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Sobre o blog Summa Mathematicae

Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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ARTIGO - DESIGUALDADES ELEMENTARES VERSÃO INTEGRAL

Neste artigo, queremos estender muitas das desigualdades vistas no artigo do Prof. Caminha da UFC para suas versões de integrais. Para isso, precisamos transformá-las em somas de Riemann.

Ao leitor, se faz necessário para melhor compreensão desse texto que tenha conhecimento de Cálculo Diferencial e Integral.

O meu artigo completo pode ser encontrado aqui:

https://drive.google.com/file/d/1ll6rqLuxiTFJ0thpu0Oun2zZRJ7jJ0XM/view?usp=sharing

O artigo utilizado como base do professor Caminha pode ser encontrado a partir de página 34 no link abaixo:

https://www.obm.org.br/content/uploads/2017/01/eureka5.pdf

Obs.: Fiz o artigo na época da graduação.

Boa leitura!


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MATEMÁTICA E VIDA INTELECTUAL - Por Deividi Pansera

Escola de Atenas, da Stanza della Segnatura,
 Raffaello Sanzio Raphael, 1510-11

A Vida Intelectual é árdua, exigente. É uma vida de entrega plena para que a Verdade se entregue parcialmente. É, além disso, uma via de contemplação. "Ultima hominis felicitas est in contemplatione veritatis", disse Sto. Tomás. Ele estava cheio de razão, como vim a descobrir, e continuo descobrindo, na minha própria vida.

Descobri, também, quatro aspectos essenciais neste caminho de contemplação. Capacidade abstrativa (de captação de conceitos), capacidade de raciocínio, capacidade de emissão de juízos e a humildade. Para a minha alegria - e meu espanto - todos esses aspectos foram (e continuam sendo) rigorosamente treinados em minha alma por meio do estudo da matemática.

Não é à toa que, até bem pouco tempo, todo intelectual sério sabia matemática. Demonstrava teoremas e a utilizava em seus ensaios filosóficos. O motivo, como descobri depois dos meus estudos sobre a alma humana, reside no fato de a matemática treinar principalmente o intelecto e a vontade - atributos da alma. E é nesses atributos que residem os quatro aspectos essenciais da Vida Intelectual.

Finalmente, entendi o porquê de Platão, Aristóteles, Boécio, Hugo de São Vitor, Roberto Grosseteste, Thomas Bradwardine, Santo Alberto Magno, Santo Tomás de Aquino, Duns Scotus, Francisco Suárez, João de São Tomás, Descartes, Leibniz, Frege, Edmund Husserl, Alfred Whitehead, Henri Poincaré, Charles Peirce, Pascal, Hilary Putnam, Alfred Tarski, Bernard Lonergan, James Franklin etc. terem estudado matemática. A resposta é que matemática é essencial para a Vida Intelectual.

Fonte: Link


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Alcuíno de York: difusor do Trivium e Quadrivum

Carlos Magno cercado por seus chefes, recebeu
Alcuin, que apresentou os manuscritos, uma
obra de seus monges em 781. Detalhe da
pintura de Jules Laure (1806-1861). 1837.

Alcuíno (730-804) nasceu em York, originário de uma família nobre, estudou na escola catedralícia da sua cidade. Alcuíno se voltou para as letras antigas e foi um grande entusiasta de Virgílio, preferindo mais o poeta romano que os salmos. Tornou-se um grande difusor das sete artes liberais (Trivium e Quadrivium) que tiveram destaque na antiguidade, sendo posteriormente debatidos e cristianizados.

Alcuíno de York, de "As
Verdadeiras Puridades e
 Vidas dos Homens Ilustres"
de Andre Thevet, 1584

Em 757, Alcuíno é alçado à posição de mestre, após a ascensão de seu antigo tutor ao cargo de arcebispo. Na escola da catedral procurou preservar o acervo que mantinha na biblioteca, sendo responsável por todas as obras que lá se encontravam. O zelo pelos clássicos influenciou não só a sua formação como também no surgimento do renascimento carolíngio.

Carlos Magno (768-814), que já conhecia Alcuíno, o convidou para ser mestre na escola palatina de Aix-la-Chapelle, em 781. Alcuíno se tornou um dos principais conselheiros e mestres do imperador. O monge Eginhardo (770-840) o descreveu como um grande educador, o melhor de seu tempo. Como pedagogo buscou combater o analfabetismo e, todavia, não se limitou a isto, mas procurou propagar as artes liberais, começando pelo imperador e expandindo-a para clérigos e leigos.

Manuscrito Carolíngio
de 814. Alcuíno está no
meio, entre Rábano
Mauro e Odgar de Mainz

Com Alcuíno, Carlos Magno foi instruído nas artes: retórica, dialética, cálculo e astronomia. Alcuíno foi o responsável pela educação do filho do imperador, Pepino, e desenvolveu um jogo de perguntas e respostas que buscava ensinar a criança com brincadeiras. As atividades pedagógicas de Alcuíno foram registrados na obra Proposições para Instruir os Jovens onde estão reunidos 53 exercícios de lógica matemática, ou matemática recreativa. No problema 18, Alcuíno propôs o seguinte desafio:

Um lobo, uma cabra e uma couve têm de atravessar um rio num barco que transporta um de cada vez, mais o remador. Como é que o remador os levará para o outro lado de forma que a cabra não coma a couve e o lobo não coma a cabra?


Manuale di grammatica, 
copia più antica (anno
800 circa). Abbazia di
San Martino  a Tours
(Francia)
.

Além das contribuições no campo da matemática, Alcuíno dedicou-se também a organizar uma pequena gramática intitulada De Orthographia que propunha uma padronização do uso do latim. O esforço demonstrado por Alcuíno para sistematizar a escrita do latim insere-se em um esforço dos letrados carolíngios de resgatar os textos clássicos greco-romanos e a escrita do latim culto. A De Orthographia de Alcuíno é um texto extremamente significativo para os estudos histórico-linguísticos medievais, mas ainda é muito pouco explorado pelos pesquisadores brasileiros. Segundo Everton Grein e Gabrielly Geisler, que se dedicam ao etudo dessa obra no Brasil, “[…] é indiscutível a importância do monge para o latim medieval, pois ele foi responsável por uma nova perspectiva de estudo da língua na Idade Média, e inclusive pela tentativa da construção de uma fonética do latim medieval.” (GREIN e GEISLER, 2021, 170).

Os últimos dias de Alcuíno foram passados tranquilamente em Tours, na França, onde faleceu no ano de 804. Alcuíno deixou um grande legado para a educação medieval, contribuindo significativamente para a preservação do conhecimento e da cultura latina.

[...]

Contribuição de:

Marta Silveira (Profa. Adjunta de História Medieval da UERJ)

Erik Patrick Magalhães da Silva (Graduado em História – UNESA)


FONTES PRIMÁRIAS

EINHARD. Vita Magni Caroli Magni. Disponível em: https://www.ricardocosta.com/traducoes/textos/vida-de-carlos-magno-c-817-829. Tradutor: Luciano Vianna e Cassandra Moutinho

DIÁLOGO ENTRE PEPINO E ALCUÍNO. In: LAUAND. Educação, teatro e matemática medievais. São Paulo: Perspectiva, 1986.


REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

ABELSON, Paul. As Sete Artes Liberais: um Estudo Sobre a Cultura Medieval. Kírion, 2019.

FAVIER, J. Carlos Magno. São Paulo, Estação Liberdade, 2004.

LE GOFF. A civilização do Ocidente medieval. Vol. I,. Imprensa universitária. Editorial estampa. 1983, Lisboa.

GREIN, Everton e GEISLER, Gabrielly Cecília. O De Orthographia de Alcuíno de York: Estudo de um Manual do Século VIII. p. 156-171. In: SILVEIRA, M. de C. e MARTINS, R. G. R (org.). Nearco. Revista Eletrônica de Antiguidade e Medievo. v. 13, n.1., 2021. Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/nearco/article/viewFile/58587/pdf

GILSON, Etienne. A filosofia na idade média. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes. 1995.

NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. E.P.U, 1979

OLIVEIRA, Priscila Sibim. Alcuíno e a educação de governantes (final do século XIII e inicio do século IX). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá. Orientadora: Dra.: Terezinha Oliveira. Maringá, 2008.

Texto completo disponível no link.


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Quem matou o Latim nas escolas? - Três Vias Estudos Clássicos

1. Normalmente quando se fala sobre os responsáveis pelo fim do latim nas escolas não se dá nome aos bois. Estamos fazendo essa pesquisa de saber quem foram os 'notáveis' que tiraram o Latim das escolas e suas razões. Começamos hoje com Aliomar Baleeiro, consagrado nome entre estudiosos do direito tributário.

É fato que durante muitos séculos o Latim foi ensinado em escolas na antiguidade, na idade média e moderna. Aqui no Brasil essa tradição chegou com os padres jesuítas e suas primeiras escolas. Com a criação dos cursos institucionalizados o latim se manteve na grade curricular como disciplina obrigatória e requisito para admissão em cursos superiores (como Direito e Medicina). Contudo, em 12 de novembro de 1948 o então presidente Dutra apresentou projeto de Lei de Diretrizes da Educação (MSC 605/1948) em que colocava o Latim como disciplina optativa. A tramitação durou anos e em debates acadêmicos intermináveis. O projeto foi transformado em PL2222/1957 e finalmente aprovado em 1961 como a Lei 4024/1961 passando a entrar em vigor em 1962. Durante as discussões tivemos o discurso de Aliomar Baleeiro, advogado, jornalista, escritor (que durante o período do governo militar foi ministro do STF). Ele foi um dos defensores do fim do latim nas escolas. E seu argumento é que as faculdades deveriam investir mais em ciências naturais e não em formação clássica.

2. Continuando nossa série de postagens, em que estamos dando os nomes aos bois, para mostrar quem foram os responsáveis pelo fim do estudo do latim nas escolas brasileiras. Na postagem anterior falamos de Aliomar Baleeiro, influente jurista e político. Novamente um bacharel em direito, Olívio Montenegro, que foi jornalista, advogado, promotor de justiça. Na citação da imagem ele diz que não seria mais necessário o estudo do latim, já que existiam obras clássicas traduzidas para as línguas modernas. Em 29 de maio de 1960, em sua coluna no jornal Diário de Pernambuco, ele disse que condenava esse relevo que se dava ao latim e que seria melhor dar ênfase em línguas modernas. No mesmo texto Montenegro defendia que a matemática aprofundada deveria ser deixada para a universidade, devendo os jovens se dedicar apenas às contas básicas. A base para esse argumento dele é dizer que Beethoven era um gênio da música e não sabia sequer a conta de somar.

Infelizmente nessa época, década de 50 e 60, pessoas influentes na sociedade (políticos, professores médicos, advogados, engenheiros etc.) compartilhavam dessas ideias vindas do final do século XIX com Comte. Muito embora parcela dos núcleos universitários ainda mantivessem o valor do latim (especialmente os cursos de direito).

3. Estamos publicando uma série de notas em nosso Instagram @tres.vias em que procuramos nomear os responsáveis pelo fim do Latim nas escolas e o grande dano que isso causou. Não são poucas pessoas que atacavam o latim naquela época (tanto pessoas da direita quanto da esquerda no espectro político)

Em 1963, quando o Latim já não era mais obrigatório nas escolas secundárias há um ano, Darcy Ribeiro, então chefe da casa civil do governo do Presidente João Goulart, e reitor da UNB, proferiu uma palestra em que falou sobre a educação do Brasil. Segundo Darcy Ribeiro o atraso no Brasil se deve ao estudo latim. A fala comoveu os estudantes no local e especialmente um professor de latim que ali estava presente, Samuel Malheiros.

Como visto nos posts anteriores, homens conhecidos da política eram contrários ao estudo do latim por um sentimento utilitarista ou um equivocado anticlericalismo, vindo de pensadores estrangeiros.

Ribeiro se tornou Senador em 1991 e foi um dos lideres da nova Lei de Diretrizes e bases da educação, que está em vigor atualmente no Brasil.

4. Em nossa série do Instagram @tres.vias estamos mostrando personalidades que foram contra o ensino do latim. Esse é o quarto post sobre o tema.

Aqui temos Mauricio de Medeiros, que foi membro da Academia Brasileira de Letras. Em 1963 ele tomou conhecimento do discurso de Darcy Ribeiro sobre o Latim (vide post anterior aqui no Três Vias Instagram), e mesmo sendo um homem que se considerava oposto a ideologia marxista de Darcy Ribeiro, ele concordou quanto a ideia de que o Latim não deveria ser estudado nas escolas. Como ele disse "em matéria ideológica estamos em lados opostos. Mas foi com agradável surpresa que tomei conhecimento de suas ideias sobre o ensino do Latim. Nisso estamos de acordo, "em gênero, número e caso".

É a direita aliada com a esquerda para o propósito utilitarista de apagar a pouca educação clássica que restava nas escolas. Poucas foram as vozes que defenderam o Latim, mas vozes tímidas e que não emitiram som suficiente para serem ouvidas.

5. Estamos publicando uma série de notas em nosso Instagram @tres.vias em que procuramos nomear os responsáveis pelo fim do Latim nas escolas e o grande dano que isso causou. Não são poucas pessoas que atacavam o latim naquela época (tanto pessoas da direita quanto da esquerda no espectro político).

Vimos que nomes conhecidos da política eram contra o Latim, tais como Aliomar Baleeiro, Darcy Ribeiro (veja as postagens anteriores aqui no Instagram do Três Vias).

O Deputado Federal Campos Vergal chama a atenção pelo discurso caloroso que promoveu na Câmara dos Deputados. Ele mesmo fora professor de Latim por seis anos e não apoiava o estudo dela. Sua fala na Câmara foi uma forte influência para ser aprovado o projeto da Lei de Diretrizes e bases da educação que tornou facultativo o latim nas escolas. Não satisfeito com a facultatividade da disciplina ele deseja propor o fim de fato do latim nas escolas. Segundo o nobre deputado "o idioma está morto e enterrado, inteiramente inútil. Serve apenas para tomar o tempo e prejudicar milhares de jovens"

Campos Vergal pertencia ao PSP, Partido Social Progressista, de Ademar de Barros, adotando as ideias sociais democratas (tipo um PSDB de hoje em dia).

6. Quem defendeu o latim nas escolas?

Estamos com a série de postagens no Instagram @tres.vias sobre quem matou o latim nas escolas. Mas também vamos mostrar aqueles que defenderam.

Em 1949, em entrevista, o escritor e crítico literário Otto Maria Carpeaux informou sua influência positiva por ter estudado o Latim quando criança. Não foi por acaso que ao chegar ao Brasil ele não demonstrou dificuldade em aprender o Português.

A Alemanha atualmente é um dos países que valoriza o estudo do latim em suas escolas. A língua latina é o terceiro idioma estrangeiro mais estudado nas escolas alemãs, atrás do inglês e do francês.

Otto Maria Carpeaux foi herdeiro de um legado que soube explorar em suas obras magníficas.

7. Estamos publicando uma série de notas em nosso Instagram @tres.vias em que procuramos nomear os responsáveis pelo fim do Latim nas escolas e o grande dano que isso causou. Não são poucas pessoas que atacavam o latim naquela época (tanto pessoas da direita quanto da esquerda no espectro político).

O desprezo pelo estudo do Latim chegou ao topo eclesiástico da Igreja Católica na mesma época em que as escolas secundárias do Brasil abandonavam o latim. O Dom Helder Câmara, um dos padres organizadores do Concilio Vaticano II era um profundo opositor do Latim e sua aplicação como língua oficial da Igreja. Ele foi um dos lideres do Concilio Vaticano II que mudou a Igreja Católica em vários modos.

