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Paulo Freire, patrono ou ídolo de barro?

O impacto negativo de uma “pedagogia” construída sobre princípios errôneos.

Embora possa parecer o contrário, dada a forma prolixa e uma série de neologismos e a apropriação de termos do contexto católico [1], Paulo Freire, o atual patrono da educação brasileira [2], destoa e contradiz a concepção católica da educação. E como a concepção católica da educação fundamenta-se na filosofia perene, o dito patrono distancia-se e nega a própria tradição pedagógica e as verdades acerca da educação.

E, como a árvore se conhece pelos frutos que dá, é no ambiente escolar que se perceberá todo impacto negativo de uma “pedagogia” construída sobre princípios errôneos e por vezes contraditórios entre si [3]. O presente artigo visa, portanto, expor alguns dos principais erros em matéria pedagógica por negar os princípios perenes da educação, depois de que, algumas amargas consequências práticas da assunção destes erros na prática escolar sem uma maior reflexão, mas influenciado pelo misticismo que se construiu em torno ao seu inventor.

Para a educação católica, o fim último da educação é levar o homem a Deus e enobrecer este mesmo ser humano pelo que lhe é próprio: a alma racional e imortal [4]; Paulo Freire rebaixa o fim da educação à formação política do homem [5] – acepção essa bem diversa do zoon politikon de Aristóteles – de modo que a pedagogia freiriana visa a militância mais que o intelecto, tratando-se portanto de uma pedagogia materialista.

Para a educação católica, a busca da sabedoria é o mais alto ideal e para alcançá-la são necessários fundamentos vigorosos como o trabalho intelectual e a vida virtuosa [6]; para Paulo Freire a crítica vem antes do fundamento e a politização do educando antes da sabedoria [7].

Para a educação católica, a Religião ocupa lugar de destaque como possibilidade de síntese e sentido para o conhecimento e a elevação do mesmo; Paulo Freire, apesar de fazer uso de termos tirados do contexto católico, todavia, por apoiar-se em princípios materialistas, ignora ou mesmo nega o ensino religioso defendido e praticado pela educação católica – na esteira de seus inspiradores que dizem que a religião é alienante [8]. Paulo Freire inclusive mostra afinidades com regimes políticos condenados pela Igreja por tratar-se de regimes ateístas e que grande mal fizeram à humanidade [9].

Para a educação católica, o professor é a causa auxiliar da educação e o aluno a causa principal, de modo que o aluno é o principal responsável pelo próprio aprendizado, sem todavia negar ou diminuir o papel do professor e o seu saber maior que o do aluno a fim de auxiliá-lo com conteúdos e no próprio processo de aprendizagem [10]; a pedagogia freiriana reduz, quando não, nega o papel indispensável do professor e com isso dos conteúdos, da escola e da autoridade [11], visão oriunda da ideologia revolucionária e igualitarista a que conduz os sistemas nos quais se fundamenta.

Para a educação católica, conforme a ordem natural, a família tem a primazia inviolável, mas não despótica, na educação da prole e seu papel é indispensável, sendo ajudada pela Igreja e subsidiada pelo Estado [12]; Paulo Freire suprime a primazia da família em relação a educação da prole e a transfere para a ideologia do partido que assume as faces do Estado [13].

Algumas consequências práticas:

Analfabetismo funcional agravado

Alfabetização é o primeiro passo e o mais fundamental para o domínio da linguagem, portanto deve ser muito bem realizada a fim de deixar calçados os outros estágios. Paulo Freire nega o conceito tradicional de alfabetização, o qual afirma não passar de “ato mecânico de ‘depositar’ palavras, sílabas e letras nos alfabetizandos” ou ainda de “mera transfusão alienante” que em nada contribui para a “transformação revolucionária da sociedade de classes, em que a humanização é inviável” [14]. “A alfabetização, que era feita em poucos meses no primeiro ano do ensino fundamental, hoje não se completa em três anos. E 63% da população é analfabeta funcional” [15].

Rebaixamento do nível intelectual, moral e cultural

Ao prescindir da aquisição da humanidade no decorrer da história, desconsiderando conquistas e conteúdos, em favor de uma crítica carente de fundamentos, evidentemente a consequência é a queda do nível intelectual, moral e cultural, pois o que passa a contar é o que cada um traz consigo independentemente se certo ou errado, se tenha ou não princípios ou não que condigam com tal assertiva. Tudo passa a valer. De modo que a herança das gerações passadas não passa de domínio das elites. Uma prova cabal de tal rebaixamento a nível intelectual se nota a posição do Brasil no ranking do PISA: no fundo do poço. Mesmo o investimento em educação, em relação ao PIB, ultrapassando o de nações como os EUA, este 5,4%, o Brasil 7% [16].

Degradação do ambiente escolar

Tirada a finalidade real da educação e a definição correta de autoridade todo edifício tende a ruir-se – e, de fato, este é o objetivo revolucionário “o movimento real que suprime o estado de coisas atual”. Deixo aos interessados, como constatação, uma obra que descobri nos cantos da prateleira de uma livraria e que diz muito da degradação do ambiente escolar: “Indisciplina e impunidade na escola. Porque professores estão adoecendo e alunos não estão aprendendo” [17]. O tema por si só já é bastante sintomático.

