

[6] Essa é a razão porque nunca se encerra em nenhuma ciência a via inventionis, na qual todos os raciocínios são dialéticos. Como dizem os autores russos citados (p. 3): “O rigor da matemática não é absoluto; está em processo de contínuo desenvolvimento. Os princípios da matemática não se encontram congelados de uma vez para sempre, mas possuem uma vida própria e podem até ser objetos de controvérsias científicas”.

[7] Physics and Philosophy. Harper and Row Publishers. NY, 1962, pp. 176-177. E óbvio que a geometria euclidiana constitui uma abstração maior que a geometria dos egípcios ou babilônios, formulada exclusivamente para sua aplicação física. Por isso, penso poder dizer que, fora do campo da aplicação física, Euclides conserva maior validez que neste campo. O argumento que se pode extrair do texto de Heisenberg é, portanto, muito forte.

[8] Ibidem, p. 177. Ali acrescenta Heisenberg que, no caso da mecânica quântica, a correspondência não é tão clara. Deve-se explicar por que não se dá o fenômeno da interferência de probabilidades, e passa a fazê-lo.

[9] Ibidem, pp. 174-175.

[10] Diálogos sobre la física atómica (cit.), pp. 120-121.

[11] Ibidem, p. 122.

[12] Ibidem, pp. 124 -125.

[13] Uma boa explicação na bibliografia secundária da anamnese platônica encontra-se no livro de David Cornford, Principium Sapientiae. The Origins of Greek Philosophy (Peter Smith, Editor. Gloucester, 1971), no capítulo intitulado “Anamnesis”. As fontes primárias são principalmente o Mênon e o Fédon.

[14] Cf. Leo Corry, “Hilbert y su filosofia empirista de la geometria (cit.), pp. 30 -31. Encontra-se ali uma curiosa citação de Dieudonné, um dos formalistas puros que interpretou erroneamente Hilbert e o fez parecer como um apóstolo da arbitrariedade dos axiomas: “Em questões fundacionais, nós cremos na realidade das matemáticas, mas, claro, quando os filósofos começam a nos atacar com seus paradoxos, corremos e escondemo-nos detrás do formalismo e dizemos: a matemática não é mais que uma combinação de símbolos ausentes de significado’... Finalmente eles nos deixam em paz e assim podemos regressar a nossa matemática, trabalhando como sempre o fizemos, quer dizer, como algo real” (Dieudonné, 1970).

[15] Essas “coincidências” são alguns dos fatos mais surpreendentes em nossa disciplina filosófica, que nos permitem ver que ela não consiste em um puro ‘falar por falar’.

[16] The Emperor's New Mind. Penguin Books. Oxford-NY, 1989, pp. 427-429. A tradu­ção é minha. Devo aclarar que, na realidade, Penrose não é platônico mas pitagórico. Ao final de seu livro, com a intenção de deixar o papel de filosofia primeira para a física e não para a matemática, afirma que essas entidades da matemática existem como base do mundo sensível nas dimensões não visíveis deste mesmo mundo. Funde o sensível com o supra-sensível, exatamente como Aristóteles narra que fizeram os pitagóricos, que falaram de umas entidades supra-sensíveis mas apenas para explicar o mundo sensível.

[17] Já citado. Usaremos apenas o volume I. O formalismo de Hilbert e Bernays, não o de H. B. Curry, também sustentava que a origem de toda a aritmética elementar (não das noções de infinitude) e da geometria se encontrava na experiência sensorial. Mas agora não nos deteremos a estudar essa escola da matemática do século XX. Cf. Stephan Körner, op. cit., pp 77 e ss. e 84 e ss, em especial pp. 82 e 86-87.

[18] Op. cit., pp. 1-2.

[19] Ibidem, p. 2.

[20] Ibidem, pp. 2, 22 e 63. Até aqui, Aristóteles e Sto. Tomás subscreveriam todas e cada uma das afirmações dos autores russos. Incluída a de maior grau de abstração que possuem as matemáticas com respeito a qualquer outra ciência. Neste ponto, sei que a interpretação de Maritain é contrária, mas os textos (Metafísica Épsilon 1, e comentário ao De Trinitate de Boécio) me parecem bastante claros. Pode-se ver um comentário ao texto do Aquinate, no mesmo sentido apontado, em Gelonch, Santiago, Separatio y objeto de la metafísica. Tese doutoral apresentada na Facultad de Filosofia y Letras de la Universidad de Navarra. Pamplona, 1996.

[21] O que querem dizer os autores russos não é que se deva confundir uma verdade matemática com um modo concreto de demonstrá-la (faremos esta distinção na última seção), mas que a verdade matemática, como quer que se a demonstre, é necessária e universal. Enquanto uma proposição não tiver sido captada assim, como universal e necessária, não se pode afirmar que se trate de uma verdade matemática.

[22] Ibidem, p.3.

[23] Ibidem, pp. 4-6 e 18.

[24] Os russos dizem século III, talvez porque desconheçam Aristóteles e Platão e se baseiem em Euclides.

[25] Ibidem, pp. 7-16.

[26] Ibidem, p. 10.

[27] Ibidem, p. 17.

[28] Ibidem, pp. 17-18. Reconhecemos aqui um aspecto da biologia de Lysenko: as adaptações ao meio ambiente se transmitem às gerações futuras de um modo lamarckiano? Pode-se ver uma semelhança impressionante entre a filosofia da matemática desses autores soviéticos e a que sugere Saunders MacLane, em seu Mathematics, Form and Function (Springer Verlag. N Y, 1986, p. 448): a matemática seria uma abstração feita em etapas progressivas que encontra como último fundamento as atividades humanas e os fenômenos “reais” (quer dizer, sensíveis). Aristóteles, como veremos, pode resgatar o que existe de verdadeiro nesta abordagem da matemática.

[29] Mathematics: Its Content, Methods, and Meaning (cit.), p. 16.

[30] Ibidem, p. 18.

[31] Ibidem, p. 19.

[32] Ver as magistrais críticas de Leibniz a Locke nos Novos ensaios sobre o entendimento humano.

[33] Como seria se procedessem de uma experiência puramente sensorial, como o sabem claramente Platão (Teeteto) e Kant (em lugar citado na nota seguinte).

[34] Crítica de la Razón Pura. Editorial Losada. Buenos Aires, 1938 (reimpressa múltiplas vezes), p. 160 [p. 20 da segunda edição]. A concepção que tem Hume do intelecto humano, se o houvesse aplicado às matemáticas, teria de supor que suas noções fossem uma vaga imagem, fruto da fantasia, como todas as noções a posteriori de Kant: se os conceitos de espaço e tempo fossem a posteriori, “seriam apenas criação da fantasia cuja verdadeira fonte deve ser buscada na experiência, porque das suas relações abstratas se valeu a fantasia para formar algo que contenha o que de geral existe nela, ainda que não sem as restrições que a natureza lhe impôs”, (op. cit., p. 190, Nº 7 na Seção segunda da Estética Transcendental [p. 57 da segunda edição]).

[35] Abarco sob o nome ‘filosofia primeira a ‘metafísica e a ‘filosofia transcendental’ de Kant. Elas teriam outras funções além da destacada no texto, tais como destruir toda a “ilusão transcendental”. Cf. ibidem., pp. 137 (Prefácio à Segunda Edição, onde se diz que somente a Razão Pura moral, não teórica, se estende para além dos limites da sensibilidade [p. XXV da segunda edição]), 144, nota (Final do Prefácio à Segunda Edição, onde se diz que era um escândalo para a filosofia e para a razão que o idealismo supusesse a existência dos objetos exteriores quando não podia prová-la [pp. XXXIX-XLI da segunda edição]), 148-149 (Introdução, onde se diz que o princípio de causalidade é um a priori e que existem muitos outros princípios semelhantes, como se pode ver na matemática [pp. 4-5 da segunda edição]), 157-159 (Introdução, onde se comparam a matemática, a física e a metafísica no que se refere ao uso feito por elas de juízos sintéticos a priori, e à violação pela última dos limites deste juízo [pp. 14-18 da segunda edição]), 162-163 (onde se mostra o descrédito em que caiu a metafísica [p. 22 da segunda edição]). Note-se, por exemplo, que toda a argumentação dirigida a provar que o tempo é uma forma de nossa intuição interna, a priori, é uma tentativa de salvar “a ciência geral do movimento, que não é pouco fecunda” (cf. Seção Segunda da Estética Transcendental, N- 5 [pp. 48-49 da segunda edição]). Aristóteles, tal como se depreende do capítulo primeiro do Livro Épsilon da Metafísica, já previa o resultado final de uma aventura de filosofia primeira empreendida nessas condições: não se poderá dizer como são as coisas mesmas, porque a disciplina à qual toca investigar ‘o que é’ (a filosofia primeira) é a mesma à qual toca investigar o ‘se é’. A matemática não pode dizer sequer em que sentido o número é, porque não sabe tampouco o que ele é. Algo semelhante ocorre com a física. E que ambas supõem a existência ou constituição de seu objeto, como veremos na seção sobre Aristóteles.