A frase de Dom Hélder Câmara na imagem foi feita em 1965, quando os principais documentos já haviam sido aprovados. O latim mantinha-se como a língua oficial das missas, porém havendo a possibilidade de serem traduzidas na língua de cada povo se autorizadas pela Igreja. Então, a regra seria que as missas continuariam sendo em latim e a exceção dada pelo concílio era para casos especiais. O que aconteceu foi que a maioria dos clérigos conciliares votaram a favor de serem feitas missas em língua comum e o latim passou a ser praticamente ignorado nas missas, mesmo sendo a língua oficial como afirmado no próprio Concílio Vaticano II.

Não apenas satisfeitos com a tradução para o Português das missas, os Bispos do Brasil se reuniram em 1965 para votar a possibilidade de se inserir na missa no Brasil violão, batuques etc., vindos da música popular brasileira. Retirando a música sacra em latim da cena das músicas.

De modo que, imaginem o pensamento das pessoas na época: "se nem a Igreja valoriza o Latim em seus ritos, por que deveríamos nos preocupar com essa língua morta?"

A mudança da missa para as línguas de cada país foi um duro golpe no latim.

8. Estamos publicando uma série de notas em nosso Instagram @tres.vias em que procuramos nomear os responsáveis pelo fim do Latim nas escolas e o grande dano que isso causou. Não são poucas pessoas que atacavam o latim naquela época (tanto pessoas da direita quanto da esquerda no espectro político).

Um caso curioso. A Lei de Diretrizes e bases da educação estava sendo aprovada pelo congresso em 1962. O professor de latim e renomado escritor Ernesto Faria parece não ter aguentado a pressão da época. Ele que havia sido referência internacional como um grande latinista e escrito uma das gramáticas mais bem avaliadas sobre o tema. Conforme informa o jornal da época, ele tinha participado de uma reunião em que criticava a lei que iria por fim ao latim nas escolas se sentindo mal veio a falecer. Há uma suposição de que ele havia se sentido tão ultrajado com a aprovação da lei que teria tirado a própria vida com remédios em altas dozes. Mas como a imprensa na época não noticiava suicídios decidiram publicar essa pequena nota de falecimento em um canto do jornal.

Fato é que o professor Ernesto de Faria morreu no mesmo ano que o Latim no Brasil. Ele que tinha apenas 55 anos, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com quase 20 livros sobre o latim. Era respeitado intencionalmente como uma das poucas pessoas fluentes em latim e fundador da Sociedade Brasileira de Estudos Latinos.

O Brasil perdia um grande professor de latim e perdia sua educação no mesmo ano de 1962.

9. Em 1966 o Cardeal Antonio Bacci alertava sobre o problema de que as escolas no Ocidente estavam abandonando o Latim. O Cardeal era um importante membro do clero e estudioso do Latim e defensor de sua manutenção nas missas. Era meio que um antagonista de Dom Helder Câmara, que era contra o Latim.

Mas durante o Concílio Vaticano II a maioria dos Bispos votaram para que a missa mantivesse em latim, com uma ressalva de que em casos excepcionais poderiam ser traduzidas. O que ocorreu foi que os Bispos de cada país pegaram a exceção e a tornaram em regra. É por isso que no documento do Concílio Vaticano II diz que a língua da missa é o latim e em caso especial em língua do país.

O Cardeal Antonio Bacci foi professor de Latim e naquela época havia um grande número de Padres que sabiam latim na ponta da língua. Hoje é há pouco número de sacerdotes que sabem de fato o latim, e que agora não conseguem ler as fontes dos Padres da Igreja e precisam ler traduções da Patrística e da Escolástica (algumas delas distorcidas dos originais).

Fonte: 123456789


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Escola x Universidade - Instituto Hugo de São Vítor

Atual Abadia de Cluny

Escola x Universidade – Parte I

Temos universidades no Brasil? A resposta, por incrível que pareça, é não.

A academia de Platão é um exemplo de universidade. Não podemos nos confundir quanto a isso. Há uma enorme diferença entre a educação escolar e a educação universitária.

O que temos hoje em dia no Brasil são “escolas para adultos”, escolas de formação profissional. Essa educação, porém, não cumpre o propósito típico de uma universidade. Na academia de Platão, por exemplo, o aluno para poder estudar deveria ter o conhecimento de geometria, ou seja, a pessoa teria que ter passado por um conhecimento de tipo escolar. Pressupõe-se que, para ser um geômetra, o aluno já tenha sido alfabetizado, que conheça todos os grandes poetas, saiba cantar num coro, tenha participado da encenação de uma tragédia etc. Todos esses conhecimentos são adquiridos na esfera da educação escolar.

No recinto da escola, o professor que ensina determinada disciplina dispõe de um gama de preceitos que serão ensinados para que os alunos cheguem a um fim específico. O professor de matemática começa ensinando os números, a adição, a subtração, a multiplicação, divisão, logaritmo e assim por diante. Tudo isso se dá no âmbito da escola. O professor de escola normalmente está ensinando os mesmos conteúdos todos os anos e é isso que a educação escolar é e precisa ser.

No campo da universidade acontece a mesma coisa que na escola hoje em dia. Não temos mais a figura da cátedra, pois essa foi substituída pelo departamento. O que vemos nada mais é que uma “escola para adultos”, pois apenas se repete ensinamentos técnicos ano após ano.

Na universidade, portanto, não ensinamos as mesmas matérias, os mesmos conteúdos o tempo todo e o professor não repete - ou não deveria repetir - seus ensinamentos todo o semestre a cada ano. A universidade deveria ser um ambiente de ensino diferente do da escola. O problema hoje, por conseguinte, não está nas faculdades comportando-se como escola, mas está em não haver universidades genuínas.

Escola x Universidade – Parte II

O que é o ensino universitário?

O ensino universitário é como o ensino “superior” do mundo grego. A título de exemplo, a filosofia era considerada um ensino de tipo superior. Não sem fundamento até nos dias de hoje nos EUA há o título de PhD (doctor philosophiae), pois esse é o conhecimento de cunho tipicamente universitário.

O professor universitário pesquisa e publica. O que este professor, no entanto, ensina? Seria, pois, os resultados de sua pesquisa? Não!

Frequentemente um professor universitário da área do direito que ministra a disciplina de processo civil, por exemplo, irá ensinar todo o semestre a mesma coisa e repetidas vezes; mas sua pesquisa não está ligada à disciplina que ele leciona. Uma coisa é lecionar todo o ano a mesma matéria sobre o código civil, porque isto caracteriza uma tarefa de cunho escolar, porém quando este mestre está pesquisando e publicando, isto caracteriza uma atividade de cunho universitário.

Ademais, poderíamos ter uma “escola de direito” que ensine os alunos a conhecer os códigos, o ordenamento jurídico etc. A universidade, contudo, irá tratar (ou deveria tratar) dos fundamentos primeiros, das consequências últimas do direito, da justiça, das instituições etc. Isso é deveras um trabalho universitário, o qual se constitui para investigar todas essas áreas.

Hegel, por exemplo, não teria conseguido escrever sobre quase todos os assuntos se ele tivesse que ficar dando aula da mesma coisa todos os anos. Num semestre ele dava aula de filosofia do direito, no outro de estética, no outro de fenomenologia do espírito etc., e assim ele ia aplicando suas pesquisas a diferentes áreas do conhecimento, pois é isso que faz um professor universitário. Cada cadeira ministrada tornava-se um livro e assim sucessivamente.

O que acontece em nossas universidades hoje é que se confundem escola e universidade. Junto às universidades havia, antigamente, uma escola anexa para auxiliar os alunos com dificuldades em acompanhar os estudos universitários. Santo Inácio, quando estudou na universidade de Paris, morou no Colégio Santa Bárbara e tomou aulas de reforço de latim para que pudesse compreender os estudos superiores.

Escola x Universidade – Parte III

Qual é o fim da universidade?

A universidade é o lugar de busca do conhecimento universal, ou seja, um conhecimento que é aplicável a todas as coisas. Assim é uma universidade em sua essência. Hoje em dia nós temos pesquisas nas universidades; no entanto, também há nelas atividades que mais têm a ver com a atividade escolar do que com a universitária. Por causa disso, nem tudo que ocorre nas universidades nos dias de hoje pode ser chamado de atividade universitária.

