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Introdução à Logica Clássica

Robert Fludd, Tomus secundus, 1619-1621

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Tempo de leitura: 32 minutos.

Apresentamos o Prefácio e Preliminares do livro Elemento de Filosofia 2: A ordem dos conceitos: Lógica menor, de Jacques Maritain, tradução de Ilza das Neves, revisão por Adriano Kury. 13.ed. Editora Agir, 1994.


PREFÁCIO 

I

Ao compormos estes elementos de Lógica, esforçamo-nos para distinguir com cuidado o que pertence à Lógica propriamente dita, cujo objeto é o ser de razão: as intenções segundas do espírito (intenciones secundae), e o que pertence à Crítica, que é uma parte da Metafísica e tem por objeto o próprio ser real em sua relação com o espírito que conhece. Esta discriminação é um trabalho bastante delicado - pois muitos problemas oscilam entre as duas disciplinas - e entretanto muito necessária - pois é preciso antes de tudo manter as ciências na linha exata do seu objeto formal.

Por esta razão preferimos reservar para a Crítica várias questões geralmente estudadas nos tratados de Lógica, em particular na Logica Major, por exemplo a discussão (metafísica) do nominalismo e do realismo, as controvérsias referentes à natureza da ciência e do conhecimento vulgar, a ordem do nosso conhecimento intelectual, o valor dos primeiros princípios e a maneira pela qual os conhecemos, etc., finalmente a questão da classifica­ção das ciências (pois em primeiro lugar é preciso saber o que é a ciência e o que ela representa antes de classificar as ciências, e compete ao sábio, isto é, ao metafísico, ordenar as ciências); nesse caso mesmo, a questão dos métodos das diversas ciências, que não pode ser estudada convenientemente sem haver determinado antes o objeto e o valor das mesmas, ficaria também reservada para o tratado de Crítica.

Tirando, desse modo, da Lógica Maior (Logica Major) muitos materiais que lhe são estranhos, pudemos restituir-lhe várias questões que na verdade lhe dizem respeito, e que na maior parte dos manuais escolásticos sobrecarregam inutilmente a Lógica Menor (Logica Minor, Lógica formal). Graças a esta redistribuição geral, em que procuramos sempre nos conservar fiéis ao espírito de Aristóteles e dos antigos escolásticos, esperamos, ter conseguido certas vantagens pedagógicas de clareza e precisão, podendo apresentar os problemas da Lógica e da Crítica em uma ordem suficientemente natural de complexidade e de dificuldade crescentes.

Sendo estes problemas bastante áridos em si mesmos, devido ao seu alto grau de abstração, certos professores hão de pensar talvez que para comodidade do ensino seria conveniente quebrar a ordem normal indicada na Introdução (1º Lógica Menor e Maior; 2° Cosmologia e Psicologia; 3° Crítica como primeira parte da Metafísica...) e substituí-la na prática pela ordem seguinte, que permite tratar da Lógica Maior somente quando os alunos se tivessem familiarizado bastante com a abstração filosófica e por outro lado fizessem estudado suficientemente a parte científica do programa, a fim de ter alguma experiência do raciocínio dedutivo e indutivo e alguma compreensão das alusões e exemplos a que o Lógico deve recorrer.

1º Lógica Menor (que se torna mais curta e mais fácil pelo plano que adotamos).

2º Cosmologia e Psicologia.

3º Lógica Maior.

4° Crítica.

Em conseqüência resolvemos dividir em duas partes, que aparecerão separadas, o segundo fascículo (Ordem dos Conceitos ou Lógica) e o quinto fascículo (O Ser enquanto ser ou Metafísica­) do nosso manual, de modo a publicar em três seções separadas a Lógica Menor, a Lógica Maior e a Crítica, permitindo assim a cada um agrupar as matérias do curso segundo a ordem que mais praticamente lhe parecer melhor.