[36] Op. cit., pp. 16 0 -16 1 [pp. 20-21 da segunda edição].

[37] Como dizia Kant na primeira edição da Crítica da Razão Pura: “Se essa representa­ção do Espaço fosse um conceito a posteriori, produto da Experiência geral externa, os primeiros princípios da determinação matemática não seriam mais que percep­ções. Teriam, pois, toda a acidentalidade da percepção, e não seria necessário que entre dois pontos houvesse apenas uma linha reta, mas seria a Experiência que todo o tempo nos mostraria. O que se toma da Experiência não tem mais que uma universalidade comparativa, a saber: a que pode dar a indução. Poderíamos, pois, dizer apenas que em todo o tempo transcorrido, não se encontrou um Espaço que tenha mais de três dimensões” (Editorial Losada. Buenos Aires, 1938, pp. 176 -177, nota *** da publicação da Segunda Edição da Crítica [p. 24 da primeira edição da Crítica de la razón pura]).

[38] Cf. Crítica da Razão Pura. Estética Transcendental, Seções Primeira e Segunda, Nºs 2-8.

[39] Note-se que agora me refiro aos aspectos da geometria não-euclidiana que não têm a ver com espaços de mais de três dimensões. A estes “espaços” me referi no primeiro capítulo, mostrando que eles só o são em sentido metafórico. Mas agora falamos do espaço em sentido estrito, concebido como não plano’, por exemplo, como curvo. Por outro lado devo aclarar que as geometrias não-euclidianas foram concebidas à margem de experiências concretas por Gauss, Bolyai, Lobatchevsky e Riemann; contudo, não constituíram uma ameaça à metafísica kantiana até que se tivesse mostrado como possível uma experiência do mundo físico que não se organizasse em torno da geometria euclidiana (cf. J. Powers, op. cit., pp. 112-114). Stephan Körner mantém algumas das teses centrais do kantismo, tais como que os conceitos da matemática são exatos e a priori, ainda que rechace haver uma intuição a priori do espaço ou que esse espaço, cuja forma é possuída a priori e que organiza toda a percepção, seja euclidiano. Todavia, ele não fornece explicação alguma dos principais problemas da filosofia da matemática, como, por exemplo, o que permitiria aplicar a matemática à física ou às realidades sensíveis; ou a que realidade responderiam as matemáticas (cf. The Philosophy of Mathematics. An Introductory Essay, cit., pp. 156-186). L. E. Brouwer, o filósofo do intuicionismo matemático, rechaça também o caráter de forma da sensibilidade do espaço euclidiano, mas mantém esse mesmo caráter com respeito ao tempo e pretende que toda a matemática possa ser explicada como conseqüência da intuição introspectiva desta forma (cf. Stephan Körner, op. cit., pp. 1 19 e ss. e 138-142). Honradamente, não sei como se poderia explicar deste modo a aplicação da matemática a tantas realidades quantitativas físicas distintas da dimensão temporal e não relacionadas [diretamente] com ela, nem como poderia ser a geometria um resultado de tal intuição.

[40] Segunda Edição. Fundación Manuel Granell/UNESCO-IESAL/Cátedra UNESCO de Filosofia. Caracas 2000, pp. 24-25 e 270 e ss. Einstein, por sua vez, rechaçou inteiramente a noção kantiana de a priori, em especial quando se aplica ao espaço e ao tempo. Cf. The Meaning of Relativity. Princeton University Press, 1955, p. 2.

[41] Cf. Aleksandrov et al., op. cit., p. 20.

[42] Por exemplo: se a forma ‘triângulo’ se encontra nos eqüiláteros, não está nos isósceles; mas se está parcialmente em ambos os grupos, nenhum de seus indivíduos é plenamente triângulo. Aristóteles diria que Platão confundiu nosso modo de conhecer as coisas com as coisas conhecidas, e, por isso, projetou sobre o mundo (das idéias) umas entidades semelhantes a nossos conceitos. Saunders Mac Lane cita as teses platônicas de muitos matemáticos de nosso tempo, mas somente para rechaçá-las sem argumento algum. Apenas diz que na matemática trabalhamos 'como se’ seus conceitos altamente abstratos fossem reais, para logo dizer que se trata apenas de um “mito”. O único apoio de sua afirmação parece ser o preconceito materialista que ele pressupõe se encontrar na mente de todos seus leitores. Cf. op. cit., pp. 447-449.

[43] Aqui a “indução” é entendida em sentido amplo, como origem de todos os axiomas, incluindo os da matemática.

[44] Não posso reproduzir aqui a polêmica com autores como Jean Marie Le Blond, que enxergam uma contradição no texto dos Analíticos, por dizer que os princípios procedem da experiência e da indução, por um lado, e da “intuição”, por outro. Le Blond deixa clara a influência de Descartes e Kant em sua leitura de Aristóteles. No Estagirita não existe nada como uma “intuição” kantiana das formas a priori. Aristóteles está se referindo, como deixa claro Sto. Tomás em seu comentário, primeiro à origem dos axiomas (experiência e indução), e logo ao hábito a que pertencem (que não é o da “ciência”, mas o do “intelecto”).

[45] Stephan Körner percebeu a necessidade de que em Aristóteles os conceitos matemáticos fossem mais que uma simples “imagem vaga”. Tinham que consistir num tipo de “idealização” das realidades materiais (cf. op. cit., p. 19). Não sabia, no entanto, que precisamente para atender a este problema introduziu Aristóteles o intelecto agente.

[46] Cf., em sentido semelhante, Gottlob Frege, The Foundations of Arithmetic. A Logico-Mathematical Enquiry into the Concept of Number. Northwestern University Press. Evanston, 1968, p. 29.

[47] Cf. Metafísica Alfa (I), e comentário ao De Trinitate de Boécio, q. I, a. 3, ad 4m.

[48] Cf. Ética a Nicômaco VI 8, 1142a.

[49] Cf. Metafísica Épsilon (VI), I.

[50] Como podiam, com efeito, projetar sobre um mundo do qual não tinham experiência intelectiva suas noções mentais? Não havia maneira: a “ponte” se havia partido como conseqüência do nominalismo, em primeiro lugar, e do imanentismo, em seguida, o qual não foi senão como que um agravamento daquele. Temos que acrescentar que a unidade do homem e da ação humana constituem o ponto de partida para abandonar, por absurdo, o nominalismo que pretende expulsar as formas da realidade.

[51] Como se vê, existem conceitos (estas rationes no intelecto possível) somente das formalidades reais. Todavia, existem entia rationis que não são propriamente falando conceitos e, não obstante, possuem ainda fundamento nas coisas. Tais são, por exemplo, as negações.

[52] Summa contra Gentes. Livro II, Capítulo 75.

[53] Apenas o metafísico e o dialético estendem sua investigação para mais além de um gênero sujeito particular para serem capazes de investigar acerca das definições pelo método adequado da divisão (cf. comentário de Sto. Tomás à Metafísica Épsilon 1, 1025b14-16. Aristóteles segue Platão nisto, mas, diferentemente do ateniense, já distingue nitidamente entre a dialética e a filosofia primeira).

[54] Assim, por exemplo, um aritmético pode realizar demonstrações impressionantes acerca dos números, mas não pertence a seu hábito de pensamento responder o que é o número. E, sem esta resposta, não se pode dizer em que sentido existe. Se o aritmético respondesse, não o faria enquanto aritmético, mas enquanto homem ou metafísico.

[55] Metafísica Épsilon (VI) 1, 1025b718, e o comentário de Sto. Tomás.

[56] Cf. Philosophy of Arithmetic. Kluwer Academic Publishers. Boston, 2003, pp. 17-18 e 37, por exemplo.

[57] Cf. Philosophy of Arithmetic. Volume I, Parte I, capítulo 2, pp. 55-65 e Capítulo 3, pp. 68-69. Não me parece que Husserl seja de todo justo com os autores que critica nas páginas 49 e ss. do Capítulo 2, Jevons, Sigwart e Schuppe, mas agora não me posso desviar e explicar por quê. Estes se aproximam muito de Platão (provavelmente sem sabê-lo) e talvez não estejam falando de “representações” (como Husserl supõe que se deva fazer), mas de coisas.

