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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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Boécio e Cassiodoro

Cassiodoro, em um manuscrito
do século XII
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 12 de Março de 2008

Boécio e Cassiodoro

Amados irmãos e irmãs

Hoje, gostaria de falar de dois escritores eclesiásticos, Boécio e Cassiodoro, que viveram nos anos mais atormentados do Ocidente cristão e, em particular, da península itálica. Odoacre, rei dos Erulos, uma etnia germânica, revoltou-se, pondo fim ao império romano do Ocidente (a. 476), mas depressa teve que sucumbir aos Ostrogodos de Teodorico, que por algumas décadas mantiveram o controle da península itálica. Boécio nasceu em Roma por volta do ano 480, da nobre linhagem dos Anísios, e entrou ainda jovem na vida pública, alcançando já com vinte e cinco anos de idade o cargo de senador. Fiel à tradição da sua família, comprometeu-se na política, convencido de que se podiam conciliar as linhas fundamentais da sociedade romana com os valores dos novos povos. E neste novo tempo do encontro das culturas, considerou como sua missão reconciliar e unir estas duas culturas, a clássica romana com a cultura nascente do povo ostrogodo. Foi igualmente activo na política, mesmo sob Teodorico, que nos primeiros tempos o estimava muito. Apesar desta actividade pública, Boécio não descuidou os estudos, dedicando-se em particular ao aprofundamento de temas de ordem filosófico-religiosa. Mas escreveu também manuais de aritmética, de geometria, de música e de astronomia: tudo com a intenção de transmitir às novas gerações, aos novos tempos, a grande cultura greco-romana. Neste âmbito, ou seja, no empenho de promoção do encontro das culturas, utilizou as categorias da filosofia grega para propor a fé cristã, também aqui em busca de uma síntese entre o património greco-romano e a mensagem evangélica. Precisamente por isto, Boécio foi qualificado como o último representante da cultura romana antiga e um dos primeiros intelectuais medievais.

Sem dúvida, a sua obra mais conhecida é o De consolatione philosophiae, que ele compôs no cárcere para dar um sentido ao seu aprisionamento injusto. Com efeito, fora acusado de conspiração contra o rei Teodorico, por ter assumido a defesa em juízo de um amigo, o senador Albino. Mas este era um pretexto: na realidade Teodorico, ariano e bárbaro, suspeitava que Boécio tivesse simpatias pelo imperador bizantino Justiniano. De facto, processado e condenado à morte, foi justiçado no dia 23 de Outubro de 524, com apenas 44 anos. Precisamente por este seu fim dramático, ele pode falar do interior da sua experiência também ao homem contemporâneo e sobretudo às numerosas pessoas que padecem a sua mesma sorte por causa da injustiça presente em muitas partes da "justiça humana". Neste obra, no cárcere busca a consolação, a luz, a sabedoria. E diz que soube distinguir, precisamente em tal situação, entre os bens aparentes na prisão eles desaparecem e os bens verdadeiros, como a amizade autêntica que mesmo na prisão não desaparecem. O bem mais excelso é Deus: Boécio aprendeu e ensina-nos a não cair no fatalismo, que apaga a esperança. Ele ensina-nos que não é o caso que governa, mas sim a Providência, e que ela tem um rosto. Pode-se falar com a Providência, porque Ela é Deus. Assim, também no cárcere lhe permanece a possibilidade da oração, do diálogo com Aquele que nos salva. Ao mesmo tempo, também nesta situação, ele conserva o sentido da beleza da cultura e evoca o ensinamento dos grandes filósofos antigos gregos e romanos, como Platão, Aristóteles, começara a traduzir estes gregos em latim Cícero, Sêneca e inclusive poetas como Tibulo e Virgílio.

A filosofia, no sentido da busca da verdadeira sabedoria, é segundo Boécio o autêntica remédio da alma (cf. lib. I). Por outro lado, o homem pode experimentar a verdadeira felicidade unicamente na sua interioridade (cf. lib II). Por isso, Boécio consegue encontrar um sentido, pensando na sua tragédia pessoal à luz de um texto sapiencial do Antigo Testamento (cf. Sb 7, 30-8, 1), que ele cita: "Contra a sabedoria, a maldade não pode prevalecer. Ela estende-se de um confim ao outro com força e governa com bondade excelente todas as coisas" (lib III, 12: PL 63, col. 780). A chamada prosperidade dos malvados, portanto, revela-se falsa (cf. lib. IV) e evidencia-se a natureza providencial da adversa fortuna. As dificuldades da vida não somente revelam como ela é efémera e de breve duração, mas chegam a demonstrar-se úteis para reconhecer e manter os relacionamentos genuínos entre os homens. A adversa fortuna permite, efectivamente, discernir os amigos falsos dos verdadeiros e faz compreender que nada é mais precioso para o homem que uma amizade autêntica. Aceitar de modo fatalista uma condição de sofrimento é absolutamente perigoso, acrescenta o crente Boécio, porque "elimina pela raiz a própria possibilidade da oração e da esperança teologal, que se encontram na base da relação do homem com Deus" (lib. V, 3: PL 63, col. 842).

A peroração final do De consolatione philosophiae pode ser considerada uma síntese de todo o ensinamento que Boécio dirige a si mesmo e a todos aqueles que viessem a encontrar-se nas suas mesmas condições. Assim escreve na prisão: "Combatei portanto os vícios, dedicai-vos a uma vida virtuosa, orientada pela esperança que eleva o coração a ponto de alcançar o céu com as orações alimentadas de humildade. A imposição que padecestes pode transformar-se, se rejeitardes a mentira, na enorme vantagem de ter sempre diante dos olhos o juiz supremo que vê e sabe como as coisas verdadeiramente são" (lib. V, 6: PL 63, col. 862). Cada prisioneiro, independentemente do motivo pelo qual terminou no cárcere, intui como é pesada esta particular condição humana, sobretudo quando é embrutecida, como acontece com Boécio, pelo recurso à tortura. Particularmente absurda é, além disso, a condição de quem, ainda como Boécio que a cidade de Pavia reconhece e celebra na liturgia como mártir da fé, é torturado mortalmente, sem qualquer motivo que não seja o das suas próprias convicções ideais, políticas e religiosas. Boécio, símbolo de um número imenso de aprisionados injustamente de todos os tempos e de todas as latitudes, é com efeito a objectiva porta de entrada para a contemplação do misterioso Crucificado no Gólgota.

Contemporâneo de Boécio foi Marcos Aurélio Cassiodoro, um calabrês nascido em Squillace por volta do ano 485, que faleceu em idade avançada em Vivarium, por volta de 580. Também ele, homem de alto nível social, se dedicou à vida política e ao compromisso cultural como poucos outros no ocidente romano do seu tempo. Talvez os únicos que podiam comparar-se com ele neste seu dúplice interesse foram o já recordado Boécio e o futuro Papa de Roma, Gregório Magno (590-604). Consciente da necessidade de não deixar esquecer todo o património humano e humanístico, acumulado nos séculos de ouro do império romano, Cassiodoro colaborou generosamente, e nos níveis mais elevados da responsabilidade política, com os novos povos que tinham atravessado os confins do império, estabelecendo-se na Itália. Também ele foi modelo de encontro cultural, de diálogo de reconciliação. As vicissitudes históricas não lhe permitiram realizar os seus sonhos políticos e culturais, que visavam criar uma síntese entre a tradição romano-cristã da Itália e a nova cultura gótica. Porém, aquelas mesmas vicissitudes convenceram-no da providencialidade do movimento monástico, que se ia confirmando nas terras cristãs. Decidiu apoiá-lo, dedicando-lhe todas as suas riquezas materiais e forças espirituais.

Concebeu a ideia de confiar precisamente aos monges a tarefa de recuperar, conservar e transmitir à posteridade o imenso património cultural dos antigos, para que não se perdesse. Por isso, fundou o Vivarium, um cenóbio no qual tudo era organizado de tal maneira que o trabalho intelectual dos monges fosse considerado extremamente precioso e irrenunciável. Ele dispôs que também os monges que tinham uma formação intelectual não deviam ocupar-se somente do trabalho material, da agricultura, mas também transcrever manuscritos e assim contribuir para transmitir a grande cultura às gerações vindouras. E isto sem qualquer desvantagem para o compromisso espiritual, monástico e cristão, nem para a actividade caritativa aos pobres. No seu ensinamento, distribuído em várias obras, mas sobretudo no tratado De anima e nas Institutiones divinarum litterarum, a oração (cf. PL 69, col. 1108), nutrida pela Sagrada Escritura e particularmente pela leitura assídua dos Salmos (cf. PL 69, col. 1149), tem sempre uma posição central como alimento necessário para todos. Eis, por exemplo, como este doutíssimo calabrês introduz a sua Expositio in Psalterium: "Rejeitando e abandonando em Ravena as solicitações da carreira política assinalada pelo sabor amargo das preocupações mundanas, e tendo experimentado o Saltério, livro descido do céu como autêntico mel da alma, mergulhei ávido como um sedento para o perscrutar sem cessar e para me deixar permear inteiramente por esta docilidade salutar, depois de me ter saturado das numerosas amarguras da vida activa" (PL 70, col. 10).