Um ligeiro confronto com a concepção da educação conforme a filosofia católica, e por isso, perene, é suficiente para que o ídolo se despedace, tanto mais quando se olha para as consequências de uma tal “idolatria”. O ídolo esculpido não resiste a verdade, se quebra. Tomo por bem, concluir a reflexão com as palavras de Thomas GIULLIANO, organizador da obra Descontruindo Paulo Freire, na qual se baseou a presente reflexão: “Patrono é sinônimo de: padroeiro, protetor, defensor. No nosso caso, não encontramos em nosso modelo escolhido qualquer uma dessas virtudes. Temos o símbolo politicamente esculpido, porém, intimamente oco” (p. 49).


Referências

[1] GIULLIANO, T. Desconstruindo Paulo Freire. Porto Alegre: História Expressa, 2017. p. 181-182.

[2] Lei n. 12.612 de 13 de abril de 2012, sancionada por Dilma Rousseff.

[3] GIULLIANO. op. cit. p. 124ss.

[4] SIQUEIRA, A. A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1948. p. 127ss.

[5] “...Paulo Freire não tem apenas preocupações pedagógicas, mas é também movido por intenções políticas. Aliás, um repórter do Jornal da República do Recife, aos 31/08/79, interrogou Paulo Freire, de passagem pelo Brasil, a respeito de eventual filiação a partido político; ao que respondeu o mestre: “Faço política através da pedagogia” (GIULLIANO. p. 163). “A conscientização, associada ou não ao processo de alfabetização, (...) não pode ser blá-blá-blá alienante, mas um esforço crítico de desvelamento da realidade, que envolve necessariamente um engajamento político” (FREIRE, P. Ação cultural: para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 109).

[6] REDDEN, J. D.; RYAN F. A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Agir, 1973. p. 15.

[7] “...neste sistema nós não fazemos discurso, não fazemos aula, porque inclusive o que nós estamos conseguindo é uma espécie de subversões legítimas. (...) superamos o programa acadêmico por situações sociológicas desafiadoras que nós pomos diante dos grupos com quem nós provocamos e arrancamos uma sabedoria que existe e que é esta sabedoria opinativa e existencial do povo” (Discurso do professor Paulo Freire, em Angicos, ao encerramento do curso de alfabetização de adultos, p. 5-6. apud. GIULLIANO. op. cit. p. 205).

[8] GIULLIANO. op. cit. p. 196ss.

[9] GIULLIANO. op. cit. p. 184-190.

[10] SIQUEIRA. op. cit. p. 175ss.

[11] “Assim, em lugar da escola, que nos parece um conceito, entre nós demasiado carregado de passividade, em face de nossa própria formação (mesmo quando se lhe dá o atributo de ativa), contradizendo a dinâmica fase de transição, lançamos o Círculo de Cultura. Em lugar do professor, com tradições fortemente “doadoras”, o Coordenador de debates. Em lugar da aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar de “pontos” e de programas alienados, “programação compacta”, “reduzida” e “codificada” em unidades de aprendizado” (FREIRE, P. A Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 102-103).

[12] PIO XI. Divini Illius Magistri. Roma, 1929.

[13] Diz ele: “As relações pais-filhos, nos lares, refletem, de modo geral, as condições objetivo-culturais da totalidade de que participam. E, se estas são condições autoritárias, rígidas, dominadoras, penetram os lares, que incrementam o clima da opressão” (Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 208). “Características da consciência ingênua: 2 – Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando jovens” (FREIRE, P. Educação e mudança. 36ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 52). “Não podem nem devem omitir-se, mas precisam saber assumir que o futuro é de seus filhos e não seu. É preferível, para mim, reforçar o direito que tem à liberdade de decidir, mesmo correndo o risco de não acertar, a seguir a decisão dos pais. É decidindo que se aprende a decidir... a posição da mãe ou do pai (...) assessor ou assessora do filho ou da filha (...) jamais tenta impor sua vontade ou se abespinha porque seu ponto de vista não foi aceito” (FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 103).

[14] ARAÚJO, P. H. A. Pedagogia católica e pedagogia da barbárie. Revista Catolicismo, Ano LXIX, nº 823, p. 44-45, julho, 2019. [Disponível no link: https://www.ipco.org.br/pedagogia-catolica-e-pedagogia-da-barbarie]

[15] GIULLIANO. op. cit. p. 192. Disse ele mesmo a respeito do próprio método: “Eu fiz, no Recife, no Movimento de Cultura Popular, que relato no livro ‘Educação como prática da liberdade’, uma experiência que durou de dois a três meses, se não me falha a memória. Eram cinco pessoas, das quais duas desistiram. As três que ficaram, depois de três meses, liam. Aliás, um dia eu levei uma aluna minha da faculdade pra ver isso e ela não acreditou. Pegou, ela mesma, um livro de Machado de Assis, da biblioteca do lugar onde se fazia a experiência. Deu ao homem e ele leu. Se você perguntar se foi possível discutir com ele a página que ele leu de Machado de Assis, eu acho que não discutimos, e se discutíssemos, possivelmente, ele não teria feito uma penetração mais profunda no texto, pois, para uma experiência de dois a três meses, o sujeito fazer isso é extraordinário” (PELANDRÉ, N. Efeitos a longo prazo do método de alfabetização Paulo Freire. UFSC, 1998. p. 304-305. apud. GIULLIANO. op. cit. p. 211).