[58] Cf. Philosophy of Arithmetic. Volume I, Parte I, Capítulo 4, pp. 80-85.

[59] Cf. Philosophy of Arithmetic. Volume I, Parte I, Capítulo 3, pp. 75-78, e pp. 89, 96.

[60] Cf. Philosophy of Arithmetic. Volume I, Parte I, Capítulo 4, pp. 87-89.

[61] Cf. Philosophy of Arithmetic, pp. 14 e 89.

[62] Cf. Philosophy of Arithmetic. Volume I, Parte I, Capítulo 5, pp. 99-100.

[63] Fédon, 96-102.

[64] O “uno” se via como real, mas sua realidade deu muito o que pensar a Platão. Agora não podemos considerar este problema. Planejamos fazê-lo em um comentário ao Fédon, 96-102.

[65] Cf. Metafísica Iota.

[66] Daí que se possa dizer que o um e o número ou a multiplicidade sejam “sensíveis comuns”. Husserl critica este ponto, como se implicasse que o objeto da matemática pudesse ser percebido pelos sentidos, mas obviamente isto não é o que quis dizer Aristóteles (cf. Philosophy of Arithmetic, p. 89). Em sua própria obra se pode encontrar, em citação de W. Brix, a experiência que se encontra por trás da observação do Estagirita: “Até os patos contam suas crias” (cf. Philosophy of Arithmetic, p. 49).

[67] Husserl faz uma observação marginal da qual se pode concluir que ele provavelmente estaria de acordo com Aristóteles neste ponto: o número tal como empregado nas sociedades “primitivas” se referia apenas a objetos espaciais, mas em sociedades mais “avançadas” foi expandido a outros objetos por transferência metafórica. Cf. Philosophy of Arithmetic, p.45.

[68] Cf. Metafísica Iota 10.

[69] Husserl alude a esse problema, mas não o explora em Philosophy of Arithmetic, p. 98: para comparar, se necessita mais ou menos que as quantidades comparadas sejam do mesmo gênero. Husserl acrescenta que bastaria que encerrassem “unidades” no sentido antes mencionado.

[70] Com o Husserl aponta, procurar números no espaço seria tão absurdo como procurar juízos ou atos de vontade. Cf. Philosophy of Arithmetic, p. 47.

[71] Uma amiga matemática, a professora Mercedes Rosas (USB, Caracas), uma vez me objetou que o conjunto dos números naturais não é um subconjunto dos números reais, e que, por isso, é possível que os números naturais sejam nada mais que uma espécie de conjunto mental das coisas do mesmo gênero. Para os números naturais, portanto, o argumento relativo à indivisibilidade das substâncias não teria força, ainda que o relativo às qualidades, sim.

[72] Op. cit., p. 18.

[73] Op. cit., pp. 27 e ss.

[74] Cf. The Foundations of Arithmetic. A Logico-Mathematical Enquiry into the Concept of Number. Northwestern University Press, Evanston. Illinois, 1968, § 19.

[75] Cf. The Foundations of Arithmetic, §§ 48,7 i e ss., 87-91.

[76] Frege é explícito em The Foundations of Arithmetic, §70.

[77] Cf. The Foundations of Arithmetic, § 48.

[78] Cf. The Foundations of Arithmetic, § 3, nota.

[79] Cf. The Foundations of Arithmetic, § 8.

[80] Cf. The Foundations of Arithmetic, § 9.

[81] Cf. The Foundations of Arithmetic, §§ 13 e 88.

[82] Cf., em sentido semelhante, Rogelio Rovira, “Son válidas las razones por las que Kant afirma que $7 + 5 = 12$ es um juicio sintético?”, p. 838, em: Anuario Filosófico. Universidad de Navarra, Pamplona, 2004, Volume XXXVII/3, pp. 825-839.

[83] Cf. The Philosophy of Mathematics. An Introductory Essay (cit.), pp. 20-21 e 30.

[84] Op. cit., p. 62.

[85] Cf. op. cit., p. 80.

[86] Cf. op. cit., pp. 187-190.

[87] Cf. op. cit., pp. III e ss., 146 e ss., por exemplo.

[88] Indiscrete Thoughts. Birkhäuser. Boston, Basel, Berlim, pp. 89 e ss.

[89] Cf. op. cit., pp. 89-90.

[90] Cf. Metafísica Épsilon I, 1025b10-13, e o comentário de Sto. Tomás a este trecho.

[91] Alianza Editorial. Madri, 1993, Vol. II, p. 288.

[92] Cf. op. cit.y pp. 426-429.

[93] Em sentido semelhante, cf. Mathematics: Its Content, Methods, and Meaning (cit.), p. 54. Também Hilbert se pronunciou de modo semelhante, em curso ditado em 1905 acerca da axiomatização da física: “O edifício da ciência não se constrói como uma habitação, na qual tem-se primeiro que estabelecer as fundações firmes para depois poder levantar e alargar os aposentos. A ciência prefere fazer o quanto antes confortáveis espaços por onde se possa passear com folga, e é somente depois, quando os primeiros sinais aparecem aqui e ali, que as instáveis fundações não são capazes de sustentar a expansão dos dormitórios, que ela se dispõe a repará-los e fortificá-los. Isto não é sinal de debilidade, mas, outrossim, é a via correta para seu bom desenvolvimento” (citado por Leo Corry, “Hilbert y su filosofia empirista de la geometria”, cit., p. 41).

***

Artigo retirado do apêndice I do livro Física e Realidade - Reflexões metafísicas sobre a ciência natural, Vide Editorial, 2013. Sobre o autor: Carlos Augusto Casanova nasceu em Caracas em 1966. Formou-se advogado em 1988 na Universidad Católica Andrés Bello. Doutor em filosofia (1995) pela Universidad de Navarra, tornou-se professor de Filosofia da Universidade Simón Bolívar, mas teve que abandonar a Venezuela por razões políticas. Foi Visiting Scholar na Boston University e Senior Research Associate no Maritain Center da Notre Dame University. Foi diretor da Academia Internacional de Filosofia do Principado de Liechtenstein. Atualmente é professor da Faculdade de Direito da Pontificia Universidad Católica de Chile e da Universidad Bernardo O'Higgins. Publicou vários livros, entre eles: Verdad escatológica y acción intramundana. La teoría política de Eric Voegelin (1997); Racionalidad y justicia. Encrucijadas políticas y culturales (2004); El ser, Dios y la ciencia según Aristóteles (2007); El hombre, frontera entre lo inteligible y lo sensible (2010).

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Rábano Mauro e o Significado Místico dos Números

Retrato de Rabano Mauro (falecido em 856),
monge beneditino e teólogo alemão,
gravura de Andre Thevet 1516-1590.

por Jean Lauand. Prof. Titular FEUSP, jeanlaua@usp.br


1. Introdução

Discípulo de Alcuíno, Rábano Mauro (c.784-856) foi abade de Fulda. Pelo seu trabalho de educador e escritor, recebeu o epíteto de Praeceptor Germaniae, o mestre da Germânia. Rábano Mauro não teve a intenção de ser um autor original, mas a de ensinar e formar seus monges.

Uma de suas principais obras é o De universo (em 22 livros) que, como o próprio nome indica, é trabalho amplo e enciclopédico. O subtítulo é: Sobre a natureza das coisas, as propriedades das palavras e o significado místico das realidades.

Nessa obra, Rábano Mauro distingue dois sentidos na Sagrada Escritura: o literal e o figurado. Este divide-se em alegórico (revela verdades sobrenaturais ocultas para os profanos), tropológico (ou moral, move a agir bem) e anagógico (conduz ao fim último e revela a razão de ser da vida).

Rábano Mauro está convencido de que, para decifrar o sentido figurado, é muito útil conhecer a natureza das coisas e as etimologias das palavras. Para ajudar seus leitores a alcançar esse significado místico, presente em tudo, escreveu o De universo, do qual apresento aqui a tradução do Capítulo III do Livro XVIII: De numero (PL CXI, 489-495).


2. A alegoria e o pensamento medieval

Em várias línguas há expressões ou frases feitas para indicar que sobre aquilo que é evidente não se precisa gastar uma palavra: goes without saying, va sans dire, selbstverständlich, per se notum etc. Essa observação tão simples (e, também ela, evidente) explica uma das maiores dificuldades de compreensão [1] de um autor antigo: o que era evidente para ele e para os leitores de sua época (e, precisamente por isso, ficou oculto) freqüentemente não é evidente para nós, que sequer suspeitamos dos "óbvios ululantes" escondidos no autor antigo.

