Apresentamos o Resumo, Introdução e Sumário do livro A crise dos fundamentos da matemática: uma abordagem histórico-filosófica, de Jacintho Del Vecchio Junior, Editora Novas Edições Acadêmicas, 2017.
Resumo
Nessa obra, o autor procura oferecer uma interpretação histórico-filosófica acerca de como o desenvolvimento das ciências formais criou as condições propícias para o surgimento dos paradoxos da teoria cantoriana dos conjuntos (o cerne da crise dos fundamentos da matemática) e de como foram articuladas as tentativas de sua solução no debate que se instalou a partir de então. Todavia, a crise dos fundamentos é relevante para a história da ciência não apenas pela necessidade de superação do problema em si, mas também por outros motivos: primeiro, por ofertar a oportunidade de um embate intenso, apaixonado e esclarecedor entre os representantes das principais correntes do pensamento matemático do início do século XX; segundo, por haver influenciado profundamente o desenvolvimento da matemática contemporânea, ao viabilizar perspectivas ainda não exploradas e um indiscutível amadurecimento da disciplina; finalmente, por fazer reviver uma instigante contenda, de cunho metafísico, relativa à verdadeira natureza dos entes matemáticos e à nossa efetiva capacidade de concebê-los.
Introdução
Este livro tem por finalidade narrar alguns episódios da história da matemática e, acessoriamente, da lógica, do modo menos pretensioso e técnico possível. Ele é um mergulho em um tema pouco conhecido do grande público, mas que tem traços de uma verdadeira aventura do conhecimento humano, que se inicia quando o desenvolvimento da matemática, uma ciência pautada pela certeza e pelo rigor, acaba desaguando inesperadamente em uma série de paradoxos inaceitáveis, e que deveriam ser superados a qualquer custo.
A crise dos fundamentos da matemática ocorreu entre a última década do século XIX e a primeira vintena do século XX. O incômodo decorrente dos problemas advindos da teoria cantoriana dos conjuntos, que consistiram no cerne da crise, fomentou uma revisão dos fundamentos teóricos e filosóficos pressupostos nas bases mais essenciais da matemática, cujos frutos foram, sem dúvida, muito significativos para o seu desenvolvimento posterior.
Os caminhos trilhados para a solução dessas dificuldades, todavia, ao esbarrarem na necessidade de rever os próprios fundamentos da disciplina, impuseram a necessidade de, em alguma medida, reinventá-la. Não é casualmente, portanto, que nessa oportunidade, algumas tendências divergentes acerca de como conceber a matemática – notadamente as perspectivas conhecidas como logicismo, formalismo e intuicionismo - encontraram o momento oportuno para enfrentarem-se em acirrados e fecundos debates, seja no que diz respeito às características que devem determinar a essência da matemática, seja quanto aos pressupostos aceitos explícita ou implicitamente pela teoria.
Mas que “pressupostos” são esses? Tomemos por exemplo a definição de número. De modo geral e impreciso, podemos dizer que a matemática é a ciência dos números (o que engloba suas ordens e relações) e das grandezas. Mas em que consistem efetivamente esses números e grandezas? Essa é uma questão fundamental ao matemático, mas que não pode ser respondida estritamente nos limites de uma teoria matemática. Isso porque qualquer resposta minimamente satisfatória que possamos ensaiar para essa pergunta extrapola a teoria propriamente dita. Tomado como uma noção essencial – que podemos denominar como um axioma, uma definição, uma intuição originária - a ideia de número traz em seu bojo algumas armadilhas bem conhecidas. Euclides, por exemplo, no livro VII dos Elementos, define número como conjunto de unidades, e unidade como aquilo pelo que coisas que existem são chamadas “um”. Define-se, então, a unidade pela noção de unidade. A questão que se impõe a partir daí, é a seguinte: uma definição dessa natureza é aceitável? Note-se quão longe da boa e velha matemática uma questão dessa natureza pode nos levar. Por isso, mesmo que de maneira implícita ou velada, não podemos ignorar a existência de um debate no que tange às crenças que lastreiam o conhecimento matemático, e que são determinantes para o modo como o construímos.
A discussão relativa à natureza dos números pode ser generalizada como o problema da natureza dos objetos matemáticos. De início, ela pode parecer uma questão dispensável ou mesmo tola, uma elucubração sem resultados importantes. Longe disso. Na realidade, ela é muito mais importante do que parece à primeira vista. Sua importância decorre do fato de que as teorias matemáticas não estão dissociadas das crenças dessa natureza que a ela são subjacentes. O chamado platonismo matemático, por exemplo, é um posicionamento que defende a tese da realidade independente dos números. Ele tem um caráter declaradamente metafísico, e consiste na forma mais exacerbada do realismo matemático. Tornemo-nos realistas matemáticos por um minuto; seremos, então, obrigados a reconhecer que, se números existem como entes independentes, a matemática não é inventada, ela é descoberta, ao traduzir uma realidade exterior, que já existe per se, o que obviamente traz consequências em relação ao modo, aos artifícios e métodos a partir dos quais é possível construir nossa ciência.
O problema relativo a adotar ou não uma postura realista no que tange aos entes matemáticos ganha importância principalmente porque determinadas teses e princípios só podem ser defendidos na matemática de modo não problemático se assumirmos uma concepção dessa natureza. Aceitar, ao contrário, que números são simples criações do intelecto humano – a principal vertente das perspectivas antirrealistas - leva-nos a algumas restrições importantes no que diz respeito a como tratar com eles.
Logo, se existe um “universo” dos seres matemáticos (a base original da tese realista), um enunciado matemático, para ser verdadeiro, deve corresponder ao que esses seres matemáticos são. Caso nossa perspectiva seja antirrealista – ou seja, parta da defesa dos objetos matemáticos como produtos de nosso pensamento, sejam eles conceitos, nomes, símbolos ou ficções – as exigências para que um enunciado matemático seja verdadeiro são outras. Daí deriva a relevância da adoção de uma postura em relação a essa metafísica que suporta a matemática. Podemos adiantar que ambas as perspectivas (o realismo e o antirrealismo matemáticos) têm suas virtudes, assim como seus problemas não resolvidos.
O enfrentamento desses pontos de vista encontra um momento privilegiado no período em que surgem os paradoxos da teoria dos conjuntos, como já indicamos, sobretudo porque uma teoria simples como a de Cantor supostamente só poderia levar a paradoxos se envolvesse problemas relativos a seus fundamentos. As respostas elaboradas pelos autores envolvidos nessa polêmica acabam por adotar, portanto, um caráter normativo: alguns conceitos fundamentais para a teoria são colocados em discussão, e as soluções apontadas iriam naturalmente nortear uma espécie de reelaboração da disciplina.
Esse processo de reelaboração toca, por exemplo, a concepção de rigor. É inegável que a matemática sempre se caracterizou pelo rigor de suas proposições, e que isso é um traço marcante de sua natureza. Rigor, em termos grosseiros, pode ser associado à exatidão de seus objetos, de suas operações e, consequentemente, dos resultados que propicia, seja na aritmética, seja na geometria. Essa perfeição ideal dos elementos da matemática e de suas regras de operação é o que inspira, por exemplo, Descartes a eleger a matemática como modelo de exatidão para a ciência em geral, por coincidir “mais perfeitamente”, por assim dizer, com as demandas da própria razão humana para a constituição do saber em geral.
A perfeição traduzida pelo rigor matemático é fomentada, em grande parte, pelo caráter abstrato dos elementos que compõem a disciplina. “1” simboliza, na aritmética, a noção primitiva de unidade que, em si, é isenta de conteúdo. Com base nela são construídas, por meio de definições e demonstrações muito precisas, as outras grandezas numéricas, e as próprias séries numéricas, sempre com um caráter fortemente abstrato. A construções geométricas, por sua vez, constituem o grande exemplo do rigor matemático na Antiguidade, e partem também de noções gerais e axiomas que não remetem a objetos particulares, mas sempre objetos abstratos: propriedades são demonstradas para triângulos em geral – a soma de seus ângulos internos, por exemplo. Logo, seja na aritmética, seja na geometria, apenas o caráter abstrato dos objetos matemáticos possibilita a validade universal de suas proposições.
Mas o que torna a discussão particularmente interessante é o fato de que os próprios conceitos de rigor e de abstração não podem ser entendidos como categorias atemporais, irretocáveis. O rigor, por exemplo, caminha da evidência intuitiva à prova lógica entre os séculos XVII e XIX, o que envolve a derrocada da importância da intuição na matemática. Tudo isso converge para o delineamento de um painel conceitualmente rico e instigante, visto poucas vezes na história das ciências formais.
Na primeira parte do livro, portanto, procuramos apresentar os principais fatores que levaram à crise dos fundamentos da matemática, tomando por base de argumentação o advento das geometrias não euclidianas, a ascensão do rigor matemático enquanto prova lógica e a criação da lógica matemática, circunstâncias que, em maior ou menor grau, cristalizaram o cenário teórico a partir do qual Georg Cantor introduz sua teoria dos conjuntos, e de onde provêm seus paradoxos. A segunda parte apresenta os principais argumentos do logicismo, do formalismo e do intuicionismo, as correntes do pensamento matemático que foram decisivas para a superação dos paradoxos, principalmente com o foco no debate travado entre elas e no modo como esse debate reverbera o problema da metafisica subjacente à teoria.