[16] Há um excelente artigo de BRUGGEMANN Marcelo V. a este respeito na Revista Cidade Educadora, ano II, nº 18, p. 13-15, março, 2019. [Disponível no link: https://cidadeeducadora.net/noticias/capa/na-terra-de-paulo-freire-sobra-dinheiro-para-educacao-e-brasil-permanece-entre-os-ultimos-no-ranking-do-pisa/]

[17] SCHIMIEGUEL, O.; SCHIMIEGUEL, H. Indisciplina e impunidade na escola: por que os professores estão adoecendo e os alunos não estão aprendendo. Blumenau: Nova Letra, 2015.

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Texto de autoria do Padre Alexandre Alessio e retirado do link. Sobre o autor: Pe. Alexandre Alessio, CR - Religioso da Congregação da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo (CR). Concluiu os estudos de Filosofia no Instituto São Basílio Magno, Curitiba - PR, sua formação teológica ocorreu em Roma pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente é pároco da Paróquia Imaculada Conceição em Franco da Rocha, Diocese de Bragança Paulista - SP, local onde iniciou o Projeto de Evangelização Jesus ao Centro, sustentado pela Associação Bento XVI, da qual é o fundador.


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Dos sintomas às causas da Crise na Educação

Análises das condições atuais

Uma vez mais necessitamos partir do significado das palavras, e desta vez de ‘sintoma’ e ‘causa’, para tentar entender o que se passa com a educação em nossos dias [1].

É claro que estas palavras tomamos emprestadas do contexto da medicina ou da ciência biológica. Mas elas muito servirão, a modo de analogia, para fazermos esta análise.

A palavra ‘sintoma’ refere-se a sinal, indício, traço. É geralmente a descrição que o próprio paciente faz da própria situação, como por exemplo uma dor ou mal-estar, e de onde o médico procurará traçar o diagnóstico. A palavra ‘causa’ – que encontra maiormente no contexto filosófico seu significado – refere-se a origem, ao motivo e a razão; ou, em outras palavras, é o que faz com que algo exista ou aconteça; é o princípio pelo qual uma coisa é ou se torna aquilo que é [2].

Não vamos adentrar na discussão filosófica propriamente dita, mas apenas utilizar uma analogia ao contexto da medicina ou da ciência.

Ao traçar o diagnóstico, ainda que interaja com os sintomas, o médico deve estar certo da causa e agir a partir desta de modo a sanar o paciente daquilo que o torna enfermo. Interagir apenas com os sintomas não é suficiente, é preciso conhecer a causa. Por exemplo, uma dor de cabeça é um sintoma ou um sinal, porém a causa pode ser desde uma enxaqueca até uma sinusite ou problema na coluna, entre outros.

Entendido isto, podemos perceber que determinadas situações, como a degradação intelectual e moral da juventude e a incapacidade de mudar esta situação, inclusive da parte de profissionais de muito boa intenção, tratam-se de sintomas – a causa deve ser procurada. Inclusive a expropriação da educação daquilo que lhe é próprio, ao ponto de escolas de todo tipo serem transformadas em campo de doutrinação ideológica, ao invés de lugares onde se forma o homem sábio e virtuoso, eleva o intelecto e assim a moral e a sociedade, é sintomático e não causal [3].

Nosso tempo vive as consequências de alguns eventos históricos tanto a nível social quanto de pensamento [4]. E aqui não é nossa intenção seguir a ideologia do “politicamente correto”, como que querendo equilibrar os pratos na balança dizendo: “mas tem sempre o lado bom!”. Se pensarmos assim nunca chegaremos a causa e se não o fizermos, não haverá resposta suficiente, mas apenas e sempre medidas paliativas que longe de intervir na causa do mal, apenas protelarão e quando não agravarão ainda mais a crise.

Ao contrário do que muito se diz, o auge do pensamento humano e a ascensão do direito natural deu se na Idade Média [5]. Citemos por exemplo, a custódia, o aprimoramento e elevação da filosofia grega e do direito romano; e a defesa da civilização de heranças do paganismo grego e romano, da ameaça bárbara e muçulmana, inclusive mediante a educação; a salvaguarda dos direitos da criança e da mulher; a produção de enorme quantidade de obras filosóficas, literárias, científicas e culturais, não obstante as condições rudimentares da época, entre outros. A educação teve o seu valor nesta construção lenta, mas consistente e robusta aos longo dos séculos.

A concepção da educação para o medieval é levar o homem a contemplação, que é nada mais nada menos que meditar na busca da verdade através do reto pensar [6]. A Igreja por disposição da própria História e é claro de sua missão foi a guardiã a mantenedora da educação enquanto busca da sabedoria pela contemplação da verdade [7].