Talvez esta Lógica encontre alguns leitores mesmo fora do público das escolas, como aconteceu com a nossa Introdução Geral. "O abandono dos estudos lógicos", escrevia Renouvier em 1875, "atingiu na França um tal grau que a teoria do juízo é tão pouco estudada como a do silogismo, e se o estudo das Matemáticas e até certo ponto o do Direito não tivessem trazido algum remédio a este mal, poucas seriam as pessoas instruídas capazes de manejar a recíproca por exemplo, e que não se habituariam a semear sua conversa de paralogismos grosseiros" [1]. Desde a época em que apareceram essas queixas, aliás muito justas, muito mais numerosos foram os espíritos que compreenderam a necessidade de um retorno ao estudo da Lógica, para a restauração da inteligência. Muito nos alegraremos se o nosso modesto trabalho puder contribuir com sua parte para este retorno benéfico. "Estou convencido" dizia Stuart Mill [2] a respeito da Lógica, "que nada pode contribuir mais do que ela, quando dela se faz uso judicioso, para formar pensadores exatos, fiéis ao sentido das palavras e das proposições­, preservando-os dos termos vagos, frouxos e ambíguos. Aconselham muito o estudo das Matemáticas para chegar a este resultado: ele não é nada em comparação ao da Lógica. Com efeito, nas operações matemáticas não se encontra nenhuma das dificuldades que constituem verdadeiros obstáculos para um raciocínio correto (por exemplo, em matemática, as proposições são apenas universais afirmativas; além disso, os dois termos são reunidos pelo sinal $=$, donde a possibilidade imediata da conversão pura. e simples, etc.)... No entanto, muitos homens, aliás capazes, não conseguem elucidar uma idéia confusa e contraditória, por não se terem submetido ao estudo desta disciplina..."

II

Permitam-nos ainda duas observações. Em primeiro lugar, como já dissemos no prefácio da Introdução Geral, mas convém repetir para evitar qualquer mal-entendido, a presente obra destina-se a principiantes. Continua, pois elementar e não tem pretensões a ser absolutamente completa no que diz respeito especialmente à riqueza de referências documentárias e de textos citados. Entretanto, como deve conservar, na exposição filosófica, seu caráter científico, constituirá um verdadeiro tratado, encerrando portanto mais do que pedem em geral os programas. Mas todas as explanações que comportarem alguma dificuldade ou que servirem apenas para esclarecer melhor certos pontos de detalhe, serão escritas em caracteres menores; além disso marcaremos com um asterisco todos os parágrafos cujo estudo não é de estrita necessidade à preparação do exame.

Em segundo lugar, há um ponto sobre o qual julgamos ter sido bastante claro, mas que talvez não tenhamos explicado suficientemente, pois que um crítico de responsabilidade como o R. P. Ramirez [3] pôde a esse respeito equivocar-se inteiramente quanto à verdadeira significação do nosso modo de proceder. Cremos, com o próprio R. P. Ramirez e com a tradição aristotélica, que o estudo da natureza da Filosofia e de sua divisão, assim como de seu valor, só deve ser feito num tratado que respeite a ordem das disciplinas filosóficas, na Metafisica, pois que só ela, a Metafísica, a título de sabedoria, pode julgar a si mesma e os seus próprios princípios, e julgar as outras ciências. E é exata­mente deste modo que pretendemos proceder na presente obra. Se tocamos nessas questões (e em outras mais) em nossa Introdução Geral, é porque esta, segundo o nosso modo de pensar, de forma alguma é uma parte do curso ou do tratado de Filosofia, e por conseguinte nenhuma questão lhe é reservada especialmente. Como seu próprio nome bem o indica, ela precede o curso e o prepara, ficando-lhe inteiramente exterior; desenvolvemo-la exclusivamente por preocupação pedagógica, a fim de auxiliar os principiantes e lhes ministrar uma exposição geral e propedêutica, colocando certos grandes resultados da ciência ao seu alcance do ponto de vista, do senso comum, antes de serem estabelecidos mais tarde de maneira mais aprofundada e mais científica. Eis por que as questões que aqui forem tratadas deverão ser retomadas em seu respectivo lugar nos diversos capítulos do Curso, especialmente na Crítica.