A universidade é uma comunidade de doutores, e quando alguém quer tornar-se doutor, recorre a pessoas que já alcançaram esse título para que possa imitá-los e ser avaliado por eles. Enquanto houver disciplinas a serem cursadas no mestrado ou doutorado, estaremos vilipendiando aquilo que chamamos de pós-graduação. Enquanto precisarmos frequentar aulas, não teremos condições nenhuma de sermos mestres ou doutores, pois assistir a aula é uma atividade escolar. Ou seja, não há diferença entre matricular-se numa escola aos 7 anos ou num curso de doutorado, exceto quanto à complexidade dos assuntos.

Na academia de Platão fica bastante claro a divisão entre uma educação de tipo escolar e a educação de tipo universitário. Em inglês, por exemplo, temos palavras diferentes para falar da aula na escola e da aula na faculdade. A aula na escola nós chamamos “class”, enquanto uma aula na universidade é chamada de “lecture”, ou seja, na universidade se fazem leituras.

Só podemos entender o que deve ser a universidade se entendermos que o conceito de universidade vem de “universal”, ou seja, a universidade é algo que diz respeito ao que é comum a todas as coisas. Embora esse pensamento tenha sido crucial para a concepção de universidade na Idade Média, foi notavelmente pouco influente na determinação de como as universidades deveras se desenvolveram. Esse pensamento esteve presente no ensino e aprendizagem dominicanos; mas as universidades no fim da Idade Média e início do Renascimento, bem como seus currículos, foram moldados por uma variedade de influências que mudaram muito o terreno universitário.

Fonte: Parte IParte II e Parte III.


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A implausível eficácia da Matemática nas Ciências Naturais

Por EUGENE F. WIGNER Princeton University 

“A matemática, apropriadamente vista, é dotada não somente de verdade, mas de uma beleza suprema, uma beleza fria e austera, como a de uma escultura, sem suplicar a nenhuma parte de nossa fraca natureza, sem as deslumbrantes armadilhas da pintura e da música, por ora sublimemente pura e susceptível a uma severa perfeição tal qual somente a maior das artes pode revelar. O verdadeiro espírito de deleite, a exaltação, o senso de ser mais que Homem, que é o crivo da mais alta excelência, é encontrada na matemática tão seguramente quanto na poesia.” 

–BERTRAND RUSSELL, Estudo da Matemática

“e é provável que haja aqui algum segredo ainda a ser descoberto” (C. S. Peirce) 

Existe uma história a respeito de dois amigos, colegas de classe no colégio, falando sobre suas profissões. Um deles tornou-se um estatístico e estava trabalhando com estudos populacionais. Ele mostrou uma publicação ao seu antigo colega de classe. A publicação começava, como de hábito, com a distribuição gaussiana e o estatístico explicou ao colega o significado dos símbolos para a população real, para a população média e assim por diante. Seu colega se mostrava um pouco incrédulo e parecia não estar certo de que não estava sendo vítima de uma brincadeira. “Como você pode saber isso?” foi sua pergunta. “E o que é este símbolo aqui?” “Ah,” disse o estatístico, “isso é π”. “O que é isso?” “A razão entre a circunferência do círculo e seu diâmetro.” “Agora você está levando a brincadeira longe demais,” disse o colega, “certamente a população não tem nada a ver com a circunferência de um círculo.” 

Nossa inclinação natural é sorrir diante da simplicidade desse ponto de vista. No entanto, sempre que ouço essa história, sou tomado por um sentimento sinistro pois na reação do colega do estatístico não há nada mais que uma manifestação de puro e simples bom senso. Fiquei ainda mais confuso quando, alguns dias mais tarde, alguém expressou a mim seu espanto (1) com o fato de que fazemos escolhas muito restritas quando escolhemos os dados que vamos utilizar para testar nossas teorias. “Como podemos saber que não é possível, levando-se em conta o que havíamos desprezado e desprezando o que havíamos considerado, construir uma nova teoria, em tudo diferente da que temos mas que, tanto quanto ela, é capaz de explicar um grande número de fatos significativos”. Temos que admitir que não existe nenhuma evidência definitiva de que isso não é possível. 

As duas histórias precedentes ilustram duas questões principais que são o assunto do presente discurso. A primeira delas é que os conceitos matemáticos aparecem em situações totalmente inesperadas. Além disso, eles permitem, com frequência, descrições, surpreendentemente próximas e precisas, dos fenômenos em questão. A segunda é que, exatamente por causa das circunstâncias descritas e também por não entendermos as razões dessa utilidade, não podemos saber se a teoria formulada em termos desses conceitos matemáticos é a única apropriada. Estamos numa situação parecida com a do homem que recebeu um molho de chaves e que, tendo de abrir seguidamente diversas portas, sempre encontra, na primeira ou na segunda tentativa, a chave certa. Esse fato o torna cético em relação à unicidade da correspondência entre chaves e portas. 

Muito do que será dito a respeito dessas questões não será novidade; provavelmente já ocorreu, de uma forma ou de outra, para a maioria dos cientistas. Meu principal objetivo será iluminar a questão de diversos ângulos. O primeiro aspecto a ser considerado é que a enorme utilidade da matemática para as ciências naturais é algo que beira o mistério e que não pode ser racionalmente explicado. Em segundo lugar, é exatamente essa misteriosa utilidade dos conceitos matemáticos que levanta a questão da unicidade de nossas teorias físicas. Para tratar da primeira questão, que a matemática desempenha uma função na física cuja importância ultrapassa o razoável, será útil dizer alguma coisa sobre a questão “O que é a matemática?” e a seguir sobre “O que é a física?” e, em seguida, sobre como a matemática aparece nas teorias físicas e, finalmente, sobre a razão do sucesso da matemática ao tratar com a física ser tão desconcertante. Muito menos se dirá sobre a segunda questão: a unicidade das teorias físicas. Uma resposta adequada para esta questão exigiria um trabalho teórico e experimental que até hoje ainda não foi realizado. 

O que é a matemática? Alguém disse, certa vez, que filosofia é o mau uso de uma terminologia inventada exatamente com esse propósito. (2) Nessa mesma linha, eu diria que a matemática é a ciência de engenhosas operações com regras e conceitos inventados exatamente com esse propósito. A principal ênfase está na invenção dos conceitos. A matemática veria esgotar rapidamente seus teoremas interessantes se eles fossem formulados apenas em termos dos conceitos que já apareceram nos postulados. Além disso, apesar de ser inquestionável que os conceitos da matemática elementar, particularmente os da geometria elementar, são formulados para descrever entidades que são diretamente sugeridas pelo mundo real, o mesmo não parece ser verdadeiro para os conceitos mais avançados, em particular para os conceitos que desempenham um papel fundamental para a física. Assim, as regras para operar com pares de números são obviamente formuladas para fornecer os mesmos resultados que os das operações com frações que inicialmente aprendemos sem fazer referência a “pares de números”. As regras para operações com sequências, isto é, com números irracionais, ainda pertencem a categoria das regras que foram formuladas para reproduzir regras de operações de quantidades que já eram por nós conhecidas. A maior parte dos conceitos matemáticos mais avançados, tais como os números complexos, álgebras, operadores lineares, conjuntos de Borel – e a lista pode ser prolongada quase indefinidamente – foram concebidas de forma a serem entidades com as quais o matemático pode demonstrar toda sua engenhosidade e senso de beleza. De fato, a definição desses conceitos, com a percepção de que considerações engenhosas e interessantes poderiam ser a eles aplicadas, é a primeira demonstração de engenhosidade do matemático que os define. A profundidade de pensamento que entra na formulação de conceitos matemáticos é justificada, a posteriori, pela habilidade (eficácia) com que esses conceitos são utilizados. O grande matemático explora integralmente, quase implacavelmente, os domínios dos raciocínios permissíveis até o limite dos não permissíveis. Que esse atrevimento não o leve a um pântano de contradições é, em si mesmo, um milagre: é difícil de acreditar que nosso poder de raciocínio foi levado, por um processo de seleção natural Darwiniano, à perfeição que aparenta possuir. Esse não é, no entanto, o assunto de que estamos tratando. O ponto principal que terá que ser recordado mais tarde é que se o matemático não quiser que a matemática fique restrita a uns poucos teoremas interessantes, será necessário definir novos conceitos além daqueles já contidos nos axiomas, mais ainda do que isso, esses conceitos precisam ser definidos de forma a permitir hábeis operações lógicas, com forte apelo estético, tanto no que se refere as operações como também em termos de resultados de grande generalidade e simplicidade. (3)

Os números complexos fornecem um exemplo notável para o que vem a seguir. É certo que não há nada em nossa experiência que possa sugerir a introdução dessas quantidades. De fato, se pedirmos a um matemático para que justifique seu interesse por esses números ele apontará, com alguma indignação, para o grande número de belos teoremas na teoria das equações, para a teoria de séries de potências e para a teoria geral das funções analíticas cuja origem está ligada a introdução dos números complexos. O matemático não pretende abrir mão de seu interesse por essas belas criações de seu gênio. (4) 

O que é Física? O físico se interessa em descobrir as leis da natureza inanimada. Para entendermos essa afirmação é necessário analisarmos o conceito de “lei natural”. 