Um desafio claro para a elaboração de um livro que pode despertar a atenção tanto de técnicos quanto de leigos é a forma de apresentação de seus temas. Optou-se aqui por abordar a crise dos fundamentos da matemática e sua solução da maneira mais simples possível. O emprego da simbologia lógico-matemática será evitado ao máximo, em nome da simplicidade da leitura. Referências mais detalhadas e precisas foram alocadas nas notas explicativas. Assim, o livro não tem a pretensão de oferecer um retrato meticuloso de todos os meandros que envolvem essa história, mas apenas de seus momentos mais relevantes. O desenvolvimento da lógica matemática, do processo de instalação do rigor na análise ou da solução dos paradoxos, por exemplo, não se prestam, a rigor, a uma abordagem direta e linear, como a apresentada no livro; ao contrário, elas são temáticas complexas, ramificadas, cheia de idas e vindas, mas o preço de ser justo e absolutamente preciso para com todos os nomes e momentos que as compõem faria com que a obra perdesse substancialmente o caráter introdutório que a caracteriza. Portanto, é só uma forma peculiar, dentre várias possíveis, de contar essa história tão rica, multifacetada e instigante.
Sumário
Introdução9
Primeira Parte - O caminho dos paradoxos15
1A revolução não euclidiana17
2A ascensão do rigor matemático35
2.1O cálculo e o problema dos infinitesimais35
2.2A análise: entre rigor demonstrativo e intuição43
3Uma nova inspiração para a lógica55
3.1A lógica aristotélica55
3.2O advento de um novo paradigma63
4O legado de Cantor79
Segunda Parte - A polêmica e a solução da crise97
5Logicismo, formalismo e intuicionismo99
5.1O logicismo101
5.1.1Frege e o conceito de número102
5.1.2O percurso de Russell105
5.2O formalismo114
5.2.1O esboço da teoria axiomática115
5.2.2A teoria da prova e a metamatemática123
5.3A matemática em construção: o intuicionismo127
6Uma metafísica para a matemática147
6.1A retomada de uma questão antiga147
6.2O realismo e os entes matemáticos152
6.3O antirrealismo: nomes e definições161
6.4As consequências do posicionamento metafísico171
7Os debates acerca dos paradoxos e as soluções propostas177
7.1A primeira fase – 1905 a 1912180
7.1.1O papel da intuição180
7.1.2O conceito de infinito184
7.1.3O princípio de indução completa190
7.1.4O círculo vicioso e a “boa” predicação196
7.1.5O axioma da escolha e a axiomatização completa199
7.2A segunda fase – 1923-1931204
7.2.1O programa de Hilbert versus o intuicionismo de Brouwer204
7.2.2Os teoremas da incompletude e o programa de Hilbert209
8Um desfecho modesto221
Bibliografia229
Índice de termos238
Índice de autores243
Sobre o autor: Jacintho Del Vecchio Junior é Bacharel, mestre e doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo. Realizou estudos pós-doutorais no Laboratoire d'Histoire et de Philosophie des Sciences - Archives Henri Poincaré, entidade junto à qual é pesquisador associado. É também menbro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
A educação de acordo com São Francisco de Sales, por P. Wirth MORAND - Fevereiro 24, 2025
A educação segundo São Francisco de Sales é um caminho de amor e cuidado com os jovens, baseado em regras indispensáveis: gentileza, compreensão e correção equilibrada. Da família à sociedade, São Francisco pede que os responsáveis demonstrem afeto sincero, conscientes de que os jovens precisam ser guiados com paciência e inspiração. A educação é um dom que ajuda a formar almas livres, capazes de pensar e agir em harmonia. Como um mestre da montanha, o bispo da Saboia nos lembra que corrigir significa acompanhar, salvaguardando a espontaneidade dos corações em crescimento e sempre visando à transformação interior. Assim nasce uma educação integral.
Um dever a ser cumprido com amor
A educação é um fenômeno universal, baseado nas leis da natureza e da razão. É o melhor presente que os pais podem dar a seus filhos, nos quais ela nutrirá a gratidão e a piedade filial. Falando daqueles que são responsáveis pelos outros, tanto na família quanto na sociedade, Francisco de Sales recomenda que eles demonstrem amor: “Cumpram, portanto, seu dever com amor”.
Os jovens precisam de orientação. Se é verdade que “aquele que governa a si mesmo é governado por um grande tolo”, isso deve ser ainda mais verdadeiro para aqueles que ainda são inexperientes. Da mesma forma, Celso Benigno, o filho mais velho da Senhora de Chantal, que era uma fonte de preocupação para sua mãe, precisava de orientação para ajudá-lo a “provar a bondade da verdadeira sabedoria por meio de admoestações e recomendações”.
Para um jovem que estava prestes a “sair para o mundo”, ele sugeriu encontrar “algum espírito cortês” que ele pudesse visitar de tempos em tempos para “se recrear e recuperar o fôlego espiritual”. Devemos fazer como o jovem Tobias na Bíblia: enviado por seu pai a uma terra distante onde não conhecia o caminho, ele recebeu o seguinte conselho: “Vá, pois, e procure um homem para guiá-lo”.
Especialista em montanhas, o bispo da Saboia gostava de lembrar às pessoas que aqueles que caminham em trilhas ásperas e escorregadias precisam ser amarrados, presos uns aos outros para avançar com mais segurança. Sempre que podia, ele oferecia ajuda e conselhos aos jovens em perigo. Para um jovem estudante envolvido em jogos de azar e libertinagem, ele escreveu “uma carta cheia de avisos bons, gentis e amigáveis”, convidando-o a fazer melhor uso de seu tempo.
Um bom guia deve ser capaz de se adaptar às necessidades e possibilidades de cada indivíduo. Francisco de Sales admirava as mães que sabiam como dar a cada um de seus filhos o que eles precisavam e se adaptar a cada um “de acordo com o alcance de seu espírito”. É assim que Deus acompanha as pessoas. Seu ensinamento se assemelha ao de um pai atento às capacidades de cada um: “Como um bom pai que segura seu filho pela mão”, escrevia ele a Joana de Chantal, “ele adaptará seus passos aos seus e se contentará em não ir mais rápido do que você”.
Elementos da psicologia da juventude
Para ter alguma chance de sucesso, o educador deve saber algo sobre os jovens em geral e sobre cada jovem em particular. O que significa ser jovem? Comentando a famosa visão da escada de Jacó, o autor da Introdução à vida devota observa que os anjos que subiam e desciam a escada tinham todos os atrativos da juventude: eram cheios de vigor e agilidade; tinham asas para voar e pés para caminhar com seus companheiros; seus rostos eram belos e alegres; “suas pernas, braços e cabeças estavam todos descobertos” e “o resto de seus corpos estava coberto, mas com uma túnica bela e leve”.
Mas não idealizemos demais essa idade da vida. Para Francisco de Sales, a juventude é por natureza imprudente e ousada; os jovens devoram todas as dificuldades de longe e fogem delas de perto. “Jovem e ardente” são dois adjetivos que muitas vezes andam de mãos dadas, especialmente quando usados para descrever uma mente “repleta de concepções e fortemente inclinada a extremos”. E entre os riscos dessa idade está “o ardor do sangue jovem que está começando a ferver e de uma coragem que ainda não tem a prudência como guia”.
Os jovens são versáteis, movem-se e mudam com facilidade. Como os cães jovens que adoram mudanças, os jovens são volúveis e inconstantes, agitados por vários “desejos de novidade e mudança”, e são suscetíveis a causar “grandes e infelizes escândalos”. É uma idade em que as paixões são ferozes e difíceis de controlar. Como as borboletas, esvoaçam em volta do fogo com o risco de queimar as asas.
Muitas vezes, falta-lhes sabedoria e experiência, porque o amor-próprio cega a razão. Devemos temer essas duas atitudes opostas nelas: a vaidade, que na verdade é uma falta de coragem, e a ambição, que é um excesso de coragem que as leva a buscar injustificadamente a glória e a honra.
Como é maravilhoso, porém, quando a juventude e a virtude se encontram! Francisco de Sales admira uma jovem que tinha tudo para gostar na primavera de sua vida e que amava e estimava “as santas virtudes”. Ele elogia todos aqueles que, durante sua juventude, mantiveram suas almas “sempre puras em meio a tantas infecções”.
Os jovens, em particular, são sensíveis ao afeto que recebem. “É impossível expressar o quanto somos amigáveis”, escreveu ele a um pai sobre seu relacionamento com o filho indisciplinado, até mesmo insuportável, na escola. Como podemos ver, Francisco de Sales estava feliz em se proclamar amigo dos jovens. Da mesma forma, ele escreveu à mãe de uma menina da qual era padrinho: “A querida afilhadinha, como penso, tem uma secreta noção de que eu a amo, tão forte é a afeição que ela me demonstra”.
Finalmente, “esta é a idade certa para receber impressões”, o que é bom porque significa que os jovens podem ser educados e são capazes de grandes coisas. O futuro pertence aos jovens, como vimos na Abadia de Montmartre, onde foram justamente os jovens, com sua abadessa ainda mais jovem, que realizaram a “reforma”.
O senso dos propósitos na educação
Embora o realismo exija que os educadores conheçam as pessoas a quem se dirigem, eles nunca devem perder de vista o senso do propósito de sua ação. Não há nada melhor do que uma consciência clara das metas que estabelecemos para nós mesmos, porque “todo agente age para o fim e de acordo com o fim”.
O que é, então, a educação e qual é o seu propósito? A educação, diz Francisco de Sales, é “uma infinidade de solicitações, auxílios, benefícios e outros serviços necessários à criança, exercidos e continuados em relação a ela até a idade em que não mais necessite deles”. Duas coisas chamam a atenção nessa definição: por um lado, a insistência na multiplicidade de atenções que a educação exige e, por outro, seu fim, que coincide com o momento em que o sujeito alcançou a autonomia. As crianças são educadas para alcançar a liberdade e o controle total sobre suas vidas.