A busca de Deus, orientada para a sua contemplação anota Cassiodoro permanece a finalidade permanente da vida monástica (cf. PL 69, col. 1107). Porém, ele acrescenta que, com a ajuda da graça divina (cf. PL 69, col. 1131-1142), uma melhor fruição da Palavra revelada pode ser alcançada através da utilização das conquistas científicas e dos instrumentos culturais "profanos" já possuídos pelos Gregos e pelos Romanos (cf. PL 69, col. 1140). Pessoalmente, Cassiodoro dedicou-se a estudos filosóficos, teológicos e exegéticos sem uma particular criatividade, mas atento às intuições que reconhecia válidas nos outros. Lia com respeito e devoção, sobretudo Jerónimo e Agostinho. Deste último, dizia: "Em Agostinho, há tanta riqueza que me parece impossível encontrar algo que não tenha já sido tratado abundantemente por ele" (cf. PL 70, col. 10). Citando Jerónimo, ao contrário, exortava os monges de Vivarium: "Alcançam a palma da vitória não somente aqueles que lutam até à efusão do sangue ou que vivem na virgindade, mas também todos aqueles que, com a ajuda de Deus, vencem os vícios do corpo e conservam a recta fé. Mas para que possais, sempre com a ajuda de Deus, vencer mais facilmente as solicitações do mundo e as suas seduções, permanecendo nele como peregrinos continuamente a caminho, procurai acima de tudo garantir para vós a ajuda salutar sugerida pelo primeiro Salmo, que recomenda meditar a lei do Senhor noite e dia. Com efeito, o inimigo não encontrará qualquer passagem para vos assaltar, se toda a vossa atenção for ocupada por Cristo" (De Institutiones Divinarum Scripturarum, 32: PL 70, col. 1147). É uma admoestação que podemos acolher como válida também para nós. De facto, agora vivemos num tempo de encontro de culturas, de perigo da violência que destrói as culturas e do necessário compromisso de transmitir grandes valores e de ensinar às novas gerações o caminho da reconciliação e da paz. Encontramos este caminho, orientando-nos para Deus com o rosto humano, o Deus que se nos revelou em Cristo.


Texto disponível aqui.


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Graus de Abstração - pelo prof. Ivo Fernando da Costa

Iluminura de um manuscrito da
De Consolatione Philosophiae,
feita em Itália no ano de 1385,
mostrando Boécio a ensinar os seus pupilos.

Santo Tomás, no seu Comentário ao livro De Trinitate de Boécio apresenta os 3 graus ou tipos de abstração. São eles: (1) abstractio totius; (2) abstractio formae e (3) separatio. 

Antes de partimos para a exposição dos graus de abstração, é preciso ter presente uma distinção feita por Santo Tomás referente à noção de matéria. Diz-se material tudo aquilo que tem uma razão de substrato que funge como princípio potencial distintivo dos entes. 

Assim a matéria prima é um substrato, de fato é o substrato último que sustém as transformações substanciais. Temos a matéria segunda, ou matéria afetada pelo acidente da quantidade. A própria substância inclui em si uma conotação material pois é o substrato dos acidentes. 

Por outro lado, com “abstração”, entendemos aquele processo mental que foca certos aspectos do ente desconsiderando outros. Em geral, dizemos que um conceito é mais abstrato na medida em que este se encontre mais depurado de elementos materiais. A abstração significa, portando, uma apreciação do ente em seus aspectos inteligíveis e imateriais.

Nesse sentido, ao falar dos graus de abstração, Santo Tomás distingue quatro tipos de matéria: a sensível e a inteligível que podem, respectivamente ser individual e comum. A matéria sensível é aquela ligada às qualidades que são objeto de apreciação imediata dos sentidos: cor, cheiro, tato... são os traços individuantes de um ente captados pelos sentidos. Esta matéria sensível pode ser individual ou comum. Santo Tomás fala de “esta carne” e “estes ossos” como exemplos de matéria sensível, mas poderíamos adicionar: “esta cor branca”, “esta altura”, “este cheiro” etc. Como exemplo de matéria sensível comum, ou seja, considera em geral temos: “carne”, “ossos”, “branco”, “altura”, “cheiro”.

Por matéria inteligível entendemos aqueles aspectos do ente que não são captados pelos sentidos, mas que conhecemos mediante a ação do intelecto que revela o que está por debaixo das qualidades sensíveis como seu substrato. Essa matéria inteligível pode ser também individual ou comum. Temos assim “esta extensão” que é o suporte para “esta cor” ou “extensão” em geral. Resumo estas ideias no quadro abaixo:


Agora podemos passar, de fato, à exposição dos graus de abstração:

(1) ABSTRAÇÃO DO TODO: processo pelo qual extraímos os conceitos gerais dos entes individuais. Da experiência, digamos, de vários cavalos formulamos a noção universal de “cavalo” que se inclui igualmente em cada um dos indivíduos concretos. Abstraímos do indivíduo a sua matéria sensível particular, e ficamos com a matéria sensível comum que entra em sua essência. Por exemplo, Sócrates é este homem concreto com “esta carne” e “estes ossos” que lhe são próprios como indivíduo. Agora, quando abstraímos a essência geral de “homem”, nela deve ser incluída necessariamente a matéria sensível comum: o “homem” é um “animal racional”, faz parte da essência humana a matéria, possui um corpo de “carne e osso”.

Santo Tomás afirma que este tipo de abstração é o que fundamenta a ciência física. No entanto, é preciso ter presente que a “física” para a filosofia antiga e medieval não é exatamente aquilo que hoje chamamos de física. Esse termo para os antigos tem um escopo mais amplo e seria para nós o que se entende hoje como ciências naturais. Ou seja, a física englobaria, por exemplo, a biologia, a química e, é claro, a própria física.

(2) ABSTRAÇÃO DA FORMA: esse grau de abstração está na base da matemática. Nele se consideramos da realidade somente aqueles aspectos que podem ser pensados à parte da matéria sensível tanto individual quanto comum. Isto é, enquanto o objeto das ciências naturais só existe nos singulares e se pensa vinculado aos singulares, os objetos matemáticos são aqueles que só existem no singular, mas que podem ser pensados de maneira separada. Um triângulo só existe nos triângulos concretos. Porém, na matemática, os conceitos estão mais afastados dos singulares. Enquanto o “cavalo” se pensa sempre pertencendo ao cavalo concreto com sua matéria sensível, a matemática pode ser elaborada sem referência a matéria sensível. Para o matemático não importa se o triângulo é de madeira ou de plástico, mas o cavalo é um animal que inclui em sua essência a corporeidade, ou seja, não posso pensar no cavalo sem considerá-lo em seus traços sensíveis corporais.

Santo Tomás, contudo, afirma que no nível da matemática ainda resta o que se chama de matéria inteligível comum. Podemos pesar dois triângulos retângulos como as mesmas medidas, mas que são distintos. Pelo fato de serem distintos há algo de material de marca a diferença deste para aquele triângulo pensado. Esta diferença é a extensão ou quantidade que, com sua propriedade de divisibilidade, funda a matemática.

(3) SEPARAÇÃO: aqui consideramos o ser mesmo das coisas. Aqui o intelecto abstrai tanto a matéria sensível como a inteligível. Neste nível se encontra a ciência Metafísica que estuda o ente enquanto ente e não o ente enquanto sensível ou marcado pelo acidente da quantidade.  O ser, ou ente, não depende da matéria pois se encontra também nos seres espirituais, como Deus e o anjos, e materiais. Em definitiva, a metafísica abarca tudo aquilo que é ou existe em suas propriedades (uno, bom, verdadeiro e belo), princípios e causas mais gerais.

***

REFERÊNCIAS:

SANTO TOMÁS DE AQUINO, Comentário ao Libro de Trinitate de Boécio, q. 5, a. 3.
SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I, q. 85, a. 1, ad 2

Texto retirado do site link.


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O que é o Quadrivium? - por Roberto Helguera

Um jovem sendo apresentado às sete
artes liberais, 1484-1486. Sandro Botticelli

Transcrevemos abaixo um vídeo sobre Quadrivium traduzido pela própria Sacros*. Vídeo original está neste link.

 ...são artes que nos explicam a harmonia
que existe nas coisas
e essa harmonia é contemplável em si mesma,
porque diretamente
nos aponta para aquele Deus que nos fez
imagem e semelhança...

...são coisas que nos surpreendem
e nos fazem rir
porque, assim como O Pequeno Príncipe, 
elas nos fazem cantar,
eles nos fazem rir
porque são lindas...

...para entender que eu
também sou chamado para ser um ser divino,
para ser um Filho de Deus...

Olá. Como vai? Mais uma vez, estamos juntos. Estamos aprendendo a educar. Estamos aprendendo sobre homeschooling e estamos aprendendo sobre um monte de coisas. Quero falar com você hoje. Já falei com você sobre o que fazer se no meio de sua vida você descobrir que não foi educado.

Depois, falei com você sobre em que consiste uma boa educação. Mencionei a você que uma boa educação requer as artes do trivium e do quadrivium: as artes liberais ou aquelas artes que tornam o homem livre. Era o que os antigos, até não muito tempo atrás consideravam que tinha que saber qualquer pessoa capaz de participar politicamente ou governar a polis. Por quê? Porque essas artes liberais da gramática, lógica, retórica, aritmética, geometria, música e astronomia foram aquelas que moldam a alma e inteligência de tal forma que você pudesse se tornar um homem sábio, porque elas lhe permitiram não apenas nomear o que existe, mas ver bem o que existe nessas coisas. Prudência, como adaptar seu intelecto a uma realidade que está fora de você.

