Um afresco do século XIV de Visoki Decani, Mosteiro Ortodoxo Sérvio em Deçan, Kosovo
RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES
DIGITE SEU EMAIL:
Verifique sua inscrição no email recebido.
Tempo de leitura: 6 minutos.
Texto retirado do LINK, com original em inglês disponível AQUI.
As Artes Liberais nos Libertam
O Pe. George W. Rutler escreveu o artigo abaixo em 2014 quando era pároco na Arquidiocese de Nova York para mostrar que as artes liberais nos libertam do mal. Ele nos adverte dos perigos do avanço da ditadura do relativismo nas escolas e universidades norte-americanas. O avanço dessa força destrutiva sobre a educação pretende subverter a educação clássica católica por enxergar nela o principal obstáculo para a escravização das mentes. E não nos enganemos, o embate entre as pedagogias modernas e a educação perene é batalha entre a liberdade e a escravidão.
Claro que, após quase uma década, muito mudou, e a providência divina encontrou homens e mulheres que aceitaram a missão de se tornar verdadeiros educadores. Nos Estados Unidos, bem como no Brasil, as escolas com currículos integral ou parcialmente inspirados no modelo clássico multiplicaram-se.
Ainda assim, a leitura do Pe. Rutler é proveitosa para nos recordar que precisamos atender o mandado de Nosso Senhor para educar as nações, “Ide, pois, ensinai todas as gentes” (Mt 28, 19). Portanto, confiantes de que agimos como servos bons e fiéis cuja recompensa celestial nos aguarda, não tenhamos medo de aplicar nosso tempo e energias na restauração da verdadeira educação.
Fr. George W. Rutler, Catholic Education Resource Center
A primeira parte do ano acadêmico de muitas escolas no mundo de língua inglesa se chama “Período de Michaelmas [1].”
A princípio o dia de abertura do período escolar não mudou muito desde os tempos de Shakespeare, com “o aluno contrariado, com sua pasta e seu rosto travesso matinal, arrastando-se como lesma para a escola;” (Do jeito que você gosta) [2]. Já em 1825, Sir William Curtis destacou a importância da “leitura, escrita e aritmética”, que remontam aos currículos clássicos gregos e latinos do trivium (gramática, retórica e lógica) e do quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia).
Além dele, o célebre Papa Silvestre II (ca. 950 – 1003), que foi bispo sucessivamente de Reims, Ravena e Roma se destacou como grande patrono da educação clássica, tendo, inclusive, escrito uma série de livros sobre o tema. A saber, ele foi um dos papas mais cultos de todos os tempos, além de ser o primeiro papa francês. Até hoje ele é conhecido pelas invenções do relógio de pêndulo e do órgão hidráulico, além disso escreveu sobre matemática, ciências naturais, música, teologia e filosofia, e introduziu na Europa o sistema decimal de numerais árabes. Pessoas supersticiosas (incluindo aqueles que ressentiam suas restrições à simonia e ao casamento clerical) acusavam-no de ter vendido sua alma ao diabo para obter seu QI fenomenal.
As artes liberais
As Artes Liberais, como o currículo clássico é conhecido, recebem esse nome porque têm como objetivo libertar o homem da ignorância e da indigna escravidão da falsidade. É por isso que tiranos e conspiradores odeiam o aprendizado clássico. Na Alemanha nazista, o arcebispo Josef Frings de Colônia lamentou: “O clero não pode mais dar instrução nas escolas elementares, e a instrução religiosa foi reduzida ao mínimo, se não completamente eliminada”. Ora, isso não era uma ameaça que ocorreu exclusivamente na Alemanha, na Bélgica ocupada ou na França de Vichy. Na Irlanda neutra, os bispos se opuseram a um “Projeto de Lei de Assistência Escolar”. O projeto foi eventualmente considerado inconstitucional pelo mais alto tribunal judiciário, o Cúirt Uachtaracha, que teria exigido que os pais enviassem crianças apenas para escolas aprovadas pelo Estado.
As ameaças modernas
O Papa Pio XII chamou as escolas católicas nos Estados Unidos de maior tesouro de nossa Igreja. Contudo o avanço do estado servil no mundo moderno pode destruí-las. Além disso, a filosofia libertadora da educação clássica já se encontra enfraquecida. O que é fácil de perceber devido ao seu declínio ao longo dos anos (em cinquenta anos, as matrículas na Arquidiocese de Nova York caíram quase 150.000). E ainda há o perigo de que o Estado estruture o currículo de maneiras que a contradigam totalmente, e o faça sem consultar os pais e pastores.
Com efeito, um programa “universal pré-jardim de infância” patrocinado pelo governo exige que o catolicismo seja ensinado somente de maneira sincrética e que objetos religiosos em nossas salas de aula sejam ocultados. Veja que tal programa menospreza o fato de que não há verdadeira educação sem o componente católico. Pois é esse o componente que liberta a mente da servidão ao Estado: os pilares da educação clássica precisam do grande alicerce da religião.
Posteriormente, Arcebispo Frings se tornou Cardeal (e seu assessor teológico se tornaria o Papa Bento XVI). Ele disse ao governo civil, em palavras transmitidas pela Rádio do Vaticano:
“É dever dos pais garantir que as crianças aprendam a verdade, ainda mais porque tudo está sendo feito do outro lado para impregnar nossas crianças com um espírito não cristão e para elas enxergarem a Igreja de Cristo com preconceito ao ponto delas irem em contra ao que a Igreja ensina.”.
Referências
[1] Nota do tradutor: Comemora-se o Michaelmas ou dia de São Miguel no dia 29 de Setembro. Tradicionalmente o ano acadêmico nos países de língua inglesa se divide em dois períodos de quatro meses, Fevereiro a Maio e Setembro a Dezembro. Desta forma, o período que se inicia em Setembro, próximo da festa de São Miguel, leva o nome do Arcanjo.
Apresentamos um trecho do livro Republica, de Platão, com tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, Editora Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Contextualizando, no Livro VI, Sócrates e Glauco conversam sobre a ideia do bem.
LIVRO VI - [509d - 511e]
- SÓCRATES: Imagina então - comecei eu - que, conforme dissemos, eles [41] são dois e que reinam, um na espécie e no mundo inteligível, o outro no visível. Não digo «no céu», não vás tu julgar que estou a fazer etimologias com o nome [42]. Compreendeste, pois, estas duas espécies, o visível e o inteligível?
- GLÁUCON: Compreendi.
- Supõe então uma linha em duas partes desiguais; corta novamente cada um dos segmentos segundo a mesma proporção, o da espécie visível e o da inteligível; e obterás, no mundo visível, segundo a sua claridade ou obscuridade relativa, uma secção, a das imagens. Chamo imagens, em primeiro lugar, às sombras; seguidamente, aos reflexos nas águas, e àqueles que se formam em todos os corpos compactos, lisos e brilhantes, e a tudo o mais que for do mesmo género, se estas a entender-me.
- Entendo, sim.
- Supõe agora a outra secção, da qual esta era imagem, a que nos abrange a nós, seres vivos, e a todas as plantas e toda a espécie de artefactos.
- Suponho.
- Acaso consentirias em aceitar que o visível se divide no que é verdadeiro e no que não o é, e que, tal como a opinião está para o saber, assim está a imagem para o modelo?
- Aceito perfeitamente.
- Examina agora de que maneira se deve cortar a secção do inteligível.
- Como?
- Na parte anterior, a alma, servindo-se, como se fossem imagens, dos objectos que então eram imitados, é forçada a investigar a partir de hipóteses, sem poder caminhar para o princípio, mas para a conclusão; ao passo que, na outra parte, a que conduz ao princípio absoluto, parte da hipótese, e, dispensando as imagens que havia no outro, faz caminho só com o auxilio das ideias.
- Não percebi bem o que estiveste a dizer.
- Vamos lá outra vez - disse eu - que compreenderás melhor o que afirmei anteriormente. Suponho que sabes que aqueles que se ocupam da geometria, da aritmética e ciências desse género, admitem o par e o ímpar, as figuras três espécies de ângulos, e outras doutrinas irmãs destas, segundo o campo de cada um. Estas coisas dão-nas por sabidas, e, quando as usam como hipóteses, não acham que ainda seja necessário prestar contas disto a si mesmos nem aos outros, uma vez que são evidentes para todos. E, partindo daí e analisando todas as fases, e tirando as consequências, atingem o ponto a cuja investigação se tinham abalançado.
- Isso, sei-o perfeitamente.
- Logo, sabes também que se servem de figuras visíveis e estabelecem acerca delas os seus raciocínios, sem contudo pensarem neles, mas naquilo com que se parecem; fazem os seus raciocínios por causa do quadrado em si ou da diagonal em si, mas não daquela cuja imagem traçaram, e do mesmo modo quanto às restantes figuras. Aquilo que eles modelam ou desenham, de que existem as sombras e os reflexos na água, servem-se disso como se fossem imagens, procurando ver o que não pode avistar-se, senão pelo pensamento.
- Falas verdade.
- Portanto, era isto o que eu queria dizer com a classe do inteligível, que a alma é obrigada a servir-se de hipóteses ao procurar investigá-la, sem ir ao princípio, pois não pode elevar-se acima das hipóteses, mas utilizando como imagens os próprios originais dos quais eram feitas as imagens pelos objectos da secção inferior, pois esses também, em comparação com as sombras, eram considerados e apreciados como mais claros.
- Compreendo que te referes ao que se passa na geometria e nas ciências afins dessa.
- Aprende então o que quero dizer com o outro segmento do inteligível, daquele que o raciocínio atinge pelo poder da dialéctica, fazendo das hipóteses não princípios, mas hipóteses de facto, uma espécie de degraus e de pontos de apoio, para ir até àquilo que não admite hipóteses, que é o princípio de tudo, atingido o qual desce, fixando-se em todas as consequências que daí decorrem, até chegar à conclusão, sem se servir em nada de qualquer dado sensível, mas passando das ideias umas às outras, e terminando em ideias.
- Compreendo, mas não o bastante - pois me parece que é uma tarefa cerrada, essa de que falas - que queres determinar que é mais claro o conhecimento do ser e do inteligível adquirido pela ciência da dialéctica do que pelas chamadas ciências, cujos princípios são hipóteses; os que as estudam são forçados a fazê-lo, pelo pensamento, e não pelos sentidos; no entanto, pelo facto de as examinarem sem subir até ao princípio, mas a partir de hipóteses, parece-te que não têm a inteligência desses factos, embora eles sejam inteligíveis com um primeiro princípio. Parece-me que chamas entendimento [43], e não inteligência, o modo de pensar dos geómetras e de outros cientistas, como se o entendimento fosse algo de intermédio entre a opinião e a inteligência.
- Apreendeste perfeitamente a questão - observei eu -. Pega agora nas quatro operações da alma e aplica-as aos quatro segmentos: no mais elevado, a inteligência, no segundo, o entendimento; ao terceiro entrega a fé, e ao último a suposição, e coloca-os por ordem, atribuindo-lhes o mesmo grau de clareza que os seus respectivos objectos têm de verdade.
- Compreendo - disse ele -; concorda, e vou ordená-los como dizes.
LIVRO VII - [522c - 531c]
[...]
- Vamos! - prossegui eu -. Se de nada mais podemos lançar mão, fora estas, tomemos uma daquelas ciências que abrangem tudo.
- Qual?
- Por exemplo, aquela ciência comum, da qual se utilizam todas as artes, todos os modos de pensar, todas as ciências - e também aquela que é preciso aprender entre as primeiras.
- Qual?
- Aquela modesta ciência - prossegui eu - que distingue o um do dois e do três. Refiro-me, em resumo, à ciência dos números e do cálculo. Ou não é ela de tal modo que toda a arte e ciência é forçada a ter parte nela?
- Sim, e muito.
- Até a arte da guerra?
- É absolutamente forçoso.
- Realmente, é um general muito cómico, aquele Agamémnon que Palamedes está sempre a mostrar-nos nas tragédias [9]. Ou não reparaste que Palamedes, dizendo-se o inventor do número, pretende ter distribuído os postos do acampamento em Ílion e ter contado os navios e tudo o mais, como se antes estivessem por contar, e como se Agamémnon não soubesse sequer, ao que parece, quantos pés tinha, uma vez que não sabia contar? E agora que espécie de general achas que ele era?
- Um general esquisito, se na verdade era assim.
- Logo, que outra ciência havemos de considerar necessária a um guerreiro, como a de poder calcular e contar?
- Essa mais do que todas, se quiser compreender alguma coisa de táctica, e mais ainda, se quiser ser um homem.
- Pensas desta ciência o mesmo que eu?
- O quê?
- Pode muito bem ser uma daquelas ciências que procuramos, e que conduzem naturalmente à inteligência, mas de que ninguém se serve correctamente, apesar de ela nos elevar perfeitamente até ao Ser.
- Que queres dizer?
- Tentarei mostrar qual a minha opinião. Examina comigo as coisas, que eu vou, pelo meu lado, distinguir como úteis para o que pretendemos, ou não, e aprova ou desaprova, a fim de vermos mais claramente se é como eu conjecturo.
- Mostra lá.
- Mostrarei que, se reparares bem, nas sensações, há objectos que não convidam o espírito à reflexão, como se ficassem suficientemente avaliados pelos sentidos, ao passo que outros obrigam de toda a maneira a reflectir, como se a sensação não produzisse nada de são.
- Ora nós dissemos que também a vista via a grandeza e a pequenez, não como coisas separadas, mas misturadas. Não é assim?
- É.
- E, para clarificar o assunta, o entendimento é forçado
a ver a grandeza e a pequenez, não misturadas, mas distintas, ao invés da visão.
- É verdade.
- Não é daí que, pela primeira vez, nos surge a ideia de indagar que coisa é a grandeza e a pequenez?
- Absolutamente.
- E foi assim que designámos o inteligível e o visível.
- Exactamente.
- Ora era isso mesmo que eu há pouco tentava dizer, que certos objectos convidam à reflexão, e outros não, colocando entre os primeiros os que recaem sobre a sensação acompanhada de impressões apostas; ao passo que os que não estavam nessas condições, os colocava entre os que não despertam o entendimento.
- Já compreendo, e parece-me que é assim.
- Ora pois! O número e a unidade, a qual dos dois te parece que pertencem?
- Não atinjo.