Em termos concretos, o ideal educativo de Francisco de Sales parece girar em torno da noção de harmonia, ou seja, a integração harmoniosa de todos os vários componentes que existem no ser humano: “ações, movimentos, sentimentos, inclinações, hábitos, paixões, faculdades e poderes”. A harmonia implica unidade, mas também distinção. A unidade requer um único mandamento, mas esse mandamento único deve não apenas respeitar as diferenças, mas também promover as distinções na busca da harmonia. Na pessoa humana, o governo pertence à vontade, à qual todos os outros componentes se referem, cada um em seu lugar e interdependente do outro.
Francisco de Sales usa duas comparações para ilustrar seu ideal. Elas não deixam de ser análogas aos dois impulsos humanos fundamentais destacados pela psicanálise: agressão e prazer. Um exército é belo, explica ele, quando é composto de partes distintas dispostas de modo a formar um único exército. A música é bela quando as vozes estão unidas em distinção e quando são distintas, mas unidas.
Começando pelo coração
“Aquele que conquistou o coração do homem conquistou o homem inteiro”, escreve o autor da Introdução à Vida Devota. Essa regra geral deve se aplicar ao campo da educação. A expressão “conquistar o coração” pode ser interpretada de duas maneiras. Pode significar que o educador deve visar o coração, ou seja, o núcleo interno da pessoa, antes de se preocupar com seu comportamento externo. Por outro lado, significa conquistar uma pessoa por meio do afeto.
O homem é construído a partir de dentro: essa parece ser uma das grandes lições de Francisco de Sales, educador e reformador de pessoas e comunidades. Ele estava bem ciente de que seu método não era compartilhado por todos, pois escreveu: “Nunca pude aprovar o método daqueles que, para reformar o homem, começam pelo exterior, pelo comportamento, pelas roupas, pelos cabelos. Portanto, devemos começar por dentro, ou seja, pelo coração, a sede da vontade e a fonte de todas as nossas ações.
O segundo ponto é tentar conquistar a afeição dos outros, de modo a estabelecer um bom relacionamento educativo com eles. Numa carta a uma abadessa, aconselhando-a sobre a reforma de seu mosteiro, composto em grande parte por jovens, encontramos indicações valiosas de como o bispo da Saboia concebia seu método de educação, formação e, mais precisamente nesse caso, “reforma”. Acima de tudo, não devemos alarmá-los, dando-lhes a impressão de que queremos reformá-los. O objetivo é que eles se reformem. Após essas preliminares, três ou quatro “truques” devem ser usados. Não é de se admirar, pois a educação também é uma arte, na verdade a arte das artes. O primeiro é pedir que eles façam as coisas com frequência, mas com muita facilidade e sem dar a impressão de que estão fazendo. Em segundo lugar, é preciso falar com frequência e em termos gerais sobre o que precisa ser mudado, como se estivesse pensando em outra pessoa. Em terceiro lugar, é preciso tentar tornar a obediência amável, sem se esquecer de mostrar novamente seus benefícios e vantagens. De acordo com Francisco de Sales, a gentileza deve ser preferida porque geralmente é mais eficaz. Por fim, os responsáveis devem mostrar que não agem por capricho, mas em virtude de sua responsabilidade e com vistas ao bem de todos.
Comandar, aconselhar, inspirar
Parece que as intervenções propostas por Francisco de Sales no campo da educação têm como modelo os três modos que Deus usa com os homens para indicar-lhes sua vontade: mandamentos, conselhos e inspirações.
É óbvio que os pais e os professores têm o direito e o dever de ordenar a seus filhos ou alunos para o bem deles, e que eles devem obedecer. Ele mesmo, em sua responsabilidade como bispo, não hesitou em fazê-lo quando necessário. Entretanto, de acordo com Camus, ele abominava espíritos absolutos que queriam ser obedecidos à vontade e que tudo tinha de ceder ao seu domínio. Ele dizia que “aqueles que amam ser temidos, temem ser amados”. Em alguns casos, a obediência pode ser forçada. Referindo-se ao filho de um de seus amigos, ele escreveu ao pai: “Se ele perseverar, ficaremos satisfeitos; se não perseverar, teremos de usar um destes dois remédios: ou retirá-lo para uma escola um pouco mais fechada do que esta, ou dar-lhe um mestre particular que seja um homem e a quem ele prestará obediência”. O uso da força pode ser totalmente descartado?
Normalmente, porém, Francisco de Sales recorria a conselhos, avisos e recomendações. O autor da Introdução à Vida Devota se apresenta como um conselheiro, um assistente, alguém que dá “conselhos”. Embora muitas vezes ele use o imperativo, é um conselho que ele está dando, especialmente porque muitas vezes é acompanhado de uma condicional: “Se você pode fazê-lo, faça-o”. Às vezes, a recomendação é disfarçada como uma declaração de valor: é bom fazer isso, é melhor fazer assim etc.
Mas quando ele pode e sua autoridade não está em questão, ele prefere agir por inspiração, sugestão ou insinuação. Esse é o método salesiano por excelência, que respeita a liberdade humana. Parecia-lhe particularmente adequado escolher um estado de vida. Esse é o método que ele recomendou à Senhora de Chantal para a vocação que ela queria para seus filhos, “inspirando-os gentilmente com pensamentos em sintonia com ela”.
Mas a inspiração não é comunicada apenas por palavras. Os céus não falam, diz a Bíblia, mas proclamam a glória de Deus por meio de seu testemunho silencioso. Da mesma forma, “o bom exemplo é a pregação silenciosa”, como a de São Francisco que, sem dizer uma única palavra, atraiu um grande número de jovens com seu exemplo. De fato, o exemplo leva à imitação. Pequenos rouxinóis aprendem a cantar com os grandes, lembrou ele, e “o exemplo daqueles que amamos tem uma influência e uma autoridade suave e imperceptível sobre nós”, a ponto de sermos obrigados a deixá-los ou imitá-los.
Como corrigir?
O espírito de correção consiste em “resistir ao mal e suprimir os vícios daqueles que nos foram confiados, constante e corajosamente, mas com brandura e tranquilidade”. No entanto, as falhas devem ser corrigidas sem demora, enquanto são pequenas, “porque se você esperar que elas cresçam, não poderá curá-las facilmente”.
A severidade às vezes é necessária. Os dois jovens religiosos que estavam dando escândalo precisavam ser colocados de volta no caminho certo para que um grande número de consequências lamentáveis fosse evitado. Embora sua pouca idade possa ter sido uma desculpa, “a continuação de seu comportamento agora os torna imperdoáveis”. Há até mesmo casos em que é necessário “manter os ímpios com algum temor pela resistência que eles apresentarão”. O bispo de Genebra cita uma carta de São Bernardo aos frades de Roma que precisavam de correção, na qual ele “fala com eles adequadamente e com um sabão quente o suficiente”. Façamos como o cirurgião, pois “é uma amizade fraca ou ruim ver o amigo perecer e não o ajudar, vê-lo morrer de apostasia e não ousar dar-lhe o fio da navalha da correção para salvá-lo”.
No entanto, a correção deve ser administrada sem paixão, porque “um juiz castiga os ímpios muito melhor quando profere suas sentenças com razão e em um espírito de tranquilidade, do que quando as profere com ímpeto e paixão, especialmente porque, julgando com paixão, ele não castiga as faltas de acordo com o que elas são, mas de acordo com o que ele mesmo é”. Da mesma forma, “as admoestações gentis e cordiais de um pai têm muito mais poder para corrigir um filho do que sua raiva e ira”. É por isso que é importante se proteger contra a raiva. Na primeira vez que você sentir raiva, ele disse à Filoteia, “você deve reunir suas forças rapidamente, não de forma repentina ou impetuosa, mas com cuidado e seriedade”. Em uma carta a uma freira que havia se queixado de “uma garotinha mal-humorada e desorganizada” confiada aos seus cuidados, o bispo deu o seguinte conselho: “Se puder, não a corrija com raiva”. Não sejamos como o rei Herodes ou como aqueles homens que dizem que governam quando são temidos, quando governar é “ser amado”.
Há muitas maneiras de corrigir. Uma das melhores não é tanto retirar o que é negativo, mas incentivar tudo o que é positivo em uma pessoa. Isso é chamado de “correção por inspiração”, porque “é maravilhoso como a gentileza e a beleza de algo bom é uma maneira poderosa de atrair corações”.
Seu discípulo, João Pedro Camus, contou a história de uma mãe que amaldiçoou o filho que a havia insultado. Pensou-se que o bispo deveria fazer o mesmo, mas ele respondeu: “O que você quer que eu faça? Eu estava com medo de derramar em um quarto de hora o pequeno licor de bondade que venho tentando coletar há vinte e dois anos”. Foi novamente Camus quem relatou essa frase “inesquecível” de seu mestre: “Lembre-se de que você pega mais moscas com uma gota de mel do que com um barril de vinagre”.
A gentileza é preferível não só com os outros, mas também conosco mesmos. Todos devem estar preparados para reconhecer seus erros com calma e se corrigir sem ficar com raiva. Eis um bom conselho para uma “pobre garota” que está com raiva de si mesma: “Diga a ela que, por mais que possa lamentar-se, nunca ficará surpresa ou com raiva de si mesma”.
Educação progressiva
São Francisco de Sales, que tinha um senso do real e do possível, bem como a contenção e o tato necessários, estava convencido de que grandes projetos só podem ser realizados com paciência e tempo. A perfeição nunca é o ponto de partida e provavelmente nunca será alcançada, mas o progresso é sempre possível. O crescimento tem suas próprias leis que devem ser respeitadas: as abelhas eram primeiro larvas, depois ninfas e, finalmente, abelhas “formadas, feitas e perfeitas”.