Hoje quero falar com você sobre o quadrivium, as quatro artes liberais, cujo objeto é, se você preferir, a matéria, mas me referir a elas como artes cujo objeto é a matéria, pode lhe dar uma ideia errada de que o quadrivium é mais do que qualquer outra coisa artes servis e não liberais, ou seja, artes que são usadas para fazer coisas.

Por exemplo, a física é usada para construir pontes ou resolver problemas de construção de edifícios, ou balística, ou guerra, ou qualquer outra coisa. Esses são usos legítimos da física, usos legítimos de uma ciência, mas não é a forma como os antigos pensavam nisso.

A razão pela qual temos quatro artes liberais que é a aritmética, geometria, música e astronomia,  principalmente, é porque são artes que nos explicam a harmonia que existe nas coisas, e essa harmonia é contemplável em si mesma, porque diretamente nos aponta para aquele Deus que nos fez imagem e semelhança... Portanto, a maneira liberal de pensar nas artes, tanto na gramática quanto na lógica, retórica, bem como as artes do quadrivium, é pensar no que elas nos dão de harmonia.

Como posso alcançar a harmonia? Pois a harmonia é o repouso, o repouso de minha alma e esse repouso que é obtido pela contemplação e compreensão, aquele momento em que você diz: "ah, entendi" ou se não, pelo menos acho que isso deve ser ótimo. "Senhor - como o Pedro disse - estamos muito bem aqui, vamos fazer três tendas". Por que Pedro quis ficar com Cristo transfigurado? Porque ele estava vendo a harmonia daquele Deus criador.

As artes liberais nos permitem ver a harmonia e considerar a harmonia das coisas. E isso, essa permanência constante na beleza é uma questão que nos da esse repouso. Repousa a mente, repousa a alma e é muito sensato, é muito saudável para minha mente, é muito saudável para essa modernidade.

Vamos pensar: o que a modernidade nos oferece hoje?

A modernidade hoje nos oferece uma "desarmonia", música que não é harmônica, pura gritaria, pura percussão, puro pulo, um escapismo. Desconstrói, o ser humano e a alma em mil matérias e em mil aspectos, como se fôssemos uma coleção acidental de átomos. Não acredita em leis permanentes. Tudo está sujeito a mudanças. Sempre há gritos. Existe um desespero, uma falta de esperança. Por quê? Porque não há beleza. Porque não há beleza. Podemos ver isso de forma muito prática.

Na cidade de Buenos Aires, onde eu moro, por exemplo, é possível ver perfeitamente bem imagens da rua onde temos muito bonita arquitetura de uma época anterior, onde o homem que via harmonia e também tem arquitetura mais bem "original" e muitas vezes brutalista e feia, de uma mentalidade moderna que não acredita mais em harmonia, mas acredita no efêmero do ser humano. Acredita que estamos aqui por acidente e, na pior das hipóteses, também temos todas as calçadas e todas as paredes pichadas por pessoas que não acreditam mais em nada. Portanto, é muito importante trazer harmonia para sua vida. 

Assim como a palavra do trivium nos deu harmonia nos nomes, em nomear, em dizer: "sim, de fato, esse som, essa palavra, ela significa justamente essa realidade" e isso nos dá repouso. A lógica junta essas palavras em uma sintaxe harmônica: sujeito, verbo, predicado, etc., que nos dá satisfação em completar uma ideia, em dar uma ideia completa e expressá-la. A retórica nos dá... diz o grande Andrew Kern do Instituto CIRCE, que é um grande pensador, nos diz: o propósito da retórica é trazer harmonia para a comunidade. Por quê? Porque com a palavra da gramática e da lógica argumentamos para convencer o outro do que é bom, belo e verdadeiro, e para manter a paz, para obter paz para a comunidade.

Dessa forma podemos considerar a Ilíada, aqueles que a leram, a Ilíada, onde tudo é guerra  como uma falha de harmonia como uma falha na retórica. Por outro lado, na Odisseia, onde se trata de uma jornada de um personagem, Ulisses ou Odisseu, desde o naufrágio e a pobreza, de ter perdido todos os seus tesouros de guerra e seus homens para recuperar sua pátria, botim e riquezas e tudo graças à sua boa retórica.

Bem, hoje Quero falar com você sobre harmonia em números, em quantidade ou magnitude, no tempo e no espaço. Vamos falar sobre aritmética. A aritmética é harmônica, por quê? Porque os números, (a quantidade é natural para o homem e os números). Brincando com os números, aqueles que são bons em matemática sabem que há muitas regras.

Por exemplo. Como posso saber qual número é divisível por determinados números? Eu sei que todo número par é divisível por dois. Por que isso acontece? Porque eu tenho uma ideia do que significa a unidade e do que o dois significa. Dois não é somente um mais um, dois tem suas próprias características, é por isso que o chamamos de número par, entre outras coisas.

Quais números são divisíveis por três ou por seis ou por nove? Muitas vezes sabemos que se for divisível por três e por dois é divisível por seis, ou que, se a soma de seus dígitos dá nove, é divisível por nove. Isso é muito interessante porque nos diz que que há uma harmonia desde o início.

Tendo mencionado o "(princípio)", você quer ir embora. O que lemos em São João?

"No princípio era o Verbo, e a Palavra era Deus - ou é Deus - e a Palavra era Deus e a Palavra está com Deus, e sem a Palavra nada foi criado".

A Palavra é uma só, mas Deus é uno e trino. Como sabemos disso? Porque Deus cria o homem à sua própria imagem e semelhança e fala no plural. E nós sabemos que Deus é três e criou o homem, macho e fêmea: dois. E criou o homem com quatro, digamos, elementos da natureza: o úmido, o seco, o quente e o frio, como diriam os antigos. E assim por diante temos números em toda a natureza.

De fato, aqueles que estão familiarizados com o número áureo ou a proporção áurea sabem que a sequência de Fibonacci. Pesquise: "Sequência de Fibonacci". É uma sequência que indica uma ordem absolutamente permeável por toda a criação. Essa sequência é como um logaritmo que indica que cada número é o resultado da soma dos dois anteriores.

Então é $1$; 
$2=1+1$;
$3=2+1$; 
$5=3+2$; 
$8=5+3$, e assim por diante...

E se fizermos isso logaritmicamente, geometricamente, isso nos dará uma curva específica que você vê na forma como as sementes crescem, os galhos das árvores, a forma do nautilus, esse caracol, tão bonito das profundezas do mar e tantas outras figuras da natureza. Isso nos mostra que Deus utiliza a quantidade de forma harmoniosa, mas também a magnitude, porque a matéria tem, além de quantidade, além de ser quantificável. Por quê? Porque ela tem partes. A matéria tem magnitude, tem comprimento, tem largura, profundidade, volume e tudo isso está dentro dos limites. Isso significa que a matéria tem formas.

A geometria é o estudo das formas, por assim dizer. Mas essas formas também são harmônicas porque elas nos trazem repouso na compreensão das propriedades, por exemplo, dos quadriláteros. O que acontece quando eu divido um segmento, por exemplo, em partes iguais e desiguais e construo um quadrado nesse segmento? Percebo que a área desse quadrado, por exemplo, é a soma da área dos dois quadrados menores formados pelos segmentos mais dois quadriláteros, formados por um lado por um segmento longo e o outro lado por um segmento curto. Isso nada mais é do que a equação quadrática, mas expressa geometricamente, ela tem uma beleza enorme.

Portanto, a geometria é importante para a educação porque ela nos traz harmonia, porque é cheia de maravilhas. Temos admiração por esse tipo de regras que acabei de mencionar para você, ou que os ângulos internos de um triângulo somam dois ângulos retos. Sempre. Essas são coisas que nos surpreendem e nos fazem rir porque, assim como O Pequeno Príncipe, elas nos fazem nos fazem cantar, nos dão, nos fazem rir porque são lindas.

A geometria também é bonita. Há pelo menos três fontes de beleza na geometria. Primeiro, as próprias figuras que são perfeitas, dentro de sua espécie, são perfeitas. Cada um dos sólidos, por exemplo, a simetria e a proporção. Isso também é algo que nos dá prazer. E finalmente, há uma beleza nas próprias verdades geométricas,

E já estou falando de forma abstrata, que não estou falando de geometria ou aritmética como algo útil para construir pontes. Ela pode ser usada para isso, e por ter essas propriedades que estão descobrindo e há uma grande alegria, um grande descanso em harmonia quando se vê essas coisas.

Além disso, a geometria está repleta de elementos fundamentais para a filosofia. É por isso que vemos na famosa Academia de Platão uma placa na entrada que dizia que ninguém que seja ignorante de matemática ultrapassa esse limite. Ou seja, que ninguém que seja ignorante de matemática faça filosofia. Isso é importante porque na modernidade o filósofo é visto como alguém que lida com palavras, ciências sociais e não em ciências exatas. As ciências exatas são para engenheiros. Mentira. Não há melhor filósofo do aquele que entende bem de física, que entende bem a beleza e a harmonia da matemática.