III

A natureza deste trabalho não nos permitiu discutir lon­gamente sobre as diversas teorias modernas de interesse para a Lógica, e com todas as explanações convenientes. Julgamos, no entanto, haver tratado suficientemente das mais importantes, sem prejuízo dos complementos que aparecerão na Lógica Maior e posto suficientemente em relevo os princípios essenciais que dirigem essa discussão. Ficaríamos contente de ter podido mostrar que a melhor maneira de renovar muitos problemas é remontar ao pensamento dos antigos, consultando-os em suas fontes.

Não pretendemos dissimular as imperfeições inevitavelmente inerentes a uma exposição geral e didática como é esta. Se, apesar do cuidado com que foi redigida, escaparam erros, muito reconhecido ficaremos aos nossos leitores que tiverem a gentileza de nos informar.

J. M.

Notas:

[1] CH. RENOUVIER, Essais de Critique générale 2ª édit., 1875, Logique, t. II, pág. 126.

[2] J. STUART MILL, Mémoires, pág. 18.

[3] Ciência tomista, julho-agosto 1922.


LÓGICA (A ORDEM DOS CONCEITOS)

PRELIMINARES

1. PRIMEIRA NOÇÃO DA LÓGICA. - A Lógica [1] estuda a razão como instrumento da ciência ou meio de adquirir e possuir a verdade. Pode-se defini-la: a arte

QUE DIRIGE O PRÓPRIO ATO DA RAZÃO,

isto é, que nos permite chegar com ordem, facilmente e sem erro, ao próprio ato da razão [2]

a) Desse modo, a Lógica não procede somente como qualquer ciência, segundo a razão, mas diz respeito ao próprio ato desta razão; daí seu nome de ciência da razão ou do lógos (λογικὴ ἐπιστήμη) [3]

A Lógica é a arte que nos faz proceder, com ordem, facilmente e sem erro, no ato próprio da razão.

b) A razão não é uma faculdade diferente da inteligência (ou ainda entendimento, intelecto). Mas, do ponto de vista do funcionamento desta faculdade, chamamo-la mais especialmente inteligência quando ela vê, atinge ou "apreende", e mais especialmente razão, quando vai pelo discurso de uma coisa apreendida a uma outra.

2. AS TRÊS OPERAÇÕES DO ESPÍRITO. - Qual é o ato próprio da razão corno tal?

RACIOCINAR.

Raciocinamos quando pensamos por exemplo:

O que é espiritual é incorruptível;

ora. a alma humana é espiritual;

logo, ela é incorruptível.

Raciocinar,

O raciocínio é a operação mais complexa do nosso espírito; é raciocinando que vamos das coisas que já conhecemos às que ainda não conhecemos, que descobrimos, que demonstramos, que fazemos progredir a nossa ciência. A Lógica, que estuda a razão como meio de adquirir a ciência, deve portanto considerar, entre as operações do espírito, antes de tudo o raciocínio. Todavia, há outras operações do espírito que ela precisa considerar. Considera-as, porém, em relação ao raciocí­nio, em função do raciocínio.

ato indiviso

O ato de raciocinar é um ato um ou indiviso, como o ato de dar três passos até o fim. Um, dois, três, chegamos ao fim: contamos três passos, mas nos movemos sem interrupção, num movimento indiviso. Da mesma maneira, raciocinamos com um movimento indiviso. Isto porque não raciocinamos pelo prazer de correr ou "discorrer" de uma idéia à outra, mas sim para concluir, isto é, para tornar evidente qualquer verdade em que nos detemos.

mas complexo.

O ato de raciocinar é contudo um ato complexo; é um ou indiviso, mas não é simples ou indivisível; pelo contrário, é com posto de vários atos distintos ordenados entre si, cada um deles tendo por objeto uma enunciação semelhante às três enunciações do exemplo dado acima, chamadas proposições. Cada um destes atos considerados em si mesmo chama-se um

JUÍZO.