Fazer as coisas de maneira ordenada, uma após a outra, sem confusão, até mesmo com certa lentidão, mas sem nunca parar, esse parece ser o ideal do bispo de Genebra. Vamos seguir em frente, disse ele, e “por mais lentamente que avancemos, percorreremos um longo caminho”. Da mesma forma, ele recomendou a uma abadessa que tinha a pesada tarefa de reformar seu mosteiro: “Você deve ter um coração grande e duradouro”. A lei da progressão é universal e se aplica em todos os campos.
Para ilustrar seu pensamento, o santo da gentileza usou inúmeras comparações e imagens para inculcar um senso de tempo e a necessidade de perseverar. Algumas pessoas têm a tendência de voar antes de ter asas ou, de repente, querem ser anjos, quando não são apenas homens e mulheres de bem. Quando as crianças são pequenas, damos a elas leite e, quando crescem e começam a ter dentes, damos a elas pão e manteiga.
Um ponto importante é não ter medo de repetir a mesma coisa várias vezes. Devemos imitar os pintores e escultores que criam suas obras repetindo as pinceladas do pincel e os golpes do cinzel. A educação é uma longa jornada. Ao longo do caminho, é preciso se purificar de muitos “humores” negativos, e essa purificação é lenta. Mas não devemos desanimar. A lentidão não significa resignação ou espera indecisa. Pelo contrário, devemos aprender a tirar o máximo proveito de tudo, não desperdiçando tempo e sabendo como usar “nossos anos, nossos meses, nossas semanas, nossos dias, nossas horas e até mesmo nossos momentos”.
A paciência, frequentemente ensinada pelo bispo de Genebra, é uma paciência ativa que nos permite seguir em frente, embora com pequenos passos. “Pouco a pouco e passo a passo, devemos adquirir esse domínio”, escreveu ele a uma impaciente Filoteia. Aprendemos “primeiro a caminhar com pequenos passos, depois a nos apressar, depois a acelerar e, finalmente, a correr”. O crescimento até a idade adulta começa lentamente e se acelera cada vez mais, assim como a formação e a educação. Por fim, a paciência é nutrida pela esperança: “Não há solo tão ingrato que o amor do trabalhador não o fertilize”.
Educação integral
Pelo que foi dito até agora, já está bem claro que, para Francisco de Sales, a educação não podia ser confundida com uma única dimensão da pessoa, como a instrução, ou boas maneiras, ou mesmo uma educação religiosa desprovida de fundamentos humanos. É claro que não se pode negar a importância de cada uma dessas áreas específicas. Com relação à educação e à formação da mente, basta lembrar o tempo e o esforço que ele dedicou durante a juventude para adquirir uma alta cultura intelectual e “profissional”, bem como o cuidado que dedicou à educação em sua diocese.
Entretanto, sua principal preocupação era a formação integral da pessoa humana, compreendida em todas as suas dimensões e dinâmicas. Para demonstrar isso, vamos nos concentrar em cada uma das dimensões constituintes da pessoa humana em sua totalidade simbólica: o corpo com todos os seus sentidos, a alma com todas as suas paixões, a mente com todas as suas faculdades e o coração, a sede da vontade, do amor e da liberdade.
Apresentamos o Prefácio e parte da Introdução do livro Os Elementos de Euclides, traduzido por Irineu Bicudo, Editora Unesp, 2009.
A parte II pode ser encontrada aqui (em breve) e a parte III aqui (em breve).
Prefácio
É-me forte a impressão de, desde sempre, eu ter querido estudar o grego clássico. Lembro com que sentimento de encanto folheava o caderno que um vizinho me emprestara, contendo as lições de um quase nada daquela língua que ele aprendera quando seminarista. Cursava eu, então, a antiga escola primária. Essa vontade cresceu com as aulas de latim nas quatro séries ginasiais. Em várias épocas, cheguei a comprar gramáticas e livros com textos em grego. Mas a oportunidade (καιρός: “Quando pousa / o pássaro // quando acorda / o espelho // quando amadurece / a hora”) [1] só surgiu, de fato, arrebatadora, no segundo semestre de 1988, na disciplina de Língua Grega, ministrada pelo Professor Dr. Henrique Graciano Murachco, no Programa de Extensão Universitária da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Então, por dez anos, sempre que minhas atividades como professor, vice-diretor e depois diretor do Instituto de Geociências e Exatas da UNESP de Rio Claro e algumas viagens ao exterior me permitiram, participei com dedicação e entusiasmo, nas tardes das sextas-feiras, com um grupo de pessoas de várias procedências profissionais, do que o Professor Henrique chamava de “Oficina de Tradução”. Ali vertemos para o português longas passagens de Homero, Heródoto, Píndaro, Sófocles, Platão, Xenofonte, Aristóteles. O meu envolvimento com as letras aumentava com o tempo, e a consequência disso foram os múltiplos e honrosos convites, sempre aceitos, para participar de bancas examinadoras de concurso para ingresso de professor, de teses de doutoramento, de concurso de livre-docência e de dois concursos de professor titular, todos do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da velha universidade.
O livro que ora dou a público é o fruto amadurecido, desde então, pelos
longos anos de aprendizagem. Com ele viso, evidentemente, aos estudantes de Matemática e aos professores dessa ciência. Incluo no público-alvo também as pessoas cultas em geral que se interessem pelas conquistas gregas na Antiguidade, os estudantes de Filosofia e os de Letras Clássicas (grego), cujo curso, do meu ponto de vista, deixa aberta uma imensa lacuna no conhecimento da cultura grega ao não estudar obras matemáticas e hipocráticas, grandiosos monumentos daquela civilização.
Proclus, para mostrar a excelência do trabalho de Euclides, descreve algumas qualidades que um trabalho desse tipo deva ter, e que o de Euclides, de fato, tem.
Assim, diz:
É preciso a obra que tal desembaraçar-se de todo o supérfluo – pois isso é um obstáculo à instrução [2];
muita preocupação (deve) ter sido efetivada relativa a clarezas e, ao mesmo tempo, a concisões – pois os contrários dessas turvam a nossa inteligência [3].
De fato, a prática de Euclides frequentemente contempla a concisão – por exemplo, em lugar de “o quadrado sobre a AB (isto é, de lado AB)” diz, na maioria das vezes, “o sobre a AB”; e, “o pelas AB, CD”, em lugar de “o retângulo contido pelas AB, CD (ou seja, de lados AB, CD)”; “cortar em duas” sempre significa “cortar em duas partes iguais (isto é, bissectar)” etc. Mas se, por um lado, a concisão leva, entre outras coisas, a esse encurtamento das expressões, que mantive na tradução em respeito ao estilo euclidiano, ao contrário do que faz a recente versão francesa que se farta de palavras ausentes no grego, por outro lado, a clareza não abandona o leitor atencioso que logo se habituará com essas particularidades.
Chamo a atenção para o fato de, em grego, o termo “lado” (πλευρά) ser feminino e assim só esse gênero aparecer ao referir-se o texto a “o lado AB do triângulo...” ou a “a reta (ou seja, segmento) AB do triângulo...”. Então, a tradução usa, nesses casos, indiferentemente, os artigos masculino ou feminino.
Previno, por fim, a quem possa interessar, que é preciso fôlego para acompanhar muitíssimas das demonstrações que aqui se encontram, e determinação. Garanto, no entanto, que, vencida a inércia, ultrapassado o obstáculo, alcançado o objetivo com a compreensão do resultado, cabe a recompensa de ter mergulhado no próprio processo do que denominamos “pensar” e de haver podido apreendê-lo em toda a sua abrangência. Mais: brotará disso a convicção de que, se com Homero a língua grega alcançou a perfeição, atinge com Euclides a precisão. E o método formular, que consiste em usar um conjunto de frases fixas que cobrem muitas ideias e situações comuns, poderoso auxílio à memória em um tempo de cultura e de ensino eminentemente orais, serve para aproximar o geômetra do poeta e então mostrar que perfeição e precisão podem ser faces da mesma medalha.
Agradeço à minha esposa, Elizabeth Christina Plombon, que digitou com carinho e cuidado todo o trabalho, confeccionando-lhe as, muitas vezes, complicadas figuras, e sendo de importante ajuda nas revisões; ao Prof. Dr. Henrique Murachco, pelo ensino e a amizade, e ao Prof. Dr. José Rodrigues Seabra Filho, docente de latim da USP, e companheiro daquelas sextas-feiras, por ter conferido comigo a tradução que fiz do Prefácio Latino de Stamatis.
Sou o único responsável por todas as traduções do grego e do latim, e por quase todas as do inglês, francês, alemão e italiano.
Pois, tendo aprendido algo, jamais neguei, fazendo o conhecimento ser como uma descoberta minha; mas louvo como sábio o que me instruiu, tornando públicas as coisas que aprendi com ele.
Platão, Hippias Menor, 372 c5-8 [4]
P.S.: (i) Conforme salienta Kirk (The Songs of Homer [5]: “Finally that perennial problem, the spelling of Greek names.” [6]), a solução que adotei, nem sempre com sucesso, foi a de preservar as formas usuais em português dos mais conhecidos, e prover para os outros a latinizada, como, de hábito, praticam-na os de língua inglesa.
(ii) O uso de colchetes na tradução reproduz o que se encontra no texto grego e, ali, indica o que Heiberg julga ter sido inserido por terceiros no escrito de Euclides.
(iii) Ensina Said Ali na sua Gramática (p.171-2):
Nos enunciados de caráter condicional, em que a hipótese é um fato inexistente cuja realização não se espera ou não parece provável, emprega-se o imperfeito do conjuntivo para esta hipótese condicionante, e o futuro do pretérito para a oração principal.