Do século XVI em diante houveram sucessivas convulsões sociais de larga difusão e que vieram a abalar esta ordem constituída em séculos de história e inclusive a concepção da própria educação. Cada revolução trouxe consigo uma negação [8], que interferindo no modo de pensar interferiu na própria organização social. Por isso devemos ver nestas revoluções uma verdadeira crise espiritual e não somente social. Elas derivam de algo que não funcionou bem no pensamento humano e assim desencadeou uma série de erros, que não puderam ser contidos – antes de tudo a nível intelectual e moral.

A primeira convulsão trata-se da Revolução Protestante (1517), oriunda não só da cessão às heresias que já pululavam pela Europa, mas também de interesses e alianças políticas e, assim a larga difusão de tais ideias. Com essa revolução veio a primeira negação: Cristo sim, Igreja não!

Seguidamente, e fomentada sobretudo pelo Iluminismo – cujo próprio nome já denota oposição ao período histórico anterior, isto é, à Idade Média, definida ainda mais pejorativamente e intencionalmente como “idade das trevas” – acontece a Revolução Francesa (1789). Desta convulsão emergirá não só revolução contrária a ordem social constituída, mas sim e uma vez mais ao pensamento humano, e com isso também uma tentativa de impor sua própria “religião”, a razão ou a ciência, sempre segundo as formulações do próprio Iluminismo. O pensamento emancipado e a sociedade também, já não podia-se aceitar a possibilidade da Encarnação de Cristo e igualmente a autoridade absoluta da Divina Revelação da qual a Igreja é guardiã. Segunda negação: Deus sim, Cristo não!

A convulsão sucessiva, a Revolução Comunista (1917), sempre fomentada por ideologias de tipo filosóficas, trará a negação seguinte: O homem sim, Deus não! Apoiada principalmente no materialismo marxista nega tudo que possa denotar-se espiritual, não só enquanto fato religioso, mas enquanto capacidade de conhecimento mediante a busca da verdade – aqui nega-se a metafísica e, consequentemente, tudo que nela se apoia como, por exemplo, os fundamentos da moral. Uma vez que o homem é produto do aperfeiçoamento da matéria a este cabe a interação ou a transformação; partindo desse princípio tudo torna-se relativo ou produto da cultura, inclusive instituições fundamentais como a família. O que acontece a partir daqui ainda mais é a degradação do intelecto humano muito mais propenso a ideologias que ao reto pensar na busca da verdade.

E, por fim, a última convulsão antes de nossos dias, a Revolução Sexual (1968) ou da Sourbone, Paris. Filha não só do progresso industrial e científico, mas do declínio cada vez mais acentuado do intelecto humano no que tem de mais nobre: a busca pela verdade. E diga-se que quanto mais subjugado aos instintos primários, menos o homem terá condições de alçar-se em direção a verdade, de cuja contemplação emana a sabedoria. As consequências são as piores possíveis. Reduzido ao patamar dos instintos o homem assemelha-se aos seres irracionais e perde seu valor, sua dignidade e sua nobreza.

Estágio atual da negação: o homem não! [9]

Não sejamos ingênuos em pensar que estas revoluções foram o curso da História, ou seja, inevitáveis, ou ainda, que foram frutos do acaso, em outras palavras, elas tinham de acontecer. Precisamos recordar que a mesma História nos dá exemplos claríssimos de que o mal pode e deve ser evitado. Lembremos apenas dois momentos [10]: a invasão dos bárbaros durante a decadência do Império Romano combatida e contornada pela ação da Igreja; do mesmo modo que a expansão e a ameaça muçulmana da Europa em diferentes pontos, desde a Península Ibérica, passando pelo Mediterrâneo até a Áustria, igualmente combatida pela Igreja. Do contrário nosso cenário hoje seria todo outro.

É preciso perceber que cada convulsão antes do seu auge foi alimentada e se ganhou força o ganhou em razão de uma fraqueza da parte do que se lhe poderia conter e evitar.

Há quem situe o início da decadência do pensamento humano no momento em que surgem as grandes universidades, que não são um mal em si, mas pelo modo como as coisas passariam a desenrolar-se dali por diante: a intenção ao entrar para uma daquelas universidades não seria mais a busca e a contemplação da verdade, mas com fins no diploma, ou seja, a autorização para se exercer um determinado ofício, e inclusive aquele de ensinar. O fim não seria mais a busca da sabedoria, mas o diploma.

Daí em diante haveria que dissociar-se cada vez mais o compromisso com a busca e a contemplação da verdade – e se diga, com todo rigor filosófico que havia até então – e a obtenção a todo custo de um pergaminho que, de certo, trazia consigo um status e uma série de oportunidades e privilégios. A preocupação com a formação do homem sábio fica cada vez mais à deriva e, evidentemente, as ideologias, isto é, ideias produzidas por erro de cognição ou intencionais, ficariam cada vez mais propensas de serem aceitas sem maiores questionamentos e reflexões como uma vez se fazia tendo por bandeira sempre a honra da verdade.