Por quê? Bem, porque Platão viu muitos dos princípios universais facilmente descobertos na matemática, e são princípios que são fundamentais para a filosofia, que o todo é maior do que a parte. Você vai me dizer: óbvio. Mas isso é frequentemente negado. Que uma coisa não pode ser tanto par ou ímpar, por exemplo. Isso me mostra o princípio da não-contradição. Os gregos eram muito, muito realistas que não iam além das três dimensões. Para eles, quatro, cinco ou seis dimensões não têm sentido.

A matemática moderna muitas vezes segue uma física moderna que contém muitos dos erros filosóficos, mas isso não impede ninguém, qualquer físico, prefira às equações mais elegantes, mais bonitas, mais sintéticas e que melhor e mais elegantemente expressam uma realidade. É por isso que Einstein, apesar de sua belíssima equação da relatividade, estudou todo o fenômeno da relatividade tentando salvar as equações de Maxwell, as equações da eletricidade, porque ele as viu de forma tão bela que disse que elas não podem deixar de ser verdadeiras, não podem não ser verdadeiras, porque naquela época eles não podiam provar que as equações de Maxwell eram verdadeiras.

Então, isso é interessante. É um aspecto da vida de alguém que realmente considera a geometria ou a matemática, a aritmética como algo belo em si mesmo, como algo que tem um valor em si mesmo. A geometria, além disso, exercita a mente de uma forma elevada. É por isso que os gregos estudavam a geometria como algo fundamental e necessário, algo que mostra, se você preferir, a ordem divina das coisas.

E isso nos leva ao o estudo da música. A música, diriam os antigos, é o conhecimento prático, segundo eles, da modulação, "modulatio" que constitui o som e o canto e a música deriva da palavra musa. As nove musas dos gregos, que inspiravam os poetas para expressar verdades divinas sem compreendê-las. Ou seja, como se os deuses falassem por meio dos poetas, ao homem normal. Mas como eles falavam em um idioma superior, eles falavam de uma forma poética, de uma forma intuitiva, como metafórica ou alegórica, ou, exatamente, dessa forma: analógica. Essa linguagem que é tão importante saber e que eu já falei com você em outros vídeos sobre a importância importância de conhecer esse modo de conhecer, é uma linguagem que, é expressa na música.

A música também é muito matemática. Como assim? Porque as notas são uma questão de relações matemáticas. Se você souber, uma nota, por exemplo, uma oitava, é uma proporção de 1 para 2. Se eu tiver uma corda com comprimento de um metro e eu a cortar pela metade, por 50 centímetros, esses 50 centímetros vai soar uma oitava acima do que a corda, ela vibrará duas vezes mais rápido, do que a corda inteira. E assim sabemos que, por exemplo, uma 5ª é uma proporção de 2 para 3 e uma 4ª é uma razão de 3 para 4, e a segunda é uma proporção de 9 para 11 ou 9 para 12, se não estou enganado.

Quanto mais harmônico o som, mais simples a proporção, quanto mais atonal ou "inarmônico" for o som, mais complexa será a relação para o ouvido, o número é maior. E é dito que, por exemplo, os planetas circulam, há uma sinfonia famosa do som dos planetas por Holst, que me parece ser baseada no Timeu, onde os planetas circulam em órbitas que têm relações matemáticas com respeito ao resto das órbitas, e essas relações formam sons, sons do universo.

O antigo tinha um ouvido capaz de ouvir muitas harmonias e muitas coisas que nós perdemos por causa do barulho de toda a tecnologia da modernidade. Nós perdemos, mas podemos recuperá-lo sempre buscando isso.

Portanto, a terceira arte do quadrivium é a música e ela é tão fundamental e tão embutida na criação que não é à toa que um poeta, por assim dizer, como Tolkien escreve em seu Silmarillion, que no início Ilúvatar, que é um nome para Deus, cantou, fez música e essa música era criativa, criou.

E a Liturgia nós a cantamos ou deveríamos cantá-la. E quando estamos felizes, ou apaixonados ou alegres, o que fazemos? Começamos a assobiar ou cantar. E por que cantar é orar duas vezes? Porque quando alguém canta afirma que o que ele está cantando é bonito, é bom, é bonito e é verdadeiro. Afirma duas coisas: é verdadeiro e é belo portanto, é digno de uma canção. É por isso que a música é uma das artes mais importantes e não deve faltar em sua educação ou na educação de seus filhos.

Se você nunca fez nada sobre música, bem, nunca é tarde demais para começar a estudar um instrumento, um instrumento clássico: violino, violoncelo, algum instrumento agradável se você tiver um bom ouvido. O piano é o mais simples, porque as notas já estão predeterminadas. O violão é um pouco mais difícil, mas é muito satisfatório. E cantar. Cante, cante, coloque música em sua vida, em sua alma. Isso é importante.

Na modernidade, estamos acostumados a não fazer música, mas a ouvir música transmitida eletronicamente. E é muito bom, mas eu te encorajo a tentar fazer música você mesmo, participe de um coral, cantar, fazer aulas de voz, aulas de canto faça alguma coisa.

Finalmente, astronomia. A astronomia, aqui podemos lembrar dessa pequena rima de Estrelinha, com a música de Mozart, que resume todo o espírito da astronomia.

«Twinkle, Twinkle twinkle little star. How I wonder what you are».

Brilha, brilha, estrelinha. Eu me pergunto o que você é.

E isso é como O Pequeno Príncipe. Aqui chega um estudo que nos leva ao espaço. E o espaço nos atrai porque é misterioso e cheio de ordem e previsibilidade. Todo dia o sol nasce, todo dia o sol se põe, todo dia nós vemos a lua de minguante, de meia-lua, de lua cheia, até cheia e assim por diante. Ela cresce e cresce a cada 29 dias, é regular, há uma regularidade nos planetas, nas órbitas que quando as entendemos, nos causa uma enorme harmonia na alma.

Saber que esses seres misteriosos que estão lá, essas criaturas que são esses planetas e sóis gigantescos que estão lá, alguns que nós nunca chegaremos a ver como seres humanos. E Deus os colocou lá pelo prazer, para nos mostrar a beleza e que a beleza como é Deus é harmônica, porque Deus Trino e Uno e Trino faz tudo em harmonia.

Por exemplo, é dito que o universo começou no dia 25 de março. E por quê? Porque a encarnação ocorreu no dia 25 de março e também no dia 25 de dezembro, nove meses depois Cristo nasce e assim tudo tem uma harmonia, certo? E se você me dissesse: «adivinha que dia poderia ser o dia em que tudo acabaria" E eu diria: Não sei quando, não sei em que ano, mas apostaria no dia 25 de março.

Então, no quadrivium temos a aritmética da quantidade, a geometria da magnitude, música, que é quantidade, magnitude e tempo colocados em uma harmonia. E a astronomia que me causa, me mostra essa harmonia de toda a criação que eu contemplo para entender que eu também fui chamado para ser um ser divino, para ser um Filho de Deus... para me alegrar como o Pequeno Príncipe.

E quando eu olhar para as estrelas, rir e ouvir a risada do Pequeno Príncipe, esse é o quadrivium, muito importante faça com que isso faça parte de sua vida, coloque em prática em seu programa, eduque seus filhos com isso ou se eduque também nessas artes. Eu te incentivo.

Nos vemos na próxima vez para continuarmos falando sobre educação.

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Matemática segundo a Filosofia Perene

S. Tomás de Aquino por
Gentile da Fabriano (1370-1427)

Introdução.

Há duas passagens nos Comentários aos livros de Aristóteles onde se especificam os requisitos pedagógicos imediatos da contemplação. No VII da Política aparece, nesta perspectiva, ao lado do cultivo da virtude, o cultivo da própria inteligência; e no Comentário ao VI da Ética, ao lado da ciência moral, à qual cabe o aprimoramento da virtude, fala-se também no estudo da lógica, da matemática e das ciências naturais, após o que deve-se proceder ao estudo da metafísica, um conhecimento cujo objeto é também o objeto da contemplação da sabedoria.

O estudo da metafísica não é ainda a contemplação, a qual supõe primeiro a perfeita aquisição da ciência metafísica, assim como a Metafísica supõe a perfeita aquisição das ciências que lhe são anteriores, mas é a estas ciências, isto é, à lógica, à matemática, ás ciências da natureza e à metafísica, nesta ordem, que cabe o aprimoramento da inteligência que precede a contemplação.

Lógica, Matemática e Ciências Naturais.

Assim, ao lado da ciência moral, o Comentário ao VI da Ética prescreve o estudo da lógica, da matemática e das ciências da natureza como requisito para o estudo da metafísica, de cuja perfeição se produz a contemplação.

O educador moderno estranhará neste currículo, apesar de totalmente dirigido para a atividade da inteligência como objetivo final, a importância incomum atribuída à ciência moral, mas a este respeito já nos explicamos suficientemente no capítulo precedente. Estranhará também a ausência de outras disciplinas comuns nas escolas modernas, que historicamente começaram a ganhar importância na pedagogia durante o Renascimento, como o estudo das línguas, da literatura, da história, da geografia, das artes em geral; em suma, a ausência do currículo humanista, introduzido pelo Renascimento na pedagogia, embora este já tivesse suas origens nas escolas de oradores da antiguidade clássica. O educador de hoje estranhará esta ausência e talvez, num primeiro momento, poderá atribuí-la a uma época em que a educação ainda estava em seus estágios mais primitivos de desenvolvimento.