- Mas raciocina por analogia com o que dissemos anteriormente. Se a unidade é suficientemente vista tal como é, ou é apreendida por meio de qualquer outro sentido, não nos levaria até à essência, tal como dissemos a propósito do dedo. Mas, se na visão da unidade há sempre ao mesmo tempo uma certa contradição, de tal modo que não parece mais unidade que o seu inverso, será portanto já necessário quem julgue a questão, e em tal situação a alma seria forçada a uma posição de embaraço e a procurar, pondo em acção dentro de si o entendimento, a indagar o que será a unidade em si, e assim é que a apreensão intelectual da unidade pode pertencer ao número das que incitam e voltam o espírito para a contemplação do Ser.
- Ora a verdade é que a apreensão visual da unidade não pertence menos a esse número, pois vemos simultaneamente a mesma coisa como unidade e como ilimitada em multiplicidade.
- Mas se é assim com o numero - prossegui eu - também com todos os números se dá o mesmo.
- Como não havia de ser?
- Mas realmente o cálculo e a aritmética são totalmente consagradas ao número?
- Totalmente.
- Essas ciências parecem, certamente, conduzir à verdade.
- Acima de tudo.
- São, portanto, ao que parece, daquelas ciências que procuramos. Com efeito, é forçoso que o guerreiro as aprenda, por causa da táctica, e o filosofo, para atingir a essência, emergindo do mundo da geração, sem o que jamais se tornará proficiente na arte de calcular.
- É verdade.
- Ora dá-se o caso de o nosso guardião ser guerreiro e filósofo.
- Sem dúvida.
- Seria, portanto, conveniente, ó Gláucon, que se determinasse por lei este aprendizado e que se convencessem os cidadãos, que hão-de participar dos postos governativos, a dedicarem-se ao cálculo ·e a aplicarem-se a ele, não superficialmente, mas até chegarem à contemplação da natureza dos números unicamente pelo pensamento, não cuidando deles por amor à compra e venda, como os comerciantes ou retalhista, mas por causa da e facilitar a passagem da própria alma da mutabilidade à verdade e à essência.
- Dizes muito bem.
- Ora depois de falar da ciência de calcular, agora é que eu compreendo como é bela e útil de tantas maneiras ao nosso propósito, desde que uma pessoa a cultive por amor do saber, e não para a traficância.
- De que maneiras?
- É o facto de, como agora mesmo dizíamos, elevar poderosamente a alma para o alto e forçá-la a discorrer sobre os números em si, sem aceitar jamais que alguém introduza nos seus raciocínios números que tenham corpos visíveis ou palpáveis. Deves saber que os que são peritos nestes e assuntos, se alguém tentar, na discussão, dividir a unidade em si, fazem troça e não lhe dão aceitação. Mas, se a dividires, eles multiplicam-na [11] com receio de que a unidade não pareça una, mas um composto de muitas partes.
- Dizes a verdade.
- E que te parece, ó Gláucon, se alguém lhes perguntasse: «Meus caros amigos, a respeito de que números é que estais a discutir, entre os quais estão as unidades, tal como vós entendeis que existem, cada qual absolutamente igual às outras, e sem diferir em nada, nem conter qualquer parte em si?» Que te parece que eles responderiam?
- Acho que diriam que falavam de números que se situam apenas na região do entendimento, e que não é possível manusear de nenhum outro modo.
- Vês então, meu caro amigo, que é natural que esta ciência nos seja realmente indispensável, uma vez que se torna claro que obriga a alma a servir-se da em si para chegar à verdade pura?
- De facto, actua fortemente nesse sentido.
- Pois então! Já observaste que os que nasceram para o cálculo nasceram prontos, por assim dizer, para todas as ciências, e que os espíritos lentos, se forem instruídos e exercitados nele, ainda que não lhes sirva para mais nada, de qualquer maneira lucram todos em ganhar maior agudeza de espírito?
- Assim é.
- Além disso, segundo julgo, não seria fácil encontrar muitas ciências que proporcionem maior esforço na sua aprendizagem e na sua prática.
- Pois não.
- Por todos estes motivos, não devemos abandonar esta ciência, mas sim formar no seu estudo os melhores engenhos.
- Concordo - respondeu ele.
- Fiquemos, portanto, com esta ciência. Vejamos se uma que lhe é afim porventura nos convém.
- Qual? Ou é à geometria que te referes?
- A essa mesma - respondi eu.
- Na medida em que se aplica às questões de guerra, é evidente que nos convém. Efectivamente, para formar um acampamento, para conquistar uma região, para cerrar ou dispor as fileiras e quantas evoluções fazem os exércitos nas próprias batalhas ou em marcha, há uma diferença entre quem é geómetra e quem o não é.
- Ora a verdade é, que, para esse efeito, bastaria uma reduzida parte de geometria e cálculo. É preciso examinar se a parte central e mais adiantada tende para aquele objectivo, de fazer ver mais facilmente a ideia do bem. Ora tende para aí tudo o que força a alma a volta-se para aquele lugar onde se encontra o mais feliz de todos os seres, o que ela de toda a maneira tem de contemplar.
- Está certo o que dizes.
- Portanto, se o que ela obriga a contemplar é a essência, convém-nos; se é o mutável, não nos convém.
- Assim o declaramos.
- O certo é que - prossegui eu - mesmo aqueles que têm pouca prática da geometria não nos regatearão um ponto, a saber, que a natureza dessa ciência está em rigorosa contradição com o que acerca dela afirmam os que a exercitam.
- Como assim?
- Fazem para aí afirmações bem ridículas e forçadas. É que é como praticantes e para efeitos práticos que fazem todas as suas afirmações, referindo-se nas suas proclamações a quadraturas, construções e adições e operações no género, ao passo que toda esta ciência é cultivada tendo em vista o saber.
- Absolutamente.
- Não devemos ainda concordar no seguinte?
- Em quê?
- Que se tem em vista o conhecimento do que existe sempre, e não do que a certa altura se gera ou se destrói.
- É fácil de concordar - respondeu ele - uma vez que a geometria é o conhecimento do que existe sempre.
- Portanto, meu caro, serviria para atrair a alma para a verdade e produzir o pensamento filosófico, que leva a começar a voltar o espírito para as alturas e não cá para baixo, como agora fazemos, sem dever.
- É muito capaz de o fazer.
- Portanto, prescreveremos afincadamente aos habitantes do nosso belo Estado que não deixem, de modo algum, a geometria. Além disso, os seus efeitos acessórios não são pequenos.
- Quais? - perguntou ele.
- Aqueles que tu disseste: os que dizem respeito à guerra, e, em especial, a todas as modo que se apreendem melhor. De qualquer modo, sabemos que aquele que estudou geometria difere totalmente de quem não a estudou.
- Totalmente, por Zeus!
- Vamos então propor esta ciência em segundo lugar aos jovens?
- Vamos.
- Ora bem. E vamos pôr a astronomia em terceiro lugar? Ou não te parece?
- Parece-me, sem dúvida, porquanto convém não só à agricultura e à navegação, mas não menos à arte militar, uma perfeita compreensão das estações, meses e anos.
- Divertes-me, por pareceres receoso da maioria, não vá afigurar-se-lhes que estás a prescrever estudos inúteis. Mas eles não são de âmbito modesto, embora seja difícil de acreditar que nestas ciências se purifica e reaviva um órgão da alma de cada um que fora corrupto e cego pelas restantes ocupações, e cuja salvação importa mais do que a de mil órgãos da visão, porquanto só através dele se avista a verdade. Aqueles que entendem do mesmo modo não terão dificuldade em declarar que pensas bem, mas aqueles que não têm qualquer compreensão do assunto é natural que julguem que não vale nada o que dizes. Na verdade, não vêem nestas ciências nenhuma outra utilidade digna de apreço. Repara, pois, de uma vez para sempre, com qual destes partidos vais discutir. Ou não te diriges aos outros, e fazes os teus raciocínios sobretudo para ti mesmo, sem, todavia, negares a outrem qualquer vantagem que deles possa auferir.
- É essa a minha escolha: falar, perguntar e responder sobretudo para mim mesmo.
- Vamos então tornar atrás, pois ainda agora não pegámos como deve ser na ciência a seguir à geometria.
- Pegar, como?
- Depois da superfície, pegámos nos sólidos em movimento, antes de nos ocuparmos deles em si. Ora o que está certo é que, após a segunda dimensão, se trate da terceira, que é a dos cubos e a que possui profundidade.
- É isso, mas tal ciência parece que ainda não foi descoberta [12].
- Os motivos são duplos: porque nenhum Estado presta honra a estes estudos, a investigação é débil, devido à sua dificuldade; e os investigadores precisam de um director, sem o qual não farão descobertas. Primeiro que tudo, é difícil encontra-lo; depois, no caso de aparecer, tal como as coisas estão agora, não lhe obedeceriam os que se dedicam a tais investigações, devido à sua arrogância. Mas se o Estado inteiro cooperasse com o director, honrando os seus trabalhos, eles obedecer-lhes-iam, e as investigações, seguidas e vigorosas, chegariam a resultados evidentes. Pois mesmo agora, apesar de desprezados e amesquinhados pela maioria, sem que formem ideia, os que tal investigam, da sua utilidade, mesmo assim, apesar de tudo isto, encontram-se em grande pujança, devida ao seu fascínio, e não admira nada que surjam à luz.
- São realmente estudos fascinantes e superiores. Mas explica-me mais claramente o que há pouco dizias. Colocavas primeiro o estudo das superfícies, a geometria?
- Colocava.
- Depois, punhas, a seguir a essa, primeiro a astronomia, depois, voltaste atrás.
- É que, com a pressa de percorrer rapidamente todas as ciências, em vez disso afrouxo [13]. Com efeito, a seguir fica o estudo metódico da dimensão da profundidade, mas como é estudada de uma forma ridícula, passei-a adiante, pondo após a geometria a astronomia, por ser o movimento das profundidades.
- Dizes bem.
- Ponhamos então em quarto lugar a astronomia, partindo do princípio de que a ciência que agora deixamos de lado existira, se a cidade o deixar.
- É natural - replicou ele -. Há momentos, ó Sócrates, censuraste-me a propósito de ter elogiado grosseiramente a astronomia; agora vou elogia-la segundo a tua maneira. Julgo evidente para toda a gente que essa ciência força todas as almas a olhar para cima e as conduz das coisas terrenas às celestes.
- Talvez seja evidente para toda a gente, excepto para mim; pois a mim não me parece tal.
- Como assim?
- Tal como a tratam actualmente os que quereriam elevar-nos até à filosofia, fazem-na olhar muito para baixo.
- Que queres dizer?
É de uma generosa audácia, me parece, a tua maneira de abordar o estudo das coisas celestes. Arriscas-te, na verdade, a supor que, se alguém estivesse a observar os ornatos do tecto, olhando para cima, e apreendesse qualquer coisa, tal pessoa estava a fazer essa contemplação com o pensamento, e não com os olhos. Talvez tu suponhas muito bem, e eu seja um simplório. Mas eu, por mim, não posso pensar em nenhum outro estudo que faça a alma olhar para cima, senão o que diz respeito ao Ser e ao invisível. Mas se uma pessoa empreender o estudo de qualquer coisa de sensível, quer esteja de boca aberta, a olhar para cima, quer de boca fechada, a olhar para baixo, jamais direi que ela tenha conhecimento - pois a ciência não tem nada a ver com tais processos - nem que a sua alma olha não para cima, mas para baixo, ainda que estude nadando de costas, na terra ou no mar [14].
- Tenho o que mereço, e tens razão em me censurar. Mas como é que tu dizes que era precisa aprender astronomia diferentemente do que agora se aprende, se quiseres sabê-la de maneira a ser útil ao nosso plano?
- Do seguinte modo - expliquei eu -. Estes ornamentos que há no céu, na medida em que estão incrustados no visível, devíamos realmente considerá-los o mais belo e perfeito de tudo o que é visível, mas muito inferiores aos verdadeiros - muito inferiores aos movimentos pelos quais a velocidade essencial e a lentidão essencial, em número verdadeiro, e em todas as formas verdadeiras, se movem em relação urna à outra, e com isso fazem mover aquilo que nelas é essencial: são os verdadeiros ornamentos, que se apreendem pelo raciocínio e pela inteligência, mas não pela vista. Ou pensas outra coisa?
- De modo nenhum.
- Devemos servir-nos, portanto, dos ornamentos celestes, como exemplos, para o estudo das coisas invisíveis, tal como se alguém encontrasse desenhos feitos por Dédalo [15] ou qualquer outro artista ou pintor, delineados e elaborados de forma excepcional. Ao ver essas obras, um conhecedor da geometria pensaria que eram uma maravilha de factura, mas que seria ridículo examiná-las a séria, para apreender nelas a verdade referente às relações de igualdade, duplicação ou qualquer outra proporção.
- Como não haveria de ser ridículo?
- Mas o verdadeiro astrónomo - prossegui eu - não achas que pensará da mesma maneira ao olhar para os movimentos dos astros? E que há-de entender que da maneira mais bela por que podiam ser executados, assim foi que o demiurgo [16] do céu o formou, a este e a tudo o que ele contém. Mas, quanta à proporção entre a noite e o dia, e entre estes e o mês, e entre o mês e o ano, e entre os outros astros e estes [17], e uns com os outros, não achas que ele considerará absurdo que alguém julgue que são sempre assim, e nunca conhecem nenhum desvio, apesar de serem corpóreos e visíveis, e que procure de toda a maneira apreender a verdade deles?
- Ao ouvir-te, parece-me que sim.
- É com problemas, portanto, que nos dedicaremos à astronomia, tal como à geometria; e dispensaremos o que há no céu, se quisermos realmente tratar de astronomia, tornando útil, de inútil que era, a parte naturalmente inteligente da alma.
- Realmente é um trabalho complicado, em relação ao que têm agora, esse que tu prescreves aos astrónomos.
- Penso que faremos prescrições para as outras ciências no mesmo estilo, se de alguma coisa servirmos como legisladores. Mas tens a lembrar alguma ciência que nos convenha?
- Não tenho - disse ele -, pelo menos, por agora.
- Contudo, o movimento não oferece uma só forma, mas várias, ao que suponho. Enumerá-las todas é coisa que talvez um sábio possa fazer. Mas as que nos são visíveis, são duas.
- Quais?
- Além desta de que falei, há uma que lhe equivale.
- Qual?