Com isso é possível entrever que por detrás daquelas convulsões estão pensamentos cada vez mais declinados à ideologia que a retidão da verdade. É o que acontecerá principalmente a partir de Immanuel Kant, se tratando da educação moderna, com a esquizofrenia que ele criará a respeito da constituição interior humana: no plano racional ele situa o homem no nível dos animais (Crítica da Razão Pura) pois este é incapaz de contemplar e definir as coisas tais e quais elas são; e já no plano moral, eleva o homem – segundo a filosofia tomista – ao nível dos anjos (Crítica da Razão Prática), pois aí sim o homem consegue ver as coisas como realmente são e isto a medida em que interage com elas. Por aí se vê que não é difícil formular a educação não mais como busca da sabedoria, mas como formação do homem para o agir moral, uma vez que no plano racional não é possível que este conheça ou abstraia.

O parágrafo anterior, longe de iniciar um debate ou aprofundamento filosófico apenas acena que por detrás de cada convulsão social como as que elencamos está uma série de erros de cognição que não foram combatidos e contidos, mas inclusive lançados ao seu modo para as massas ao ponto de influenciar uma inteira época e sucessivamente. E como o engenheiro da educação não é o pedagogo, mas o filósofo, não é difícil perceber que a educação começou a ser usada como instrumento potente na difusão de ideologias e não mais na formação do homem sábio. Assim sendo a decadência do ensino se deu quando o próprio pensamento humano degradou-se produzindo não mais homens sábios, mas, por erros de cognição ou falta de retidão lógica, começou a produzir e disseminar ideologias.

Percorrendo este caminho é possível diferenciar os sintomas das causas na crise educacional hodierna. Os sintomas os observamos não sem perplexidade. Mas é preciso procurar pelas causas. E assim nos damos conta de que os sintomas são oriundos de um longo caminho de convulsões sociais, isto é, de revoluções cuja intencionalidade foi principalmente a subversão da ordem constituída [11]. E que por detrás encontramos ideias, manipuladas ou não, mas que fogem ou erram o caminho na busca da verdade, ou nem mesmo tem interesse pela verdade.

Assim entendemos que a crise do educação, mas também aquela moral e religiosa, é uma crise de alma. Por isso o “combate”, ou seja, o seu enfrentamento, não se dará eximindo-se desta realidade. Trata-se de um verdadeiro combate espiritual a medida em que as faculdades inteligíveis deverão ser soerguidas não enquanto fato meramente racional, mas enquanto capacidade de buscar a verdade pela contemplação [12]. Aqui o trunfo da educação será o que o educador medieval conhecia muito bem e cujo ideal educativo era formar antes de tudo homens sábios. E aí entendemos porque a filosofia e a teologia eram altamente apreciadas. Justamente pelo fato de elevarem o homem a contemplação, a natural e a infusa, uma pela razão outra pela fé. E jamais uma separada da outra [13].


Referências

[1] Podemos dizer sem medo de errar que as problemáticas educacionais, mas também em outras instancias são em boa parte afetadas pela dificuldade em relação aos conceitos. E não se trata de questão meramente etimológica, mas metafísica e depois de que lógica. Com o declínio da capacidade de abstração, justamente aquela que define o ser, declina também o processo que conduz a tal definição. De um lado está o baixo grau de abstração e de outro os erros de cognição.

[2] N. ABBAGNANO. Dizionario di Filosofia. Roma, 2016.

[3] Em relação ao aparelhamento das escolas e do sistema educativo para doutrinação ideológica, subtraindo da educação a sua finalidade, citamos o site www.escolasempartido.org que traz inúmeras denúncias a este respeito, como também o livro online Escola sem mordaça – Um guia para doutrinação de alunos, de Paulo FREIRE. Disponível em https://www.jr.blog.br/2016/10/escola-sem-mordaca.html?m=1.

[4] Nos próximos parágrafos faremos uso de P. C. DE OLIVEIRA. Revolução e Contra Revolução. São Paulo, 2009. E evidentemente vamos entrelaçar a análise deste livro com outros eventos oriundos ou sucessivos as revoluções.

[5] Existem inúmeras obras de historiadores e intelectuais idôneos que fazem justiça a este período da história tão deturpado e tratado na maior parte das vezes de modo pejorativo e desprezível. Eles trazem à tona a verdade a respeito da Idade Média. Citamos alguns. Jacques HEERS. A Idade Média, uma impostura. Porto, 1994. Régine PERNOUD. Idade Média, o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro, 1979. Thomas E. WOODS Jr. Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. São Paulo, 2011.

[6] “(…) a expressão educação era entendida estando associada à sua raiz etimológica latina: educe, “fazer sair”. Como o conhecimento já existia inato no indivíduo, restava responder à seguinte pergunta: de que modo o estudante era conduzido da ignorância ao saber? Como o aluno aprendia? Essa era a questão básica dos educadores medievais. Preocupados com a forma da aquisição, os pedagogos de então tiveram uma importante consciência: cabia ao professor “acender uma centelha” no estudante e usar seu ofício para formar e não asfixiar o espírito de seus alunos. Na Espanha medieval, por exemplo, usava-se a palavra nutrir (nodrir) para definir o ato de educar: o professor era o nutritor, aquele que deveria alimentar intelectualmente o estudante; o aluno, o nutritur, o que era alimentado. Os medievais, seguindo a etimologia das palavras como se disse há pouco, recuperavam a plenitude do conceito de saber. Saber, sabor; a aquisição do conhecimento deveria ser saborosa, pois a meta do filósofo era não só alcançar a sabedoria, mas transmiti-la como uma representação teatral, algo cênico, enfim, um alimento saboroso para o intelecto. Muito moderna a educação medieval”. In.: https://www.ricardocosta.com/artigo/reordenando-o-conhecimento-educacao-na-idade-media-e-o-conceito-de-ciencia-expresso-na-obra. Acesso em: 28/02/2017. Citamos ainda: B. MONDIN. Dizionario Enciclopedico del Pensiero di San Tommaso D’Aquino. Bologna, 2000. vb.: Educazione.