Na linguagem familiar costuma-se substituir o futuro do pretérito pela forma do imperfeito do indicativo. É substituição permitida em linguagem literária (grifo meu):
“Se Deus nos deixara tentar mais do que podem as nossas forças, então tínhamos justa causa de recusar as tentações.” (Vieira)
Por isso, apoiado na autoridade de um Vieira, vali-me dessa forma na tradução, por exemplo, das Proposições I.19, I.25 etc., ficando assim rente ao original.
Irineu Bicudo
Notas:
[1] FONTELA, O. Poesia Reunida. São Paulo: 7 Letras/CosacNaify, 2006 [1969/1996].
[6] [“Finalmente, aquele problema constante, a grafia dos nomes gregos”].
Introdução
Sinto-me compelido ao trabalho literário: (...) pelo meu
não reconhecimento da fronteira realidade-irrealidade;
(...) pelo meu amor platônico às matemáticas; (...)
porque através do lirismo propendo à geometria.
Murilo Mendes
Sinopse
No prefácio do seu livro Euclid. The Creation of Mathematics [1], o matemático alemão Benno Artmann escreve:
Este livro é para todos os amantes da matemática. É uma tentativa de entender a natureza da matemática do ponto de vista da sua fonte antiga mais importante.
Mesmo que o material coberto por Euclides possa ser considerado elementar na sua maior parte, o modo como ele o apresenta estabeleceu o padrão por mais de dois mil anos. Conhecer os Elementos de Euclides pode ser da mesma importância para o matemático hoje que o conhecimento da arquitetura grega para um arquiteto.
É claro que nenhum arquiteto contemporâneo construirá um templo dórico, muito menos organizará um local de construção como os antigos o faziam. Mas, para o treino do julgamento estético de um arquiteto, um conhecimento da herança grega é indispensável. Concordo com Peter Hilton quando diz que a matemática genuína constitui uma das mais finas expressões do espírito humano, e posso acrescentar que aqui, como em tantos outros casos, aprendemos dos gregos aquela linguagem de expressão.
Enquanto apresenta a geometria e a aritmética, Euclides ensina-nos aspectos essenciais da matemática em um sentido muito mais geral. Exibe o fundamento axiomático de uma teoria matemática e o seu desenvolvimento consciente rumo à solução de um problema específico. Vemos como a abstração trabalha e impõe a apresentação estritamente dedutiva de uma teoria.
Aprendemos o que são definições criativas e como uma compreensão conceitual leva à classificação dos objetos relevantes. Euclides criou o famoso
algoritmo que leva o seu nome para a solução de problemas específicos na aritmética e mostrou-nos como dominar o infinito nas suas várias manifestações.
Um dos poderes maiores do pensamento científico é a habilidade de desvelar verdades que são visíveis somente “aos olhos da mente”, como diz Platão, e de desenvolver modos e meios de lidar com elas. É isso que Euclides faz no caso das magnitudes irracionais ou incomensuráveis. E, finalmente, nos Elementos encontramos tantas amostras de bela matemática que são facilmente acessíveis e que podem ser minuciosamente estudadas por qualquer um que possua um treino mínimo em matemática.
Vendo tais fenômenos gerais do pensamento matemático que são tão válidos hoje quanto o foram no tempo dos antigos gregos, não podemos deixar de concordar com o filósofo Immanuel Kant, que escreveu em 1783, na introdução à sua filosofia sob o título “Afinal, é a metafísica possível?”: “Não há absolutamente livro na metafísica como temos na matemática. Se quiserdes conhecer o que é a matemática, basta olhardes os Elementos de Euclides.”
Benno Artmann ofereceu-nos, na passagem que acabamos de enunciar, um voo panorâmico da famosa obra do geômetra grego. Mas, do alto, os montes pouco se destacam, fios de água parecem os rios, a vegetação é apenas uma cobertura verde. Há mister de viajar por terra.
A citação de Kant faz eco ao fato de, até o final do século XIX, ser Euclides sinônimo de geometria, daquela geometria de régua e compasso. Assim, a história dos Elementos confunde-se, em larga escala, com a história da matemática grega. Mas a história de um domínio tão relevante do pensamento humano dificilmente se desvincularia da história mesma do homem. Hajamos, pois, por bem começar a nossa história, a nossa expedição terrestre, pelo era uma vez na antiga Grécia.
Era uma vez
Estranho animal é este bicho homem (...)
José Saramago
Certamente, é um assunto admiravelmente vão, variado
e inconstante o homem. É difícil fundar nele julgamento
firme e uniforme.
Michel de Montaigne
Sustentam muitos pensadores ser o homem uma estranha criatura. De fato oscila, constantemente, entre o passado, que deseja conhecer, e o imperscrutável futuro, incapaz de aceitar que a vida de todos os dias retoma, invariavelmente, a cada dia, o seu dia.
A memória prende-o ao que foi; o desejo, ao que será.
Como antecipar o que ainda não é equivale a chorar antes do tempo, e como o que há de ser virá, claro, na madrugada, com os seus raios, deixemos de lado o porvir, que a si próprio se basta, pois os invisíveis dedos das coisas e dos atos idos, próximos e longínquos, tecem, no tear do Fado, o manto que nos vestirá para sempre.
Somos o que os séculos nos fizeram!
O que somos de razão e vontade, o que somos de pensamento e ação, o que somos de sensibilidade e frieza, de trabalho e lazer, de descrença e esperança, o que somos de bílis e coração é terem existido outros, é terem traçado rumos, e terem aberto estradas, é terem apontado caminhos!
Eis nossos predecessores!
Para entendermos a nós próprios é preciso entendê-los. E os predecessores dos predecessores; e assim por diante, continuando essa busca, pois é sem fundo o poço do passado da espécie humana, essa essência enigmática, cujo mistério “inclui o nosso próprio mistério e é o alfa e o ômega de todas as nossas questões, emprestando um imediatismo candente a tudo o que dizemos e um significado a todo o nosso esforço”[2].
Consultemos, pois, os velhos registros, leiamos as obras de antanho que chegaram até nós, procuremos em alfarrábios o que pareça haver de nós nos que vieram antes, e, assim, começaremos a compreender o que pensávamos saber: quem somos, o que nos é possível conhecer, que estrelas e que sóis poderemos acrescentar ao universo herdado.
Em nosso caso de povo ocidental e no que tange à ciência da nossa predileção, a busca conduz-nos ao era uma vez.
Era uma vez, acima de todas, em que “os atributos da juventude humana tornam-se os atributos de um povo, as características de uma civilização” e em que
um sopro de encantadora adolescência passou roçando pelo rosto de uma raça. Quando a Grécia nasceu, os deuses presentearam-na com o segredo da sua imorredoura juventude. A Grécia é a alma jovem. “Aquele que, em Delfos, contempla a densa multidão de jônios”, diz um dos hinos homéricos, “imagina que eles jamais haverão de envelhecer” [3].
Michelet comparou a atividade da alma helênica a um jogo festivo, em torno de que se reúnem e sorriem todas as nações do mundo. Mas, desse jogo de crianças, nas praias do arquipélago e à sombra das oliveiras da Jônia, nasceram a Arte, a Filosofia, a livre reflexão, “a curiosidade da investigação, a consciência da dignidade humana, todos esses estímulos que ainda são a nossa inspiração e orgulho”, e a Matemática.
Era uma vez a origem do pensamento ocidental. A Filosofia e a Matemática, no período mais pujante daquele distante passado, falam o grego clássico.
O grego clássico
A língua grega é um dos ramos mais importantes do grupo linguístico chamado indo-europeu. A sua origem remonta ao “indo-europeu primitivo”. O que possui em palavras e formas de flexão é herança, na sua maior parte, de um tempo que precede a sua existência separada.
Os traços característicos, no entanto, que dão ao grego a sua peculiaridade frente às outras línguas suas irmãs, surgiram, manifestadamente, só depois do desmembramento da primitiva comunidade de povos, e é provável que esse ajuste tenha tido lugar já em solo grego.
A ideia de um “grego primitivo” homogêneo, isto é, com uma verdadeira unidade, é problemática.
O que podemos dizer é que, no momento em que a encontramos nos documentos autênticos, a língua grega está dividida em certo número de dialetos falados, classificáveis comodamente em quatro grupos: o jônio, o árcade-cipriota, o eólio e os diferentes falares chamados comumente dórios.
E. Ragon ensina-nos que, à exceção do árcade-cipriota, cada um desses grupos desenvolveu uma língua literária, cuja tonalidade morfológica varia com a data dos autores e com o gênero literário adotado.
O primeiro daqueles dialetos, o jônio, falado na Ásia Menor, tem por marca evitar as contrações e foi empregado pelos prosadores Heródoto e Hipócrates. Mas, misturado a elementos eólios, serve ao ápice da perfeição, sendo o pano de fundo dos poemas homéricos que influenciaram a língua de todos os poetas da Grécia.
O pouco que resta do eólio é o que conhecemos das odes de Alceu e da grande Safo.
O dialeto dório, de sons graves e musicais, está gravado no bronze eterno dos poemas de Píndaro e de Teócrito.
Por fim, o grego clássico ou o dialeto ático, um ramo privilegiado do jônio. É o falado na áurea época de Atenas, os séculos V e IV a.C. Torna-se com Ésquilo, Sófocles e Eurípides a linguagem dos deuses e dos heróis; com Aristófanes é o idioma da sabedoria que zomba da sapiência; é história com Tucídides; defesa pública e exortação, com Isócrates, Ésquines e Demóstenes; memória e ensinamento com Xenofonte; e, acima de tudo, Verdade e Beleza, com Platão.
Para ter acesso a toda essa cultura grega, da qual a matemática é uma das importantes partes, o vestíbulo do conhecimento autêntico, há mister de aprender-lhe a língua. Como substituto dessa insubstituível necessidade, a tradução.