- É provável que, assim como os olhos foram moldados para a astronomia, os ouvidos foram formados para o movimento harmónico e as próprias ciências são irmãs uma como afirmam os Pitagóricos e nós, ó Gláucon,
concordamos. Ou não será assim?
- É - respondeu ele.
- Ora, como a empresa é vasta, perguntar-lhes-emos o seu parecer sobre estas matérias e outras ainda além destas. Mas em todas as circunstâncias manteremos o nosso princípio.
- Qual?
- Que não tentem jamais que os nossos educandos aprendam qualquer estudo imperfeito e que não vá dar ao ponto onde tudo deve dar, como dizíamos há pouco a propósito da astronomia. Ou não sabes que fazem outro tanto com a harmonia? Efectivamente, ao medirem os acordes harmónicos e sons uns com os outros, produzem um labor improfícuo, tal como os astrónomos.
- Pelos deuses! É ridículo, sem dúvida, falar de não sei que intervalos mínimos [18] e apurarem os ouvidos, como se fosse para captar a voz dos vizinhos; uns afirmam ouvir no meio dos sons um outro, e que é esse o menor intervalo, que deve servir de medida; os outros sustentam que é igual aos que já soaram, e ambos colocam os ouvidos à frente do espírito.
- Referes-te àqueles honrados músicos que perseguem e torturam as cordas, retorcendo-as nas cavilhas. Mas não vá a minha metáfora tomar-se um tanto maçadora, se insista nas pancadas dadas com o plectro, e nas acusações contra as cordas, ou porque se recusam ou porque exageram - acabo com ela e declaro que não é desses que eu falo, mas daqueles que há momentos dissemos que havíamos de interrogar sobre a harmonia. É que fazem o mesmo que os que se dedicam à astronomia. Com efeito, eles procuram os números nos acordes que escutam, mas não se elevam até ao problema de observar quais são os números harmónicas e quais o não são, e por que razão diferem.
- Tarefa divina, essa que tu dizes.
- Útil certamente, para a procura do belo e do bom, mas inútil, se se levar a cabo com outra fim.
- É natural.
Notas:
Livro VI
[41] Entenda-se: o Sol e a Ideia do Bem.
[42] Se chamasse ao Sol «rei do céu» βασιλεὐς οὐρανοῦ, pareceria sugerir o parentesco entre οὐρανος («céu») e όρατός («visível»), género de etimologia popular que provavelmente era corrente no tempo de Platão (e que, de resto, não destoaria de muitas outras que o filósofo aceitou no Crátilo).
[43] Esta definição de διάνοια, que é da autoria de Platão, parece querer sugerir, como nota Adam, uma suposta etimologia que tirasse de διά («entre») o sentido de «entre νοῦς («inteligência») e δόξα («opinião»)».
Livro VII
[9] Palamedes, herói da guerra de Tróia, inventor dos números e do jogo do xadrez, que desmascarara o expediente de Ulisses, de simular a loucura para não ter de acompanhar a expedição, e por isso sofrera a vingança do herói, que, acusando-o de suborno por parte de Príamo, causara a sua lapidação, foi figura frequentemente tratada na tragédia. Tanto Ésquilo, como Sófocles e Eurípedes compuseram um drama intitulado Palamedes, embora nenhum dos três se tenha conservado. É curioso que Ésquilo, no Prometeu Agrilhoado, atribui a invenção do número ao Titã.
[11] Entenda-se que multiplicam logo a unidade pelo mesmo factor por que foi dividida.
[12] Trata-se da estereometria, criação, pelo menos em grande parte, de Teeteto, mas que só recebeu nome, como observa Adam, a partir de Aristóteles (An. Post. II. 13. 78b 38).
O mais famoso problema de estereometria era o da duplicação do cubo, também conhecido por «problema de Delos». Ter-se-ia originado, segundo uma das versões transmitidas por Eratóstenes, num oráculo dado aos habitantes daquela ilha, de que, para se verem livres da peste, tinham de duplicar as dimensões do altar, que era de forma cúbica. Consultados a este propósito os geómetras da Academia, Arquitas de Tarento encontrou uma solução, e Eudoxo de Cnidos outra. Vide M. R. Cohen-I. E. Drabkin, A Source Book in Greek Science, Harvard University Press, 1958, pp. 62-66, e O. Bekker, Das mathematische Denken der Antike, Göttingen, 1957, pp. 75-80.
[13] Trocadilho sobre o provérbio grego σπεῦδε βραδἐως (em latim: festina lente), equivalente ao nosso «devagar se vai ao longe».
[14] Todas estas alusões um tanto humorísticas parecem visar o episódio de As Nuvens de Aristófanes, em que Sócrates entra em cena suspenso numa cesta, para observar mais de perto os fenómenos celestes.
[15] Segundo a tradição, as estatuas de Dédalo moviam-se, o que está de acordo com o «exemplo» das revoluções celestes escolhido.
[16] Empregámos a palavra grega que figura também no Timeu, para designar o construtor do mundo.
[17] Entenda-se: o Sol e a Lua, causadores das variações do dia, noite, mês e ano.
[18] Para definir o que seja πυκνώματα, termo da linguagem musical, Adam cita Aristóxeno, Baquio e, entre os modernos, Schneider, que interpreta que «haec ipsa πυκνά vel alia parva et tamen composita intervalla» se chamam assim «propter sonorum in augusto spatio quasi confertorum frequentiam». Veja-se ainda M. L. West, Ancient Greek Music, Oxford, 1992, p. 162
Texto disponibilizado pelo Jean Guerreiro [instagram] pelo LINK. O original em inglês está disponível AQUI.
Uma Proposta para o Cumprimento de uma Educação Liberal Católica - Documento de fundação e governo do Thomas Aquinas College
I. A Crise na Faculdade Católica
Os católicos americanos estão se tornando cada vez mais conscientes da crescente tendência das faculdades católicas de se secularizarem — isto é, de afrouxarem sua conexão com a Igreja docente e de diminuírem deliberadamente seu caráter católico. Os pais católicos, em particular, estão ficando alarmados com os efeitos que essa secularização tem ou ameaça ter na formação intelectual e moral de seus filhos. As próprias faculdades demonstram uma crescente incapacidade de se definirem de maneira a justificar sua existência contínua como instituições católicas.
À primeira vista, a causa dessa tendência parece ser econômica. Um número crescente de administradores e conselhos diretores estão confiando na estratégia de que, ao secularizar suas instituições, aumentarão sua elegibilidade para receber recursos de fundações educacionais e do governo. No entanto, é questionável se a estratégia foi bem pensada, pois está longe de ser claro que os pais católicos enviarão seus filhos para uma instituição que se autodenomina faculdade católica, mas que parece indistinguível, exceto pelo custo, da faculdade estadual gratuita mais próxima.
E se os pais católicos se virem incapazes de distinguir entre a faculdade católica e a instituição secular, sua confusão não seria sem base no caráter real da própria faculdade católica emergente. Pois, fundamentalmente, a explicação para a crescente secularização da educação superior católica americana é doutrinária e não econômica. A disposição de uma faculdade de se secularizar na esperança de ganho monetário pressupõe que ela já vê sua catolicidade como algo sujeito a negociação, o que, por sua vez, pressupõe que rejeitou a doutrina tradicional de que o propósito essencial de uma faculdade católica é educar sob a luz da Fé. Descobrimos, de fato, que os proponentes mais francos da secularização das faculdades católicas não estão argumentando sobre considerações econômicas, mas estão atacando a própria ideia de uma faculdade que educa sob a luz da Fé. Descobrimos, além disso, que os graduados, estudantes e professores das faculdades católicas são, em geral, incapazes e relutantes em resistir a esses ataques. De fato, os ataques mais virulentos que agora estão sendo feitos à educação católica — bem como à própria Igreja — emanam de alguns desses graduados, estudantes e professores. O fato de que isso aconteça aponta para uma grave deficiência na educação católica; instituições cujo propósito essencial é combinar a sabedoria católica e o aprendizado secular deram origem a uma geração de professores e aprendizes que, em grande parte, rejeitam tal propósito como irrelevante ou contraditório. Inescapável é a percepção de que a faculdade católica não tem sido fiel ao seu propósito. No entanto, essa percepção, por mais sombria que seja, não deveria ser surpreendente, pois um breve olhar sobre a faculdade católica americana como a conhecemos no passado revela falhas fundamentais que, dado o tempo para dar seus frutos, tornaram a presente crise inevitável.
Houve um tempo em que a faculdade católica justificava sua existência dizendo que dava aos seus alunos, quase todos católicos, uma educação que tinha como alguns de seus componentes cursos de filosofia católica e religião. Isso significava que todos os seus alunos faziam cursos obrigatórios nessas disciplinas, cujas verdades, esperava-se, os permeariam e moldariam suas vidas. O resto do currículo era montado em imitação ao padrão de cursos existentes nas escolas seculares e presumia-se que alcançasse os mesmos propósitos alcançados pela educação secular. Portanto, era o orgulho da faculdade católica ter tudo o que a educação secular tinha e mais; era católica sem deixar de ser secular, e de fato pensava-se que preparava seus alunos ainda melhor do que outras escolas para este mundo porque lhes dava uma formação filosófica que os sustentaria em qualquer estado de vida que escolhessem.
Mas havia certas anomalias: a) Enquanto a faculdade se vangloriava de que seu currículo estava atualizado, que tinha cursos nas mais recentes disciplinas como sociologia e psicologia moderna, cujo paradigma é a mecânica newtoniana, também propunha cursos de filosofia baseados em uma concepção geral da realidade oposta aos pressupostos filosóficos da sociologia e da psicologia moderna. Da mesma forma, seus cursos de física e química pressupunham, sem questionamento, uma visão filosófica sobre a natureza da matéria e do movimento que contradizia o que era ensinado nos cursos de filosofia. b) Mas mesmo dentro do próprio currículo de filosofia existiam anomalias. A formação filosófica dos alunos era essencialmente falha, pois as próprias faculdades estavam fundamentalmente divididas sobre a questão de se existe filosofia ou meramente filosofias. O efeito dessa divisão era propor aos alunos que a educação filosófica levaria ao mesmo tempo a uma certa compreensão da realidade, compreensão essa que era ao mesmo tempo relativa basicamente às mudanças de tempo e lugar. Essa oposição era, na verdade, entre aqueles que afirmam que algo pode ser conhecido e aqueles que são céticos — e o efeito resultante sobre os alunos, que naturalmente tentavam integrar ambas as posições, era o ceticismo. O ceticismo, é claro, derrota o propósito da vida intelectual ao negar a possibilidade de conhecer qualquer coisa. c) Os proponentes da filosofia perene buscavam ser fiéis à natureza da educação católica como tradicionalmente entendida pela Igreja e, mais particularmente, como repetidamente enfatizado pelas encíclicas papais desde Leão XIII, mas mesmo aqui a faculdade católica americana tem sido perturbada por ainda outra falha. Onde as encíclicas papais deixavam claro que a sabedoria perene deveria ser estudada através das obras dos próprios grandes mestres, e acima de tudo através dos escritos de São Tomás de Aquino, tem sido mais frequentemente o caso de os alunos se familiarizarem com essa sabedoria através de versões de livros didáticos. Nessa tentativa de proporcionar tal sabedoria à mente do estudante moderno de modo a minimizar suas dificuldades intrínsecas, o caráter próprio dessa sabedoria foi distorcido e mal representado de várias maneiras. Em parte, essa má representação se devia à impossibilidade de simplificar essas dificuldades e em parte ao resultado da tentativa de reafirmar doutrinas tradicionais através dos pensamentos e da linguagem de filosofias contemporâneas que, de fato, entendem a realidade de maneiras incompatíveis com essa sabedoria. Na medida em que isso foi verdade, a filosofia perene foi perdida. d) Ainda mais seriamente, os cursos de religião foram isolados e de nenhuma forma desempenharam uma função sapiencial em relação ao resto do currículo, contentando-se com uma reafirmação superficial das verdades do catolicismo. Nenhuma tentativa foi feita para familiarizar os alunos com os maiores Padres e Doutores da Igreja, ou para aprofundar sua compreensão da riqueza da herança católica. A teologia não foi tratada como a ciência que é, e como um meio para o crescimento intelectual, bem como moral do aluno. A possível penetração que ele poderia ter tido nas mais altas verdades foi pouco alcançada. No entanto, durante todo esse tempo, os cursos de religião afirmavam ser a parte importante da educação católica.
Uma crítica à educação católica ficaria seriamente aquém de alcançar seu objetivo se negligenciasse as fraquezas puramente educacionais que a educação católica compartilha com todas as faculdades americanas na área da educação liberal. A faculdade americana há muito abandonou a genuína educação liberal genuína. Em seu lugar, substituiu em parte a educação vocacional pelo que antes era uma educação para o homem simplesmente como homem. E em outra parte, onde preservou certos estudos que não levam a alguma aplicação prática, fez isso apenas porque eles levam o aluno a uma maior apreciação do "aprendizado" e da "cultura" de sua civilização. A segunda parte leva o nome de humanismo para designar seus assuntos precisamente como aquelas coisas que são do homem, distinguindo-se daquelas coisas que vêm da natureza. Essas duas partes formam um todo indiscriminado e são ambas chamadas de educação de maneira unívoca. Essa profunda confusão, que agora está dando seus frutos infelizes nas revoltas e revoluções acadêmicas irracionais, com suas propostas intermináveis e sem objetivo de reforma, tem sido adotada há muito tempo, de certa forma inadvertidamente, pelas próprias faculdades católicas.