O mundo ao nosso redor é de desconcertante complexidade e o fato mais óbvio a seu respeito é que não podemos prever o futuro. Embora se costume dizer que somente o otimista acha o futuro incerto, o otimista está, nesse caso, certo: o futuro é imprevisível. É, como Schroedinger observou, um milagre que certas regularidades nos eventos, apesar da desconcertante complexidade do mundo, possam ser descobertas [1]. Uma dessas regularidades, descoberta por Galileu, é que duas pedras, soltas no mesmo instante, de uma mesma altura, atingem o chão simultaneamente. As leis da natureza se referem a essas regularidades. A regularidade de Galileu é um protótipo de uma grande classe delas. Por três razões, essa regularidade é surpreendente. 

A primeira razão pela qual ela é surpreendente é que ela não é verdadeira apenas em Pisa, no tempo de Galileu mas é verdadeira em todos os lugares da terra, foi verdadeira no passado e continuará, sempre, sendo verdadeira. Essa propriedade é claramente uma propriedade de invariância e, como tive a oportunidade de observar algum tempo atrás [2], sem princípios de invariância semelhantes a esse, obtido pela generalização das observações de Galileu, a física não é possível. A segunda razão para essa regularidade que estamos discutindo é surpreendente é o fato dela não depender de muitas condições que poderiam afetá-la. Chovendo ou não chovendo, sendo realizada numa sala ou na Torre Inclinada e independentemente de ser homem ou mulher a pessoa que solta a pedra, ela é válida. Continua válida também no caso das duas pedras serem soltas, simultaneamente e da mesma altura, por duas pessoas diferentes. Existem, obviamente, enumeráveis outras condições que não interferem na validade da regularidade de Galileu. A irrelevância de muitas circunstâncias que poderiam intervir num fenômeno observado também tem sido chamado de invariância [2]. Essa invariância tem, no entanto, características diferentes da anterior em virtude do fato dela não poder ser formulada como um princípio geral. A exploração das condições que afetam ou não um determinado fenômeno faz parte das pesquisas experimentais iniciais que são feitas ao se estudar de um campo. É a perícia e a argúcia do experimentador que irão indicar a ele fenômenos que dependem de um número relativamente pequeno de condições que podem ser facilmente percebidas e reproduzidas. (5) No caso presente, a restrição feita por Galileu de só trabalhar com corpos relativamente pesados, é a mais importante. Voltamos a insistir que, se não existissem fenômenos dependentes apenas de um pequeno número de condições que podemos controlar, a física não seria possível. 

Os dois pontos precedentes, embora muito significativos para o filósofo, não foram os que mais surpreenderam Galileu uma vez que eles não contém uma lei da natureza. A lei da natureza está contida na afirmação de que o intervalo de tempo necessário para um objeto pesado cair de uma determinada altura é independente do tamanho, da forma e do material de que é feito o corpo que cai. No contexto da segunda “lei” de Newton isso equivale à afirmação de que a força gravitacional que age no corpo em queda livre é proporcional a sua massa mas, independe do tamanho, da forma e do material do qual o corpo é feito. 

A discussão precedente tem a intenção de lembrar, em primeiro lugar que não é nada natural que “leis da natureza” existam e, muito menos, que o homem seja capaz de descobri-las. (6) O presente autor teve a ocasião, algum tempo atrás, de chamar a atenção para os sucessivos níveis de “leis da natureza”, cada nível contendo leis mais gerais e abrangentes do que o anterior e também para o fato de as descobertas desses níveis constituírem-se num crescente aprofundamento na estrutura do universo em relação aos níveis conhecidos anteriormente [3]. No entanto, o ponto mais importante no presente contexto é que todas essas leis da natureza, mesmo em suas mais remotas consequências, contém apenas um pequeno fragmento de nosso conhecimento da natureza inanimada. Todas as leis da natureza são afirmações condicionais que permitem, a partir do conhecimento do presente, predizer alguns eventos futuros; na realidade, apenas alguns aspectos do atual estado do mundo são necessários pois, na prática, a maioria esmagadora das condições que determinam o estado presente do mundo são, do ponto de vista da previsão, irrelevantes. A irrelevância é entendida aqui no sentido do segundo ponto da discussão do teorema de Galileu. (7) 

No que se refere ao estado presente do mundo, tal como a existência da Terra em que vivemos e onde os experimentos de Galileu foram feitos, a existência do Sol e de todos os nossos arredores, as leis da natureza nada dizem. É em consonância com isso que as leis da natureza só podem ser utilizadas para predizer eventos futuros sob circunstâncias excepcionais – quando todos os fatores que determinam o presente estado do mundo são conhecidos. É também em consonância com isso que a construção de máquinas cujo funcionamento podemos prever, constitui as mais espetaculares realizações dos físicos. Nessas máquinas, o físico cria uma situação em que todas as coordenadas relevantes são conhecidas de tal forma que o comportamento da máquina pode ser predito. Radares e reatores nucleares são exemplos desse tipo de máquinas. 

O principal propósito da presente discussão é salientar o fato de que as leis da natureza são afirmações condicionais e que se relacionam apenas com uma parte muito pequena de nosso conhecimento do mundo. Assim, a mecânica clássica, que é o mais conhecido protótipo de todas as teorias físicas, dá, a partir do conhecimento das posições, etc. dos corpos, as derivadas segundas das coordenadas de posição de todos esses corpos. Não dá porém, nenhuma informação sobre a existência, as posições no momento, nem da velocidade desses corpos. A bem da precisão precisamos mencionar que aprendemos, há mais ou menos trinta anos, que mesmo as afirmações condicionais não podem ser completamente precisas: as afirmações condicionais são leis de probabilidade que somente nos capacitam a fazer apostas inteligentes, fundadas em nosso conhecimento do presente, sobre as propriedades que o mundo inanimado terá no futuro. Elas não nos permite fazer afirmações categóricas, nem mesmo afirmações condicionais categóricas, fundadas em nosso conhecimento do presente. A natureza probabilística das “leis da natureza” se manifesta também no caso das máquinas, pelo menos no caso dos reatores nucleares quando os fazemos funcionar com potências muito baixas isso pode ser verificado. Todavia essa limitação adicional ao escopo das leis da natureza, (8) imposta pela sua natureza probabilística, não desempenhará papel algum no resto de nossa discussão. 

O Papel da Matemática nas Teorias Físicas. Após havermos analisado aspectos essenciais da matemática e da física, devemos estar em melhor posição para discutir o papel da matemática nas teorias físicas. 

É, naturalmente, corriqueiro o uso da matemática na física para calcular os resultados das aplicações das leis da natureza, isto é, para aplicar as afirmações condicionais às particulares condições que prevalecem no momento ou àquelas em que tivermos interesse. Para que isso seja possível, as leis da natureza precisam já estar formuladas em linguagem matemática. No entanto, a função de calcular as consequências de teorias já estabelecidas não é o papel mais importante da matemática na física. à matemática, ou melhor, à matemática aplicada não desempenha o principal papel nessa função: ela é apenas uma ferramente auxiliar. 