Nesse sentido, há no Tratado de Rábano Mauro diversas passagens lacônicas e enigmáticas para o leitor contemporâneo, que não está nem um pouco preocupado em saber o que significa o número 153 (se é que tem algum significado...) quando o Evangelho diz que os apóstolos, na pesca milagrosa após a ressurreição de Cristo, apanharam justamente 153 peixes. S. Agostinho, por exemplo, teólogo e pregador genial, de perene atualidade, tratava do significado dos números em vários sermões, pois considerava o simbolismo numérico um elemento a mais para a compreensão da Revelação:

"Estes 153 são 17. 10 por quê? 7 por quê? 10 por causa da lei, 7 por causa do Espírito. A forma septenária é por causa da perfeição que se celebra nos dons do Espírito Santo. Descansará - diz o santo profeta Isaías - sobre ele, o Espírito Santo (Is 11, 23) com seus 7 dons. Já a lei tem 10 mandamentos (...). Se ao 10 ajuntarmos o 7, temos 17. E este é o número em que está toda a multidão dos bem-aventurados. Como se chega, porém, aos 153? Como já vos expliquei outras vezes, já muitos me tomam a dianteira. Mas não posso deixar de vos expor cada ano este ponto. Muitos já o esqueceram, alguns nunca o ouviram. Os que já o ouviram e não o esqueceram tenham paciência para que os outros, ou reavivem a memória, ou recebam o ensino. Quando dois são companheiros no mesmo caminho, e um anda mais depressa e o outro mais devagar, está no poder do mais rápido não deixar o companheiro para trás (...). Conta 17, começando por 1 até 17, de modo que faças a soma de todos os números, e chegarás ao 153. Por que estais à espera que o faça eu? Fazei vós a conta" [2] .


O cristão de hoje sorri ao ver o autor medieval, munido de calçadeira, explicar que o número 120 é soma da progressão aritmética: $1+2+3+\cdots+14+15$, e que isto representa misticamente aquelas passagens dos Atos dos Apóstolos em que se descreve a vinda do Espírito Santo (cfr. 2, 1) quando estava reunida a assembléia de 120 pessoas (cfr. 1, 15), "todos num mesmo lugar" (a soma simboliza essa reunião).

Precisamente nessas diferenças é que se capta a mentalidade da época. O homem medieval está seriamente convencido de que não há palavra ociosa na Sagrada Escritura e que tudo o que está revelado "é inspirado por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça" (II Tim 3, 16). E o próprio apóstolo Paulo afirma o caráter alegórico de algumas passagens bíblicas: "Na lei de Moisés está escrito: ‘Não atarás a boca ao boi que debulha’ (Deut 25, 4). Mas, acaso Deus se ocupa dos bois? Não é, na realidade, em atenção a nós que Ele diz isto?" (I Cor 9, 9-10). Ou, em outro momento, ao considerar alegórico (cfr. Gál 4, 24) o fato de que Abraão teve dois filhos: um da escrava e outro da livre.

O mestre S. Isidoro de Sevilha, pouco anterior a Rábano Mauro, tinha escrito um capítulo das Etimologias (III, 4) dedicado à importância dos números: "Não se deve desprezar os números. Pois em muitas passagens da Sagrada Escritura se manifesta o grande mistério que encerram. Não foi em vão que se escreveu o louvor de Deus no livro da Sabedoria (11, 20): ‘Dispusestes tudo com medida, número e peso’".

Daí que, ao contrário da Teologia contemporânea, Rábano Mauro dê, por exemplo, extraordinária importância simbólica aos números indicados por Deus para a construção do tabernáculo [3] . Também neste ponto ele segue Agostinho: "Grande é o mistério simbolizado nas ordens dadas para a instalação do tabernáculo. Muitos mistérios estão nelas representadas" [4] .

A própria fala de Cristo apresenta alguns simbolismos numéricos próprios das tradições semitas, como o 7, que indica plenitude. Naquela pergunta de Pedro (cfr. Mt 18, 22), "quantas vezes devo perdoar a meu irmão? Até 7 vezes?", o 7 é claramente simbólico; como também o "setenta vezes sete" da resposta de Cristo. Tomás de Aquino, bem mais próximo de nossa mentalidade, na Suma Teológica (I, 1, 10) põe as coisas no devido lugar [5]: após reconhecer a legitimidade dos sentidos tropológico e anagógico, diz: "Não se segue daí nenhuma confusão na Sagrada Escritura, pois todos os sentidos se apoiam sobre um, o literal, que é o único a proporcionar argumentos, como diz Agostinho. Por isso, nada se perde da Escritura, pois não há nada que seja dito em sentido espiritual que não seja dito em sentido literal em alguma passagem".


O Significado Místico dos Números

Rábano Mauro (c.784-856)

(trad. e notas: Jean Lauand)

Os números, através de alegorias, mostram-nos muitos aspectos do mistério que devemos venerar.

O número 1

Já o primeiro número, o um, indica a unidade da divindade. Dele se escreveu no Deuteronômio (6, 4): "Ouve, ó Israel! O Senhor teu Deus, é o único [6] Senhor" [7] . O um expressa também a unidade da Igreja e da fé. Daí que nos Atos dos Apóstolos (4, 32) se tenha escrito: "Eram um só coração e uma só alma" [8] . E o número um diz respeito ainda à unidade da fé e à perfeição de uma obra. Por isso se diz no livro do Gênesis (6, 16) sobre a arca de Noé: "Farás no cimo [9] da arca uma abertura com a dimensão de um côvado". E até a unidade dos maus é expressa pelo um, como se lê em Mateus (22, 11): "E viu ali um homem que não trazia a veste nupcial" [10] .

O número 2

Já o dois diz respeito aos dois testamentos. Daí que em I Reis (6, 23) esteja escrito: "E fez dois querubins que tinham dez côvados de altura". Dois também são os mandamentos da caridade [11]: "Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas" (Mt 22, 40). O dois expressa ainda as duas dignidades: a régia e a sacerdotal, figuradas por aqueles dois peixes que acompanhavam os cinco pães naquela passagem do Evangelho [12]. O dois significa ainda os dois povos: os judeus e os gentios. Daí que em Zacarias (6, 13) se diga: "E haverá paz entre eles dois". Também o dois significa a união da alma e do corpo. Daí que o Senhor diga no Evangelho (Mt 18, 19): "Se dois de vós estiverem reunidos sobre a terra...". Sobre isso também fala o profeta Amós (3, 3): "Acaso podem dois [13] andar juntos se não estão em união?" O dois prefigura também a separação entre os eleitos e os condenados, como diz o Senhor no Evangelho (Mt 24, 40): "Estarão dois no campo: um será tomado; o outro, deixado" [14] .

O número 3

O número três é próprio do mistério da Santíssima Trindade, tal como se diz na Epístola de João (I Jo 5, 7): "Três são os que dão testemunho". O três também representa o mistério da Paixão, Sepultamento e Ressurreição do Senhor [15] . Daí que Oséias (6, 2) diga: "Dar-nos-á de novo a vida em dois dias; ao terceiro dia ressuscitar-nos-á e viveremos". O três exprime ainda a fé, a esperança e a caridade [16] , figuradas também por aquelas três cidades do Deuteronômio (cap. 19) nas quais o involuntário homicida encontrava refúgio [17] . O três significa ainda os três tempos: o primeiro, antes da lei; o segundo, sob a Antiga Lei, e o terceiro, sob a graça. É por isso que se lê na parábola evangélica (Lc 13, 7): "Eis que já são três anos que venho buscar fruto da figueira e não o encontro". O três representa também as três formas do agir humano para o bem ou para o mal: pensamentos, palavras e obras. Como diz o Apóstolo (I Cor 3, 12): "Se alguém edifica sobre este fundamento: com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas; com madeira, ou com feno, ou com palha" [18] . O três mostra ainda o tríplice modo de os fiéis professarem sua fé: como clérigos, monges ou no casamento. Dessa tríplice profissão na Igreja fala o Senhor por Ezequiel (14, 20), dizendo: "Se estes três homens, Noé, Daniel e Jó, estivessem no meio deles não poderiam salvar por sua justiça nem seus filhos nem suas filhas, mas somente a si próprios" [19] .