Tal ausência, entretanto, melhor examinada, não se deve a nenhum primitivismo. Na época de Aristóteles, o autor do livro sobre o qual Tomás de Aquino escreve o Comentário, já havia obras clássicas de história, como as de Heródoto e de Tucídides, e de literatura, como os poemas de Homero e muitas obras de dramaturgia, e as artes em geral haviam já alcançado um grande estágio de desenvolvimento entre os gregos. A geografia parece não ter feito grandes progressos, mas mesmo assim os filósofos disto não se queixaram, sendo que o poderiam ter feito, pois na República Platão se queixou de que no campo da matemática a geometria plana estava bem desenvolvida, mas nada se tinha feito ainda na investigação da geometria no espaço, e isto, segundo ele, fazia muita falta para a formação do sábio:

"(Até o momento) não há nenhuma cidade
que estime devidamente os conhecimentos
(de geometria no espaço),
os quais, já por si difíceis,
são objeto de investigação pouco intensa.
Ademais, os que os investigam
necessitam de um diretor,
sem o qual não serão capazes de descobrir nada;
este diretor, porém, em primeiro lugar,
é difícil que exista e,
ainda supondo que existisse,
nas condições atuais
os que têm capacidade para investigar
(as questões de geometria no espaço)
não obedeceriam ao diretor,
movidos por sua presunção.
Mas se uma cidade inteira honrasse estas questões
e auxiliasse o diretor em sua tarefa,
os investigadores o obedeceriam e,
ao serem investigadas
de maneira constante e enérgica,
as questões (de geometria no espaço)
seriam elucidadas em sua natureza,
ao contrário do que acontece agora,
quando são desprezadas pelo vulgo
e até mesmo pelos que as investigam,
sem que se dêem conta
de sua (verdadeira) utilidade" (1).

Segundo a interpretação que se deve dar à doutrina destes filósofos, a ausência do estudo das línguas e da literatura e demais disciplinas conhecidas como humanísticas entre os requisitos imediatos para a contemplação não significa que tais disciplinas não possam ou não devam ser aprendidas pelo aluno ou fazer parte do sistema educacional. O que a ausência de menção a elas significa é que elas não são requisitos imediatos para a contemplação; como preparação remota ou por motivos outros, poderiam ser incluídas no currículo, mas não poderão ter a influência que, ao lado da ciência moral, a lógica, a matemática e as ciências da natureza terão na preparação do aluno para a contemplação.

A importância que tais disciplinas têm como preparação próxima à sabedoria provém do fato de que a sabedoria diz respeito a coisas maximamente universais e abstratas e estas disciplinas, ao contrário das outras, tem em comum os graus de abstração mais elevados com que elas tratam a realidade. Todas elas, de fato, fazem abstração, pelo menos, da individualidade do objeto que consideram.

A lógica é uma preparação para o estudo de qualquer ciência. No dizer de Tomás de Aquino, é

"uma arte que dirige o próprio ato da razão,
com a qual o homem pode proceder neste ato
com ordem, facilidade e sem erro;
ela se relaciona ao próprio ato da razão
como à sua matéria própria" (2).

As ciências da natureza, na qual, segundo a concepção dos Comentários, estão compreendidas a Biologia e a Psicologia, se ocupam com os seres naturais naquilo que eles têm de necessário, abstração feita de suas individualidades. Na matemática, além da individualidade, abstrai-se também da matéria sensível dos entes naturais todos os acidentes, com exceção da quantidade. Estes diversos graus de abstração são uma preparação para as considerações da metafísica, em cujo objeto de estudo já não há mais nenhuma característica material, os entes sendo considerados apenas enquanto seres. Nada disso ocorre com as demais disciplinas do currículo humanista, que não foram mencionadas no Comentário ao VI da Ética justamente por possuírem um grau de abstração mínimo; a História e a Geografia, por exemplo, consideram seus objetos de estudo ainda envoltos em suas individualidades.

Ademais, o ser se converte com o verdadeiro, pois o verdadeiro, diz Tomás de Aquino, é uma conveniência do ser ao intelecto (3); à metafísica, portanto, tendo por objeto o ser enquanto ser e sua causa primeira, cabe uma síntese de todo o inteligível. A matemática e as ciências da natureza, na medida em que conduzem a uma síntese do cosmos sensível, são também sob este outro aspecto uma preparação para a metafísica.

Pela ordem crescente de abstração as ciências da natureza deveriam vir antes da matemática; entretanto, o Comentário à Ética propõe que a matemática venha antes das ciências da natureza. A razão está em que a matemática, ainda que mais abstrata do que as ciências da natureza, não requer experiência por parte do jovem, enquanto que as ciências naturais sim; por causa disso a matemática deve ser aprendida em primeiro lugar. Pelo mesma razão a ciência moral vem depois das ciências naturais, pois ela necessita ainda de maior experiência do que a necessária para as ciências naturais (4).

Referências

(1) Platão: A República, L. VII, 528 b-c.
(2) In libros Posteriorum Analiticorum Expositio, Proêmio, 1.
(3) Quaestiones Disputatae de Veritate, Q. I a.1.
(4) In libros Ethicorum Expositio, L. VI, l. 7, 1211.

Trecho retirado do livro Educação segundo a Filosofia Perene disponível no link.

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Matemática de Singapura - O que é? por Sérgio Morselli


Transcrevemos abaixo um vídeo do professor Sérgio Morselli sobre Matemática de Singapura com grifos nossos.

Olá, tudo bem? Quero compartilhar com vocês hoje um pouco sobre o método de matemática de Singapura. Quando o assunto é educação, Singapura é destaque no cenário internacional. Isso porque os seus alunos têm sistematicamente tirado as primeiras colocações em todos os exames de avaliação de desempenho no mundo. Também nós devemos levar em consideração que Singapura até pouco tempo atrás era uma ilha onde reinava o analfabetismo e a pobreza. Hoje além de Singapura ter os melhores estudantes do mundo, Singapura também tem (apenas a título de exemplo) os menores índices de corrupção do mundo e a maior concentração de milionários do mundo. Há um ditado famoso que diz que todos os países do mundo inveja a Matemática de Singapura, mas o que tem de tão especial nesse método? 

Bem, cabe a gente saber desde já que, embora obviamente Singapura seja um país oriental, o método de Matemática de Singapura é ocidental. Sim, exatamente. Quando Singapura saiu atrás de soluções para os seus problemas educacionais, elas os encontrou no ocidente. Então o método de matemática de Singapura, em síntese, se baseia em uma tríade ocidental: um psicólogo norte americano, um professor inglês e um matemático húngaro. Antes que eu avance para o método, eu gostaria de brevemente me apresentar e explicar porque estou gravando este vídeo. 

Meu nome é Sérgio e sou engenheiro de formação, mas antes de concluir a graduação, eu tive a oportunidade de dar aulas de Matemática, acabei gostando e numa exerci a profissão [de engenheiro]. Então dei aula em cursinho, dei aula particular, dei aula escola particular e dei aulas de reforço. Da minha experiência como professor e observei desde cedo que a maior parte dos alunos tem sérias dificuldades em matemática básica.  À época até fiz um paralelo com as dificuldades de linguagem. Hoje nós sabemos que os alunos estão terminando o ensino médio e entram nas faculdades com sérios problemas de interpretação de texto. Isso se deve à forma ineficiente de como se faz a alfabetização hoje nas escolas. Então da mesma forma os alunos hoje saem do ensino médio entram nas faculdades com dificuldades em matemática básica por causa do método ineficiente que ocorre o ensino da matemática na primeira infância.

Quando foi que eu comecei a me preocupar com a educação matemática na infância? Nós aqui em casa somos uma família educadora. Eu tenho três filhos e meu filho mais velho tem cinco anos e eu vejo que já está na hora de introduzir conceitos matemáticos para ele. Quem fará isso? Eu sempre quis, na verdade, ensinar Matemática para o meu filho, então pesquisei, procurei métodos e, de tudo que encontrei, pelo menos até o momento, e para a faixa etária do filho, o que eu mais gostei foi o método de Matemática Singapura.

Porque eu estaria habilitado a falar pra você do método de matemática de Singapura? Quando eu conheci o método, eu realmente procurei saber e fiquei impressionado com os resultados de Singapura. Então eu disparei e-mails para vários contatos. Mandei e-mail para o Ministro de Educação de Singapura, mandei e-mail para para pesquisadores das universidades, encontrei uma relação dos 20 melhores colégios de Singapura e mandei e-mail e mensagens para eles perguntando como era o ensino de matemática no ensino fundamental, mas principalmente eu fiz contato e acabei conhecendo o doutor Ban Har que é provavelmente a maior referência do mundo do método de Singapura e estou em contato com ele, sempre tirando dúvidas conversando. Em uma das conversas, ele mesmo me incentivou a gravar esse vídeo aqui e disponibilizar para trazer informações sobre o método de Singapura. Então vamos ao método. 