Eis aqui uma outra operação do espírito que é anterior ao raciocínio e por ele suposta.

Julgar,

Julgar é afirmar ou negar. É por exemplo pensar:

A desconfiança

é a mãe da segurança,

ou ainda:

Uma cabeça empenachada

não é pequeno embaraço.

Pelo primeiro juízo afirmamos deste termo "desconfiança" este outro termo "mãe da segurança", isto é, identificamos esses dois termos, dizendo: existe uma coisa uma e a mesma (um mesmo sujeito) à qual convém ao mesmo tempo o nome "desconfiança" e o nome "mãe da segurança".

Pelo segundo juízo, negamos do termo "uma cabeça empenachada" este outro termo "pequeno embaraço".

Pelo juízo, declaramo-nos de posse da verdade sobre este ou aquele ponto. Um homem sábio é um homem que julga bem.

ato simples mas sobre um objeto complexo

O ato de julgar é um ato um ou indiviso como o ato de dar um passo, ou, mais propriamente falando, um ato simples, isto é, indivisível [4]. Assim, o juízo dado acima como exemplo não é uma justaposição de três atos de pensamentos diferentes, - um ato de pensamento para "a desconfiança'', um outro, para "é" e um terceiro para "a mãe da segurança", - mas representam um só ato de pensamento. Todavia, refere-se a um objeto complexo. (proposição fabricada pelo espírito) e assim como um passo é um movimento entre dois termos, entre um ponto de partida e um ponto de chegada, assim também o ato de julgar é um movimento de pensamentos, - traduzido pela palavra "é" - que une duas noções diferentes, expressas pela palavra-sujeito e pela palavra-atributo ou predicado.

Cada uma destas noções corresponde por si a certo ato do espírito chamado concepção [5], percepção ou

SIMPLES APREENSÃO.

Aqui temos uma outra operação do espírito que é anterior ao juízo e por ele suposta.

Conceber é formar em si uma idéia, na qual se vê, atinge ou "apreende" alguma coisa. É pensar por exemplo:

"homem"

ou

"desconfiança"

ou

"infeliz''.

Conceber ou fazer ato de apreensão sobre um objeto simples,

Este ato está evidentemente na origem de todo o nosso co­nhecimento intelectual; eis por que sua importância é capital. Por ele um objeto de pensamento é representado a consideração de nossa inteligência e à sua posse por ela.

Entretanto, este ato de percepção ou de apreensão é tão imperfeito que nos dá sem dúvida um objeto de pensamento discernível em uma coisa, mas sem nos dar, ao mesmo tempo, os outros objetos de pensamento que estão unidos a este na coisa tal qual existe (de uma existência atual ou possível); de maneira que nosso espirito, ficando por assim dizer em suspenso, não tem ainda o que afirmar ou negar. É claro, por exemplo, que se pensamos:

"o homem"

ou

"a neve"

ou

"os delicados",

só temos no espírito uma verdade começada, nosso espírito ainda não fez nenhuma declaração de conformidade com o real; esta declaração só se realiza, só há verdade acabada no espírito, quando pensamos por exemplo (num juízo):

"o homem é mortal"

ou

"a neve é branca"

ou

"os delicados são infelizes",

ou qualquer outra coisa semelhante.

Assim não andamos quando elevamos simplesmente o pé acima do solo; só andamos quando damos um passo.

Digamos por conseguinte que, quando nosso espírito faz ato de simples apreensão, ele se contenta em apreender uma, coisa sem nada afirmar ou negar.

Temos aqui um ato não somente um ou indiviso, mas além disso simples ou indivisível: o ato de pensar "homem" ou "neve" é evidentemente um ato que não comporta partes. Além disso [6], refere-se a um objeto que é ou indivisível em si mesmo (enquanto objeto de pensamento, "homem" por exemplo), ou então pelo menos apreendido da mesma maneira que os objetos indivisíveis, isto é, sem implicar construção edificada pelo espírito. Eis por que se chama ato de simples apreensão.

ato simples sobre um objeto simples.