O número 4

O número quatro é próprio dos quatro Evangelhos, como diz Ezequiel (1, 4): "E no centro havia a semelhança de quatro animais" [20] . O quatro também significa misticamente as quatro virtudes dos santos: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança [21] ; que, pela liberalidade de Deus, revigoram as almas dos santos. Daí que o Evangelho (Mc 8, 9) diga: "E os que comeram eram cerca de quatro mil pessoas. Em seguida, Jesus os despediu" [22] . Quatro também diz respeito às quatro partes do mundo [23] a partir das quais a Santa Igreja se reunirá. Daí que afirme o profeta (Is 43, 5): "Do Oriente conduzirei a tua descendência e do Ocidente eu te reunirei. Direi ao setentrião: ‘Devolve-os!’ e ao meio-dia: ‘Não impeças!’". Do mesmo modo, o quatro pode simbolizar os quatro elementos [24] dos quais é formado o corpo humano, pois principalmente deles depende a força e a subsistência do corpo. Com efeito, no Evangelho está escrito que o paralítico no leito era transportado por quatro [25] .

O número 5

O cinco traz o significado dos cinco livros da lei de Moisés, dos quais diz o Apóstolo (I Cor 14, 19): "Quero dizer cinco palavras de sentido"; ou para os cinco sentidos do corpo: visão, audição, paladar, olfato e tato [26] . Daí que esteja escrito no Evangelho (Mt 25, 1): "O reino dos céus é semelhante a dez virgens, cinco das quais eram fátuas e cinco prudentes" [27] . E também (Mt 25, 15): "E deu a um cinco talentos". E diz o Senhor à samaritana (Jo 4, 18): "Cinco maridos tiveste".

O número 6

O número seis significa os seis dias nos quais Deus criou as criaturas, como diz o Êxodo (20, 11): "Em seis dias criou Deus o céu e a terra". Significa também as etapas do tempo deste mundo, que comporta seis eras [28] . Daí que Deus, que perfaz [29] todas as suas obras, tenha vindo a este mundo na sexta era, tenha padecido na sexta-feira, no sábado tenha repousado no sepulcro, e no domingo ressuscitado dos mortos.

O número 7

O número sete é um número de múltiplos significados. Pode significar o sétimo dia, no qual, concluída sua obra, Deus repousou. Daí que também as almas dos santos, após as fadigas das boas obras, repousem de todas as suas obras na felicidade eterna do Céu. Pode significar também a septiforme graça do Espírito Santo [30] , do qual diz o Apocalipse (5,6): "Tinha ele sete chifres e sete olhos, sete são os espíritos enviados por Deus por toda a terra". Também sete são as Igrejas de que fala o Apocalipse (cfr. cap. 1), simbolizadas por sete candelabros e por sete estrelas. Nelas se representa a totalidade dos santos [31] , como ali mesmo se declara: que os sete candelabros são as sete Igrejas e, do mesmo modo, as sete estrelas. Também por sete se designa todo o tempo presente deste mundo, que se desenvolve em ciclos de sete dias [32] . Também os males se representam pelo sete; sete é o número da plenitude do pecado, isto é, o sete representa todos os principais [33] vícios. Daí que o Senhor, no Evangelho (Lc 11, 26), diga do espírito imundo: "Então ele vai e toma consigo outros sete piores do que ele e entram e estabelecem-se lá e a última situação do homem é pior do que a anterior". Por isso também Salomão (Prov 26, 25) diz: "Não te fies nele, pois há sete abominações (isto é, diabos) na alma dele". Sete é também a plenitude dos flagelos de Deus, como diz o Levítico (26, 24): "Castigar-vos-ei sete vezes pelos vossos pecados". E, além disso, sete e oito simbolizam a Antiga Lei e o Evangelho. Por isso diz o Eclesiastes (11, 2): "Faze sete partes e também oito". Do mesmo modo o sete e o oito representam o repouso definitivo e a ressurreição.

O número 8

O oito representa o dia da ressurreição do Senhor e também a futura ressurreição de todos os santos [34] . Daí que nas indicações junto ao título do salmo 6 conste: "Para o oitavo".

O número 9

O número nove representa misticamente a Paixão do Senhor: porque o próprio Senhor, na hora nona, tendo dado um forte brado, expirou. Lê-se também que nove são as categorias dos anjos: anjos, arcanjos, tronos, dominações, virtudes, principados, potestades, querubins e serafins. E o nove está presente nas noventa e nove ovelhas [35] que, na parábola evangélica, são deixadas no deserto ou nos montes. Nove pode indicar ainda imperfeição em relação aos mandamentos de Deus, ou a insuficiência dos bens: como está escrito no Deuteronômio a respeito do leito de Og - rei de Basan e tipo do diabo - que media nove côvados de comprimento [36] .

O número 10

O dez é o número do Decálogo. Por isso o Salmista (Sl 32, 2) diz: "Entoar-Te-ei hinos na harpa de dez cordas". É também o número da perfeição das obras e da plenitude dos santos, o que é simbolizado por aquelas dez cortinas que, por ordem do Senhor [37] , foram feitas no tabernáculo do testemunho [38] .

O número 11 [39]

O número onze é figura da transgressão [40] da lei e também dos pecadores, tal como mostra o salmo 11 (cujo número de per si já é símbolo) quando diz: "Salvai-me Senhor, pois desaparecem os homens santos". Daí que também Deus tenha ordenado [41] que se instalassem no tabernáculo da Aliança esse mesmo número de cortinas de peles de cabra para representar os que pecam.

O número 12

O número doze é próprio dos apóstolos, como se evidencia no Evangelho: "Os nomes dos doze apóstolos são..." (Mt 10, 2) e o próprio Senhor diz a seus discípulos: "Não vos escolhi eu doze?" (Jo 6, 70). O número doze também representa a totalidade dos santos que, eleitos das quatro partes do mundo pela fé na Santíssima Trindade, formam uma só Igreja. Esses eleitos são figurados por aquelas doze pedras preciosas com as quais, no Apocalipse [42] , se descreve a construção da cidade do grande Rei. São as doze tribos de Israel, que vêem a Deus.

O número 13

Já o número treze diz respeito à plenitude da lei [43] junto com a fé na Santíssima Trindade, como se lê em Ezequiel (40, 11): "E mediu a extensão do pórtico: treze côvados" [44] .

O número 14

O número quatorze simboliza misticamente as gerações que antecederam o Senhor, como suficientemente se mostra no início do Evangelho de Mateus: "De Abraão a David, quatorze gerações". O número quatorze também diz respeito ao tempo presente e futuro, tal como se mostra no Levítico (cfr. 12,5), onde se indica que a mulher que der à luz uma menina será impura por duas semanas, isto é, o presente e o futuro.

O número 15

O número quinze representa misticamente o repouso e a ressurreição, a Antiga Lei e o Evangelho, tal como se lê nos Atos dos Apóstolos [45] , que Paulo passou quinze dias com Pedro [46] .

O número 17

O número dezessete [47] representa misticamente a totalidade dos profetas [48], pois os dez mandamentos da lei operam pela septiforme graça do Espírito Santo.

O número 20

O número vinte diz respeito à perfeição das obras que se realizam pela caridade, pois o decálogo, multiplicado pelos dois mandamentos da caridade, totaliza vinte. Daí que se tenha escrito que a medida da altura dos dois querubins [49], isto é, a plenitude da ciência, dá esse número.

O número 22

O número vinte e dois representa misticamente os livros divinos, correspondentes às letras dos hebreus [50] .

O número 24

O número vinte e quatro representa os vinte e quatro livros do Antigo Testamento, segundo a tradição dos hebreus. Outros, por este número, entenderam os patriarcas do Antigo e do Novo testamento: "E, sentados sobre os tronos, vinte e quatro anciãos" (Apoc 4, 4).

O número 25

O número vinte e cinco é um símbolo místico derivado da multiplicação do cinco (dos 5 sentidos) por si mesmo evidente em Ezequiel [51] .

O número 28

O número vinte e oito representa misticamente a Antiga Lei e o Evangelho: esse número de côvados de extensão deveriam ter [52] as cortinas do tabernáculo.

O número 30

O número trinta é o número dos frutos dos fiéis casados [53] , como diz o Evangelho: "E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um" (Mt 13, 23).

O número 32

O número trinta e dois refere-se misticamente à idade que Nosso Senhor cumpriu na carne, daí que (como parece a alguns) diga o Apóstolo (Ef 4, 13): "Até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos a idade de homem feito, na medida da idade da maturidade de Cristo".