Como eu disse previamente, o método se baseia em uma tríade ocidental. O primeiro pilar que dá sustentação ao método é a teoria CPA, baseada na psicologia do doutor Jerome Bruner. CPA significa concreto, pictórico e abstrato e nós estamos tratando de três estágios de aprendizado. Iniciamos pelo concreto, se tornando um abstrato com a intermediação do estado de pictórico. Vamos direto a um exemplo didático para ficar mais fácil de entender. Por exemplo, eu ensinei para o meu filho (ele tem cinco anos e já compreende bem o conceito de frações), eu ensinei o conceito de frações para ele utilizando a teoria CPA, então o objetivo é introduzir o conceito abstrato para a criança. Nós começamos com um elemento concreto, objeto concreto. Então você pode, por exemplo, começar com uma folha de papel e contar uma historinha para o seu filho. Filho, eu tenho uma folha de papel em minhas mãos. Meu desejo é dividi-la para dois amiguinhos. Como posso fazer isso? Então ele vai pegar a folha, vai pensar e vai fazer uma sugestão. Meu filho, no caso, sugeriu dobrá-la no meio assim (horizontalmente) e recortar. Eu falei: ótimo, filho, então faça. Ele foi lá e cortou e apareceu com duas metades. Eu estou com duas metades (da folha de papel). Então aqui se encerrou o estágio concreto. 

O estágio pictórico se inicia quando a gente pega e mostra para para ele todas as possíveis formas de se fazer essa divisão. Então, por exemplo, ele poderia ter dobrado assim (verticalmente). A gente mostra todas as possíveis representações. O estagio de pictórico é aquele estágio que um objeto concreto e se torna uma figura. Por fim, uma vez assimilado o estágio concreto, assimilado o estágio pictórico, nós podemos introduzir o conceito abstrato. Então a gente fala para ele: o filho, aqui nós temos duas metades. A metade já é um tema abstrato em linguagem. Uma metade em linguagem matemática descreve dessa forma $\dfrac{1}{2}$, através de uma fração. Eu também ensinei o conceito de fração assim para o meu filho e funcionou muito bem.

O segundo pilar do método de Matemática de Singapura é um conceito de compreensão relacional do professor Richard Skemp. O professor Richard Skemp defendia que as crianças aprendem matemática de duas formas: através de uma forma instrumental em que você diz para a criança como fazer e através de uma forma relacional que você diz para a criança porque fazer. Veja que nesse nesse conceito de compreensão relacional, há um fomento à oralidade. Se você tiver a oportunidade de assistir uma aula de matemática de Singapura, você vai observar que as crianças são incentivadas a falar o tempo todo. Isso vem do conceito compreensão relacional. Também vamos ver como isso se dá na prática. Eu trouxe também um exemplo.  Suponhamos que você queira que o seu filho de 7 anos calcule a área desse quadrado. Segundo o conceito instrumental, você pediria para ele calcular a área e você daria um método para ele, ou seja, você falaria: meu filho, você tem que multiplicar os lados. Então assim, ele chegaria uma resposta.

Já segundo o conceito relacional, você envolveria criança numa dinâmica, isto é, nós queremos que ela calcula essa área. O que nós podemos fazer? Por exemplo: sabemos que a face da unidade do material dourado tem um centímetro quadrado, então a gente pode começar com uma experimentação. A gente pode pedir para o nosso filho, por exemplo, perguntar quantas unidades do material dourado vão caber aqui e assim ele consegue chegar uma primeira estimativa da área. Após isso, você pode também fazer outras atividades de recorte, etc. e por fim, depois de ter ocorrido a experimentação, você pode sim apresentar fórmula pra ele e falar: veja filho, você também pode usar a multiplicação lado vezes lado, mas tenha sempre em mente que isso é mais uma forma de você resolver o exercício. Existem outras formas, mas o que importa é você dar um jeito de obter a área, seja construir modelos, estabelecendo um outro método de comparação. 

O terceiro pilar do método de Matemática de Singapura é o conceito de variabilidade perceptiva e variabilidade matemática do matemático húngaro Zoltan Dienes. Zoltan Dienes ficou famoso, porque ele utilizava jogos para ensinar matemática para crianças. Inclusive, ele é o inventor dos blocos lógicos. Zoltan Dienes afirmava que a criança quando exposta um conceito, ela deve ser desafiada a visualizar esse conceito em contextos distintos e com representações múltiplas. Eu sei que essa definição parece um pouco formal, mas eu trouxe aqui um exemplo para vocês que vai ficar fácil entender o que defendia o Zoltan Dienes. Eu trouxe aqui três figurinhas para entender o conceito de variabilidade perspectiva. Esse jogo ou uma atividade é a famosa atividade do intruso.


Nós mostraríamos essa imagem a criança e perguntarmos a ela (no caso nosso filho): filho, quem aqui nessa imagem é um intruso? Ele naturalmente sem dificuldade responderia que é esse [o primeiro da direita para esquerda]. Então agora a gente introduz o conceito de variabilidade perceptivo. Nós vamos apresentar a criança uma nova imagem com os mesmos rostinhos, entretanto aqui existe um novo elemento de diferenciação.


Nós chamaremos nosso filho e perguntaremos: filho, e agora, quem é o intruso? Ele é incentivado a falar e incentivado a pensar, etc., mas a resposta correta que seria: segundo critério do rosto, é esse [primeiro da direita para esquerda], segundo critério da cor, é esse [primeiro da esquerda para direita]. Encerrada essa segunda etapa, a gente avança novamente na variabilidade perceptiva. Um novo elemento de diferenciação foi introduzido.


Nós perguntaremos: filho, e agora, quem é o intruso? Novamente ele é incentivado a falar, mas a resposta correta seria: segundo o rostinho, esse [primeiro da direita para esquerda], segunda cor, esse [primeiro da esquerda para direita] e segundo óculos, esse [rosto do meio]. 

Em síntese, é isso. É claro que há muito mais do que falar sobre o método de Matemática de Singapura como, por exemplo, o conceito de mastery, o conceito do ensino continuado, o conceito do numbers bonds e dentre vários outros. Eu posso inclusive trazer isso o futuro vídeos. Como eu também estou aplicando o método de Matemática de Singapura ao meu filho, eu pretendo em breve trazer algumas dinâmicas aqui pra mostrar pra vocês como as coisas estão caminhando. Para não alongar o vídeo, eu já vou encerrar aqui. Agradeço muito a você que assistiu até agora. Se você gostou por favor de um like, pode se inscrever no canal. Se você tiver alguma dúvida ou alguma sugestão para próximos vídeos, pode deixar um comentário que eu vou ler. É isso pessoal, foi muito legal e só tenho a agradecer a você que ficou comigo até agora. Muito obrigado.

Canal do professor Sergio Morselli: link


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A diferença entre a Educação Clássica e a atual

Ilustração de um manuscrito
do século XVI que mostra
uma reunião de médicos na
Universidade de Paris

A diferença da Educação Clássica

A nós, que normalmente tivemos uma educação progressista, pode parecer nebulosa a ideia da educação clássica. Se na ciência e na tecnologia voltar atrás na história uns trezentos anos é impensável, por que seria diferente com a educação? Por que desprezar o modelo de ensino que hoje impera em nossas escolas em busca de um ideal “do passado” que todos já julgavam morto?

A provocação pode se agravar ao pensarmos no currículo. Latim, uma língua que ninguém fala fora dos círculos eclesiásticos e jurídicos? Literatura Clássica, livros com centenas ou milhares de anos? Foco nas Humanidades, quando o que mais importa é, geralmente, a técnica? Moral, em tempos de tão intenso relativismo? Parece apego irracional ao passado.

No entanto, ao vemos o absoluto fracasso da educação moderna, em que muitas vezes doutores e graduados são incapazes de construir argumentos inteligíveis ou se articular, professores não sabem nem a própria língua e reina absoluta ignorância, ao ponto de grande parte da população, apesar de saber ler, não se pode dizer propriamente alfabetizada, pode nos vir uma dúvida: — Será que foi sempre assim? E basta abrirmos um desses livros velhos de centenas ou milhares de anos para, respondida esta primeira pergunta com um firme — Não!, vir-nos outra: — O que aconteceu?

Vivemos em uma época tumultuada. As instituições, costumes e padrões estão em constante e rápida mudança. Nossa cultura está cada vez mais instável, insegura de si mesma, buscando novidades. Esta avidez por novidades gera uma sede ainda maior por mudanças. Mudanças radicais. E de mudança em mudança, de revolução em revolução, cada vez com maior inocuidade, a mudança virou rotina, e uma rotina tediosa e previsível. Em meio a esta confusão, perdemos o caminho. E quando se perde o caminho, a maneira mais efetiva de seguir em frente é voltar atrás, até o ponto em que reconhecemos, e dali, buscando as direções deixadas pelos que nos precederam, continuar avançando no caminho certo.

No caso da Educação, talvez não tenha sido apenas o caminho que tenha sido perdido, mas a própria essência. O que chamamos de educação hoje, embora guarde semelhanças fortes, tem pouco a ver com o que era educação no passado. O coração da diferença entre a educação clássica e a atual não está no currículo nem nos métodos de ensino, embora estas diferenças existam. A grande diferença está no objetivo. A educação é a passagem da sabedoria e do conhecimento de uma geração para a outra, é uma transmissão cultural, como uma corrida de revezamento em que o novo corredor recebe o bastão muito à frente do que estava quando o atual corredor o recebeu – mas ainda é o mesmo bastão.