O ato de concepção ou de simples apreensão é deste modo uma operação primeira, que não supõe nenhuma outra operação intelectual antes dela: não constitui naturalmente o nosso primeiro ato de conhecimento (pois supõe antes dele as operações dos sentidos), mas constitui a nossa primeira operação INTELECTUAL, é a primeira operação do espírito.

As três operações do espírito humano são a simples apreensão, o juízo e o raciocínio.


*3. AS OPERAÇÕES E AS OBRAS DO ESPÍRITO. - o estudo da natureza das operações do espirito e do seu mecanismo íntimo pertence à Psicologia. Observemos aqui que é necessário distinguir

a própria operação ou o ato do espírito, e a obra que o espírito produz em conseqüência dentro de si mesmo [7].

O ato de julgar, por exemplo, é uma operação mental que implica a produção ou a construção no espírito de um certo conjunto de conceitos que denominamos uma enunciação ou proposição. E existe tanta diferença entre o ato de reunir conceitos e julgar, e a reunião construída, como a que existe entre a ação de construir uma casa e a casa construída.

A proposição pensada (reunião de conceitos) distingue-se por sua vez da proposição falada que a exprime por palavras, e que é o seu sinal oral. Existe tanta diferença entre uma e a outra como entre a própria casa e um sinal qualquer que a represente.

Por proposição falada, entendemos tanto a proposição falada realmente, - reunião de palavras emitidas exteriormente - como a proposição falada mentalmente - reunião de palavras formadas na imaginação.

Quanto pensamos, por exemplo, "o homem é mortal", afirmamos aquilo que nos é apresentado pela idéia de homem e aquilo que nos é apresentado pela idéia de mortal. Mas ao mesmo tempo que formamos em nosso espírito esta proposição pensada, imaginamos a proposição falada que a exprime (e às vezes chegamos mesmo a esboçar realmente os movimentos de fonação pelos quais pronunciaríamos essa proposição).

A proposição pensada (reunião de conceitos), evidentemente difere tanto da proposição falada mentalmente (reunião de imagens auditivas ou musculares de sons articulados) como da proposição falada realmente.

Para precisar o sentido dos termos que empregaremos, podemos estabelecer da seguinte maneira o quadro das operações do espírito:





Na primeira coluna deste quadro escrevemos o que concerne aos atos ou operações do espírito; na  segunda o que concerne às obras produzidas dentro do espírito; na terceira o que concerne aos sinais orais e materiais dessas obras espirituais. A linguagem corrente em geral confunde essas três ordens de coisas, porque em muitos casos o que se diz da obra também se pode dizer da operação, e porque é natural ao homem chamar as coisas significadas pelo mesmo nome que o sinal por ser este último mais conhecido. Entretanto um juízo, por exemplo, é um ato vital, uma proposição (pensada) é um organismo imaterial composto de vários conceitos, uma proposição falada é um composto inerte de partes materiais (palavras) justapostas no tempo (proposição oral) ou no espaço (proposição escrita). Estas distinções têm grande importância para a boa compreensão da Lógica.

a) Como veremos mais tarde, Leibniz e certos Lógicos que se inspiram nele tendem a deixar a operação pela obra, e a obra imaterial do espírito pelo seu sinal material.

b) Por outro lado, em sua crítica da inteligência, a escola anti-intelectualista (James, Bergson, Le Roy) confunde não poucas vezes as operações e as obras da inteligência com os sinais materiais que as exprimem.

c) Esta distinção entre o pensamento e os seus sinais materiais, em nenhum lugar é tão bem marcada como em Aristóteles, cuja Lógica tem precisamente por objeto as obras imateriais do espírito, não as palavras faladas ou escritas, e refere-se a estas somente enquanto são sinais daquelas. Cf. Ammonius, in Periherm, f. 19a e 20a: τὰ τε ἐκφωνοὐμενα σὐμβολα εἰναι τίθεται τῶν νοουμένων καὶ τά υραφόμενα τῶν ἐκφωνουμένων.