De uma maneira mais particular, essa debilidade geral da faculdade secular americana, que serviu de modelo para a faculdade católica em áreas além da filosofia e teologia, tem estes efeitos. A faculdade secular mantém requisitos vestigiais em algumas áreas da educação liberal, mas há muito tempo foi estabelecido que a principal função da faculdade era treinar os alunos para as profissões, atendendo às demandas das escolas profissionais e de pós-graduação. O aluno tinha que começar a especialização no início de sua carreira universitária para não ficar para trás na corrida pelo sucesso profissional. Os educadores nem sempre estavam felizes com a crescente tendência à especialização, mas era realista assumir que isso era o que a maioria dos alunos queria. Os educadores podiam encontrar consolo no dogma da pedagogia instrumentalista de que a educação bem-sucedida ocorre em proporção direta à sua conformidade com os interesses do aluno — um interesse que se presume ser antecedente à matrícula e já totalmente determinado. Finalmente, uma vez que poucos educadores estavam preparados para defender a proposição de que um curso de instrução poderia ser por si só mais educativo do que outro (ou a proposição de que há uma ordem descobrível entre as disciplinas existentes), ninguém foi capaz de resistir ao dilúvio de proliferação de cursos que criou o catálogo da faculdade moderna. De fato, poucos se manifestaram contra isso, e houve aqueles que sustentavam que a liberdade acadêmica do aluno tinha sido, em um sentido significativo, aprimorada pela multiplicação de opções colocadas diante dele. Até os eventos anárquicos do final dos anos sessenta, poucos pareciam perceber as consequências potencialmente desastrosas do princípio de que o próprio aluno é o melhor juiz de quais estudos são mais relevantes para seu desenvolvimento intelectual. Nem se notou como o diálogo de graduação seria restringido pela especialização total de interesses por parte do corpo docente e do corpo discente. O professor em sua especialidade torna-se cada vez mais insular e afastado tanto de seus alunos quanto de seus colegas educadores. Ele encontra seus alunos na sala de aula, e encontra seus colegas em revistas acadêmicas e em convenções, e embora essas funções não esgotem completamente suas responsabilidades, elas são certamente as funções que definem seu papel. A própria excelência da especialização multiplica e amplia as divisões da academia.
As faculdades católicas tinham esperado superar os efeitos adversos do sistema eletivo e da especialização prematura, lançando a filosofia e a teologia no papel de disciplinas sapienciais ou integradoras. Até certo ponto, esse projeto foi bem-sucedido, mas o efeito geral foi menor do que se esperava. Os departamentos de filosofia e teologia foram vítimas de sua própria especialização e não estavam totalmente preparados para engajar outras disciplinas em diálogo. Além disso, com a decadência geral das artes liberais devido ao sistema eletivo, a filosofia e a teologia muitas vezes não podiam ser ensinadas com ênfase suficiente em sua estrutura interna como disciplinas intelectuais. Como resultado, elas frequentemente assumiam uma postura autoritária desnecessária e inadequada, que não raramente as tornava impopulares. Pressões agora existem dentro dos corpos discentes da maioria das faculdades católicas, se não na maioria dos corpos docentes, para abandonar os requisitos tradicionais em filosofia e teologia. A maioria das faculdades já reduziu o número de horas exigidas.
Não é surpreendente, portanto, que sob a pressão do vocacionalismo e humanismo cada vez mais amplos, a educação católica, imersa nessa maré, esteja naufragando. Turva em sua visão, ela não pode distinguir bem e justificar a verdadeira educação liberal separada do treinamento vocacional e profissional, em uma época em que o progresso técnico e tecnológico parece ser tudo o que é comumente considerado como valioso. Correlacionada com a esperança do homem na tecnologia está seu desespero em conhecer a verdade sobre a realidade, desespero esse que deu origem originalmente ao humanismo. Mesmo contra a parte humanística da moderna "educação liberal", na qual o homem se volta para si mesmo em busca do significado de todas as coisas, visão essa que sempre favorece o "mundo" contra Deus, e o homem contra seu Criador, a faculdade católica ofuscada se viu indefesa. Essa capitulação mostra, por um lado, a lassidão geral e a estupidez a que todos somos herdeiros, mas por outro lado mostra mais importante o que foi observado acima: a faculdade católica nunca realmente se entendeu, nunca, isto é, pensou nas exigências de uma educação liberal que é empreendida em subordinação ao ensino da Igreja, e que tem como objetivo uma perfeição intelectual que é possível e própria apenas ao católico. Tal educação exige que todas as partes do currículo não ordenadas a preocupações técnicas sejam conduzidas com vistas a compreender a fé católica, e que a própria Fé seja a luz sob a qual o currículo é conduzido.
II. A Fé Pode Iluminar o Entendimento?
O primeiro e mais urgente dever, portanto, se é para haver educação católica, exige restabelecer em nossas mentes o papel central que a Igreja docente deve desempenhar na vida intelectual de professores e estudantes católicos. Uma vez que a Fé liberta o crente do erro em sua submissão aos seus ensinamentos, ela tanto guia quanto fortalece sua inteligência no desempenho daquelas atividades que constituem sua própria vida como pensador; e o homem, sendo distinguido pela racionalidade, vive acima de tudo através da atividade viva do pensamento. Não devemos nos surpreender, portanto, que tal ajuda nos seja prometida pelo próprio Nosso Senhor quando Ele diz: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância." (João 10:10)
O primeiro e mais urgente dever... se é para haver educação católica, exige restabelecer em nossas mentes o papel central que a igreja docente deve desempenhar na vida intelectual de professores e estudantes católicos.
Os seguintes exemplos mostram, a título de ilustração, como uma adesão à doutrina cristã ajuda o crente enquanto ele pensa sobre as questões mais sérias e difíceis: 1) Uma das questões mais persistentes que tem ocupado o tempo e motivado os trabalhos dos maiores pensadores diz respeito à origem e causa da retidão moral. Não é surpreendente, portanto, que Sócrates, um dos maiores e mais influentes pensadores, tenha dedicado tanta atenção a isso. Ele examina, no Protágoras, a opinião comum de que o homem pode, mesmo quando conhece o bem, ser dominado pelo prazer, e que pode, como consequência, agir contra seu conhecimento e cometer um ato mau. Mas ao examinar a base dessa opinião, ele a rejeita, e sustenta que todo erro é resultado de uma ignorância do conhecimento de pesos e medidas aplicado aos vários prazeres e dores. Se, portanto, fôssemos ensinados quais são os maiores prazeres e quais são os menores, e quais dores devem ser suportadas à luz de prazeres futuros, possuiríamos, segundo ele, os requisitos suficientes para a retidão moral. Isso significa, quando resumimos, que a virtude é conhecimento e que pode ser ensinada — uma visão que se tornou uma das posições mais persistentes e de longo alcance sobre ética em nossa civilização.
Nenhum leitor, se seguir o Protágoras de perto, pode escapar da perplexidade que os argumentos de Sócrates despertam nele; ele começará, como consequência, a formular as questões fundamentais sobre a vida moral à luz da discussão de Sócrates. Mas suponha que o leitor seja católico, e que ele tanto adere à sua Fé quanto tem uma compreensão apropriada dela; ele acreditará em Ezequiel e São Paulo quando eles lhe ensinam que a bondade moral e os bons atos que dela decorrem são o resultado de graças que não apenas iluminam a mente, mas que tocam o coração também. Deus, falando a Ezequiel, diz-lhe:
Eu os reunirei dentre os povos, os trarei de volta de todos os países onde foram espalhados e lhes darei a terra de Israel. Eles virão e purificarão a terra de todos os horrores e práticas impuras. Eu lhes darei um só coração e porei um espírito novo dentro deles; tirarei deles o coração de pedra e lhes darei um coração de carne, para que sigam os meus decretos e obedeçam às minhas leis. Então eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. (Ezequiel 11:17-21)
E São Paulo ensina:
Se uma lei capaz de comunicar a vida tivesse sido dada, a justiça viria de fato da lei. Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, a fim de que a promessa, que é pela fé em Jesus Cristo, fosse dada aos que creem. (Gálatas 3:21-22)
Somos ensinados aqui que, para obedecer a Deus, Ele próprio deve remover "o coração de pedra" de nossos corpos e nos dar um "coração de carne". Assim, Deus diz a Ezequiel: "Eu lhes darei um só coração e porei um espírito novo dentro deles; tirarei deles o coração de pedra e lhes darei um coração de carne, para que sigam os meus decretos..." São Paulo estende essa doutrina ainda mais quando ensina que o conhecimento da Lei nos condena e nos leva a compreender nossa própria incapacidade de cumpri-la. Se, portanto, devemos agir corretamente, devemos receber as graças que nos mudam de desejar o mal para desejar o bem, e que nos ajudam a perseguir nossos desejos legítimos.
Por um lado, portanto, temos a posição socrática de que o conhecimento da ordem correta entre os bens que buscamos nos tornará impecáveis, enquanto por outro lado somos ensinados por nossos mestres inspirados que tal conhecimento por si só nada faz além de nos condenar. Descansando, portanto, na verdade de sua Fé, nosso leitor acreditará que Sócrates deve estar errado, quer ele próprio possa ver o erro ou não. Mas se ele, como um pensador sério, perseguir a questão, seria grandemente auxiliado por sua adesão à verdade, pois essa própria adesão o ajudaria a buscar as raízes do erro socrático. Se ele assim perseguisse a questão, poderia ser levado a distinguir os vários tipos de ignorância e ver, como consequência, que Sócrates fez avançar a discussão ao ensinar que todo pecado envolve ignorância, mas que ele está fundamentalmente errado ao pensar que se trata de uma ignorância do conhecimento geral da moral. Nosso leitor poderia, em outras palavras, seguir o procedimento que levou Aristóteles a aprender com Sócrates e a rejeitar a posição enquanto salvava toda a verdade que ela possui; desta forma, ele é auxiliado pela Fé a chegar até mesmo àquelas verdades que a razão pode descobrir. A fé cristã, portanto, nos permite ver melhor a verdade parcial da posição de Sócrates a partir de um ponto de vista que nos salva de adotar seus erros, uma realização que, embora possível à razão, dificilmente é possível a qualquer um além dos maiores pensadores após árduo trabalho.
Santo Agostinho nos mostra a postura do crente ao enfrentar essas mesmas questões. Ele diz que a graça é dada "não apenas para que descubramos o que deve ser feito, mas também para que façamos o que descobrimos — não apenas para que acreditemos no que deve ser amado, mas também para que amemos o que acreditamos", e diz ainda:
Se esta graça deve ser chamada de 'ensinamento', que seja assim chamada de tal maneira que se acredite que Deus a infunde, junto com uma inefável doçura, mais profunda e internamente, não apenas pela agência daqueles que plantam e regam de fora, mas também pela Sua própria que ministra em segredo Seu próprio crescimento — de tal maneira que Ele não apenas exibe a verdade, mas também comunica o amor. Pois é assim que Deus ensina aqueles que foram chamados segundo o Seu propósito, dando-lhes simultaneamente tanto o conhecimento do que devem fazer quanto a capacidade de fazer o que conhecem. (Sobre a Graça de Cristo, cc. 13 & 14)
2. Uma de nossas experiências indubitáveis é a da oposição recorrente entre nossas aspirações mais elevadas e nossas paixões mais baixas. Tanto essa oposição faz parte de nossas vidas, uma parte que está ausente das vidas dos brutos, que afetou a formulação de várias visões da natureza humana. Sócrates ensina, em vários dos diálogos, que o homem individual é uma alma, e que o corpo está ligado a ela nesta vida como uma punição pelos erros de uma existência anterior. Para escapar de mais punição e alcançar a felicidade de que é capaz, a alma deve, vivendo uma vida filosófica, voltar sua atenção para as coisas eternas, para que possa se preparar para existir para sempre sem o corpo, existência essa que é sua beatitude final. Tão plausível é essa visão, baseada como está em nossa experiência interna do conflito dentro de nós, que muitos cristãos pensaram que suas próprias vidas eram bifurcadas em uma existência inferior ou animal que se preocupa com este mundo, e uma vida espiritual da alma sozinha que é iniciada aqui, mas que é real apenas na vida após a morte.
Se refletirmos, no entanto, sobre os ensinamentos da Fé Cristã, podemos ver que essa posição não pode ser verdadeira; São Paulo insiste em que acreditemos na ressurreição de Cristo, bem como na nossa própria, que deve ocorrer em imitação à Dele. Tão importante ele considera ser acreditar na ressurreição que diz que se Cristo não ressuscitou, toda a nossa Fé é vã, pois é através de nossa ressurreição que a morte, o castigo pelo pecado, é vencida, pela qual nos tornamos novamente pessoas humanas. Consequentemente, os cristãos acreditam que a Bem-Aventurada Virgem, por sua assunção, existe como uma pessoa humana com Cristo, enquanto os outros santos aguardam seu estado final. A posição socrática, por outro lado, roubaria da morte seu aguilhão, pois significaria a separação real de duas coisas já separadas, e não a clivagem que divide a alma humana do corpo que ela havia informado para fazer um homem.
Como no exemplo anterior, a posição de Sócrates surge da consideração de verdades importantes, e ele explora com notável intensidade a vida vivida em prol da verdade em comparação com a vida de paixão e apetite animal, e mostra sua incompatibilidade — o que lhe sugere que o corpo e a alma estão unidos como opostos que guerreiam entre si. O cristão, no entanto, pela doutrina do pecado original, bem como pelas outras doutrinas de sua Fé, pode tanto ver como Sócrates poderia sustentar tal posição, quanto entender de uma maneira fechada para ele a causa daquela oposição aparentemente essencial que o leva a negar a unidade substancial de alma e corpo, e finalmente a negar a importância do corpo, exceto como punição pelo pecado.
3. Tanto teólogos quanto filósofos sempre se perguntaram se ou como a presciência Divina é consistente com a livre escolha. A maioria daqueles que consideraram esta questão concluiu que elas são logicamente incompatíveis, e ou defenderam a presciência Divina às custas da livre escolha ou mantiveram a livre escolha negando a presciência Divina. Martinho Lutero, por exemplo, em sua Escravidão da Vontade, argumenta que, uma vez que tudo em Deus é necessário, Sua presciência deve ser necessária, e uma vez que (ele diz) o conhecimento necessário deve ser de coisas necessárias, as ações humanas que Deus prevê são, como consequência, necessárias e não livres. Spinoza argumenta uma posição similar na Parte I de sua Ética. Cícero, por outro lado, em sua Natureza dos Deuses, sustentando a liberdade de escolha como um fato da experiência, sente-se constrangido a negar que Deus conheça todas as coisas de antemão, apesar da evidente impiedade de tal visão.