Princípios de fé desta tradução
Há, por certo, imensa gama de concepções a respeito do que deva ser o traduzir. No que tange à versão de uma obra científica, parece haver acordo em que a precisão não deva ser sacrificada no altar da sutileza. Parodiando Novalis, quanto mais precisa, mais verdadeira.
De um modo grosseiro, poderíamos classificar os tipos de tradução como traduções à francesa e traduções à alemã.
O ideal das primeiras encontra expressão na passagem: “Se há algum mérito em traduzir, só pode ser o de aperfeiçoar, se possível, o seu original, de embelezá-lo, de apropriar-se dele, dar-lhe um ar nacional e naturalizar, de certa maneira, essa planta estrangeira”.
A meta das segundas está refletida nas seguintes críticas de Schlegel e de Goethe àquelas do primeiro grupo. Schlegel: “(...) é como se eles desejassem que cada estrangeiro, no país deles, se comportasse e se vestisse segundo os seus costumes, o que os leva a nunca conhecerem realmente um estrangeiro”. Goethe: “O francês, assim como adapta à sua garganta as palavras estrangeiras, faz o mesmo com os sentimentos, os pensamentos e até os objetos; exige a qualquer preço, para cada fruto estrangeiro, um equivalente que tenha crescido no seu próprio território”.
Evidentemente, esse modo de agrupar nada tem a ver com a nacionalidade do tradutor, mas com a sua maneira de trabalhar. Freud, por exemplo, traduzia “à francesa”, pois, segundo Jones, na sua biografia do pai da psicanálise, este “em vez de transcrever laboriosamente, a partir da língua estrangeira, idiotismos e todo o resto, lia um trecho, fechava o livro e perguntava-se como um escritor alemão teria vestido os mesmos pensamentos”.
Chateaubriand, o célebre escritor francês, mantém, sem reservas, o ponto de vista contrário, na sua tradução de Milton:
Se eu quisesse ter feito apenas uma tradução elegante do Paraíso perdido, talvez se considere que tenho suficiente conhecimento da arte para que não me fosse impossível atingir a altura de uma tradução dessa natureza; mas o que empreendi foi uma tradução literal, em toda força do termo, uma tradução que uma criança e um poeta poderão acompanhar no texto, linha por linha, palavra por palavra, como um dicionário aberto sob os seus olhos.
Por entendermos que a tradução de um texto antigo, de uma tradição com pensamentos próprios e próprios modos de expressão é um ato de reverência e entrega, adotamos, como Chateaubriand, uma versão literal, “em toda a força do termo”, esperando acordar no leitor a curiosidade que o conduza a acompanhar a tradução contra o original, “linha por linha, palavra por palavra”. Sendo o grego uma língua sintética e o português, uma analítica, é fácil dar-se conta do grau de afastamento das suas sintaxes. Por isso, por permanecermos o mais possível ligado ao original, prevenimos poder o leitor estranhar algumas vezes o resultado alcançado.
Usamos como texto grego a edição de Heiberg-Stamatis, da Editora Teubner, de Leipzig, 1969-1977.
O texto grego e a Ecdótica
O que significa falar do texto grego dos Elementos de Euclides? Qual o sentido de se mencionar a edição de Heiberg-Stamatis?
Tendo essa obra sido escrita por volta do final do século IV a.C., é difícil que se possa imaginar ter chegado até nós o manuscrito do seu autor, o chamado manuscrito autógrafo. De fato, não possuímos tais manuscritos dos autores clássicos – gregos e latinos. O tempo, esse “deus atroz que os próprios filhos devora sempre”[4], é a correnteza que leva os dias, os homens, os saberes. Mas a obra de valor a tudo afronta e na placa da memória “grava seu ser / durando nela” [5]. Se não temos os originais, possuímos cópias. Infelizmente, o que nelas reluz é só imitação do ouro. De fato, “os deuses vendem quando dão” [6], pois quem diz cópia, diz erro. Para agravar a situação, relativamente aos Elementos, os manuscritos mais antigos sobreviventes distam séculos de Euclides.
Como o arqueólogo tenta, a partir de pequenas peças de evidência, reconstruir a vida e a cultura de povos antigos, o filólogo, voltado à Ecdótica, trata de, com apoio nos manuscritos, trazer à luz, por reconstituição, aquele original, o texto autógrafo, o arquétipo de que os que temos são cópias. O assim idealmente produzido, com todo o aparato da crítica textual ou Ecdótica (do verbo grego ἐκδίδωμι “publicar”), é referido como o texto crítico da obra em questão.
Como é produzido o texto crítico?
É preciso lembrar, primeiramente, que muitos autores clássicos chegaram até os dias de hoje em manuscritos em pergaminho ou em papel, que raramente são anteriores ao século IX, e frequentemente são até do século XVI. Alguns trabalhos foram preservados em um único manuscrito, outros, em centenas. Muitos manuscritos clássicos estão agora em bibliotecas europeias ou em coleções de museus, alguns também em monastérios, particularmente da Grécia, e alguns pertencendo a particulares; há-os ainda em lugares como Istambul ou Jerusalém, ou em bibliotecas americanas. Entre as maiores coleções, é lídimo mencionar aquelas da Biblioteca do Vaticano, de especial importância no nosso caso – em virtude do manuscrito Gr. 190 –, da Ambrosiana em Milão, da Marciana em Veneza, da Österreichische Nationalbibliothek em Viena, da Bibliothèque Nationale em Paris e do British Museum em Londres.
De volta, então, à edição crítica de um texto da Antiguidade. Para levá-la a termo, há duas etapas a cumprir:
(i) A da fixação do texto, isto é, o seu preparo segundo as normas da crítica textual;
(ii) A da apresentação do texto, a sua organização técnica, contemplando, em geral, os seguintes elementos elucidativos: história dos manuscritos usados, informações sobre os critérios adotados, aparato crítico (certamente o elemento mais importante) etc., tendo em vista a sua publicação.
Quanto a autores gregos e romanos, existem editoras que se notabilizam pela publicação das suas edições críticas, como a Editora Teubner (Teubner Verlag) de Leipzig, com a sua Bibliotheca Scriptorum Graecorum et Romanorum Teubneriana, por certo a mais importante e abrangente, a Editora da Universidade de Oxford, com a sua Scriptorum Classicorum Oxoniensis, a Société D’Édition “Les Belles Lettres”, Paris, e a sua Collection des Universités de France, sob os auspícios da Association Guillaume Budé e a Harvard University Press com a Loeb Classical Library.
No que segue, visamos a dar uma pálida ideia da complexidade envolvida nos dois passos acima mencionados.
A fixação do texto
Observada a doutrina de Karl Lachmann, o fundador da moderna crítica textual, a fixação do texto passa por uma série de operações agrupadas em três fases, a saber, recensio (do verbo latino recensere: “fazer uma revisão”), estemática (de stemma codicum: “a árvore genealógica dos códices” – essa fase é referida por Lachmann como originem detegere: “descobrir a origem, revelar a ascendência”) e emendatio (de emendere: “emendar, corrigir”).
A recensio consiste na pesquisa e coleta de todo o material existente de uma obra. Isso constitui a sua tradição, que pode ser direta – formada pelos seus manuscritos – ou indireta, compreendendo as fontes, as traduções, as citações, os comentários, as glosas e as paráfrases, as alusões e as imitações, vale dizer, tudo o que circula à volta da obra, que é dela sem ser ela própria.
Reconhecidos os testemunhos obtidos, passa-se à collatio codicum, a “comparação dos manuscritos”. Faz-se o cotejo de tudo o que se possua da tradição direta contra um manuscrito mais completo ou que pareça bom, denominado o exemplar de colação. Dessa operação resultará o expurgo dos testemunhos inúteis, a eliminatio codicum descriptorum, rejeição das cópias coincidentes, de acordo com a máxima filológica frustra fit per plura quod fieri potest per pauciora (“é feito inutilmente por meio de muitos o que pode ser feito por meio de poucos”). Existindo o modelo, rejeita-se a sua cópia. Com essa eliminação termina a primeira fase.
A análise acurada dos manuscritos – principalmente o confronto dos chamados lugares ou pontos críticos e o exame sistemático dos chamados erros comuns – possibilita estabelecer tanto a dependência entre os manuscritos quanto a afinidade ou parentesco entre eles. Aqui a hipótese tomada é “pouco, simples e razoável”. Se o mesmo erro ocorrer em dois manuscritos, é razoável considerar não terem surgido independentemente, a menos que esteja envolvido um engano muito simples e natural. Depois, supõe-se que o copista não corrija o trabalho do seu predecessor. Uma consequência disso, em conjunção com a propensão dos seres humanos de cometerem erros – “os deuses vendem quando dão” [7] – é que os textos se tornem mais e mais corrompidos com as sucessivas cópias. O que resulta dessas hipóteses de trabalho é o estabelecimento da árvore genealógica dos códices, stemma codicum, depois de arrolados os elementos da tradição em famílias, cada uma formada segundo os pontos críticos comuns, e de construídos, caso necessário, os cabíveis subarquétipos (os “pais das famílias”) e o arquétipo ou codex interpositus (“o pai de todos”), aquele que se interpõe entre o original e as cópias da tradição, e que tomará o papel do original perdido “em negro vaso / de água do esquecimento”. O sistema assinala a dependência e também a contaminação que pode existir entre exemplares de famílias distintas. Assim a estemática é feita.
A reconstituição de uma obra clássica finda com a emendatio, a parada mais importante nessa verdadeira via crucis, pois, de novo, vale o postulado da tradição manuscrita: “quem diz cópia, diz erro”. O exame de qualquer cópia (manuscrito apógrafo) revela o seu caráter contingente: passagens mal transcritas, obscuras, com interpolações, discrepâncias gramaticais e estilísticas com o que se conhece do autor, e muitos outros problemas. Grande desafio ao filólogo-editor no seu afã de restabelecer, ou ao menos aproximar-se o mais possível do que fora um dia a obra original.