O coração da diferença entre a educação clássica e a convencional, dizíamos, está no objetivo. A maior diferença é filosófica. Ou, antes, teológica. A educação atual é, em última instância, nihilista, acreditando que vivemos em um grande vácuo sem sentido. A educação clássica repousa sobre o Fundamento do Ser. Todo o resto segue isso. Pode parecer difícil colocar o currículo e o método como secundário, mas é esta a grande diferença da Educação Clássica. O objetivo vem em primeiro lugar.

A segunda maior diferença, diríamos, é metafísica. A educação atual é orientada para o poder, para a carreira, para a formação (diplomas, capacitação) enquanto a educação clássica é orientada para a verdade. Para a Educação Clássica, a prática é serva da verdade, e não o contrário.

Uma terceira diferença seria no nível ético. A educação atual parte da premissa de que o propósito da infância é a socialização. Já que não há verdade objetiva, o que importa seria aprender a conviver com a diversidade. A Educação Clássica, porém, rejeitando a ideia de que não há verdade, vê a infância como a época do desenvolvimento moral e intelectual.

Uma quarta diferença seria no nível científico. A educação atual vê a ciência natural, pragmática, como a única verdade universal. A Educação Clássica, porém, não afirma que as ciências naturais são a única forma de adquirir conhecimento nem acredita que a ética, a metafísica e a teologia devam ser submissas ao conhecimento excepcionalmente limitado que pode ser alcançado através dos métodos do natural nem que ele é o único nem possa ser sujeito a revisões dialéticas. Por natureza, as ciências naturais não são definitivas. Elas só surgem em um contexto onde a metafísica e a teologia as apoiam. Culturas que acreditam que o mundo é uma ilusão não desenvolvem as ciências naturais muito longe.

Uma quinta diferença seria a própria cosmovisão. A educação atual prega que nada é verdadeiro, que tudo é permitido: — Você tem a sua verdade, eu tenho a minha. Em poucas palavras, prega que não há verdade ou que ela não é compreensível. A Educação Clássica, porém, percebe que o mundo dá amostras da ordem com que foi criado e que essa ordem é cognoscível, por isso ensina o aluno a obter esse conhecimento e, usando as ferramentas certas, conhecer melhor a perfeição daquele que criou esta ordem.

As sete artes liberais foram desenvolvidas precisamente para esse fim. Acreditando que podemos conhecer a verdade, e acreditando que a verdade liberta, os educadores clássicos gastaram milhares de anos refinando as ferramentas de busca da verdade que foram usadas desde o início dos tempos, mas foram primeiro codificadas por Aristóteles. As sete artes liberais são o refinamento do senso comum. Eles nos permitem usar as faculdades da razão dadas por Deus para descobrir a verdade. Eles podem até mesmo, se os usarmos de maneira santificada, nos ajudar a vencer o pecado, a ignorância e a insensatez. Estar sentado ouvindo a voz de Deus de um modo místico, quando Ele já está falando conosco e expressando Sua vontade através da lei da não-contradição e a ascensão do sol não é espiritualmente saudável.

Em poucas palavras, a Educação Clássica se diferencia da Educação Atual porque seu objetivo, seus meios e seu fim são outros. O objetivo é cultivar a sabedoria e a virtude, fazer o aluno aprender a aprender e a pensar. Os meios são por a verdade acima do poder e dos bens desta terra. A virtude, acima da socialização. A dialética honesta acima do empirismo. As sete artes acima da manipulação e da ideologia. O fim da Educação Clássica, por sua vez, é a felicidade humana, que consiste na contemplação da Verdade, na contemplação de Deus!

Retirado do site: Link

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Inger Enkvist: “A nova pedagogia é um erro. Parece que não se vai à escola para estudar”

Pedagoga sueca, com mais de quatro décadas de experiência na educação, critica método que dá mais iniciativa aos alunos na sala de aula e defende um ensino mais tradicional

Por Cristina Galindo - 25 Jul 2018

O silêncio reina na rua de pedras onde mora Inger Enkvist, em Lund, uma das cidades mais antigas da Suécia, com uma das universidades mais importantes deste país nórdico. Ninguém diria que a poucos minutos a pé fica o centro urbano. Esta calma chega ao interior de seu apartamento, uma sobreloja com grandes janelas e um jardim traseiro comunitário. Seu escritório, luminoso e cheio de livros, é um reflexo de sua ideia de como é preciso se entregar a qualquer tarefa intelectual: com ordem, concentração, seguindo regras…, lendo.

Enquanto a maioria dos pedagogos questiona a utilidade de decorar informações na era do Google e prega o fim das carteiras enfileiradas e das disciplinas estanques, com mais liberdade para os alunos, Enkvist (Värmland, Suécia, 1947) defende a necessidade de voltar a uma escola mais tradicional, onde se destaquem a disciplina, o esforço e a autoridade do professor. Seu ponto de vista contraria os postulados dessa nova pedagogia, mas também se distancia daqueles que acreditam que a escola é uma fábrica de alunos em série e que deve centrar seus esforços em competir com outros colégios para subir nos rankings mundiais.

Começou sua carreira educativa como professora do ensino secundário, e agora é catedrática emérita de espanhol na Universidade de Lund. Centrou sua pesquisa na obra de Mario Vargas Llosa e Juan Goytisolo, e escreveu ensaios sobre José Ortega y Gasset, Miguel de Unamuno e María Zambrano. Publicou vários livros sobre pedagogia – como Repensar a Educação (Bunker Editorial, 2006, digital) – e centenas de artigos, além de ter assessorado o Governo sueco no assunto. Sentada na sala de sua casa, Enkvist conversa em espanhol sobre como acredita que as escolas deveriam ser, enquanto bebe um suco de frutas vermelhas servido num jarrinho de barro comprado em Segóvia. Falando com ela, não é nada difícil imaginá-la no seu colégio, ainda menina, tirando ótimas notas.

Pergunta. Como recorda sua escola?

Resposta. Era pública e tradicional. Não tenho más recordações. Talvez houvesse algumas aulas chatas, mas às vezes a vida é assim. Os alunos chegavam na hora e não havia conflitos com os professores. A Suécia me deu uma educação gratuita e de qualidade.

P. Os tempos mudaram. Continua valendo a disciplina daquela época?

R. A relação entre pais e filhos se baseia mais do que nunca nas emoções. Temos uma vida mais fácil, e queremos que nossos filhos também a tenham. Mas a escola deve estar consciente de que sua tarefa principal continua sendo formar os jovens intelectualmente. A escola não pode ser uma creche, nem o professor um psicólogo ou um assistente social.

P. Qual deve ser a finalidade do ensino infantil?

R. Deve ser muitas coisas, mas sua tarefa principal é dar uma base intelectual. Dar conhecimentos aos jovens, prepará-los para o mercado de trabalho, transmitir-lhes uma cultura e proporcionar-lhes uma ideia da ordem social, porque a escola é a primeira instituição com a qual as crianças se deparam, e é importante que vejam que há algumas regras, que o professor é a autoridade e que é preciso respeitar tanto ele como os colegas.

P. Mas a tecnologia torna mais difícil controlar crianças hiperestimuladas.

R. Sempre houve dificuldades na aprendizagem. Há 50 anos, era o fato de precisar andar uma hora para chegar ao colégio, ou oferecer refeições nutritivas. Hoje se trata da enorme quantidade de estímulos. O novo desafio é controlar o acesso ao celular e ao computador para que se concentrem. As escolas que proíbem o celular fazem bem. Em casa, os pais devem vigiar o tempo de uso da tecnologia. Proibir é muito difícil, porque se criam conflitos, mas um pai moderno deve saber dizer “não”. Deve resistir.

P. Há pedagogos que afirmam que a escola tradicional é chata e educa crianças submissas, e que é preciso aprender a aprender.

R. A escola é um lugar para aprender a pensar sobre a base dos dados. Isso de insistir em aprender a aprender sem falar antes de aprendizagem é uma falsidade, porque não podemos pensar sem pensar em algo. Sem dados não há com o que começar a pensar.

P. A escola não deveria ser um lugar onde se divertir?

R. A satisfação na escola deve estar vinculada ao conteúdo: entrar numa aula e que lhe contem algo que você não sabia. Mas é preciso saber que, para entender algo novo, é necessário fazer um esforço. Além disso, é fundamental que o professor nos ensine a ler e também como nos comportar. É impossível aprender bem sem que haja ordem na sala de aula. Essa é a base principal: comportamento, leitura e avaliação pelo conhecimento.

P. O que opina da tendência de pôr almofadas na sala de aula para que os alunos se deitem?

R. Isso é enganar os jovens. Para aprender a escrever, uma criança precisa sentar-se bem, olhar para frente, ter lápis e papel, concentrar-se… Aprender pode ser um prazer, mas, insisto, exige um esforço e um trabalho. É preciso dizer isso às crianças. Se não, estamos enganando-as. Tocar violino, por exemplo, não é fácil. Exige muita prática. Os estudos do psicólogo sueco Anders Ericsson mostraram que é necessário um esforço prolongado para melhorar em algo. Para ser bom em algo você tem que se dedicar 10.000 horas. E precisa fazê-lo de forma consciente e trabalhar com um professor. Sua pesquisa avaliza a ideia tradicional de uma escola baseada no esforço do aluno, sob a orientação de um professor.