Para evitar qualquer equívoco, restringiremos aqui o sentido corrente da palavra juízo, empregando-a somente no caso em que se trata da operação do espírito que consiste em dar seu assentimento, e empregando a palavra proposição para designar a obra realizada dentro do espírito, e sobre a qual recai este ato de assentimento. A mesma restrição não se impõe à palavra raciocínio, que empregamos com a linguagem corrente para designar ora só a operação do espírito, ora a obra assim produzida ou argumentação, ora as duas ao mesmo tempo, bastando o contexto para fixar o pensamento.

4. DIVISÃO DA LÓGICA. - Considerando a Lógica antes de tudo o raciocínio, é em relação ao raciocínio que deve ser dividida. Ora, não há duas coisas a considerar num raciocínio, como em qualquer construção e obra de arte? Numa casa, por exemplo, é preciso distinguir os materiais e a disposição que o arquiteto lhes dá: se esta disposição é má, a casa não ficará de pé porque está mal construída; e se os materiais são maus (mesmo quando a disposição seja boa), a casa não ficará de pé, porque foi construída com maus materiais. O mesmo acontece com o raciocínio. É preciso distinguir: 1º, os materiais ideais com os quais se raciocina, é o que se denomina

a MATÉRIA do raciocínio,

e 2.° a disposição segundo a qual estes materiais são reunidos no espírito, de maneira a sustentar a conclusão; é o que se chama

a FORMA do raciocínio.

Em virtude de sua forma o raciocínio é correto ou incorreto; em virtude da sua matéria é verdadeiro ou falso. O seguinte raciocínio

Nenhum homem faz o mal; (I)

ora, este criminoso é homem; (II)

logo, este criminoso não faz o mal, (III)

é correto - a forma é boa, a conclusão é bem deduzida; - mas conclui falsamente, a matéria é má, sendo falsa a proposição I.

Sendo a Lógica a arte que nos permite proceder com ordem, facilmente e sem erro no próprio ato da razão, precisa ocupar-se tanto da forma como da matéria de nossos raciocínios. Daí sua divisão em duas partes: Lógica Menor ou Lógica "formal" (Logica Minor) e Lógica Maior ou Lógica "material" (Logica ma­jor).

Lógica Menor.

A Lógica Menor estuda as condições formais da ciência; analisa ou "resolve", como se diz, o raciocínio nas leis de que ele de­pende do ponto de vista de sua forma, ou de sua disposição [9]; ela ensina as regras a se seguir para que o raciocínio seja correto ou bem construído, e para que a conclusão seja boa relativamente à disposição dos materiais. Um espírito que não se conforma com estas leis formais do pensamento é um espírito inconseqüente. E, como diz a Lógica de Port-Royal, um espírito inconseqüente "não tem garras" para reter a verdade.

Lógica Maior.

A Lógica Maior estuda as condições materiais da ciência; ela analisa ou resolve o raciocínio nos princípios de que ele depende quanto à sua matéria ou ao seu conteúdo [10]; ela mostra a que condições devem corresponder os materiais do raciocínio para que se obtenha uma conclusão firme sob todos os aspectos - não somente quanto à forma, mas também quanto à matéria. - isto é, uma conclusão verdadeira e certa [11].

A Lógica Menor estuda pura e simplesmente o mecanismo do raciocínio, abstração feita do conteúdo mesmo das proposições que ele emprega e do uso (investigação ou demonstração) que o espírito dele faz. É chamada de Lógica Menor (Logica Minor) porque, sendo constituída de regras e de preceitos, é menos longa para se estudar e trata de questões menos árduas. O nome de Lógica formal é mais expressivo, e deveria ser preferido, se não favorecesse um equívoco, pois muitos autores modernos, desde Kant e Hamilton, empregaram a palavra "Lógica formal" em sentido completamente diferente [12]. Os antigos tratavam dessa parte da Lógica no que denominavam as Summulae.