[7] Quanto ao sistema pedagógico, indicamos: F. CAMBI. História da Pedagogia. São Paulo, 1999. pp. 121-192.

[8] Sugiro a leitura do artigo “Do Protestantismo ao Ateísmo Moderno e Relativismo Contemporâneo: Uma leitura dos acontecimentos históricos” de Daniel MARQUES. In.: www.zenit.org de 28/06/2012. Acesso em 10/03/2017. (Obs.: O site zenit.org não está mais disponível: outro link para acesso do artigo: https://cleofas.com.br/do-protestantismo-ao-ateismo-moderno-e-relativismo-contemporaneo-uma-leitura-dos-acontecimentos-historicos/)

[9] A “filha predileta” desta última revolução e “neta” do marxismo cultural é a ideologia de gênero, cujo golpe mortal é deferido contra a natureza humana na sua dimensão mais fundamental que é a sexualidade, masculino e feminino. Ideologia esta que tenta a todo custo entrar porta adentro das famílias e das sociedades principalmente utilizando-se do sistema educativo. Sobre a gênese marxista da Ideologia do Gênero recomendo a leitura do livro de Dale O’LEARY, A Agenda de Gênero, Redefinindo a Igualdad. Disponível em espanhol em https://s3.amazonaws.com/padrepauloricardo-files/uploads/2z3wlfcfgx1x1wxzr644/la-agenda-de-genero-redefiniendo-la-igualdad.pdf. Acesso em 10/03/2017. (Obs.: o link citado não está mais disponível. Novo link para acesso https://cnp-files.s3.amazonaws.com/uploads/2z3wlfcfgx1x1wxzr644/la-agenda-de-genero-redefiniendo-la-igualdad.pdf)

[10] Amplamente tratados por D. ROPS em A História da Igreja de Cristo, volumes II e III.

[11] Esta tentativa de implementar uma nova ordem mundial, contemplando diversos instrumentos para alcançar tal objetivo, principalmente através da educação, já tem sido denunciada. E quanto mais degradado estiver o sistema educacional e assim a menta humana, mais tal engenharia correrá a passos largos. Referente a este tema citamos: J.C. SANAHUJA. Poder Global e Religião Universal. Campinas, 2012. P. BERNARDIN. Maquiavel Pedagogo ou Ministério da Reforma Psicológica. Campinas, 2013.

[12] Sobre este assunto é importante ler o Opúsculo de Hugo de São Vítor, Sobre o modo de aprender e de meditar. Disponível em https://cristianismo.org.br/h-opusc.htm. Acesso em 10/03/2017.

[13] A obra Didascalikón, de Hugo de São Vítor, nos dá um exemplo brilhante desta afirmação. Mas elas não excluem as outras ciências, pelo contrário, ajudam a entender a verdade de cada uma. Vejamos numa fonte da época: “A Teologia existe para que o homem fale de Deus (…) a Filosofia existe, filho, pela intenção de conhecer Deus, e tal conhecimento é demonstrado pela obra natural; (…) e Deus também colocou uma intenção nas outras ciências existentes, pois nenhuma ciência foi criada sem alguma intenção”. RAMON LLULL. O Livro da Intenção, V.19, 1. Apud.: https://www.ricardocosta.com/artigo/reordenando-o-conhecimento-educacao-na-idade-media-e-o-conceito-de-ciencia-expresso-na-obra. Acesso em: 28/02/2017.

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Texto de autoria do Padre Alexandre Alessio e retirado do link. Sobre o autor: Pe. Alexandre Alessio, CR - Religioso da Congregação da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo (CR). Concluiu os estudos de Filosofia no Instituto São Basílio Magno, Curitiba - PR, sua formação teológica ocorreu em Roma pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente é pároco da Paróquia Imaculada Conceição em Franco da Rocha, Diocese de Bragança Paulista - SP, local onde iniciou o Projeto de Evangelização Jesus ao Centro, sustentado pela Associação Bento XVI, da qual é o fundador.


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A diferença entre a Educação Clássica e a atual

Ilustração de um manuscrito
do século XVI que mostra
uma reunião de médicos na
Universidade de Paris

A diferença da Educação Clássica

A nós, que normalmente tivemos uma educação progressista, pode parecer nebulosa a ideia da educação clássica. Se na ciência e na tecnologia voltar atrás na história uns trezentos anos é impensável, por que seria diferente com a educação? Por que desprezar o modelo de ensino que hoje impera em nossas escolas em busca de um ideal “do passado” que todos já julgavam morto?

A provocação pode se agravar ao pensarmos no currículo. Latim, uma língua que ninguém fala fora dos círculos eclesiásticos e jurídicos? Literatura Clássica, livros com centenas ou milhares de anos? Foco nas Humanidades, quando o que mais importa é, geralmente, a técnica? Moral, em tempos de tão intenso relativismo? Parece apego irracional ao passado.