Em contraste, Santo Agostinho em A Cidade de Deus e em Sobre a Graça e o Livre Arbítrio mostra inequivocamente que a Sagrada Escritura ensina tanto a presciência infalível de Deus quanto a liberdade da vontade. Isso indica para Santo Agostinho e para seus leitores cristãos que a contradição é apenas aparente, e que sua compreensão tanto da presciência Divina quanto da natureza da vontade humana é inadequada. Assim, no Livro V de A Cidade de Deus, ele diz que "contra as ousadias sacrílega e ímpia da razão, afirmamos tanto que Deus conhece todas as coisas antes que aconteçam, quanto que fazemos por nossa livre vontade tudo o que sabemos e sentimos ser feito por nós apenas porque o queremos." Ele então procede a considerar os argumentos de Cícero e outros em detalhe, e começa a desenvolver uma doutrina mais profunda da presciência divina e da liberdade humana, uma doutrina que é completada e aperfeiçoada por São Tomás de Aquino. Instruído pela fé, então, Santo Agostinho está ciente de sua ignorância onde muitos presumem erroneamente seu conhecimento, é encorajado a empreender uma investigação difícil sabendo de antemão que uma solução é possível, e é guiado ao longo de todo o processo por um conhecimento de para onde sua investigação está se dirigindo.
A Fé Católica é um guia na vida intelectual, bem como na vida moral, para aqueles que se submetem a ela.
Estes poucos exemplos ilustram, como poderiam muitos mais, que a Fé Católica é um guia na vida intelectual, bem como na vida moral, para aqueles que se submetem a ela, e que o entendimento é radicalmente prejudicado quando se recusa a permanecer na luz superior que lhe é dada. A aceitação, no entanto, dessa luz superior como guia exige que se reformule e clarifique em princípio toda a educação católica, e mostre que ela é fundamentalmente superior e diferente de qualquer educação que é privada, ou que se priva, da força conferida a ela pela Igreja docente. Esta visão exige que a vida intelectual seja conformada aos ensinamentos da Fé Cristã, que se apresentam como o início dos esforços de alguém porque guiam a inteligência em suas atividades, e como o fim (que veremos mais tarde) porque esses esforços são empreendidos para que os próprios ensinamentos Divinos possam ser mais profundamente compreendidos.
III. Liberdade Acadêmica
Esta concepção da vida intelectual, que é a posição católica ortodoxa, parece contrária à visão predominante da sociedade moderna e daqueles católicos que estão se tornando cada vez mais secularizados em seus pensamentos e ações. A visão predominante sustenta como princípio que a aceitação acrítica da doutrina religiosa não apenas inibe, mas até mesmo destrói a vida da inteligência. A declaração deste princípio assume muitas formas, mas elas são finalmente redutíveis à única alegação de que o cristão crente, uma vez que se recusa a submeter sua crença ao exame racional e, portanto, à possibilidade de rejeitá-la, trocou a liberdade de sua mente pela segurança cega de uma autoridade inquestionável. A consequência é que as escolas cristãs, na medida em que estão sujeitas à Doutrina Cristã, são consideradas menos livres, e a educação que oferecem é considerada necessariamente inferior. É bom, portanto, já que esta é a objeção fundamental, considerá-la em alguns detalhes.
Uma vez que a fé cristã envolve a crença indubitável em certas afirmações para as quais não há evidência natural, mas que são, no entanto, tomadas como os princípios orientadores do pensamento e da ação, a vida intelectual de um cristão é geralmente assumida como sendo menos livre. Isso ocorre porque a liberdade intelectual é comumente definida pela mentalidade da investigação livre, a mentalidade que se vê como não escravizada a nenhuma concepção fixa, mas livre para submeter toda doutrina ao exame crítico e possível rejeição. A liberdade acadêmica é suposta ser a proteção e promoção desta liberdade intelectual por instituições de ensino. Consequentemente, escolas cujas políticas acadêmicas são baseadas em doutrina religiosa limitam a liberdade acadêmica e, assim, deprimem a vida intelectual da comunidade acadêmica. Tal visão, por exemplo, foi expressa pela Associação Americana de Professores Universitários:
"A liberdade de consciência no ensino e na pesquisa é essencial para manter a integridade acadêmica e cumprir os propósitos básicos do ensino superior; consequentemente, qualquer restrição à liberdade acadêmica levanta graves questões de preocupação profissional." (Declaração sobre Liberdade Acadêmica em Faculdades e Universidades Relacionadas à Igreja; Boletim A.A.U.P., Inverno, 67)
É claro que eles consideram a doutrina religiosa uma restrição à liberdade acadêmica, pois mais adiante na mesma declaração, as condições sob as quais uma instituição religiosa insiste quando nomeia um professor são descritas como "limitações institucionais à sua liberdade acadêmica".
Agora, na medida em que essa concepção de liberdade intelectual e acadêmica é baseada no princípio da investigação livre — isto é, a posição de que toda doutrina está sujeita a exame crítico e possível rejeição — é apropriado (e dificilmente injusto) examinar criticamente o próprio princípio geral. Se ele afirma ser um dogma, o único dogma imune à crítica, com que direito ele reivindica sua isenção do princípio geral? Ou, por outro lado, se ele também está aberto a questionamento, por qual princípio devemos justificar nosso exame dele? Não pelo princípio da investigação livre, pois ele está atualmente sob julgamento e, portanto, em suspensão.
Para prosseguir, a investigação livre é geralmente justificada por seu efeito na busca da verdade. Mais verdades serão descobertas, e mais seguramente mantidas, diz-se, se todas as crenças estiverem sujeitas a questionamento e possível reversão. Mas tal afirmação, se não for um "dogma", deve ser fundamentada no exame real das questões sobre as quais os homens discordaram, um julgamento de onde está a verdade em cada caso, e então uma determinação de se e quanto o princípio da investigação livre foi uma vantagem. Seguiria então que a resolução dessas questões — os casos de teste do progresso intelectual — seria imune à crítica sob o princípio da investigação livre, já que o valor do princípio é predicado em sua resolução.
Uma dificuldade adicional é que o princípio da investigação livre seria anulado pela realização de seu propósito declarado. Enquanto um homem é ignorante, é consistente com sua condição permanecer aberto tanto às respostas afirmativas quanto negativas para a questão em pauta. Mas quando e se ele chega a conhecer (que é o propósito de sua investigação) o assunto deixa de ser duvidoso para ele, e sua mente se fecha para a possibilidade de que o oposto possa ser verdadeiro. Ele não é mais livre para duvidar, exceto voluntariamente. Assim, pela definição assumida, a ignorância torna livre, enquanto o conhecimento escraviza. Uma resposta a esta objeção poderia assumir que o conhecimento é simplesmente inatingível, na medida em que todas as coisas estão em todos os aspectos sempre mudando, ou na medida em que nossas mentes, não sendo oniscientes, não podem alcançar a verdade certa sobre nada. Mas isto, como antes, basearia o princípio da investigação livre em teorias filosóficas particulares e controversas, que, como consequência, seriam imunes à crítica sob o princípio.
Além disso, toda crítica, a menos que seja simplesmente uma expressão da vontade de criticar, deve finalmente ser baseada em premissas não sujeitas à crítica. Pois se as premissas de alguma crítica devem ser elas mesmas criticadas, e as premissas desta segunda crítica devem por sua vez ser criticadas, e assim por diante, então ou o processo deve repousar em premissas não sujeitas à crítica, ou toda crítica é um jogo que começa em qualquer lugar e termina em lugar nenhum, não avançando um passo em direção à verdade. Nem mesmo a consistência lógica pode ser estabelecida, pois presumivelmente os princípios da lógica estão sujeitos à crítica como tudo o mais.
Uma vez que se pensa que a liberdade acadêmica deriva e é justificada pelo princípio da investigação livre, e uma vez que, por sua vez, considera-se que as considerações de estabilidade acadêmica são governadas pelos princípios da liberdade acadêmica, o professor universitário passa a ser julgado por padrões que não têm relação com os propósitos de sua vida como estudioso e professor. Pois geralmente se sustenta que a posição acadêmica de um estudioso deve ser determinada por sua "competência", enquanto ao mesmo tempo a liberdade acadêmica exige que a competência seja julgada em abstração do que é verdadeiro e do que é falso na área de sua competência. Mas como o conhecimento da verdade é o fim de todo estudo e ensino, julgar um estudioso desta maneira é comparável a julgar um médico abstraindo toda consideração de saúde e doença, ou julgar um cozinheiro sem provar o que ele cozinha.
O conhecimento da verdade é o fim de todo estudo e ensino.
Como resultado, quando os estudiosos devem determinar a posição profissional de um de seus colegas, eles devem encontrar alguma definição de competência que prescinda do próprio propósito da competência; assim, são compelidos a recorrer a "padrões aceitos" de competência, padrões que ou são baseados no que é totalmente secundário, ou são tão vaga e genericamente descritos a ponto de serem quase inúteis como diretrizes, ou que até carregam disfarçadamente visões definidas do verdadeiro e do falso nas várias disciplinas. Mas o que é pior, os padrões são considerados padrões precisamente na medida em que são aceitos; em outras palavras, o aceito, e não o verdadeiro, é o padrão não apenas de fato (devido à falibilidade humana), mas também por intenção. Assim, a aplicação consistente da liberdade acadêmica torna-se por definição a própria tirania que supostamente deveria prevenir.
De fato, parece que o governo de qualquer instituição por regras que prescindem (ou pretendem prescindir) de todas as diferenças de crença, ou que negam em princípio a possibilidade de governar pela verdade, deve necessariamente ser tirânico. Pois decisões concretas e particulares devem ser tomadas, sobre o currículo, vida estudantil, contratação e demissão, promoção e assim por diante, mas não podem ser dirigidas por regras que por seu caráter abstrato e negativo efetivamente negam que existam quaisquer regras. Assim, nenhuma decisão individual pode ser realmente justificada ou condenada por princípio, deixando uma latitude infinita na prática para os homens que realmente tomam as decisões, que assim governam por sua própria discrição absoluta.
IV. Liberdade e Educação Católica
A Fé Cristã e a tradição teológica da Igreja apresentam uma visão de liberdade que é totalmente oposta às noções anteriores. Em vez de supor que os homens podem alcançar a verdade pelo exercício da liberdade, elas ensinam que os homens se tornam livres ao encontrar, ou serem encontrados pela verdade e permanecer nela. Pois o cristão acredita que o próprio Cristo é a Verdade, e acredita Nele quando Ele diz: "Se vocês permanecerem na minha palavra, vocês serão verdadeiramente meus discípulos; e conhecerão a verdade, e a verdade os libertará." (João 8:31-32) De fato, a crença cristã considera a tentativa de obter conhecimento pela afirmação da liberdade como a causa original da escravidão humana, pois trouxe o pecado ao mundo, que é ao mesmo tempo a pior escravidão e a causa de todas as outras escravidões.
A Revelação Divina, portanto, liberta o cristão fiel daquelas noções especiosas e ainda assim absurdas de liberdade que, por serem falsas e subverterem a vida da razão, enganosamente escravizam todos que nelas acreditam. Em particular, ela ensina que o autogoverno não é o mesmo que independência, mas sim que a afirmação de completa independência destrói a capacidade de autogoverno. Pois dizer que um homem se governa é dizer que ele tem dentro de si o princípio que o governa. Mas quando um homem busca alcançar total independência submetendo toda crença à crítica, e coloca sua vida intelectual fora de todo princípio dado a ele (seja de sua experiência que é formada pela e, portanto, dependente da natureza, ou da fé), ele perde por este ato toda possível fonte de direção racional, e está de fato propondo o nada da total ignorância como um princípio. Assim, acontece que a vontade e o apetite, não mais subordinados à razão, dão à vida qualquer forma definida que ela tenha, já que a razão, na indeterminação da atitude crítica, não pode mais dirigir a si mesma ou qualquer outra coisa. E assim a mente humana, recusando-se a submeter-se a qualquer regra, torna-se sujeita aos seus inferiores naturais.
Esta auto-escravização paradoxal é claramente ensinada pela tradição cristã, na história de nossos primeiros pais, cuja desobediência a Deus foi imediatamente seguida por uma perda de autocontrole, e no ensinamento de São Paulo, que fala ao mesmo tempo do fato da escravidão humana e da libertação dela pela fé e obediência:
Posso ver que meu corpo segue uma lei diferente que luta contra a lei que minha razão dita. Isso é o que me torna prisioneiro dessa lei do pecado que vive dentro do meu corpo. Que homem miserável eu sou! Quem me resgatará deste corpo condenado à morte? Graças sejam dadas a Deus por meio de Jesus Cristo, Nosso Senhor! (Romanos 7:22-25)
A tradição cristã também ensina que a verdadeira liberdade não consiste essencialmente na remoção de tudo o que se opõe e limita a vontade humana, nem nas expressões criativas dessa vontade, mas sim no renascimento interior e na transformação de nós mesmos pela graça de Deus.
Sim, ainda hoje, sempre que Moisés é lido, o véu está sobre suas mentes. Ele não será removido até que se voltem para o Senhor. Agora este Senhor é o Espírito, e onde o Espírito do Senhor está, aí há liberdade. E nós, com nossos rostos desvelados refletindo como espelhos o brilho do Senhor, todos nos tornamos mais e mais brilhantes à medida que somos transformados na imagem que refletimos; esta é a obra do Senhor que é Espírito. (II Cor. 3:15-18)
Embora São Paulo esteja falando aqui de liberdade sobrenatural, sua doutrina serve para reformar a noção de liberdade em geral. Os homens não se tornam livres deixando para trás ou saindo de tudo o que receberam, mas sim recebendo, mantendo o que recebem e crescendo nele. Sem dúvida, eles deixam para trás a ignorância, a falsidade e o vício, mas ao fazê-lo, renunciam precisamente apenas àquilo que os escraviza. Ignorância, falsidade e vício consistem na medição do homem de todas as coisas apenas por sua própria autoridade, deixando-o escravizado pelo erro. "Todo aquele que fala de si mesmo é um mentiroso." Assim, ninguém se torna um homem superando as coisas infantis, mas supera as coisas infantis crescendo nas coisas de um homem. Apenas acidentalmente a verdadeira liberdade é de; essencialmente, é a formação do homem interior pelos verdadeiros princípios de pensamento e ação.