A matemática, todavia, desempenha um papel bem mais importante em física. Isso já estava implícito quando afirmamos, ao discutir o papel da matemática aplicada, que as leis da natureza já deviam estar formuladas em linguagem matemática para poderem ser por ela utilizadas. A afirmação de que as leis da natureza são escritas em linguagem matemática já foi feita, muito adequadamente, trezentos anos atrás; (9) essa afirmação é agora ainda mais verdadeira do que jamais foi. Para mostrar a importância que os conceitos matemáticos têm na formulação das leis físicas, vamos, como um exemplo, recordar os axiomas da mecânica quântica formulados, de forma explícita, pelo grande matemático von Neumann, ou, implicitamente, pelo grande físico Dirac [4,5]. Existem dois conceitos básicos em mecânica quântica: estados e observáveis. Os estados são vetores num espaço de Hilbert e os observáveis são operadores auto-adjuntos nesse espaço. Os possíveis valores das observações são os valores característicos dos operadores – é, no entanto, melhor parar por aqui para não termos que fazer uma lista de conceitos matemáticos criados pela teoria dos operadores. 

É claro que é verdade que a física escolhe certos conceitos matemáticos para formular as leis da natureza e, certamente, apenas uma pequena fração desses conceitos é utilizada na física. Também é verdade que eles não foram escolhidos, de forma arbitrária, entre os conceitos que figuram numa lista de termos matemáticos mas, ao contrário, foram, em muitos casos, se não na maioria deles, desenvolvidos, de forma independente pelo físico e, somente a posteriori, reconhecidos como tendo sido concebidos previamente pelo matemático. Não é verdade, porem, como é afirmado com frequência, que isso teria que acontecer porque a matemática utiliza os conceitos mais simples possíveis e, em virtude disso, eles teriam que aparecer em qualquer formalismo. Como já vimos, os conceitos matemáticos não são escolhidos por sua simplicidade conceitual – mesmo sequência de pares de números estão muito longe de estar entre os conceitos mais simples – e sim por se prestarem a manipulações astutas e a argumentos brilhantes. Não devemos esquecer que o espaço de Hilbert da mecânica quântica é um espaço sobre os números complexos com produto escalar Hermitiano. Certamente para o espírito despreocupado, os números complexos estão longe de ser naturais e simples e não podem ser sugeridos por observações físicas. Além disso, o uso de números complexos não é, nesse caso, um truque computacional de matemática aplicada mas se aproxima de uma necessidade na formulação das leis da mecânica quântica. Finalmente, começa agora a parecer que as chamadas funções analíticas estão destinadas a desempenhar papel decisivo na formulação da teoria quântica. Estou me referindo ao rápido desenvolvimento da teoria das relações de dispersão. 

É difícil evitar a impressão de que nos defrontamos aqui com um milagre, que pela sua surpreendente natureza, se compara com outro que é a capacidade que a mente humana tem de encadear mil argumentos sem cair em contradição ou ainda a dois outros que são a existência das leis da natureza e a capacidade da mente humana de adivinhá-las. Que eu saiba, a observação que mais se aproxima de uma explicação para o fato dos conceitos de matemática aparecerem tanto em física foi feita por Einstein que afirmou que as únicas teorias físicas que estamos dispostos a aceitar são as bonitas. Resta argumentar que os conceitos matemáticos, que convidam ao exercício de tanta argúcia, tem a qualidade de beleza. No entanto, a observação de Einstein pode, na melhor das hipóteses, explicar propriedades de teorias que queremos aceitar mas, ela não faz referência à precisão intrínseca dessas teorias. Retornaremos, mais tarde a essa questão. 

O Sucesso das Teorias Físicas é Realmente Surpreendente? Uma possível forma de explicar o uso que o físico faz da matemática para formular suas leis da natureza é que ele é uma pessoa até certo ponto irresponsável. Por causa disso, quando ele encontra uma conexão entre duas quantidades que se assemelha a uma conexão já conhecida em matemática ele conclui imediatamente, que a conexão da física é a da matemática já que ele não conhece nenhuma outra similar. Não pretendemos aqui refutar essa acusação de certa irresponsabilidade por parte do físico. Pode ser que ele seja assim. É, no entanto, importante observar que a formulação matemática de uma experiência física, às vezes rudimentar, leva, um número surpreendente de vezes, a uma descrição extraordinariamente precisa de uma classe muito grande de fenômenos. Isso mostra que a linguagem matemática tem mais a recomendá-la do que ser a única linguagem que sabemos utilizar; mostra num sentido muito real que é a linguagem correta. Vamos examinar alguns exemplos. 

O primeiro exemplo, frequentemente citado, é o do movimento planetário. As leis dos corpos em queda livre ficaram muito bem estabelecidas em consequência de experiências efetuadas principalmente na Itália. Essas experiências, em parte por causa do efeito causado pela resistência do ar e, em parte, pela impossibilidade que se tinha na época de medir intervalos de tempo muito pequenos, não poderiam ter sido muito precisas. Entretanto, não causa grande surpresa que os cientistas naturais italianos tenham adquirido familiaridade com a forma como os objetos se movimentam através da atmosfera. Foi Newton quem relacionou a lei que rege os objetos em queda livre com o movimento da Lua, notou que a parábola descrita pela pedra atirada na Terra e a trajetória circular da Lua no céu são casos particulares de um mesmo objeto matemático e, apoiado apenas numa única e, na época, pouco precisa coincidência numérica, formulou e postulou a lei da gravitação universal. Do ponto de vista filosófico, a lei de gravitação, da forma como foi formulada por Newton, era repugnante não apenas a seu tempo mas também a si próprio. Baseava-se em observações empíricas muito escassas. A linguagem matemática na qual era formulada continha o conceito de segunda derivada e aqueles de nós que já tentaram desenhar um círculo osculador de uma curva sabem que uma segunda derivada não é um conceito muito imediato. A lei de gravitação que Newton estabeleceu de forma tão relutante e que foi capaz de verificar com precisão de aproximadamente 4% provou ser correta dentro de uma aproximação de um sobre dez mil por cento e tornou-se tão associada a idéia de exatidão absoluta que apenas recentemente os físicos adquiriram coragem para questionar os limites dessa exatidão. (10) Sem dúvida, o exemplo da lei de Newton, citado tão frequentemente, deve ser o primeiro a ser mencionado como um exemplo monumental de uma lei formulada em termos que parecem simples para um matemático e que mostrou uma precisão além de qualquer expectativa razoável. Vale a pena recapitular nossa tese nesse exemplo: em primeiro lugar a lei, particularmente por conter uma derivada segunda, é simples apenas para o matemático e não para o senso comum ou para uma mente não matemática; em segundo lugar é uma lei condicional de escopo muito limitado. Ela não explica nada sobre a Terra que atrai as pedras lançadas por Galileu ou sobre a órbita circular da Lua ou sobre os planetas do Sol. A explicação dessas condições iniciais é relegada ao geólogo e ao astrônomo que enfrentam, com isso, grandes dificuldades. 