O número 40

O quarenta é número que representa misticamente a Antiga Lei e o Evangelho. Daí que no Evangelho (Mt 4, 1) [54] se escreva do Senhor: "E foi conduzido pelo Espírito ao deserto por quarenta dias". Representa misticamente também a Ressurreição do Senhor, pois está escrito em Atos (1, 3): "E apareceu-lhes durante quarenta dias". E, além disso, o número quarenta figura ainda o tempo deste mundo. Pois quatro são as partes do mundo e quatro são também os elementos de que está constituída toda criatura visível; já o dez indica plenitude: tanto a do bem como a do mal. E dez por quatro dá quarenta. Daí que o salmista (Sl 94, 10) diga: "Durante quarenta anos desgostou-me aquela geração"; e no dilúvio foi por esse número de dias e de noites que Deus fez chover sobre a terra. E no livro de Jonas (3, 4) está escrito: "Daqui a quarenta dias Nínive será destruída", o que não chegou a ocorrer com aquela cidade, mas ocorrerá com o mundo por ela figurado. Quarenta é o número da permanência no deserto [55] e o das gerações de Abraão a Jesus Cristo.

O número 50

O número cinqüenta é Pentecostes [56] , o do advento do Espírito Santo. Daí que se diga em Atos (2, 1): "Chegando o dia de Pentecostes..." É também o número da penitência dos pecadores: esse é o número do salmo penitencial por excelência.

O número 60

Sessenta é o número que representa misticamente todos os perfeitos. Por isso se diz no Cântico dos Cânticos (3,7): "É a liteira de Salomão - isto é, a Igreja de Cristo - escoltada por sessenta guerreiros, sessenta valentes de Israel". Também sessenta é o fruto dado pelas viúvas e continentes. Daí que se leia no Evangelho (Mt 13, 23): "E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um".

O número 70

O número 70 é o que representa misticamente os antigos pais, figurados pelos setenta mil operários carregadores [57] que Salomão escolheu para edificar o templo. Pois setenta e oitenta são figura da Antiga Lei e do Evangelho, conforme diz o salmo (Sl 89, 10): "Setenta anos é o total de nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta". O setenta [58] é também o número dos presbíteros de Moisés. E setenta e dois são os discípulos enviados pelo Senhor [59] para pregar o Evangelho. Setenta é o número das almas que desceram com Jacó ao Egito como se narra no Gênesis (46, 27) [60] .

O número 80

Oitenta são certas almas cristãs que estão unidas ao Senhor somente pela fé, mas não pelas obras. Delas se escreve no Cântico dos Cânticos (6, 8): "Há sessenta [61] rainhas - isto é, as almas dos perfeitos - e oitenta concubinas".

O número 100

O cem refere-se ao fruto dos mártires ou das virgens como diz o Evangelho (Mt 13, 23): "E produzirão fruto: cem por um..."

O número 120

Cento e vinte é o número que figura a perfeição da Antiga Lei e do Evangelho. Daí que Moisés, legislador, tenha vivido cento e vinte anos e que o Espírito Santo, no dia de Pentecostes, tenha descido sobre as almas de cento e vinte fiéis que estavam congregados no Cenáculo. Pois lê-se que antes do dilúvio foi decretado cento e vinte anos de penitência para os homens [62] . E a altura do templo de Salomão era de cento e vinte côvados, o que tem o mesmo significado místico que o recebimento do Espírito Santo por cento e vinte homens da primitiva Igreja em Jerusalém, em virtude da Paixão, Ressurreição e Ascensão do Senhor aos céus. E, também, estabelecendo a seqüência natural de números e somando-os de 1 a 15 [63] , o que equivale a "reuni-los no mesmo lugar", obtém-se 120. Pois o 15 é composto pelo 7 e pelo 8, que costumam significar a vida futura que é incoada nesta vida pelo Batismo nas almas dos fiéis, mas que atingirá sua plenitude na ressurreição e imortalidade no final dos séculos.

O número 153 [64]

O cento e cinqüenta e três é representação mística do número dos que se salvam, pois é o número de peixes apanhados pelos Apóstolos após a ressurreição do Senhor (Jo 21,11).

O número 300

Trezentos representa o número dos perfeitos que, pela cruz de Jesus, obtêm vitória sobre o mundo, e que foram prefigurados por aqueles trezentos soldados escolhidos para combater ao lado de Gedeão (Jz,7).

O número 600 [65]

Quinhentos diz respeito às 6 idades do mundo (como alguns consideram) que precisam passar para que o Salvador se digne visitar o mundo. Em prefiguração disso, Noé, com a idade de seiscentos anos [66] , por inspiração divina construiu a arca para a salvação de sua família.

O número 1.000

O número mil é o da plenitude da bem-aventurança. Daí que se leia no Cântico dos Cânticos (8,11): "Pacífico [67] tinha uma vinha e confiou-a aos guardas. Cada um recebeu mil moedas de prata pelos frutos colhidos". A vinha é a Igreja, abundante em frutos da fé; o Senhor Jesus [68] entregou-a aos guardas, isto é, aos profetas, aos apóstolos e às dignidades angélicas; pelos frutos colhidos o homem recebe mil moedas de prata, isto é, a plenitude da retribuição.

O número 1.200

Mil e duzentos é figura dos doutores apostólicos que, espalhados pelo mundo, se dedicam a pregar a palavra. Estes recebem remuneração dupla, o que é representado pelo duzentos: "Mil siclos para ti, Pacífico, e duzentos para esses que velam pela colheita" (Cânt 8, 12).

O número 7.000

O sete mil representa misticamente o número de todos os eleitos que, repletos do Espírito Santo, pela semana deste mundo reúnem-se no Reino dos Céus. Daí que diga I Reis (19,18): "Reservarei em Israel sete mil homens que não dobraram o joelho diante de Baal".

Já seiscentos mil é o número dos filhos de Israel que saíram do Egito, como diz o Êxodo [69] .

O número 10.000

Dez mil é o número para o decálogo da Lei, como se lê no Evangelho (Mt 18, 24): "Trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos".

O número 144.000

O cento e quarenta e quatro mil é representação mística dos eleitos, judeus que no fim do mundo hão de crer em Cristo (como afirmam alguns). É também, como diz o Apocalipse (cap. 14), o número dos que não se corromperam: "Cantavam como que um cântico novo diante do trono. E ninguém podia cantar aquele cântico, a não ser os cento e quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra, os quais não se contaminaram e em cuja boca não se achou mentira, pois são irrepreensíveis".


Notas:

[1] Cfr. a respeito, p. ex., PIEPER, J., Unaustrinkbares Licht, p. 13 e ss.

[2] Sermão 250, em Agostinho, Sermões para a Páscoa, trad. de António Fazenda, Lisboa, Verbo, 1974.

[3] Cfr. Êx 26.

[4] Agostinho, Sermão 83, 7.

[5] Veja-se também I, 1, 9.

[6] Unus, em latim, pode significar: um, um só, único ou uno. Assim, traduzimos: Dominus unus, que literalmente seria "Senhor um", por único Senhor.

[7] O original, em Migne, diz, provavelmente equivocado, Deus unus e Êxodo, em vez de Dominus unus e Deuteronômio.

[8] O livro dos Atos dos Apóstolos, que na Bíblia se segue aos quatro Evangelhos, foi escrito pelo evangelista S. Lucas e narra o que fizeram os apóstolos após a Ressurreição de Cristo e a vinda do Espírito Santo. Descreve também a vida dos primeiros cristãos. O conhecido versículo citado diz que a multidão dos fiéis era cor unum et anima una, literalmente, um coração e uma alma. Cabe aqui a mesma observação da nota 6.

[9] Uma das instruções de Deus a Noé sobre o modo de construir a arca. No original latino até a forma das palavras deixa transparecer a relação entre fazer "o cimo" (summitatem) e a perfeição, consumar (consummabis) uma obra.

[10] Trata-se da parábola em que Cristo compara o Reino dos Céus a um banquete que um rei oferece a várias pessoas que se recusam a comparecer. O rei ordena então a seus servos que convidem a todos que acharem pelos caminhos: "e a sala do banquete ficou repleta de homens maus e bons". Rábano Mauro pretende explicar o enigmático singular, "um homem que não trazia veste nupcial" pela unidade dos maus.

[11] Ao doutor da lei que lhe pergunta qual é o maior mandamento, Jesus responde: "<<Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito>>. Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: <<Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas>>."

[12] A multiplicação dos pães e dos peixes, cfr. Jo 6, 9; Mt 14, 17 ou Mc 6, 41. Nesta interpretação dos dois peixes representando os dois poderes, Rábano Mauro segue Agostinho (cfr. Sermão 130, 1).