A tradição cristã, insistindo na primazia da verdade revelada, a distingue da verdade que é descobrível pela razão humana. Porque mantém, no entanto, que a graça pressupõe e aperfeiçoa a natureza, sempre defendeu o poder natural da razão humana de seus críticos céticos. A competência fundamental da mente humana, mesmo para descobrir verdades profundas, sempre foi sustentada, nos tempos modernos pelo primeiro Concílio Vaticano, mas também no próprio início pelo apóstolo Paulo:
A ira de Deus está sendo revelada do céu contra toda a impiedade e depravação dos homens que mantêm a verdade aprisionada em sua maldade. Pois o que pode ser conhecido sobre Deus é perfeitamente claro para eles, já que o próprio Deus o tornou claro. Desde que Deus criou o mundo, Seu poder eterno e divindade — por mais invisíveis que sejam — têm estado lá para a mente ver nas coisas que Ele fez. (Romanos 1:18-20)
Consequentemente, para falar em resumo, a inteligência cristã é formada por uma aceitação de certas distinções fundamentais e um reconhecimento da ordem entre os objetos do pensamento: alguns são de fé, outros de razão; alguns certos, outros duvidosos; alguns auto-evidentes, outros não; alguns demonstráveis, outros não; alguns sujeitos à crítica, outros não. Esta consciência da distinção entre o primário e o secundário no conhecimento humano torna possível a verdadeira liberdade de investigação, pois apenas o reconhecimento da diferença entre os fundamentos inquestionáveis da crítica e as questões duvidosas sujeitas à crítica pode dar direção razoável à investigação. Ou para falar de modo geral, viver em liberdade é viver pela verdade.
V. O Professor Católico
Segue-se que uma escola que se define ignorando tais distinções será, na melhor das hipóteses, um número de professores perseguindo propósitos díspares ou contrários no contexto de uma coexistência desconfortável. Professores individuais podem realizar algo com seus alunos, e administradores de bom caráter podem suprir seus princípios pessoais pela falta de ordem institucional, mas o farão apesar da lógica de sua escola, que por si só tende ao niilismo e à tirania. Por outro lado, não se segue que uma escola que se define no contexto dessas distinções terá sucesso em realizar seus verdadeiros propósitos. A condição é necessária, mas não suficiente. Pois mesmo dado que a importância de distinguir o primário do secundário — em todas as formas mencionadas acima — é uma questão de convicção, e dado que as distinções são realmente vistas em muitos casos, ainda permanecem muitas ambiguidades cuja tentativa de resolução pode, em última análise, derrotar o propósito pretendido da escola. A causa dessas ambiguidades é que os princípios que guiam o pensamento e a ação, sejam eles recebidos da experiência ou pela fé, são entendidos de forma um tanto indistinta no início, mesmo quando sua verdade é certa. Portanto, permanece uma necessidade primária ao longo da vida intelectual esclarecer os princípios. Mas aqui surge a possibilidade de erro grave, pois uma tentativa de esclarecimento pode se afastar do princípio original; assim, embora secundária ou até falsa, a aparente reformulação assumirá a autoridade do original, com os resultados mais destrutivos. E se tais falhas surgem em relação aos princípios, quanto mais devem surgir em relação ao que é demonstrável ou provável, o objeto próprio do ensino e da aprendizagem?
Assim é que desde o início os homens têm buscado professores — outros homens que compartilham os mesmos princípios, mas os veem mais claramente, bem como veem a ordem que resulta deles. Assim, entre os homens, a relação de professor e aprendiz pressupõe princípios compartilhados e ainda uma desigualdade na compreensão desses princípios. Mas a necessidade de um professor ao mesmo tempo coloca um problema: como o inferior pode reconhecer o superior, já que sua inferioridade consiste precisamente na falta daquilo que o capacitaria a julgar? Como este problema é inevitável e difícil, os sofistas sempre abundaram e prosperaram.
O crente abraça ao mesmo tempo Cristo como o supremo mestre e os sucessores de São Pedro e dos Apóstolos como intérpretes totalmente verdadeiros e divinamente designados de Seus ensinamentos.
A única resolução segura deste problema é que os próprios princípios compartilhados devem indicar inequivocamente o professor. Ora, a natureza, na medida em que molda nossa experiência, é o princípio orientador da vida da razão, mas falha em distinguir de forma confiável entre o professor e o sofista. Pois a natureza nos instrui através das características externas das coisas, que muitas vezes não correspondem ao que é interno. A Revelação Divina, por outro lado, não apenas comunica a verdade, mas também designa professores para esclarecê-la, defini-la e explicá-la. Assim, Nosso Senhor disse a Seus apóstolos: "Quem vos ouve, a mim ouve" (Lucas 10:16) e os comissionou para ensinar, prometendo permanecer com eles para sempre. Por esta razão, o crente abraça ao mesmo tempo Cristo como o supremo mestre e os sucessores de São Pedro e dos Apóstolos como intérpretes totalmente verdadeiros e divinamente designados de Seus ensinamentos. E além disso, na medida em que muitas doutrinas que pertencem à sabedoria humana são de importância crucial para a vida cristã, a autoridade de ensino dos Apóstolos se estende a elas também; de fato, quase toda questão filosófica central é relevante de alguma forma para a verdade divinamente revelada. Assim, segue-se que o católico, no próprio ato de sua crença, também encontrou os professores que definirão e explicarão o que ele acredita, mostrarão suas consequências e retificarão toda a sua vida intelectual também. Aqui, então, a graça aperfeiçoa a natureza mesmo em relação ao que é estritamente natural.
A escola católica, portanto, se for fiel ao ensinamento de Cristo, diferirá de sua contraparte secular em dois aspectos essenciais. Primeiro, ela não se definirá pela liberdade acadêmica, mas pela verdade divinamente revelada, e segundo, essa verdade será o principal objeto de estudo, bem como o princípio governante de toda a instituição, dando ordem e propósito mesmo ao ensino e aprendizagem das disciplinas seculares.
VI. O que é Educação Liberal?
No início deste trabalho, foi feita referência ao abandono quase universal da genuína educação liberal nas faculdades americanas. Observou-se que a educação liberal, que no passado era a alma da educação superior, foi largamente substituída por currículos profissionais e tecnológicos. O que resta sob o nome de educação liberal é uma coleção de cursos que pretende familiarizar os estudantes com várias facetas da "cultura" e do "aprendizado".
Esta versão de educação liberal é apropriadamente chamada de humanismo porque sua preocupação é com as obras do homem. As realizações científicas e literárias do homem são consideradas dignas de fazer parte desta coleção de coisas a serem estudadas porque são brilhantes conquistas humanas. O humanismo, que na Renascença começou a suplantar todos os outros concorrentes como a Weltanschauung da educação superior, parece ter surgido principalmente como uma justificativa para a educação, quando os homens começaram a duvidar cada vez mais do poder da razão para conhecer a realidade. A doutrina moderna de liberdade acadêmica, em grande parte aceita pelas escolas contemporâneas, oficialmente faz deste mesmo ceticismo o princípio fundamental da educação. Sustentando como o faz que todo dogma (exceto ela mesma) é por natureza aberto à livre investigação, a liberdade acadêmica implica que nada que a inteligência humana afirma conhecer é realmente conhecido, mas apenas duvidoso. Isto é dizer que o ceticismo absoluto é a condição permanente na educação e que a realidade eternamente e de todas as maneiras escapa ao homem em seus esforços para conhecê-la. O fato de que as "artes liberais" contemporâneas são tão completamente históricas e humanísticas é explicado pelo fato de que o valor das realizações intelectuais do homem não está fundamentado na verdade de sua sabedoria acumulada, mas no fato de que a sabedoria é uma criação humana, um produto glorioso no qual se regozijar. A educação liberal então não é vista fundamentalmente como algo bom para o homem, mas como algo que vale a pena estudar e preservar pela simples razão de que vem do homem.
Contra a inclinação popular de identificar a educação liberal como humanística, há outra visão de maior antiguidade que se impõe a nós por seus méritos intrínsecos. Que o homem use seu lazer para se familiarizar com as ideias dos maiores pensadores em sua tradição e para se aprofundar na compreensão da cultura intelectual que o produziu pode ser uma coisa boa, mas parece falso que tal deva ser o único ou mesmo o principal interesse intelectual que ocupa seu lazer. Embora alguém possa pretender confinar seu estudo às realizações eruditas dos homens, o próprio assunto que ele estuda mostrará a vaidade de tal fim limitado, pois essas realizações eruditas, preservadas no que muitas vezes são chamados de Grandes Livros, são elas mesmas esforços para trazer o estudante ou leitor a alguma compreensão da própria realidade.
Não se pode ler estes estimados Grandes Livros da civilização ocidental como sendo de interesse simplesmente histórico e humanístico sem trair seus autores.
Não se pode ler estes estimados Grandes Livros da civilização ocidental como sendo de interesse simplesmente histórico e humanístico sem trair seus autores, cujos propósitos principais, em geral, eram através de seus escritos falar não historicamente, mas sim científica e filosoficamente, propondo verdades universais, abstraindo do aqui e agora. A educação é reconhecida quase universalmente por estes grandes autores como sendo não sobre ideias, como se fossem importantes simplesmente em si mesmas, mas sobre coisas. As grandes ideias que o humanismo considera como exemplos notáveis da criatividade humana eram consideradas dignas pelas mentes que as produziram, não porque eram criativas ou novas, mas porque eram inventivas da verdade da natureza.
A menos que esta orientação básica para a verdade seja reconhecida e mantida, a educação e a inteligência rapidamente se tornam sem sentido. A posição mais antiga sobre a educação liberal e a concepção de senso comum do conhecimento veem a vida da inteligência definida pela realidade como seu objeto e justificada pela verdade sobre essa realidade como seu fim. A filosofia começa na admiração para que possa terminar na sabedoria. E a menos que o homem, mesmo quando primeiro se admira com a realidade, a apreenda de alguma forma fundamental, embora imperfeitamente e confusamente, sua admiração é sem sentido e sua esperança de conhecer a verdade é vã. De fato, o homem desde tempos imemoriais tem tido uma confiança não reflexiva de que ele entende a realidade desde sua primeira experiência com ela, e que ele já é um conhecedor do mundo "lá fora" quando começa a considerar reflexivamente seu significado, a esclarecer sua natureza em seu entendimento e a perseguir seus segredos. A realidade é possuída através do conhecimento por todos os homens de uma maneira geral e indistinta, mas eminentemente certa.
Que há uma consciência pré-reflexiva e comum da realidade é patente no fato de que os homens são capazes de se comunicar uns com os outros de qualquer forma. Se todos os homens não formassem de alguma maneira ideias semelhantes do mundo "lá fora", não poderia haver encontro de suas mentes através da fala e da conversa. Pelo menos as ideias básicas da realidade devem estar nas mentes dos homens, e de fato o que primeiro se entende por realidade seria aquilo que estes conceitos primários representam. A suposição de uma experiência comum e de concepções comuns sobre ela pertence não apenas aos homens que vivem na mesma era, mas também a todos os homens em todas as épocas, como é mostrado pela própria escrita e leitura dos já mencionados Grandes Livros. Quando os homens vêm a refletir sobre seu conhecimento da realidade, eles já são possuidores dela, e suas elaborações reflexivas e metódicas dela não destroem esta posse, a menos que estes esforços efetivamente neguem a realidade e a verdade destes conceitos comuns e fundamentais, e a menos que falhem em construir sua ciência sobre eles. Tal negação rejeitaria a experiência primária que torna todo o resto significativo. Mas a ciência que se estabelece e se constrói fielmente sobre a experiência comum constitui aquela sabedoria chamada de filosofia perene, e é esta que é a substância de nosso patrimônio intelectual e que sozinha torna possível a verdadeira educação liberal.
VII. Educação Liberal, suas Partes e a Ordem Entre Elas
Resta considerar em detalhe a natureza da educação liberal, suas partes essenciais e a ordem entre elas, à luz da compreensão da educação cristã apresentada acima. Todos parecem concordar que a educação liberal é a melhor educação. As discussões sobre educação liberal geralmente começam com uma espécie de acordo, mas à medida que prosseguem, quase inevitavelmente revelam profundas diferenças à luz das quais o acordo original parece superficial e até ilusório. Mas quando consideramos o significado raiz de "liberal", não ficamos surpresos. Comum a todas as teorias de educação liberal é a noção de liberdade, e embora todos os homens reconheçam e valorizem a liberdade, nem todos concordam sobre o que ela realmente é. Assim, não é estranho que, envolvidos como estão em desacordos mais básicos, os homens não cheguem a um acordo sobre a natureza da educação liberal. Uma discussão frutífera sobre educação liberal terá que ser baseada, portanto, em uma verdadeira compreensão da liberdade.
A educação liberal visa beneficiar o aprendiz de uma maneira especificamente humana. Isso é implícito até mesmo em seu nome, que significa "a educação de um homem livre". Pois nenhum animal exceto o homem é capaz de liberdade. Mas mais precisamente, é a educação de um homem livre na medida em que o ajuda a alcançar a liberdade. No entanto, ela não tenta ajudá-lo por todos e quaisquer meios, mas especificamente através do conhecimento. Consequentemente, devemos perguntar que tipo de conhecimento convém ao homem livre para que ele se torne livre ao adquiri-lo.
Devemos, portanto, primeiro entender o caráter essencial do homem livre. Talvez ajude contrastá-lo com seu oposto, o escravo. O escravo é caracterizado por viver para outro — ele é, como diz Aristóteles, "não seu próprio homem, mas de outro", "uma posse viva". Assim, segue-se que o homem livre vive por si mesmo; ele é seu próprio homem. Isso significa que o homem livre é egoísta? Seria estranho de fato dizer que um homem perde sua liberdade quando vive pelo bem da comunidade. Ao contrário, uma vez que o bem de uma comunidade existe em seus membros, mesmo que ele não busque uma vantagem privada, ele está ainda assim buscando um bem que ele mesmo compartilha. Em contraste, o escravo, na medida em que é um escravo, é ordenado a um fim que ele não compartilha. Portanto, a vida do homem livre consiste propriamente em tais atividades que são em si mesmas valiosas.
O entendimento humano não pode ser aperfeiçoado pelo conhecimento de uma ordem que ele próprio produziu.
Agora, existem em geral dois tipos de conhecimento. Tal conhecimento como medicina ou jurisprudência, por exemplo, é prático: é desejável exclusivamente ou pelo menos principalmente para fins de ação. Mas outro tipo, teologia ou ciência natural, por exemplo, é teórico: é desejável em si mesmo. Portanto, se o homem livre está propriamente preocupado com o que tem valor intrínseco, sua educação deve se concentrar no conhecimento teórico.