P. Há quem diga que não é preciso decorar porque tudo está no Google.

R. Essa é outra falsidade. O Google é uma ferramenta genial. É de grande ajuda para os adultos, porque sabemos o que procuramos. Mas, para quem não sabe nada, o Google não serve de nada. Há intelectuais que andam por aí dizendo que estudar geografia não foi útil. Acredito que se esqueceram de como e quanto aprenderam na escola. Afirmar essas coisas é uma falta de honradez com os jovens. E menosprezar a importância em si da vida intelectual do aluno.

P. Em que consiste a nova pedagogia que você critica?

R. A nova pedagogia é um pensamento que se vê por toda parte no Ocidente. A Suécia a adotou nos anos sessenta. Consiste, por exemplo, na pouca gradação das notas, por isso muitos pensam que não há razão para estudar muito se isso não for se refletir no histórico escolar. Dá-se muita importância à iniciativa do aluno, trabalha-se em equipe e, ao mesmo tempo em que as provas desaparecem, aparecem os projetos e o uso das novas tecnologias. Em geral, parece que se vai à escola para fazer atividades, não para trabalhar e estudar. Dá-se mais ênfase ao social que ao intelectual. Acho que é um erro. Por um lado, os alunos com mais capacidade não desenvolvem todo o seu potencial e, por outro, os que têm uma menor curiosidade natural por aprender não avançam. Além disso, muitos gostos são adquiridos, como a história, a leitura e a música clássica. No começo podem parecer chatos, mas, se alguém insistir para que tenhamos um primeiro contato, é possível que acabemos gostando. Atualmente, muitos jovens escolhem sem terem conhecido e, claro, escolhem o fácil.

P. A Espanha é um dos países da OCDE que dedica mais horas à lição de casa. Isso tem alguma utilidade?

R. Quando a jornada é muito longa, como na Espanha, não faz sentido. Se um aluno está cansado, a lição de casa não melhora o seu rendimento. É preciso buscar um número ideal de aulas pela manhã, quando a criança está mais acordada, dar-lhe um tempo de descanso e, à tarde, talvez uma tarefa de revisão do que fez durante aquele dia. Um bom exemplo é a Finlândia, onde os alunos entram às oito da manhã e saem às duas da tarde, incluindo o almoço; exceto às quintas-feiras, quando saem às quatro da tarde.

P. Quando criança, você era um grande leitora. Como despertar esse prazer se uma criança não está interessada?

R. Era uma leitora compulsiva. Ninguém teve de insistir para que eu pegasse um livro. Mas há crianças que precisam disso. Talvez no começo seja necessário forçá-las um pouco, encorajá-las para que se tornem leitoras de lazer. Como se faz isso da escola? Comprar bons livros para a biblioteca e recomendar um a cada sexta-feira. Um aluno pode contar o que leu naquela semana. Fazer pequenas competições para ver quem leu mais. Medir como o seu vocabulário aumenta. E explicar que a leitura lhes permitirá, quando adultos, um melhor desenvolvimento. Se os alunos começam a ler, quase todos descobrirão que é um prazer. Mas eles precisam de horas. Calcula-se que na maioria dos países se dedicam 400 horas à aprendizagem da leitura na escola primária. Para ser um bom leitor, são necessárias 4.000 horas. É impossível ter tanto tempo na aula. Eles têm de fazer isso em casa. O que os pais podem e devem fazer é ler com os filhos: apoiar a leitura e servir de modelo.

P. Mas as humanidades estão perdendo peso.

R. Dizem que o amanhã será dominado pela tecnologia e pelas ciências naturais, e que o que é histórico não é importante. Além disso, as provas do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], um conjunto de exames organizados pela OCDE para avaliar as competências de alunos de 15 anos em ciências, matemática e leitura] não levam em conta as humanidades porque é difícil comparar esses conhecimentos entre países, então a vontade de competição os leva a dar mais ênfase às matérias que fazem parte do PISA e negligenciar as outras. Tanto a escola quanto a família devem dar mais ênfase às humanidades.

P. A visão do PISA é a de uma escola que deveria funcionar como uma empresa?

R. A OCDE é uma organização econômica e analisa a educação a partir dessa perspectiva. O que o PISA não revela é se existe uma boa atmosfera na sala de aula, se bons princípios de trabalho são inculcados, se as ciências humanas, as ciências sociais, as matérias estéticas como arte e música, que são essenciais, são bem ensinadas. O PISA é uma prova muito específica que analisa algumas coisas. As escolas e os países deveriam defender que eles ofereçam muito mais do que isso.

P. Em seus livros, você aponta a Finlândia como um dos grandes modelos.

R. A educação na Finlândia foi tradicional, embora há dois anos o Governo tenha lançado um programa mais parecido com o da Suécia, porque meu país tem um desempenho escolar inferior, mas tem um comportamento econômico superior e criou empresas de tecnologia como Spotify e Skype. O Governo finlandês parece pensar que com um pouco de desordem suas escolas serão mais criativas. Não acredito nisso.

P. A Finlândia era tradicional? Não há exames no ensino obrigatório nem os havia antes dessa reforma que você menciona.

R. É preciso repensar a fobia aos exames. O exame ajuda a se concentrar em um objetivo. Que em tal dia você tem de saber esses conhecimentos. Um bom professor ensina coisas aos alunos, revisa com eles e faz algumas provas. E constroem outros ensinamentos sobre o que já foi aprendido, então esses conhecimentos voltam a aparecer mais tarde. Não faz um exame sobre algo sem importância. Com a prova final acontece a mesma coisa. É um objetivo claro. Ajuda a ter uma visão global.

P. Na Finlândia não se compara tanto as escolas, o que é comum na Espanha. É assim?

R. Na Finlândia continuam com a tradição de confiar nos professores. Quando existe um controle estatal do desempenho e se fazem comparações entre as escolas, o ambiente se deteriora. Para os professores, gera estresse e rancor em relação a quem te controla.

P. Como deve ser um bom professor?

R. Responsável e bem formado. Deve acreditar no poder do conhecimento. Não se é bom professor apenas pelo que se sabe sobre a matéria, nem só porque sabe conquistar os alunos. É preciso combinar ambos os elementos: atrair os alunos para a matéria para ensiná-la adequadamente. É preciso recrutar professores excelentes em que alunos, pais e autoridades possam confiar. E a menos que haja uma situação grave, devemos deixá-los trabalhar.

P. Como foi sua experiência na sala de aula?

R. O aluno tem de respeitar as instruções do professor, fazer as lições de casa e, por exemplo, não mentir. Antes, mentir era muito grave. Agora parece que não acontece nada. Vi jovens que inventam motivos para justificar por que não fizeram um trabalho, que escrevem de forma pouco legível para gerar dúvidas ou discutem o tempo todo com os professores. Sei o quão desagradável é que um aluno tente mentir para você. Vi isso no ensino médio e na universidade. Quando um professor sente que não é respeitado, que tentam enganá-lo, todas as relações de ensino se rompem.

P. O que fazer com as crianças que incomodam e não deixam os outros trabalharem?

R. Isso é um tabu. É considerado pouco democrático. Diz-se que devemos dar uma oportunidade a todos. Mas o que acontece quando uma criança problemática não deixa os outros trabalharem, quando se fala com ela e com os pais, mas não se corrige? É preciso colocá-lo em um grupo separado para ver se percebe e muda.

P. E as crianças que se esforçam, mas não atingem o nível?

R. Elas podem ter aulas de reforço. E podemos oferecer itinerários diferentes, como no caso de Cingapura.

P. E repetir de ano?

R. Fazer repetir uma criança às vezes serve e às vezes não, porque cada um é diferente. Gosto do sistema de Cingapura, onde o lema é que cada criança pode atingir seu nível ótimo. Existem diferentes maneiras de conseguir isso: uma maneira, digamos, normal e outra, expressa. A segunda inclui mais conteúdos em menos tempo. Há quem diga que é menos democrático, mas creio que, pelo contrário, é mais democrático porque convém à criança, à família e ao Estado. E há menos evasão escolar, um problema muito mais grave.

P. Não está aprendendo também por imitação? Ou seja, os alunos adiantados podem puxar aqueles que ficam para trás?

R. Funciona quando o grupo tem um bom nível e um bom professor. E se aqueles que têm de se integrar são poucos e querem fazê-lo. Se não, o que geralmente acontece é que aqueles que não querem trabalhar arrastam os outros.

P. O bilinguismo que combina inglês e espanhol prolifera nas escolas espanholas. Você matricularia seus filhos em uma dessas escolas?

R. Primeiramente, eu analisaria outras opções. Aprender inglês é bom, mas é preciso perguntar o que deixamos de aprender de outras matérias. Tenho dúvidas. Acredito que se pode aprender bem inglês com algumas horas de aula sem sacrificar outros conhecimentos, como por exemplo, as ciências. Na Suécia, as aulas de inglês só começam aos 9 ou 10 anos.

Texto retido do link


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