O segundo exemplo refere-se a mecânica quântica elementar. Originou-se com a observação feita por Max Born de que algumas regras de cálculo formuladas por Heisenberg eram formalmente idênticas a regras de cálculo com matrizes, estabelecidas muito antes, pelos matemáticos. Born, Jordan e Heisenberg propuseram então substituir a posição e o momento nas equações da mecânica clássica por variáveis matriciais [6]. Eles aplicaram as regras da mecânica matricial a uns poucos problemas, altamente idealizados, e os resultados foram bem satisfatórios. Entretanto, não havia naquela época nenhuma evidência racional de que essa mecânica matricial pudesse, em condições mais realistas, vir a ser correta. Eles, de fato, se perguntaram: “A mecânica, da forma proposta, em seus traços essenciais, não poderia estar correta?” Na realidade, a primeira aplicação dessa mecânica a um problema real, o do átomo de hidrogênio, foi feita, alguns meses mais tarde, por Pauli. Essa aplicação forneceu resultados concordantes com a experiência. Isso era satisfatório mas ainda compreensível porque as regras de cálculo de Heisenberg foram formuladas a partir de problemas que incluíam a antiga teoria do átomo de hidrogênio. O verdadeiro milagre ocorreu apenas quando a mecânica matricial, ou uma teoria matematicamente equivalente, foi aplicada a problemas para os quais as regras de cálculo de Heisenberg não faziam sentido. As regras de Heisenberg tinham como pressuposto que as equações clássicas do movimento tivessem soluções com certas propriedades de periodicidade. Com dois elétrons, no caso do átomo de hélio, ou um número ainda maior quando se trata de átomos mais pesados, as equações do movimento não têm essas propriedades e portanto as regras de Heisenberg não podem ser aplicadas. No entanto, o cálculo feito no nível mais baixo de energia do hélio, feito alguns meses atrás por Kinoshita em Cornell e por Bazley no Bureau of Standards, concorda com os dados experimentais dentro dos limites de precisão da observação que é de um sobre dez milhões. Desta vez, tiramos das equações, algo que, certamente, não havíamos posto nelas. 

O mesmo é verdadeiro em relação as características qualitativas dos “espectros complexos”, isto é, dos espectros dos átomos mais pesados. Desejo relatar uma conversa com Jordan que me contou, na época em que as propriedades qualitativas dos espectros foram deduzidas, que uma discordância entre as regras derivadas da teoria da mecânica quântica e as regras estabelecidas por pesquisa empírica, teriam fornecido uma última oportunidade para fazer uma mudança na mecânica matricial. Em outras palavras, Jordan sentiu que teríamos ficado, pelo menos temporariamente, perdidos caso houvesse ocorrido um inesperado desacordo na teoria do átomo de hélio. A verificação da concordância foi feita, na época, por Kellner e Hilleraas. O formalismo matemático era muito claro e imutável de forma que, não houvesse ocorrido o milagre descrito anteriormente com o hélio, uma verdadeira crise estaria instalada. Certamente, de uma forma ou de outra a física teria superado essa crise. Por outro lado é verdade que a física como a conhecemos hoje não seria possível sem a constante repetição de milagres similares ao do átomo de hélio que é provavelmente o mais extraordinário que ocorreu no desenvolvimento da mecânica quântica elementar, mas está muito longe de ser o único. De fato esse número de milagres só é limitado por nossa disposição de buscar outros. A mecânica quântica teve muitos outros sucessos, quase igualmente extraordinários, o que nos dá a firme convicção de que ela é, o que chamamos, correta. 

O último exemplo é o da eletrodinâmica quântica, ou a teoria do deslocamento de Lamb. Enquanto a teoria da gravitação de Newton ainda estava obviamente ligada a experiência, esta só participa da formulação da mecânica matricial de uma forma muito refinada ou sublimada através das prescrições de Heisenberg. A teoria quântica do deslocamento de Lamb da forma concebida por Bethe e estabelecida por Schwinger é uma teoria puramente matemática e a única contribuição experimental direta foi a demonstração da existência de um efeito mensurável. A concordância com os cálculos é melhor do que uma parte em mil. 

Os três exemplos precedentes, que poderiam ser aumentados quase indefinidamente, devem ilustrar a propriedade e a precisão da formulação matemática das leis da natureza em termos dos conceitos escolhidos pela sua manipulabilidade, sendo as “leis da natureza” de uma precisão quase fantástica mas de escopo estritamente limitado. Proponho chamar de lei empírica da epistemologia as observações que esses exemplos ilustram. Ela forma, junto com as leis de invariância das leis físicas, a indispensável fundamentação dessas teorias. Sem as leis de invariância as teorias físicas não poderiam ser fundamentadas com fatos; se a lei empírica da epistemologia não fosse correta teríamos falta de estímulo e segurança que são necessidades emocionais sem as quais as “leis da natureza” não poderiam ter sido exploradas com sucesso. O Dr. R. G. Sachs com quem discuti a lei empírica da epistemologia chamou-a de artigo de fé do físico teórico e, sem dúvida nenhuma, é isso mesmo que ela é. No entanto, o que ele chamou de nosso artigo de fé pode ser ilustrado por exemplos verdadeiros – muitos outros exemplos além dos três que mencionamos. 

A Unicidade das Teorias Físicas. A natureza empírica da observação anterior me parece óbvia. Ela certamente não é uma “necessidade do pensamento” e não deveria ser necessário para provar isso apelar para o fato de que ela somente se aplica a uma pequena parte do nosso conhecimento do mundo inanimado. É absurdo acreditar que a existência de expressões matemáticas simples para a derivada segunda da (função) posição é evidente quando nenhuma expressão similar para a posição ou para a velocidade existem. É, portanto, muito surpreendente a presteza com que o maravilhoso presente contido na lei empírica da epistemologia foi dado como evidente. A habilidade da mente humana, já mencionada anteriormente, de encadear mil argumentos de forma “correta” é um dom similar. 

Toda lei empírica tem a inquietante qualidade de não se conhecer suas limitações. Vimos que existem regularidades nos eventos do mundo que nos cerca que podem ser formuladas em termos de conceitos matemáticos com incrível precisão. Existem, por outro lado, aspectos do mundo em relação aos quais não acreditamos na existência de regularidades precisas. Esses aspectos recebem o nome de condições iniciais. A questão que se apresenta é se essas diferentes regularidades, isto é, as diferentes leis da natureza que serão descobertas irão se fundir numa única unidade consistente ou se, pelo menos, se aproximarão assintoticamente dessa fusão. Por outro lado é possível que sempre existam algumas leis da natureza que não tenham nada em comum umas com as outras. No presente, isso ocorre, por exemplo, com as leis da hereditariedade e as da física. É até mesmo possível que algumas leis da natureza, em suas implicações estejam em conflito umas com as outras mas que sejam tão convincentes em seus próprios domínios que não se queira abandoná-las. Podemos nos resignar a esse estado de coisas ou ainda mais, nosso interesse em resolver esse conflito entre as diversas teorias, pode desaparecer. Podemos perder nosso interesse pela “verdade última”, isto é, um panorama que seja a fusão consistente das diversas imagens locais formadas por cada um dos diversos aspectos da natureza. 

Pode ser útil ilustrar as alternativas por um exemplo. Temos agora, em física duas teorias de grande poder e interesse: a teoria dos fenômenos quânticos e a teoria da relatividade. Essas teorias tem suas raízes em grupos de fenômenos mutuamente exclusivos. A teoria da relatividade se aplica a corpos macroscópicos como, por exemplo, estrelas. O evento de coincidência, que é em última análise uma colisão, é o evento primitivo na teoria da relatividade e define um ponto no espaço-tempo, ou, pelo menos, definiria um ponto se as partículas em colisão forem infinitamente pequenas. A teoria quântica tem suas raízes no mundo microscópico e, de seu ponto de vista, o evento de coincidência, ou de colisão, mesmo que ele ocorra entre partículas sem extensão espacial, não é primitivo e de forma alguma nitidamente isolado no espaço-tempo. As duas teorias utilizam conceitos matemáticos diferentes – um espaço Riemanniano de dimensão 4 e um espaço de Hilbert de dimensão infinita, respectivamente. Até agora, as duas teorias não puderam ser reunidas, isto é, não existe nenhuma formulação matemática da qual ambas as teorias sejam aproximações. Todos os físicos acreditam que a união das duas teorias é inerentemente possível e que iremos conseguir fazê-la. No entanto, é possível também imaginar que nenhuma união das duas teorias possa ser encontrada. O exemplo que demos ilustra as duas possibilidades anteriormente mencionadas, união e conflito, ambas concebíveis. 