No entanto, ao vemos o absoluto fracasso da educação moderna, em que muitas vezes doutores e graduados são incapazes de construir argumentos inteligíveis ou se articular, professores não sabem nem a própria língua e reina absoluta ignorância, ao ponto de grande parte da população, apesar de saber ler, não se pode dizer propriamente alfabetizada, pode nos vir uma dúvida: — Será que foi sempre assim? E basta abrirmos um desses livros velhos de centenas ou milhares de anos para, respondida esta primeira pergunta com um firme — Não!, vir-nos outra: — O que aconteceu?

Vivemos em uma época tumultuada. As instituições, costumes e padrões estão em constante e rápida mudança. Nossa cultura está cada vez mais instável, insegura de si mesma, buscando novidades. Esta avidez por novidades gera uma sede ainda maior por mudanças. Mudanças radicais. E de mudança em mudança, de revolução em revolução, cada vez com maior inocuidade, a mudança virou rotina, e uma rotina tediosa e previsível. Em meio a esta confusão, perdemos o caminho. E quando se perde o caminho, a maneira mais efetiva de seguir em frente é voltar atrás, até o ponto em que reconhecemos, e dali, buscando as direções deixadas pelos que nos precederam, continuar avançando no caminho certo.

No caso da Educação, talvez não tenha sido apenas o caminho que tenha sido perdido, mas a própria essência. O que chamamos de educação hoje, embora guarde semelhanças fortes, tem pouco a ver com o que era educação no passado. O coração da diferença entre a educação clássica e a atual não está no currículo nem nos métodos de ensino, embora estas diferenças existam. A grande diferença está no objetivo. A educação é a passagem da sabedoria e do conhecimento de uma geração para a outra, é uma transmissão cultural, como uma corrida de revezamento em que o novo corredor recebe o bastão muito à frente do que estava quando o atual corredor o recebeu – mas ainda é o mesmo bastão.

O coração da diferença entre a educação clássica e a convencional, dizíamos, está no objetivo. A maior diferença é filosófica. Ou, antes, teológica. A educação atual é, em última instância, nihilista, acreditando que vivemos em um grande vácuo sem sentido. A educação clássica repousa sobre o Fundamento do Ser. Todo o resto segue isso. Pode parecer difícil colocar o currículo e o método como secundário, mas é esta a grande diferença da Educação Clássica. O objetivo vem em primeiro lugar.

A segunda maior diferença, diríamos, é metafísica. A educação atual é orientada para o poder, para a carreira, para a formação (diplomas, capacitação) enquanto a educação clássica é orientada para a verdade. Para a Educação Clássica, a prática é serva da verdade, e não o contrário.

Uma terceira diferença seria no nível ético. A educação atual parte da premissa de que o propósito da infância é a socialização. Já que não há verdade objetiva, o que importa seria aprender a conviver com a diversidade. A Educação Clássica, porém, rejeitando a ideia de que não há verdade, vê a infância como a época do desenvolvimento moral e intelectual.

Uma quarta diferença seria no nível científico. A educação atual vê a ciência natural, pragmática, como a única verdade universal. A Educação Clássica, porém, não afirma que as ciências naturais são a única forma de adquirir conhecimento nem acredita que a ética, a metafísica e a teologia devam ser submissas ao conhecimento excepcionalmente limitado que pode ser alcançado através dos métodos do natural nem que ele é o único nem possa ser sujeito a revisões dialéticas. Por natureza, as ciências naturais não são definitivas. Elas só surgem em um contexto onde a metafísica e a teologia as apoiam. Culturas que acreditam que o mundo é uma ilusão não desenvolvem as ciências naturais muito longe.

Uma quinta diferença seria a própria cosmovisão. A educação atual prega que nada é verdadeiro, que tudo é permitido: — Você tem a sua verdade, eu tenho a minha. Em poucas palavras, prega que não há verdade ou que ela não é compreensível. A Educação Clássica, porém, percebe que o mundo dá amostras da ordem com que foi criado e que essa ordem é cognoscível, por isso ensina o aluno a obter esse conhecimento e, usando as ferramentas certas, conhecer melhor a perfeição daquele que criou esta ordem.

As sete artes liberais foram desenvolvidas precisamente para esse fim. Acreditando que podemos conhecer a verdade, e acreditando que a verdade liberta, os educadores clássicos gastaram milhares de anos refinando as ferramentas de busca da verdade que foram usadas desde o início dos tempos, mas foram primeiro codificadas por Aristóteles. As sete artes liberais são o refinamento do senso comum. Eles nos permitem usar as faculdades da razão dadas por Deus para descobrir a verdade. Eles podem até mesmo, se os usarmos de maneira santificada, nos ajudar a vencer o pecado, a ignorância e a insensatez. Estar sentado ouvindo a voz de Deus de um modo místico, quando Ele já está falando conosco e expressando Sua vontade através da lei da não-contradição e a ascensão do sol não é espiritualmente saudável.