O conhecimento não se torna teórico simplesmente porque alguém de fato o deseja, mas é ou não é teórico devido ao seu próprio caráter intrínseco. Podemos ver que isso é assim considerando como se deseja o conhecimento teórico. Quando o conhecimento é desejado por um motivo teórico, é desejado pelo bem do conhecedor como tal, isto é, para o aperfeiçoamento de seu entendimento. Mas o entendimento humano não pode ser aperfeiçoado pelo conhecimento de uma ordem que ele próprio produziu como, por exemplo, a ordem em um artefato ou em uma constituição. Tal ordem, sendo o efeito da inteligência humana, é nessa medida inferior ao homem; mas nada é aperfeiçoado ao refletir em si mesmo aquilo que lhe é inferior. Assim, os objetos naturais de interesse teórico são as coisas melhores que o homem, de modo que quem pretende se tornar um homem livre estará principalmente preocupado com o estudo de Deus e das coisas divinas. Isso significa que sua preocupação própria será o estudo da teologia, que tem Deus como seu assunto, e procede à luz da fé.
Mas, como a própria teologia ensina, há um conhecimento de Deus e das coisas divinas que procede na luz natural da razão humana. Este conhecimento, tradicionalmente chamado de metafísica, ou filosofia primeira, é também uma parte essencial da educação liberal, porque é necessário para o pleno desenvolvimento da teologia.
Não se segue, no entanto, que a educação liberal omitirá o estudo do próprio homem ou de outros seres naturais. Aristóteles dá a razão:
"Tendo já tratado do mundo celestial, até onde nossas conjecturas puderam alcançar, procedemos a tratar dos animais, sem omitir, na medida de nossa capacidade, qualquer membro do reino, por mais ignóbil que seja. Pois se alguns não têm graças para encantar os sentidos, ainda assim estes, ao revelar à percepção intelectual o espírito artístico que os projetou, dão imenso prazer a todos que podem traçar elos de causalidade e são inclinados à filosofia." (Partes dos Animais, Livro I, Cap. 5)
Se a natureza não fosse obra de uma inteligência superior à nossa, o efeito de uma arte divina, não nos tornaríamos mais perfeitos apenas por entendê-la. Nossa relação com a natureza seria apenas prática, e enfrentaríamos a natureza como o oleiro enfrenta sua argila. Marx é, portanto, consistente com seu ateísmo quando diz que "os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; o ponto, no entanto, é mudá-lo". Além disso, o estudo das propriedades fundamentais da natureza, como mudança e contingência, fornece noções básicas que são necessárias para todas as ciências e dá entrada na metafísica, pois leva à descoberta de uma ordem inteligível que transcende a natureza. Portanto, a educação de um homem livre deve incluir o estudo da natureza.
O estudo das propriedades fundamentais da natureza, como mudança e contingência, fornece noções básicas que são necessárias para todas as ciências e dá entrada na metafísica.
Há ainda outra ordem inteligível que a razão humana não origina, mas pode descobrir e entender. A ordem encontrada na quantidade, isto é, no número e na magnitude, embora não reflita tão profundamente sua origem divina, é, no entanto, singularmente acessível às nossas mentes. Além disso, como a natureza exibe uma ordem quantitativa, ela não pode ser adequadamente compreendida sem o auxílio da aritmética e da geometria, as ciências que consideram esse tipo de ordem. Portanto, tanto em si mesma, como estudo de uma ordem divinamente estabelecida, quanto em suas contribuições para ciências superiores, a matemática deve fazer parte da educação de um homem livre.
Temos argumentado que a educação de um homem livre se concentrará no conhecimento teórico. Isso significa que será exclusivamente teórica, ou algum tipo de conhecimento prático também será necessário? As artes produtivas, sejam servis ou belas, claramente não são parte essencial da educação de um homem livre. Claro, ele deve ser capaz de reconhecer e apreciar os vários tipos de artefatos, mas seu conhecimento será o de um juiz e não de um produtor. Porque ele busca o tipo de vida que é intrinsecamente valiosa, ele será um bom homem e não um bom carpinteiro ou músico. Mesmo a medicina, embora se preocupe com o bem-estar do próprio homem, não é parte essencial, pois um homem não é mais saudável por ser ele mesmo um médico. Assim, podemos concluir que qualquer conhecimento prático preocupado com a produção, ou com um bem que pode ser possuído igualmente por aqueles que sabem e aqueles que não sabem como obtê-lo, não é parte essencial da educação de um homem livre. Parece restar, então, que o tipo de conhecimento prático apropriado para um homem livre é aquele que estuda o fim da vida humana, o conhecimento tradicionalmente chamado de ética e filosofia política. E à medida que refletimos mais sobre o caráter do homem livre, isso se torna mais provável. Distinguimos o homem livre do escravo e da criança pelo fato de que ele se governa. Agora, as artes de produção e aquisição não podem governar adequadamente, pois apenas fornecem os instrumentos para uma boa vida, mas não dirigem seu uso. No entanto, tal direção é necessária, pois coisas boas usadas mal fazem o maior mal. Segue-se que nenhum homem pode se governar a menos que entenda o fim da vida humana com alguma clareza, e conheça o uso correto de cada objeto subordinado em vista desse fim. Assim, a educação de um homem livre deve incluir ética e filosofia política.
Buscar a liberdade, corretamente entendida, é buscar a virtude.
Tudo isso implica que o homem livre e o homem bom são um e o mesmo. O homem bom é caracterizado pelo desejo correto e bons hábitos, e nenhum homem pode se governar a menos que pretenda o fim correto e habitualmente busque os meios apropriados. Pois o fim a ser alcançado é o princípio de toda regra, e desejos contrários e hábitos desordenados impedem até mesmo homens bem-intencionados de se governarem com sucesso. Além disso, a própria noção do homem mau é que ele vive uma vida ruim, enquanto o homem livre é caracterizado pelo valor intrínseco de sua vida. Consequentemente, buscar a liberdade, corretamente entendida, é buscar a virtude.
A partir do exposto, pode-se ter a impressão de que o requisito primário para viver uma boa vida é o conhecimento, e que um homem se torna bom simplesmente por estudar ética. Mas isso seria contrário à experiência comum e ao ensinamento explícito dos maiores mestres. (Também seria contrário ao que foi dito na primeira parte deste artigo.) A boa vida é primariamente uma questão de desejo correto e bons hábitos. Aristóteles, falando daqueles que vivem "como a paixão dirige", observa que "para tais pessoas, como para os incontinentes, o conhecimento não traz nenhum proveito" e que "qualquer um que queira ouvir inteligentemente palestras sobre o que é nobre e justo e, geralmente, sobre os assuntos da ciência política, deve ter sido criado em bons hábitos". Não só a ética é inútil para um homem mal disposto, mas ele nem mesmo pode entendê-la corretamente.
Consequentemente, devemos recordar e esclarecer o que afirmamos no início. A educação liberal não tenta ajudar o estudante a alcançar a liberdade por todos e quaisquer meios, mas especificamente através do conhecimento. O educador profissional é certamente um tolo se supõe que pode levar um estudante à liberdade independentemente de qualquer formação habitual que esse estudante tenha recebido e esteja recebendo além de sua instrução escolar. O fator mais crucial, é claro, e (humanamente falando) insubstituível, é a vida familiar da qual o estudante vem; em seguida, talvez, venham os amigos cuja companhia ele desfruta e que inevitavelmente influenciam suas atitudes para melhor ou pior. Uma escola dedicada à educação liberal está efetivamente preocupada com apenas parte dos meios necessários para a liberdade, e na medida em que se trata de questões de conduta, uma parte secundária. Assim, é evidente que pais e educadores naturalmente formam uma comunidade, pois cada um fornece uma parte essencial do objeto que ambos pretendem — uma vida corretamente ordenada para o estudante. O conhecimento ético não é bom sem o desejo correto e bons hábitos; no entanto (nas palavras de Aristóteles), "para aqueles que desejam e agem de acordo com um princípio racional, o conhecimento sobre tais assuntos será de grande benefício". Assim, concedemos que o conhecimento ético não é a influência decisiva na saúde moral do estudante, enquanto sustentamos o argumento dado acima de que, dada uma alma bem ordenada, um homem é grandemente beneficiado por um conhecimento detalhado e explícito da boa vida.
No entanto, há uma maneira pela qual uma boa escola encoraja diretamente a formação de bons hábitos. O conjunto de um currículo apropriado, mas especialmente suas partes teóricas, se conduzido corretamente, habituará o estudante à vida da razão. As ciências preparatórias, como matemática, são mais importantes aqui, pois de uma maneira proporcionada à idade e experiência do estudante, elas o levam a respeitar argumentos razoáveis, enquanto dão a ele confiança em sua própria habilidade de proceder razoavelmente tanto por si mesmo quanto em companhia de outros. Agora o problema ético básico, mais simplesmente declarado, é conformar a própria vontade e apetites à razão correta, isto é, viver de acordo com razão. Consequentemente, quando o estudante vem a considerar a ordenação racional da vida como um todo, como ele deve quando estuda ética e política, o empreendimento lhe parecerá natural, como simplesmente estendendo um princípio cujo poder ele já sente em seu trabalho diário como um estudioso. Assim, a habituação ao estudo e reflexão racional, embora ineficaz sem outros tipos de habituação também, não apenas aperfeiçoa o entendimento, mas também tende a retificar a vontade e o apetite.
Com respeito a essa habituação, os professores são ainda mais importantes do que a estrutura do currículo. Como eles podem ajudar, permanecendo dentro dos limites de sua competência como professores? Às vezes, os professores tentam pensar pelos seus alunos, mesmo sabendo que não deveriam, quando ficam desencorajados pela passividade e inércia. Em outros momentos, provocados pela hostilidade, eles se tornam instrutores de exercícios. Nos melhores momentos, eles conduzem estudantes atentos e amigáveis do que eles sabem para o que não sabem, mostrando-lhes as implicações insuspeitas do conhecimento que já possuem. Mas nesses casos, o professor lidera mais pelo exemplo do que pela direção, em conformidade com o caráter essencial de sua vocação. Pois o professor deseja que os alunos compartilhem um bem que ele já possui, pelo menos mais plenamente do que eles, algo não requerido para um propósito ulterior, mas desejável em si mesmo. Qualquer coisa que sugira força ou necessidade é alheia ao ensino; o professor deve atrair de frente, em vez de empurrar por trás. Assim, a observação de senso comum de que um homem influencia outro mais efetivamente pelo exemplo do que por qualquer outro meio é confirmada na vida intelectual também.
É porque ao mesmo tempo sabemos algo e ao mesmo tempo não sabemos tudo que nos encontramos admirados.
A visão da educação liberal que temos argumentado pode ser bem resumida por uma breve discussão sobre a admiração, o motivo humano apropriado para a educação superior. A admiração envolve duas coisas simultaneamente: ignorância e conhecimento. É porque ao mesmo tempo sabemos algo e ao mesmo tempo não sabemos tudo que nos encontramos admirados. Deve ser cuidadosamente distinguida da mera curiosidade, pois implica conhecimento de um fato ou grupo de fatos, e se relaciona diretamente com a explicação desses fatos; envolve uma aceitação, um certo deleite e alegria, uma espécie de fascinação com o modo como as coisas são, e uma confiança em sua inteligibilidade final. De fato, é porque ele está tão tomado pelos fatos que um homem que se admira vive em uma expectativa elevada de encontrar a maneira de seu arranjo.
A mera curiosidade, por outro lado, não está tão interessada na questão "por quê", mas na questão "como". Está mais preocupada em ver como certas generalizações funcionam ou como se aplicam a circunstâncias variadas. Em oposição à admiração, assume a validade de um princípio, a fim de ver quão efetivamente ele explorará uma dada situação. Isto não quer dizer que os métodos de verificação na ciência experimental não possam muito bem ser um instrumento de admiração de alta ordem, mas quando esses instrumentos são empregados não para explicar, mas para expandir a experiência, a curiosidade e não a admiração é o motivo imediato.
A satisfação adequada da admiração é o conhecimento das causas. Mas as causas são de dois tipos: uma causa pode simplesmente ser primária dentro de alguma ordem particular, ou pode ser primária sem qualificação, uma causa das causas. O conhecimento desta última é chamado de sabedoria; a ciência que trata das primeiras causas à luz da capacidade natural da razão humana é a metafísica, que pode ser chamada de sabedoria apenas com a qualificação 'humana'; a ciência que estuda Deus à luz do que Ele revelou sobre Si mesmo é sabedoria sem qualificação. Assim, a teologia é a principal satisfação da admiração deste lado da sepultura, embora dificilmente pareça ser tal, já que as respostas que ela dá, embora nos levem muito além de qualquer ciência humana, nos tornam cada vez mais conscientes de nossa ignorância de Deus. (Consequentemente, o estudo da teologia seria insuportável sem a esperança da vida eterna.) Aqui, é claro, falamos apenas de tal sabedoria que é propriamente perseguida pelo estudo e instrução escolásticos.
As ciências que pertencem à educação liberal são uma comunidade de desiguais. A sabedoria, divina e humana, é primária, o resto é subordinado. Mas todas estão em harmonia, como uma consideração de suas relações mútuas já indicou. As ciências inferiores preparam o aprendiz para as superiores, enquanto as ciências superiores fortalecem e iluminam as inferiores. No entanto, o valor das ciências inferiores não é exclusivamente (mesmo que principalmente) em contribuir para o aprendizado das superiores; elas têm em si mesmas uma semelhança com a primeira Verdade que, embora secundária, não está contida sem deficiência nas superiores. Assim, por exemplo, mesmo se a metafísica pudesse ser aprendida sem a ciência natural, esta última ainda seria digna de estudo.
Agora, se for possível para o homem ter sabedoria, pelo menos em alguma medida, será apenas ao final de esforços muito árduos, e talvez apenas ao final de uma vida. Mas toda a sua vida e as disciplinas especiais que ele persegue serão corretamente chamadas de filosofia — o amor à sabedoria — pois ele empreende todo estudo em prol da sabedoria. E na medida em que ele vive para a sabedoria, toda a sua vida é dedicada àquilo que em si mesmo torna a vida digna de ser vivida; assim, ele não é um escravo, mas um homem livre. Consequentemente, apenas o tipo de educação que introduz um homem na vida filosófica é propriamente chamado de liberal.
As artes liberais... são "certos caminhos pelos quais a alma viva entra nos segredos da filosofia".