Diante do erro, o editor procede segundo as condições da tradição manuscrita, empregando a bateria do seu conhecimento geral, daquele da obra e da época em que floresceu o seu autor e também da sua intuição divinatória, e isso é, a mais das vezes, um trabalho de gigante. Prezemos, pois, e muito, os filólogos-editores dos textos da Antiguidade.
Se a correção dos erros for possibilitada pelos próprios manuscritos e pelo que os demais testemunhos coletados oferecem, tem-se a denominada emendatio ope codicum, “correção com a ajuda dos manuscritos”. Caso tal auxílio não seja suficiente à consecução da tarefa, há o editor de recorrer à sua intuição e aos seus saberes, e ter-se-á a dita emendatio ope ingenii ou emendatio ope conjecturae ou ainda divinatio ou crítica conjectural.
Está, pois, dada conta da (i) fixação do texto.
A apresentação do texto
Na (ii) apresentação do texto reconstituído, o arquétipo do qual todos os manuscritos são cópias, vale ressaltar o aparato crítico, isto é, as variantes encontradas, dispostas no pé de cada página, com a indicação dos manuscritos em que figuram. Com isso, o editor oferece a oportunidade de o leitor fazer a sua própria escolha da expressão que deva estar em determinado ponto do texto, com um possível significado novo para a passagem que a contenha.
A fim de que se avalie a importância da edição crítica com o seu respectivo aparato para quem se interessa pela Antiguidade e tencione estudar as próprias obras em grego (ou em latim), transcrevemos um trecho do início do livro Textual Criticism and Editorial Technique, de M. L.West [8], helenista e editor de clássicos:
Edward Fraenkel, na sua introdução aos Ausgewählte Kleine Schriften [9], de [Friedrich] Leo conta a seguinte experiência traumática que teve quando jovem estudante:
“Eu tinha, por aquele tempo, lido a maior parte de Aristófanes e comecei a falar com demasiado entusiasmo sobre isso a Leo e a crescer em eloquência sobre a magia dessa poesia, a beleza das odes corais, e assim por diante. Leo deixou-me falar, talvez por dez minutos, sem mostrar qualquer sinal de desaprovação ou impaciência. Quando terminei, perguntou: ‘Em que edição você leu Aristófanes?’ Pensei: ele não estava ouvindo? O que a sua questão tinha a ver com o que eu lhe dissera? Depois de uma agitada hesitação de momento, respondi: ‘A Teubner.’ Leo: ‘Oh, você leu Aristófanes sem um aparato crítico.’ Disse-o bem calmamente, sem qualquer aspereza, sem nem um traço de sarcasmo, apenas sinceramente surpreso que fosse possível a um jovem tolerantemente inteligente fazer tal coisa. Olhei para o gramado próximo e tive uma única, irresistível sensação: νῦν μοι χάνοι εὐρεῖα χθῶν (‘agora que a terra se entreabra para mim’, Ilíada 4,182). Posteriormente, pareceu-me que naquele momento entendi o significado real da sabedoria.”
(...)
Segue que qualquer um que queira fazer sério uso de textos antigos deve prestar atenção às incertezas da transmissão; mesmo a beleza das odes corais que ele admira tanto pode confirmar-se haver nelas uma mistura de conjecturas editoriais, e se ele não estiver interessado na autenticidade e confiança de pormenores, poderá ser um amante verdadeiro da beleza, porém não um sério estudante da Antiguidade.
A edição crítica dos Elementos
Théon de Alexandria, pai de Hypatia – a primeira mulher a ter o nome preservado pela história da matemática –, foi um eminente e influente estudioso do século IV. No seu Comentário ao tratado astronômico de Cláudio Ptolomeu de Alexandria, conhecido como Almageste (do árabe almajistí, adaptação de al, o artigo definido árabe, e do adjetivo superlativo grego μεγίστη (entenda-se μεγίστη σύνταξις), isto é, “a maior composição”, “o maior tratado sistemático”), escreve a certa altura: “Mas que setores em círculos iguais estão entre si como os ângulos sobre que se apoiam foi provado por mim na minha edição dos Elementos, no final do sexto livro”.
Sabemos então, da própria pena do comentarista, ter ele editado a obra de Euclides, com a adicional informação de ser da sua lavra a segunda parte da “Proposição XXXIII” do Livro VI, como encontrada em quase todos os manuscritos remanescentes. Daí provirem tais manuscritos daquela edição de Théon. Aliás, a maior parte deles traz no seu título ou a frase ἐκ τῆς Θέωνος ἐκδόσεως (“da edição de Théon”) ou ἀπὸ συνουσιῶν τοῦ Θέωνος (“das aulas de Théon” ou “dos ensinamentos de Théon”).
Desse modo, qualquer edição dos Elementos feita anteriormente a 1814 era baseada numa família de manuscritos cujo arquétipo era o texto dado à luz por Théon.
Para conta do que então ocorreu, fazendo toda a diferença, mudando o rumo da história das edições dos Elementos, citamos, por extenso, um trecho do prefácio de François Peyrard ao seu trabalho Les œuvres D’Euclide, traduites littéralement, d’après un manuscript grec très-ancien, resté inconu jusqu’a nos jours [10], Paris, 1819:
No prefácio da minha tradução dos Livros I, II, III, IV, V, VI, XI e XII dos Elementos de Euclides, que apareceu em 1804, e que eu fizera segundo a edição de Oxford, propus-me o compromisso de publicar as traduções completas de Euclides, de Arquimedes e de Apolônio. A minha tradução das Obras de Arquimedes apareceu em 1808. Antes de dar à impressão a minha tradução das Obras de Euclides, quis consultar os manuscritos da Biblioteca do Rei. Esses manuscritos, vinte e três em número, foram-me confiados, e não tardei a me aperceber que esses manuscritos preenchiam lacunas, restabeleciam passagens alteradas que se encontram na edição da Basileia e naquela de Oxford, cujo texto grego é apenas uma cópia frequentemente infiel, como provei na sequência do prefácio do terceiro volume do meu Euclides em três línguas. A maior parte desses manuscritos rejeita uma multidão de superficialidades que mãos ignaras tinham introduzido no texto, e que se encontra em grande parte nos textos das edições da Basileia e de Oxford.
Todos esses manuscritos, exceto o n.190, são, com pequena diferença, conformes uns aos outros, salvo os erros dos copistas e as superficialidades de que acabo de falar.
O manuscrito 190 traz todos os caracteres do nono século, ou pelo menos do começo do décimo, enquanto que os outros são-lhe posteriores de quatro, de cinco, e mesmo de seis séculos.
Esse manuscrito, cujos caracteres são da maior beleza, e sem ligaduras, restabelece lacunas e passagens alteradas, o que teria sido impossível de restabelecer com a ajuda dos outros manuscritos. Encontra-se nele uma multidão de lições que merecem, quase sem exceção, a preferência às lições dos outros manuscritos.
O manuscrito 190, que permanecera desconhecido até os nossos dias, pertencia à Biblioteca do Vaticano. Foi enviado de Roma a Paris por Monge e Bertholet, quando o exército francês tornou-se senhor daquela cidade.
Na segunda invasão dos exércitos coligados, a França viu-se obrigada a restituir todos os objetos de arte que haviam sido recolhidos aos povos vencidos. Por solicitação do Governo Francês, o Santo Padre houve por bem ter a bondade de deixar-me às mãos esse precioso manuscrito até a completa publicação do meu Euclides.
Tendo, então, à minha disposição esse manuscrito, como todos aqueles da Biblioteca do Rei, determinei-me a dar uma edição grega, latina e francesa das Obras de Euclides. O primeiro volume apareceu em 1814, o segundo em 1816, e o terceiro em 1818.
O manuscrito Gr. 190 da Biblioteca do Vaticano, denominado P por Heiberg, em homenagem ao padre Peyrard, o seu descobridor, não pertence, pois, à família theonina, e serviu como exemplar de colação para a edição crítica do filólogo dinamarquês, aquela que permanece aceita até hoje. A história das edições críticas dos Elementos assinala a seguinte sequência:
− A editio princips, “primeira edição”, Basileia, 1533, a cargo de Simon Grynaeus, baseada em dois manuscritos – Venetus Marcianus 301 e Paris Gr. 2343 – do século XVI, que estão entre os piores existentes. Essa edição servia de fundamento para;
− A de Oxford, Euclidis quae supersunt omnia. Ex recensione Davidis Gregorii M. D. Astronomiae Professoris Saviliani et R. S. S. Oxoniae, et Theatro Sheldiano. An. Dom. MDCCIII. Para levar a cabo o seu trabalho, Gregory consultou somente os manuscritos legados à Universidade por Sir Henry Savile, nos lugares em que o texto da Basileia diferia da excelente tradução latina de Commandinus (1572). Essa célebre edição das obras de Euclides é a única completa antes da de Heiberg e Menge;
− A de Peyrard, na trilíngue acima citada, na qual usou P somente para corrigir a da Basileia;
− A de E. F. August (1826-9), que segue P mais de perto, tendo também usado o manuscrito Vienense Gr. 103.
De Morgan recomenda vivamente o alcançado por August: “Ao estudioso que queira uma edição dos Elementos, devemos decididamente recomendar esta, por unir tudo o que foi feito para o texto do maior trabalho de Euclides”.