[13] O caráter elíptico do latim, que prefere dizer "dois" ao invés de explicitar os "dois homens",,,, dá margem ao pensamento alegórico: o "dois" passa a representar corpo e alma.

[14] Sentença proferida por Cristo ao descrever o fim do mundo.

[15] A Ressurreição de Cristo deu-se no terceiro dia.

[16] Fé, esperança e caridade são as três virtudes teologais, isto é, aquelas que têm por objeto a Deus e são infundidas no homem por Deus.

[17] Deus ordenou que se reservassem três cidades como asilo onde quem tivesse matado o próximo por inadvertência e sem ódio prévio pudesse refugiar-se e escapar à injusta vingança.

[18] Rábano Mauro associa respectivamente ouro, prata e pedras preciosas/madeira, feno e palha, aos bons/maus pensamentos, palavras e obras.

[19] O texto de Migne equivocadamente diz Ezequiel, cap. 1. Trata-se, porém, do cap. 14 de Ezequiel, dedicado à responsabilidade individual. Rábano Mauro está mais interessado em encontrar nessa passagem uma confirmação (no mínimo, obscura) da tríplice divisão que estabeleceu para os fiéis: como clérigos, monges ou no casamento.

[20] O paralelismo entre as visões dos quatro seres vivos de Ezequiel e do Apocalipse (cfr. 4, 7) é tomado como símbolo dos quatro Evangelhos.

[21] Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança são as virtudes indicadas classicamente como as quatro virtudes cardeais. A relação com a passagem do Evangelho é, como tantas outras de Rábano Mauro, muito forçada.

[22] Esta interpretação de Rábano Mauro é especialmente forçada.

[23] Os quatro pontos cardeais.

[24] Os quatro elementos que compõem tudo que há no mundo e, particularmente, o corpo humano. No tratado de Isidoro de Sevilha sobre o homem lê-se: "O corpo vivo é integrado pelos quatro elementos: a terra está na carne; o ar, no hálito; o líquido, no sangue; e o fogo, no calor vital" (Etym. XI, 16).

[25] Cfr. Mc 2,3. O latim diz quatro e subentende quatro homens.

[26] Tal como nossa palavra "sentido", sensus em latim tanto pode ser aplicada a um discurso dotado de "sentido", como para os cinco "sentidos" corporais.

[27] Esta interpretação e as seguintes parecem-nos especialmente forçadas.

[28] Isidoro dedica um dos livros de suas Etimologias (o livro V) às leis e aos tempos. No cap. 39, Sobre a divisão dos tempos, afirma que há seis eras: 1) A que vai da criação do mundo até o dilúvio; 2) Do dilúvio até Abraão; 3) De Abraão a Davi; 4) De Davi ao cativeiro na Babilônia; 5) Do cativeiro da Babilônia a Júlo César e 6) Do nascimento de Cristo a... - "quanto tempo resta nesta era, só Deus sabe".

[29] Deus, Perfector, escolhe o número 6 que, como se sabe, é, já desde a Matemática grega, um número perfeito (é igual à soma de seus divisores: $6 = 1 + 2 + 3$).

[30] Os dons do Espírito Santo são: Sabedoria, Ciência, Entendimento, Conselho, Fortaleza, Temor de Deus e Piedade (cfr. Isaías 12, 2).

[31] Rábano Mauro às vezes utiliza a palavra "santos" como sinônimo de "fiéis", como também é freqüente nas epístolas de S. Paulo.

[32] "O número sete costuma simbolizar a totalidade, pois o tempo se desenvolve em ciclos de sete dias, e, completados esses sete dias, começa de novo etc." (Agostinho, Sermão 83, 7).

[33] . Os 7 vícios capitais (soberba, avareza, luxúria, inveja, gula, acídia e ira), fonte de todo o mal.

[34] O número oito - ensina Agostinho - simboliza o mundo futuro. Pois o oito sucede o sete, número que representa o tempo. Após a mutabilidade desta vida (simbolizada pelo sete) o oitavo dia é o do juízo. Daí, conclui Agostinho, o título do salmo 6: "Para o oitavo", onde se diz: "Não me repreendas, Senhor, em tua indignação; em teu furor não me castigues" (Agostinho, Sermão 260 C, 3).

[35] É a parábola da ovelha perdida em que Jesus quer mostrar a solicitude de Deus pelo pecador: "Quem de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu até encontrá-la?" (Lc 15, 3 e ss.)

[36] Deuteronômio (3, 11). O cubitum, côvado como unidade de medida, é a distância do cotovelo (cubitum) até a ponta do dedo médio (algo em torno de 50 cm.). Por aí se vê o gigantesco porte de Og; o que nada lhe valeu na batalha contra o povo eleito, a quem Deus diz: "Não vos assusteis; não tenhais medo deles (os povos de estatura mais alta). O Senhor, vosso Deus, que marcha diante de vós, combaterá Ele mesmo em vosso lugar etc." (Deut 1, 29).

[37] Êxodo 26, 1 e ss.: "Farás o tabernáculo com dez cortinas etc."

[38] O testemunho é o texto do Decálogo (cfr. Êx 25, 16).

[39] Curiosamente não é mencionada passagem do Gênesis (37, 9), em que José suscita a inveja e o ódio de seus irmãos ao narrar-lhes o sonho no qual via simbolicamente o pai, a mãe e os 11 irmãos prostarem-se diante dele: "o sol, a lua e onze estrelas prostravam-se diante de mim".

[40] Trans-gredir, etimologicamente, é ultra-passar, dar um passo além da lei, que é figurada pelo número dez. "A lei é o número dez; o pecado, o onze. Mal ultrapassas o dez, cais no onze. Portanto, grande é o mistério simbolizado nas ordens dadas para a instalação do tabernáculo. Muitos mistérios estão nelas representadas. Entre outras coisas foi mandado que se fizessem não dez, mas onze cortinas de pele de cabra, pois no pêlo de cabra se simboliza a confissão dos pecados" (Agostinho, Sermão 83, 7).

[41] Cfr. Êx 26, 7.

[42] Cfr. Apoc 21, 19 e ss.

[43] A Antiga Lei (10) + a Trindade (3) = 13.

[44] Esta interpretação de Rábano Mauro é especialmente forçada.

[45] Na verdade, Gál 1, 18.

[46] Como diz o próprio Paulo (cfr. Gál 2, 8), Pedro é o apóstolo da lei e ele, Paulo, o dos gentios. Em todo caso, a interpretação de Rábano Mauro é muito forçada.

[47] Em Migne, este parágrafo é precedido da sentença: "Sedecim ad numerum sedecim prophetarum".

[48] Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

[49] Mencionados no capítulo referente ao número 2.

[50] Diz Isidoro: "Os hebreus se valeram das 22 letras (de seu alfabeto) para indicar os livros do Antigo Testamento" (Etym. I, 3, 4).

[51] Provavelmente em Ez 11, 1 e ss. Em todo caso, a interpretação de Rábano Mauro é muito forçada.

[52] Cfr. Êx 26, 2.

[53] Como se verá adiante, para Rábano Mauro o fruto de sessenta por um é dado pelos viúvos, e o de cem por um, pelos mártires e pelas virgens.

[54] E Mc 1, 9.

[55] O povo escolhido passou 40 anos no deserto.

[56] Pentecostes em grego significa qüinquagésimo.

[57] Cfr. I Re 5, 15.

[58] Cfr. Núm 11, 16. O texto de Migne equivocadamente diz setenta e dois.

[59] Cfr. Lc 10, 1.

[60] O texto de Migne equivocadamente diz 75, em vez de 70, e refere-se ao livro dos Atos dos Apóstolos, ao invés do Gênesis.

[61] O texto de Migne equivocadamente diz setenta.

[62] Rábano Mauro interpreta Gên 6, 3 ("e serão os seus dias cento e vinte anos") como tempo de penitência.

[63] Passagem ininteligível em Migne que, erradamente, diz doze. Na verdade, Rábano Mauro propõe que a soma $1 + 2 + 3 + \cdots + 14 + 15 = 120$ simbolize (Atos 2, 1) a "reunião num mesmo lugar" (soma) dos 120 fiéis.

[64] Migne equivocadamente diz 154.

[65] Migne equivocadamente diz 500 e 5, ao invés de 600 e 6.

[66] Cfr. Êx 7, 6.

[67] Pacífico, o rei Salomão, figura de Cristo. Segundo os etimologistas da época, Salomão significa pacífico. "Pois - diz por exemplo Agostinho -, o nome Salomão significa em latim Pacífico" (Sermão 10,4).

[68] Prefigurado em Salomão.