Alguma perplexidade pode ser ocasionada pelo fato de que não falamos em nenhum lugar das artes liberais. Elas são o que estivemos discutindo o tempo todo? Com certeza, nos tempos modernos, a educação liberal é geralmente identificada com as artes liberais, mas tradicionalmente elas são distinguidas. A educação liberal nomeia todo o procedimento da vida filosófica, incluindo o estudo da própria sabedoria; as artes liberais, por outro lado, nomeiam propriamente sete disciplinas introdutórias que, embora intrinsecamente de menor interesse filosófico, são "certos caminhos pelos quais a alma viva entra nos segredos da filosofia". (Hugo de São Vítor) Estas artes são duplas: algumas dizem respeito ao método adequado de discurso, como gramática, retórica e lógica (o trivium), enquanto outras tratam da quantidade e do quantitativo, como geometria, aritmética, astronomia e música (o quadrivium). (Os estudos introdutórios das estrelas e da música consideram apenas os aspectos quantitativos de seus assuntos.) As primeiras são claramente instrumentais em propósito, sendo preocupadas exclusivamente (embora de maneiras bastante diferentes) com métodos comuns; as últimas estudam tipos de ordem que, embora menos profundos, são mais inteligíveis para o iniciante, e inevitavelmente provocam admiração sobre as questões mais difíceis e importantes da filosofia propriamente dita. Assim, é claro que o quadrivium (as disciplinas matemáticas) já foi incluído em nossa pesquisa. O trivium deve ser adicionado aqui. Tomando a lógica como a parte principal do trivium, ficamos assim com uma divisão tripla da doutrina, em teórica, prática e lógica. Somos encorajados a descansar nesta divisão ao lembrar que é aquela dada por Santo Agostinho como uma semelhança da Santíssima Trindade. (Cidade de Deus, Livro XI, cap. 25).
VIII. Educação Liberal e a Fé Cristã
Seja considerando a educação liberal como alcançando a liberdade, ou como satisfazendo a admiração, vemos que a teologia é sua parte principal. Contrariamente ao que muitas vezes se presume, a educação liberal não ocorre apesar ou mesmo à parte da fé cristã. Pelo contrário, o estudante cristão, por causa de sua fé, pode ser educado liberalmente da maneira mais perfeita e completa. Pois as ciências que são objeto de tal educação formam um todo ordenado. Por seu próprio caráter essencial, a teologia completa e aperfeiçoa a vida intelectual de um homem livre, pois possui de maneira preeminente aquilo que é desejado em todas elas. A educação liberal empreendida por cristãos e ordenada à teologia acaba por ser a educação liberal em sua plenitude. A faculdade religiosa pode muito apropriadamente reivindicar ser o educador liberal por excelência, porque através da sabedoria baseada na fé, o apetite natural do estudante pela verdade pode ser perfeitamente satisfeito. Ele pode ver "por espelho, em enigma", aquelas coisas mais elevadas que o não-crente não verá de forma alguma.
Através da sabedoria baseada na fé, o apetite natural do estudante pela verdade pode ser perfeitamente satisfeito.
A educação liberal, então, começa na admiração e visa a sabedoria. Envolve partes de maior e menor valor e maior e menor dificuldade, unidas por sua ordem comum à sabedoria. De acordo com o valor incomensurável de seu fim, e a desanimadora distância desse fim, ela não despreza o estudo daquelas disciplinas mais humildes que são os primeiros passos indispensáveis em um longo caminho. Assim, ela começa com as artes liberais, prossegue para as disciplinas filosóficas particulares e termina na sabedoria.
IX. A Necessidade Atual de Educação Liberal Genuína
Embora a relevância da educação liberal para a natureza humana seja profunda, poucos homens parecem estar cientes de sua importância, e aqueles que estão cientes parecem estar apenas imperfeitamente conscientes disso. No entanto, apesar de nossa esmagadora preocupação com questões práticas, o desejo de conhecer não escapa completamente a nenhum de nós. Daí Aristóteles poder dizer, no início da Metafísica, que "os homens são por natureza filósofos, amantes da sabedoria".
É verdade, além disso, que os homens não podem permanecer ignorantes da necessidade de se educarem sobre questões filosóficas sem consequências. Permanecer em tal estado é viver de uma maneira que é menos que humana. Sócrates tinha isso em mente quando julgou que "a vida não examinada não vale a pena ser vivida". Negar a filosofia, por outro lado, é impossível. "Você diz", escreve Aristóteles em um dilema célebre, "que é preciso filosofar. Então você deve filosofar. Você diz que não se deve filosofar. Então (para provar sua afirmação) você deve filosofar. Em qualquer caso, você deve filosofar".
As questões perseguidas pela educação liberal são inescapáveis. Enquanto o homem existir, essas questões surgirão, e se não forem respondidas verdadeiramente, então o homem vive escravizado na escuridão ou no erro. E quando uma doutrina como a da liberdade acadêmica governa todos os esforços para perseguir essas questões, como é o caso em nossos tempos, nos tornamos como aquelas mulheres tolas das quais o Apóstolo diz que estão "sempre aprendendo e nunca podendo chegar ao conhecimento da verdade". (II Tim. 3:7) Permanecemos escravos.
X. O Currículo
Propomos a fundação de uma faculdade católica de quatro anos dedicada exclusivamente à educação liberal conforme definida e explicada acima. Esta faculdade se definirá explicitamente pela Fé Cristã e pela tradição da Igreja Católica. Assim, a teologia será tanto o princípio governante de toda a escola quanto aquilo em função do qual tudo é estudado. E como a escola visará o tipo de educação que é melhor em si mesma, todos os estudantes seguirão a mesma sequência de cursos, que serão projetados para introduzi-los em cada parte essencial da vida intelectual. Além disso, como os professores visarão introduzir o estudante na plenitude da vida intelectual, cada um deles terá que viver esse tipo de vida ele mesmo; isso significa que cada um estudará e aprenderá cada parte do currículo e se tornará capaz de ensinar qualquer parte dele. O próprio currículo será estruturado em detalhes, baseando-se na ordem natural de aprendizagem e tomando como exemplos e guias o trabalho das melhores mentes em cada uma das disciplinas; isso significa que, com poucas exceções, não serão usados livros didáticos, mas sim as obras originais dos maiores estudiosos.
Não serão usados livros didáticos, mas sim as obras originais dos maiores estudiosos.
O currículo desta faculdade introduz o estudante a um estudo abrangente de teologia, filosofia, matemática, linguagem e ciência experimental através da leitura e discussão minuciosa das maiores obras acadêmicas nestes campos. As aulas, que não devem exceder vinte alunos, serão tutoriais e seminários, não palestras. Tutoriais e seminários procedem por meio de discussões rigorosas das leituras; eles exigem uma participação mais ativa por parte do estudante do que as palestras. O tutorial, em contraste com o seminário, trata seu assunto com maior detalhe e seu procedimento é mais determinado, exigindo maior direção do professor.
Embora este currículo seja exigente, ele o é necessariamente. Não se pode tornar-se educado em qualquer sentido estrito a menos que se adquira por si mesmo uma competência nas várias disciplinas, de modo que se entenda a partir de dentro delas, e não de alguma forma a partir de fora. Desta maneira, ele as possui e a ordem entre elas como suas próprias virtudes intelectuais. Não há outra maneira de atingir esta perfeição intelectual senão através do árduo trabalho de fazer estas ciências e disciplinas como o próprio cientista as faz.
No entanto, a educação liberal, embora difícil, não é uma tarefa impossível, pois a educação admite uma distinção em dois tipos diferentes: a do especialista e a do homem educado simplesmente dito. Uma referência de Aristóteles explica o significado desta distinção:
"Toda ciência sistemática, a mais humilde e a mais nobre, parece admitir dois tipos diferentes de proficiência; um dos quais pode ser propriamente chamado de conhecimento científico do assunto, enquanto o outro é um tipo de familiaridade educacional com ele. Pois um homem educado deve ser capaz de formar um julgamento justo e imediato quanto à bondade ou maldade do método usado por um professor em sua exposição. Ser educado é, de fato, ser capaz de fazer isso; e até mesmo o homem de educação universal consideramos ser tal em virtude de ter esta habilidade. Será, no entanto, é claro, entendido que só atribuímos educação universal a alguém que em sua própria pessoa individual é assim crítico em todos ou quase todos os ramos do conhecimento, e não a alguém que tem uma habilidade semelhante meramente em algum assunto especial. Pois é possível para um homem ter esta competência em algum ramo do conhecimento sem tê-la em todos." (I De Partibus Animalium, c. 1)
Visamos através deste currículo produzir "o homem de educação universal", isto é, aquele que é "crítico em todos ou quase todos os ramos do conhecimento". Assim, propomos uma educação apropriada ao homem e mais adequada como fundamento para qualquer especialização.
Tutorial de Teologia
O tutorial de teologia será dedicado principalmente ao estudo da Bíblia e dos Padres e Doutores da Igreja, principalmente Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. A ordem de estudo será primariamente doutrinal ao invés de histórica, isto é, baseada na ordem natural de aprendizagem e nas diferenças entre os vários tópicos teológicos. A teologia será estudada todos os semestres e a ordem dos cursos será projetada de forma a conduzir, nos últimos anos, a um estudo dos mistérios centrais da Fé Cristã.
Tutorial de Filosofia
A filosofia, sob a dispensação cristã, é vista não apenas como digna de ser buscada por si mesma, mas como serva da teologia. O tutorial de filosofia, portanto, será concebido sob esta luz, e serão estudados principalmente aqueles filósofos cujas doutrinas são mais úteis para a compreensão teológica. Consequentemente, a filosofia não será concebida como uma ciência particular entre ciências, mas sim como toda a ordem das ciências humanas à medida que tendem para a sabedoria; pois o filósofo, como originalmente entendido, é um "amante da sabedoria" e, portanto, preeminentemente preocupado com questões fundamentais em todas as disciplinas. Isso também significa, seguindo o ensinamento da Igreja, que os estudos filosóficos nesta escola serão governados pelo método e doutrina de São Tomás de Aquino.
Tutorial de Matemática
As ciências matemáticas serão estudadas em grande detalhe ao longo de cada um dos quatro anos. O estudo incluirá tanto matemática pura (principalmente aritmética, geometria, álgebra, geometria analítica e cálculo) quanto aquelas ciências naturais que são estritamente matemáticas, como astronomia e mecânica. A razão pela qual tanto tempo será dedicado a tais estudos, dado que eles não são os mais elevados, é que eles fornecem disciplina que é especialmente proporcionada aos jovens e inexperientes, e os preparam para disciplinas mais exigentes, enquanto lhes dão confiança em seus poderes para persegui-las. O objetivo não será familiarizar os estudantes com os últimos avanços da ciência, mas sim, fazendo-os trabalhar através de alguns dos melhores exemplos de procedimento científico, ajudá-los a entender as concepções fundamentais, bem como o caráter essencial e o método da ciência matemática. Autores mais antigos como Galileu, Newton e Huygens estarão entre os principais autores estudados, mesmo que suas doutrinas tenham sido, em alguns casos, superadas.
Tutorial de Linguagem
O tutorial de linguagem continuará pelos primeiros dois anos e será dedicado ao estudo do grego ou latim. Seu propósito principal será introduzir os estudantes na arte liberal da gramática. Por serem altamente flexionadas, o latim e o grego são singularmente apropriados para ilustrar a natureza da gramática; além disso, por sua própria estranheza, eles levam o estudante a comparar e contrastar com sua própria língua e como uma difere da outra. Além disso, o aprendizado do latim e do grego dá acesso direto aos maiores mestres. E finalmente, porque muitas palavras em inglês têm raízes latinas e gregas, o conhecimento dessas raízes leva o estudante a ver grande parte de sua própria língua em suas origens.
Tutorial de Ciência Natural
Toda ciência natural é baseada na experiência; mas esta experiência é de dois tipos. Há uma experiência espontânea e inescapável da natureza que todos os homens têm, e que dá origem a um conhecimento um tanto indistinto e geral da natureza. Mas esta experiência comum não revela muitas das diferenças entre as coisas naturais, de modo que para entender a natureza em detalhe há necessidade de experiência mais particular. Experimentar é buscar deliberadamente e até mesmo criar tal experiência, especialmente quando isso envolve alterar o objeto estudado para revelar mais claramente certas de suas características. O experimento é científico quando se dá uma explicação razoável do procedimento seguido; isso envolve uma explicação do que está sendo buscado, de por que o método do experimento contribui para a busca, e das razões para as conclusões tiradas do experimento. O tutorial de ciência natural, portanto, será dedicado à investigação da natureza através do experimento.
O Seminário
Os cursos descritos acima estão todos preocupados com o aperfeiçoamento do intelecto como tal, e a maioria dos cursos posteriores já pressupõe considerável disciplina intelectual. Mas há várias outras abordagens que, embora intrinsecamente menos valiosas, são mais proporcionadas à alma do aprendiz, e auxiliam e complementam irreparavelmente a vida intelectual. As maiores obras da literatura, na medida em que apelam para a imaginação e movem os afetos, são peculiarmente acessíveis aos jovens, ao mesmo tempo que apresentam ou implicam visões profundamente importantes da vida humana e da realidade como um todo. Além disso, as grandes obras de história, lidando como fazem com homens e eventos de significado mais universal, fornecem ao estudante uma riqueza de experiência moral que não lhe é acessível em sua própria vida, e lhe dão alguma concepção da vida da sociedade humana como um todo. Como é necessário que mesmo um iniciante tenha consciência das maiores questões em sua totalidade, e como ele ainda não tem a experiência e disciplina necessárias para persegui-las de uma maneira estritamente intelectual, os estudantes serão reunidos uma ou duas vezes por semana em pequenas discussões de seminário, cada uma dirigida por um professor, a fim de considerar e discutir algumas das maiores obras literárias e históricas.
Além disso, há muitas obras filosóficas e teológicas que não são essenciais para o currículo como tal, mas que são de grande importância histórica ou servem para complementar as obras que são a base dos tutoriais. O seminário também se ocupará do estudo de tais obras e as considerará em tais momentos e em tal ordem que servirão para correlacioná-las adequadamente com o trabalho nos tutoriais.
O procedimento no seminário, de acordo com o caráter intelectualmente menos rigoroso da maioria das obras lidas, será geralmente menos determinado do que o dos tutoriais, dando maior escopo à iniciativa dos estudantes nas discussões. Mas quando obras mais difíceis são estudadas, o procedimento será semelhante ao dos tutoriais.