Tendo assim alcançado a sua hora fugaz de celebridade, esta edição acaba por cumprir o vaticínio do célebre historiador francês da matemática, Paul Tannery, em uma carta a Heiberg: “todos os trabalhos de erudição são em grande parte destinados a perecer para serem substituídos por outros”. Pois, coube precisamente a este sancionar aquela predição;
− A edição de Heiberg, baseada em P e nos melhores manuscritos theoninos, e considerando também outras fontes como Herão e Proclus, tornou-se o novo e definitivo texto grego dos Elementos;
− Por fim, a edição elaborada por E. S. Stamatis não lança no limbo das coisas ultrapassadas aquela do sábio dinamarquês, um trabalho de erudição que insiste em não perecer. Para dar fé do que dizemos, traduzimos do latim boa parte da adição ao prefácio (additamentum praefationis) de Heiberg, escrito por Stamatis ao texto crítico por ele dado a público.
Nenhum dentre os homens versados em geometria antiga existe que não julgue ser necessária agora uma nova edição dos Elementos, de Euclides. De fato, os exemplares da notável edição Heiberguiana há muito foram vendidos, além disso os estudos referentes aos Elementos em nossos dias desenvolveram-se grandemente. Por esse motivo, tendo sido convidado por um estimadíssimo livreiro, por exortação do Instituto de Ciência da Antiguidade Greco-Romana, que foi fundado por decisão da Academia Alemã de Ciências de Berlim, para que eu cuidasse de nova edição dos Elementos de Euclides acolhi essa ocupação com o coração gratíssimo. Realmente, sei que muitos admiradores da ciência matemática, que sabem grego, desejam conhecer o texto euclidiano.
Agradou-me muito o plano do estimadíssimo livreiro que me persuadiu a que eu omitisse a tradução latina que Heiberg preparara para a sua edição pelo que a nova edição saísse à luz mais curta. De fato, é evidente os versados na língua grega não terem muita necessidade da tradução latina. Pois que assim seja, o plano da nova edição foi organizado assim como é indicado abaixo [11]:
Para o texto do primeiro volume, considerei as coisas que deviam ser antecipadas, que foram ensinadas sobre os Elementos e sobre a vida de Euclides e sobre os princípios e os primórdios da geometria (Textui primo voluminis praemittenda, quae de Elementis et de vita Euclidis et de principiis primordiisque geometriae tradita sunt, existimavi).
[Realmente, no HOC VOLVMINE CONTINENTVR, lê-se o seguinte:
Testimonia:
De Euclides elementorum et vitae memoria
De principiorum geometriae memoria]
Acrescentei imediatamente três índices (annexui continuo tres indices).
Em terceiro lugar, ajuntei uma sinopse, em que as notabilíssimas edições dos Elementos de Euclides são recordadas (tertio loco conspectum, in quo praestantissimae Euclidis Elementorum editiones, adiunxi).
(De fato, Stamatis adicionou o seguinte:
CONSPECTVS EDITIONVM
Recensio antiquior quam editio Theonis Alexandrini
Theon Alexandrinus Alexandriae circa 370 p.Chr.
Simon Grynaeus Basileae 1530 (editio 2: 1533 apud Ioan.
Hervagium (“Hervagiana”), ed.3: 1537,
ed.4: 1539, ed.5: 1546, ed.6: 1558
Angelus Caianus Romae 1545 (sine demonstr.)
I.Camerarius Lipsiae 1549
I. Scheybl Basileae 1550 (1-6)
S.T. Gracilis Lutetiae 1558, 1573, 1598
C. Dasypodius Argentorati 1564
I. Sthen Vitebergae 1564
M. Steinmetz Lipsiae 1577 (cum demonstr.)
Dav. Gregorius Oxonii 1703
Fr. Peyrard Parisii 1814-18
I.G. Camerer et C.Fr. Hauber Berolini 1824-25 (1-6)
G.C. Neide Halis Saxonum 1825 (1-6, 11,12)
E.F. August Berolini 1826-29
I.L. Heiberg Lipsiae 1883-88
E.S. Stamatis Athenis 1952-57.
Stamatis indica no pé da página as obras consultadas para a confecção da lista acima. Revive com ela o gosto antigo pelas listas ou catálogo, como o “Catálogo dos navios”, no Segundo Canto da Ilíada, ou o “Catálogo dos geômetras”, do desaparecido livro de História da geometria, de Eudemo, discípulo de Aristóteles, mas preservado por Proclus no seu Comentário ao livro I dos elementos de Euclides.
Chamamos ainda a atenção para o fato de que, ao tecer anteriormente considerações concernentes às edições dos Elementos, consideramos apenas, dentre “as notabilíssimas”, as principais.)
Decidi abordar o que, para o texto, diz respeito aos vestígios da edição de Heiberg. Com efeito, é certo entre todos os homens instruídos ser muito bom o serviço prestado por Heiberg aos Elementos de Euclides. Nem, de fato, depois da sua morte, códices novos, além do que ele examinara, foram comparados nem a nossa colheita de papiros forneceu novas lições. Ora, justamente, terminando a minha edição dos Elementos de Euclides, que foi impressa em Atenas, nos anos 1952-1957, eu próprio reconheci a perfeição e a exatidão da edição Heiberguiana [12].
Fechemos logo, no entanto, as portas do templo em que acabamos de acender as velas no altar da adoração, para que o vento da discordância não as apague todas. Há, no entanto, uma voz que clama na ágora e seria prudente ouvi-la.
O historiador da matemática Wilbur R. Knorr, prematuramente falecido, publicou na revista Centaurus, 38 (1996) um longo trabalho – 69 páginas – com o título “The Wrong Text of Euclid: on Heiberg’s Text and its Alternatives” [13]. Eis o seu resumo:
Em dois artigos publicados em 1881 e 1884, dois jovens acadêmicos, Martin Klamroth e Johan L. Heiberg, engajaram-se em um breve debate sobre as escolhas textuais que deveriam governar a publicação de uma nova edição crítica dos Elementos de Euclides. Esse curto debate parece ter assentado o problema a favor de Heiberg sobre o que deveria ser tomado como o texto definitivo dos Elementos de Euclides. Mas a questão deve ser considerada de novo porque há boas razões para a reivindicação de que Klamroth estava certo, e Heiberg, errado. Se assim for, temos consultado e continuamos a consultar o texto errado para interpretar a tradição euclidiana. A fim de dar substância a essa afirmação, a questão textual debatida por Klamroth e Heiberg é ensaiada de novo, e as razões principais trazidas por Heiberg contra a posição de Klamroth são reconstruídas. Espécimes de três amplas áreas de evidência – estrutural, linguística e técnica – serão considerados. Eles revelam como a tradição medieval do texto advogado por Klamroth exibe superioridade em relação à tradição grega promovida por Heiberg. Uma tal reconstituição dos textos tem o potencial de mudar significantemente nossa compreensão da matemática antiga.
Se Knorr tem ou não razão é difícil de decidir. O peso da tradição é esmagador e o tempo passado entre aquele debate mencionado e hoje ajuda a sedimentar a opinião favorável à escolha de Heiberg.
De um modo ou de outro, a existência de divergência socorre-nos quando nos preparamos para responder às perguntas iniciais: “O que significa falar do texto grego dos Elementos?” e “Qual o sentido de mencionar-se a edição de Heiberg–Stamatis?”; e, com isso, completar o círculo das considerações. A edição de Heiberg–Stamatis do texto grego dos Elementos é o que Heiberg diz, com a confirmação de Stamatis, ser a coisa mais próxima do texto original de Euclides.
Notas:
[1] [Euclides. A criação da matemática].
[2] MANN, T. “José e seus irmãos”. As histórias de Jacó. O jovem José. v.1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1983.
[3] RODO, J. E. Ariel. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.
[4] PESSOA, F. Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Companhia Nova Aguilar, 1965.
[5] Idem, ibidem.
[6] Idem, ibidem.
[7] PESSOA, F., ibidem.
[8] Crítica textual e técnica editorial. Stuttgart: B. G. Teubner, 1973.
[9] [Pequenos escritos escolhidos].
[10] [As obras de Euclides, traduzidas literalmente, com base em um manuscrito grego antiquíssimo, desconhecido até nossos dias].
[11] Nemo ex viris antiquæ geometriae peritis est quin putet nova editione Euclidis Elementorum in praesenti opus esse. Exemplaria enim praeclarae editionis Heibergianae iamdudum divendita sunt, studia autem ad Elementa pertinentia nostra aetate admodum increverunt. Qua de re cum a bibliopola honestissimo, hortatu Instituti scientiae antiquitatis Graecoromanae, quod auctoritate Academiae Scientiarum Germanicae Berlinensis constitutum est, invitatus essem, ut novam Euclidis Elementorum editionem curarem, gratissimo animo hoc negotium suscepi. Nam multos studiosos scientiae mathematicae, qui Graece sciunt, Euclidianum textum desiderare cognovi.
Valde autem mihi consilium bibliopolae honestissimi placuit, qui mihi suasit, ut translationem Latinam qua Heiberg editionem suam instruxerat omitterem, quo nova editio brevior in lucem prodiret. Patet enim linguae Graecae peritos Latina translatione non nimis egere. Quae cum ita sint, ratio novae editionis, ita ut infra indicatur, ordenata est.
[12] Quod ad textum attinet Heibergianae editionis vestigia ingredi statui. Nam inter omnes viros doctos Heiberg optime de Euclidis Elementis meritum esse constat. Neque enim post obitum eius codices novi, praeter quos ille inspexerat, collati sunt, neque seges papyrorum nobis novas lectiones praebuit. Ipse autem editionis Heibergianae perfectionem absolutionemque perspexi, cum meam Euclidis Elementorum editionem, quae annis 1952-1957 Athenis impressa est, absolverem.
[13] [O texto errado de Euclides: sobre o texto de Heiberg e suas alternativas].