A Lógica Maior, pelo contrário, exige mais desenvolvimento, porque trata das questões mais difíceis, - questões que são também as mais importantes, não só em relação à própria arte de raciocinar, mas em relação aos conjuntos da Filosofia. Este é o motivo pelo qual recebe a denominação de Lógica Maior (Logica Major). Podemos chamá-la também de Lógica material, uma vez que chamamos a Lógica Menor de Lógica formal. Certos tratados modernos preferem o nome de Lógica aplicada, mas este nome pode provocar equívocos e levar a pensar que a parte da Lógica assim designada só trata de "aplicar" as verdades estabelecidas na Lógica Menor, quando na realidade ela é uma disciplina particular que se refere a um aspecto das coisas ló­gicas que a Lógica Menor não considera [13].

Subdivisões da Lógica. Menor e da Lógica Maior.

A Lógica Menor e a Lógica Maior dividem-se naturalmente segundo as três operações do espírito, o estudo da terceira operação, o objeto primeiro da Lógica, supondo necessariamente o estudo das duas primeiras.

Além disso é do domínio da Lógica Maior tratar especialmente da Definição, da Divisão e da Argumentação como instrumento do saber. Convém também que ela termine pelo estudo do objeto e da natureza da Lógica, questão que aliás pertence ao domínio próprio da Crítica, e que a Lógica apenas toma de empréstimo dessa ciência.





ÍNDICE

Prefácio 11

LÓGICA (A ORDEM DOS CONCEITOS)

Preliminares 17

LÓGICA MENOR

CAPÍTULO I - O CONCEITO E A 

PRIMEIRA OPERAÇÃO DO ESPÍRITO

SEÇÃO I. A Simples Apreensão 35

SEÇÃO II. O Conceito 41

                    A. Noção do Conceito 41

                    B. Extensão e compreensão dos Conceitos 46

                    C. As várias espécies de Conceitos 55

                        § 1. Conceitos incomplexos e conceitos complexos 55

                        § 2. Conceitos concretos e conceitos abstratos 57

                        § 3. Conceitos coletivos e conceitos divisivos 59

                        § 4. Extensão do Conceito-Sujeito 60

SEÇÃO III. O Termo 69

                    A. Noção do Termo oral 69

                    B. As várias espécies de Termos 72

                        § 1. Generalidades 72

                        § 2. Nome e Verbo 74

                        § 3. Sujeito e Predicado 79

                        § 4. Extensão do Termo-Sujeito 80

                    C. Propriedades dos Termos na Proposição 81

SEÇÃO 4. A Definição 100

SEÇÃO 5. A Divisão 104

CAPÍTULO II - A PROPOSIÇÃO E

A SEGUNDA OPERAÇÃO DO ESPÍRITO

SEÇÃO 1. O Juízo 109

SEÇÃO 2. A Proposição 120

                    A. Noções Gerais 120

                        § 1. O Discurso em geral 120

                        § 2. A Enunciação ou Proposição 123

                    B. As várias espécies de Proposições 126

                        § 1. Proposições simples e Proposições compostas 126

                        § 2. Proposições afirmativas e proposições negativas 120

                        § 3. Proposições de inesse e proposições modais 135

                        § 4. O Sujeito e o Predicado do ponto de vista da quantidade 139

                    C. Oposição das Proposições 134

                    D. Conversão das Proposições 164

CAPÍTULO III - RACIOCÍNIO

SEÇÃO I. O Raciocínio em geral 173

                    A. Noções gerais 173

                    B. Divisão do Raciocínio 176

                    C. As "Inferências imediatas" 187

SEÇÃO 2. O Silogismo 195

                    A. O Silogismo categórico 195

                        § 1. Noções gerais 195

                        § 2. Figuras e Modos do Silogismo 210

                        § 3. Elucidações e discussões sobre o Silogismo 230

                        § 4. O Silogismo Expositório 258

                    B. O Silogismo condicional 260

                        § 1. Os Silogismos hipotéticos em geral 231

                        § 2. O Silogismo Condicional 233

                    C. Divisão do Silogismo 272

                        § 1. Silogismos demonstrativos, prováveis, errôneos, sofísticos 272

                        § 2. Silogismos incompletos 274

                        § 3. Silogismos oblíquos 275

                        § 4. Silogismos compostos 277

SEÇÃO III. A Indução 283

                    A. O Raciocínio indutivo 283

                    B. Divisão da Indução 303

                    C. O Raciocínio por semelhança 308

APÊNDICE

INDICAÇÕES PRÁTICAS 313

RESUMO 319


Notas:

[1] Cf. J. MARITAIN, Introdução Geral à Filosofia, págs. 102. AGIR S. A. Editora, 17ª ed. 1994.

[2] "Ars directiva ipsius actus rationis, per quam scilicet homo in ipso actu rationis ORDINATE et FACILITER et SINE ERRORE procedat." (S. TOMÁS, in Anal. Post., lib. I, lect. 1.)

[3] Logica vocatur rationalis non solum "ex eo quod est secundum rationem, sed etiam ex eo quod est circa ipsum actum rationis, sicut circa propriam materiam." (SANTO TOMÁS, ibid.)

[4] Ver mais adiante, nº 37.

[5] A palavra concepção designa geralmente apenas a formação da idéia (é neste sentido que a empregamos aqui), se bem que possa designar também a formação da proposição à qual se aplica o juízo.

[6] Ver mais adiante, nº 7.

[7]. "Sicut in actibus exterioribus est considerare operationem, et operatum. putn aedificationem et aedificatum; ita in operibus rationis est considerare ipsum actum rationis, qui est intelligere et ratiocinari, et aliquid per hujusmodi actum constitutum: quod quidem in speculativa ratione primo quidem est definitiosecundo enuntiatiotertio vero syllogismus, vel argumentatio". (SÃO TOMÁS, Sum. Teol. I - II, q. 90, a. 1, ad 2.)

[8] Primeira quanto à ordem lógica e não quanto à ordem cronológica. Ver mais adiante nº 29-a. Dizemos que a definição é a primeira obra da razão porque ela é a primeira obra da inteligência reunindo entre si os conceitos. 

[9] Esta análise ou "resolução" do raciocínio em seus princípios formais constitui o objeto dos Primeiros Analíticos de ARISTÓTELES. Eis por que os escolásticos a chamavam de resolutio prioristica.

[10] Esta análise ou "resolução" do raciocínio em seus princípios materiais constitui o objeto dos Segundos Analíticos de ARISTÓTELES; eis por que os escolásticos a chamavam de resolutio posterioristica.

[11] Para prevenir qualquer confusão, devemos notar que, quando se diz que a Lógica Menor resolve o raciocínio em seus princípios formais (trata-se então dos princípios ou leis que dirigem a forma ou a disposição dos materiais inteligíveis empregados pelo raciocínio), emprega-se a palavra formal num outro sentido do que quando se diz a Filosofia se resolve formalmente nos primeiros princípios da razão, e materialmente na experiência sensível (Cf. Introd. pág. 99). Dizemos simplesmente que os primeiros princípios conhecidos por si mesmos são os princípios que constituem a Filosofia "formalmente" ou em sua essência e que lhe dão sua luz própria, enquanto que a experiência sensível fornece os materiais de onde provém realmente nosso conhecimento intelectual e nos quais a Filosofia se baseia.

Desse modo, os primeiros princípios da razão podem entrar na consideração da Lógica maior ou material, que se ocupa do conteúdo de nossos raciocínios e não unicamente da sua "forma" ou disposição; não deixam de ser sob outro ponto de vista, os princípios formais do conhecimento intelectual e da Filosofia como a alma é a forma que dá vida ao corpo.

[12] Este ponto será examinado na Lógica Maior.

[13] O nome de Lógica aplicada convém antes àquilo que os Antigos denominavam Logica utens. A distinção entre a Logica docens (Lógica pura) e a Lógica utens (Lógica aplicada) será estudada na Lógica Maior.

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