[69] Cfr. Êx 12, 37.

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Sobre S. Isidoro de Sevilha

Santo Isidoro de Sevilha
por Miguel Zitow
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 18 de Junho de 2008


Santo Isidoro de Sevilha

Amados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de falar de Santo Isidoro de Sevilha: era o irmão mais jovem de Leandro, Bispo de Sevilha, e grande amigo do Papa Gregório Magno. O relevo é importante, porque permite ter presente uma aproximação cultural e espiritual indispensável para a compreensão da personalidade de Isidoro. Com efeito, ele deve muito a Leandro, pessoa muito exigente, estudiosa e austera, que tinha criado à volta do irmão mais jovem um contexto familiar caracterizado pelas exigências ascéticas próprias de um monge e pelos ritmos de trabalho exigidos por uma séria dedicação ao estudo. Além disso, Leandro preocupou-se em predispor o necessário para fazer face à situação político-social do momento: de facto, nestas décadas os Visigodos, bárbaros e arianos, tinham invadido a península ibérica e dominado os territórios que pertenciam ao império romano. Era necessário conquistá-los para a romanidade e para o catolicismo. A casa de Leandro e de Isidoro dispunha de uma biblioteca muito rica de obras clássicas, pagãs e cristãs. Isidoro, que se sentia atraído simultaneamente por umas e outras, foi por isso educado a desenvolver, sob a responsabilidade do irmão maior, uma disciplina mais forte dedicando-se ao seu estudo com discrição e discernimento.

Por isso, no paço episcopal de Sevilha vivia-se num clima sereno e aberto. Podemos deduzi-lo dos interesses culturais e espirituais de Isidoro, assim como sobressaem das suas próprias obras, que incluem um conhecimento enciclopédico da cultura clássica pagã e um aprofundado conhecimento da cultura cristã. Explica-se assim o eclectismo que caracteriza a produção literária de Isidoro, que passa com extrema facilidade de Marcial a Agostinho, de Cícero a Gregório Magno. A luta interior que teve de empreender o jovem Isidoro, tornando-se sucessor do irmão Leandro na cátedra episcopal de Sevilha em 599, não foi de modo algum ligeira. Talvez se deva precisamente a esta luta constante consigo mesmo a impressão de um excesso de voluntarismo que se sente ao ler as obras deste grande autor, considerado o último dos Padres cristãos da antiguidade. Poucos anos depois da sua morte, em 636, o Concílio de Toledo de 653 definiu-o: "Ilustre mestre da nossa época e glória da Igreja católica".

Sem dúvida, Isidoro foi um homem de acentuadas oposições dialéticas. E, mesmo na sua vida pessoal, experimentou um conflito interior permanente, muito semelhante ao que já São Gregório Magno e Santo Agostinho tinham sentido, entre desejo de solidão, para se dedicar unicamente à meditação da Palavra de Deus, e exigências da caridade para com os irmãos de cuja salvação, como Bispo, se sentia responsável. Por exemplo, a propósito dos responsáveis das Igrejas ele escreve: "O responsável de uma Igreja (vir ecclesiasticus) deve por um lado deixar-se crucificar no mundo com a mortificação da carne e, por outro, aceitar a decisão da ordem eclesiástica, quando ela provém da vontade de Deus, de se dedicar ao governo com humildade, mesmo que não o queira fazer" (Sententiarum liber III, 33, 1: PL 83, col. 705 B). Então, somente um parágrafo depois, ele acrescenta: "Os homens de Deus (sancti viri) não desejam de modo algum dedicar-se às realidades seculares e gemem quando, por um misterioso desígnio de Deus, são carregados com certas responsabilidades... Eles fazem de tudo para as evitar, mas aceitam aquilo que gostariam de eludir e levam a cabo o que quereriam evitar. Com efeito, entram no segredo do coração e, ali dentro, procuram compreender o que exige a misteriosa vontade de Deus. E quando se dão conta que se devem submeter aos desígnios de Deus, humilham o pescoço do coração sob o jugo da decisão divina" (Sententiarum liber III, 33, 3: PL 83, coll. 705-706).

Para entender melhor Isidoro é necessário recordar, em primeiro lugar, a complexidade das situações políticas do seu tempo, à qual já me referi: durante os anos da infância, experimentou a amargura do exílio. Não obstante, vivia imbuído de entusiasmo apostólico: experimentava o entusiasmo de contribuir para a formação de um povo que finalmente encontrava a sua unidade nos planos político e religioso, com a providencial conversão do herdeiro ao trono visigodo Hermenegildo, do arianismo à fé católica. Todavia, não se deve subestimar a enorme dificuldade de enfrentar de modo adequado problemas muito graves, como aqueles com os hereges e com os judeus. Toda uma série de problemas que parecem muito concretos hoje, sobretudo se se considera o que acontece em certas regiões onde parece que assistimos ao repropor-se de situações muito semelhantes, presentes na península ibérica naquele século VI. A riqueza dos conhecimentos culturais de que Isidoro dispunha permitia confrontar continuamente a novidade cristã com a herança clássica greco-romana, embora mais que o dom precioso da síntese, parece que ele tivesse o da collatio, ou seja, do recolhimento, que se manifestava numa extraordinária erudição pessoal, nem sempre ordenada como se poderia desejar.

De qualquer maneira, é motivo de admiração a sua preocupação de nada descuidar daquilo que a experiência humana tinha produzido na história da sua pátria e do mundo inteiro. Isidoro nada queria perder daquilo que fora adquirido pelo homem nas épocas antigas, quer fossem pagãs, judaicas ou cristãs. Portanto, não nos devemos admirar se, em vista desta finalidade, acontecia que às vezes ele não conseguia transmitir adequadamente, como desejaria, os conhecimentos que possuía através das águas purificadoras da fé cristã. De fato, todavia, nas intenções de Isidoro, as propostas que ele apresenta permanecem sempre em sintonia com a fé católica, por ele sustentada com determinação. No debate dos vários problemas teológicos, ele demonstra que compreende a sua complexidade e propõe muitas vezes com perspicácia soluções que resumem e exprimem a verdade cristã completa. Isto permitiu que os fiéis, ao longo dos séculos, fruíssem com gratidão das suas definições até aos nossos tempos. Um exemplo significativo, a este respeito, é-nos oferecido pelo ensinamento de Isidoro sobre as relações entre vida ativa e vida contemplativa. Ele escreve: "Aqueles que procuram alcançar o descanso da contemplação devem preparar-se primeiro no estádio da vida ativa; e assim, livres dos resíduos do pecado, serão capazes de exibir aquele coração puro, o único que permite ver Deus" (Differentiarum Lib II, 34, 133: PL 83, col. 91 A). Porém, o realismo de um verdadeiro pastor convence-o do risco que os fiéis correm de reduzir-se a ser homens unidimensionais. Por isso, acrescenta: "O caminho do meio, composto por uma e outra forma de vida, é normalmente mais útil para resolver aquelas tensões que muitas vezes são aumentadas pela escolha de um só gênero de vida e por vezes são melhor temperadas por uma alternância das duas formas" (o.c., 134: ibid., col. 91 B).

Isidoro procura a confirmação definitiva de uma justa orientação de vida no exemplo de Cristo, e diz: "O Salvador Jesus ofereceu-nos o exemplo da vida ativa quando, durante o dia, se dedicava a oferecer sinais e milagres na cidade, mas mostrou a vida contemplativa quando se retirava no monte e ali pernoitava dedicando-se à oração" (o.c., 134: ibid.). À luz deste exemplo do Mestre divino, Isidoro pode concluir com este ensinamento moral específico: "Por isso o servo de Deus, imitando Cristo, dedique-se à contemplação sem se negar à vida ativa. Não seria justo comportar-se de outra forma. Com efeito, assim como se deve amar a Deus com a contemplação, também se deve amar o próximo com a ação. Por conseguinte, é impossível viver sem a presença simultânea de uma e de outra forma de vida, nem é possível amar, se não se vive a experiência de uma e de outra" (o.c., 135: ibid., col. 91 C). Na minha opinião, esta é a síntese de uma vida que busca a contemplação de Deus, o diálogo com Deus na oração e na leitura da Sagrada Escritura, assim como a ação ao serviço da comunidade humana e do próximo. Este resumo é a lição que o grande Bispo de Sevilha deixa a nós, cristãos de hoje, chamados a dar testemunho de Cristo no início de um novo milênio.


Texto disponível no link

Leia mais sobre S. Isidoro aqui.

Leia A Matemática de Isidoro de Sevilha e a Educação Medieval.



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