Para conseguirmos uma indicação de qual das alternativas devemos esperar que aconteça podemos fingir que somos um pouco mais ignorantes do que realmente somos e nos colocarmos num nível de conhecimento abaixo do que realmente possuímos. Se pudermos encontrar uma fusão de nossas teorias nesse nível mais baixo de conhecimento poderemos ficar confiantes de que encontraremos também uma fusão no nível do nosso conhecimento real. Por outro lado, se chegarmos, nesse nível mais baixo, a teorias mutuamente contraditórias não poderemos descartar a possibilidade de que as teorias permaneçam conflitantes no nível mais alto. O nível de conhecimento e de engenhosidade é uma variável contínua e é pouco provável que pequenas variações dessa variável transforme a imagem que podemos ter do universo de inconsistente para consistente. (11) Considerado desse ponto de vista, o fato de que algumas das teorias que sabemos serem falsas fornecerem resultados tão incrivelmente precisos, é um fator adverso. Se tivéssemos um conhecimento um pouco menor, o grupo de fenômenos que essas teorias “falsas” explicam pareceria para nós suficientemente grande para “prová-las”. No entanto, consideramos essas teorias falsas pelo fato de que elas são, em última análise, incompatíveis em contextos mais abrangentes e, se um número suficiente dessas teorias falsas fosse descoberto, elas poderiam também estar em conflito, umas com as outras. De maneira similar, é possível que as teorias que consideramos “provadas” por um número de concordâncias numéricas que aparenta ser suficientemente grande, sejam falsas por estarem em conflito com teorias mais abrangentes mas que estejam fora do alcance de nossas descobertas. Se isso for verdade deveremos esperar conflitos entre nossas teorias, sempre que seu número cresça além de um certo ponto e assim que abranjam um número suficientemente grande de grupos de fenômenos. Em contraste com o artigo de fé mencionado anteriormente, este é o pesadelo do físico teórico. 

Vamos considerar alguns exemplos de teorias “falsas” que, em vista de sua falsidade, fornecem descrições alarmantemente precisas de alguns grupos de fenômenos. Com alguma boa vontade é possível descartar algumas da evidências que esses exemplos fornecem. As idéias iniciais e pioneiras de Bohr sobre o átomo nunca tiveram grande sucesso e o mesmo pode ser dito dos epiciclos de Ptolomeu. Nossa posição privilegiada possibilita uma descrição precisa de todos esses fenômenos que essas teorias primitivas não tinham condições de oferecer. Isso não é verdade para a, assim chamada, teoria do elétron livre que fornece uma descrição incrivelmente boa de muitas, senão de todas, as propriedades dos metais, dos semicondutores e isolantes. Em particular, ela explica o fato, nunca adequadamente compreendido pela “teoria real”, de que isolantes exibem uma resistência a corrente elétrica que pode chegar a ser 10^26 vezes maior do que aquela dos metais. Não existe, de fato, nenhuma evidência experimental para mostrar que a resistência não é infinita sob as condições em que a teoria do elétron livre nos leva a crer que ela seria infinita. Apesar disso, estamos convencidos de que a teoria do elétron livre é uma aproximação muito crua e que deveria, ao descrevermos todos os fenômenos referentes aos sólidos, ser substituída por algo mais adequado. 

Vista do nosso ponto de vista privilegiado, a situação apresentada pela teoria do elétron livre é irritante mas é improvável que ela venha a apresentar alguma inconsistência que não possa ser superada. Essa teoria coloca em dúvida a importância que se deve atribuir, ao se verificar a correção de uma teoria, a concordância que ela tem com a experiência. Já nos acostumamos a essas dúvidas. 

Ocorreria uma situação muito mais difícil e confusa se pudéssemos, algum dia, estabelecer uma teoria de fenômenos da consciência ou da biologia que fosse tão coerente e convincente como nossas atuais teorias do mundo inanimado. As leis de Mendel da hereditariedade e o trabalho subsequente em genes podem muito bem se tornar o começo dessa teoria no que se refere à biologia. Além disso, é muito possível que possa ser encontrado um argumento abstrato que mostre a existência de um conflito entre essa teoria e os princípios aceitos pela física. O argumento poderia ser de uma natureza tão abstrata que não permitisse resolver o conflito, através da experiência, em favor de uma das teorias. Tal situação traria um grande abalo na fé que temos em nossas teorias e na crença da realidade de nossas concepções. Traria também um profundo senso de frustração em nossa procura pelo que chamamos de “derradeira verdade”. O que faz com que essa situação seja concebível é o fato de, na realidade, não sabermos a razão pela qual nossas teorias funcionam tão bem. O fato de fornecerem resultados precisos não é prova de sua veracidade nem de sua consistência. Na realidade, o autor acredita que, se compararmos as atuais leis da hereditariedade e as da física, algo muito próximo da situação descrita acima ocorrerá. 

Permitam-me terminar num tom mais animador. O milagre da eficiência da linguagem matemática para formular as leis físicas é algo que nem merecemos nem entendemos. Deveríamos ser gratos por ele ocorrer e esperar que continue válido na pesquisa futura e que se estenda, para o bem ou para o mal, para o nosso prazer ou talvez para o nosso espanto, à amplas áreas do conhecimento. 

O autor deseja manifestar sua gratidão ao Dr. M. Polanyi que, muitos anos atrás, influenciou profundamente seu pensamento em problemas de epistemologia, e a V. Bargmann cuja amigável crítica foi importante para atingir a clareza que possa ter sido atingida. É também muito grato a A. Shimony por ter revisto o presente artigo e chamado sua atenção para os artigos de C. S. Peirce. 

Notas:

(1) A observação a ser citada foi feita a mim por F. Werner na época em que era estudante em Princeton.

(2) Essa afirmação foi retirada de W. Dubislav’s Die Philosophie der mathematik in der Gegenwart. Junker und Dunnhaupt Verlag, Berlin, 1932, pág. 1.

(3) M. Polanyi em seu Personal Knowledge, University of Chicago Press, 1958 diz: “Todas essas dificuldades não são nada além de consequências de nossa recusa em ver que a matemática não pode ser definida sem levar em conta sua mais óbvia característica: isto é, que ela é interessante,” (página 188). 

(4) O leitor pode estar interessado, com relação a isso, nas observações muito irritadas de Hilbert em relação ao intuicionismo “que procura fracionar e desfigurar a matemática”, Abh. Math. Sem. Univ. Hamburg, vol 157, 1922 ou Gesammelte Werke, Springer, Berlin, 1935, página 188.

(5) Veja a esse respeito, o ensaio gráfico de M. Deutsch, Daedalus, Vol. 87, 1958, pág. 86. A Shimony chamou minha atenção para uma passagem semelhante em C. S. Peirce’s Essays in the Philosophy of Science, The Liberal Arts Press, New York, 1957 (pág. 237). 

(6) E. Schroedinger, em What is Life, Cambridge University Press, 1945, diz que esse segundo milagre pode, muito bem, estar além da compreensão humana (pág. 31). 

(7) O autor está seguro de que é desnecessário mencionar que o teorema de Galileu, como foi abordado no texto, não exaure o conteúdo das observações de Galileu relativas às leis dos corpos em queda livre.

(8) Veja, por exemplo, E. Schroedinger, referência [1]. 

(9) Essa afirmação é atribuída a Galileu. 

(10) Veja, por exemplo, R. H. Dicke, American Scientist, Vol. 25, 1959.

(11) Essa passagem foi escrita após muita hesitação. O autor está convencido de que é útil, em discussões epistemológicas, abandonar a idealização de que o nível da inteligência humana tem uma posição singular numa escala absoluta. E em alguns casos, pode até mesmo ser útil considerar as realizações possíveis no nível de inteligência de outras espécies. No entanto, o autor tem consciência de que suas reflexões seguindo as linhas sugeridas pelo texto são muito breves e foram insuficientemente criticadas para serem confiáveis. 

The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences,” in Communications in Pure and Applied Mathematics, vol. 13, No. I (February 1960). New York: John Wiley & Sons, Inc. Copyright © 1960 by John Wiley & Sons, Inc

Fonte: https://www.ime.usp.br/~pleite/pub/artigos/wigner/eficacia_da_matematica.pdf

Bilíngue: https://www.ime.usp.br/~pleite/pub/artigos/wigner/wigner_bilingue.pdf


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