Em poucas palavras, a Educação Clássica se diferencia da Educação Atual porque seu objetivo, seus meios e seu fim são outros. O objetivo é cultivar a sabedoria e a virtude, fazer o aluno aprender a aprender e a pensar. Os meios são por a verdade acima do poder e dos bens desta terra. A virtude, acima da socialização. A dialética honesta acima do empirismo. As sete artes acima da manipulação e da ideologia. O fim da Educação Clássica, por sua vez, é a felicidade humana, que consiste na contemplação da Verdade, na contemplação de Deus!

Retirado do site: Link

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Inger Enkvist: “A nova pedagogia é um erro. Parece que não se vai à escola para estudar”

Pedagoga sueca, com mais de quatro décadas de experiência na educação, critica método que dá mais iniciativa aos alunos na sala de aula e defende um ensino mais tradicional

Por Cristina Galindo - 25 Jul 2018

O silêncio reina na rua de pedras onde mora Inger Enkvist, em Lund, uma das cidades mais antigas da Suécia, com uma das universidades mais importantes deste país nórdico. Ninguém diria que a poucos minutos a pé fica o centro urbano. Esta calma chega ao interior de seu apartamento, uma sobreloja com grandes janelas e um jardim traseiro comunitário. Seu escritório, luminoso e cheio de livros, é um reflexo de sua ideia de como é preciso se entregar a qualquer tarefa intelectual: com ordem, concentração, seguindo regras…, lendo.

Enquanto a maioria dos pedagogos questiona a utilidade de decorar informações na era do Google e prega o fim das carteiras enfileiradas e das disciplinas estanques, com mais liberdade para os alunos, Enkvist (Värmland, Suécia, 1947) defende a necessidade de voltar a uma escola mais tradicional, onde se destaquem a disciplina, o esforço e a autoridade do professor. Seu ponto de vista contraria os postulados dessa nova pedagogia, mas também se distancia daqueles que acreditam que a escola é uma fábrica de alunos em série e que deve centrar seus esforços em competir com outros colégios para subir nos rankings mundiais.

Começou sua carreira educativa como professora do ensino secundário, e agora é catedrática emérita de espanhol na Universidade de Lund. Centrou sua pesquisa na obra de Mario Vargas Llosa e Juan Goytisolo, e escreveu ensaios sobre José Ortega y Gasset, Miguel de Unamuno e María Zambrano. Publicou vários livros sobre pedagogia – como Repensar a Educação (Bunker Editorial, 2006, digital) – e centenas de artigos, além de ter assessorado o Governo sueco no assunto. Sentada na sala de sua casa, Enkvist conversa em espanhol sobre como acredita que as escolas deveriam ser, enquanto bebe um suco de frutas vermelhas servido num jarrinho de barro comprado em Segóvia. Falando com ela, não é nada difícil imaginá-la no seu colégio, ainda menina, tirando ótimas notas.

Pergunta. Como recorda sua escola?

Resposta. Era pública e tradicional. Não tenho más recordações. Talvez houvesse algumas aulas chatas, mas às vezes a vida é assim. Os alunos chegavam na hora e não havia conflitos com os professores. A Suécia me deu uma educação gratuita e de qualidade.

P. Os tempos mudaram. Continua valendo a disciplina daquela época?

R. A relação entre pais e filhos se baseia mais do que nunca nas emoções. Temos uma vida mais fácil, e queremos que nossos filhos também a tenham. Mas a escola deve estar consciente de que sua tarefa principal continua sendo formar os jovens intelectualmente. A escola não pode ser uma creche, nem o professor um psicólogo ou um assistente social.

P. Qual deve ser a finalidade do ensino infantil?

R. Deve ser muitas coisas, mas sua tarefa principal é dar uma base intelectual. Dar conhecimentos aos jovens, prepará-los para o mercado de trabalho, transmitir-lhes uma cultura e proporcionar-lhes uma ideia da ordem social, porque a escola é a primeira instituição com a qual as crianças se deparam, e é importante que vejam que há algumas regras, que o professor é a autoridade e que é preciso respeitar tanto ele como os colegas.

P. Mas a tecnologia torna mais difícil controlar crianças hiperestimuladas.

R. Sempre houve dificuldades na aprendizagem. Há 50 anos, era o fato de precisar andar uma hora para chegar ao colégio, ou oferecer refeições nutritivas. Hoje se trata da enorme quantidade de estímulos. O novo desafio é controlar o acesso ao celular e ao computador para que se concentrem. As escolas que proíbem o celular fazem bem. Em casa, os pais devem vigiar o tempo de uso da tecnologia. Proibir é muito difícil, porque se criam conflitos, mas um pai moderno deve saber dizer “não”. Deve resistir.

P. Há pedagogos que afirmam que a escola tradicional é chata e educa crianças submissas, e que é preciso aprender a aprender.

R. A escola é um lugar para aprender a pensar sobre a base dos dados. Isso de insistir em aprender a aprender sem falar antes de aprendizagem é uma falsidade, porque não podemos pensar sem pensar em algo. Sem dados não há com o que começar a pensar.

P. A escola não deveria ser um lugar onde se divertir?

R. A satisfação na escola deve estar vinculada ao conteúdo: entrar numa aula e que lhe contem algo que você não sabia. Mas é preciso saber que, para entender algo novo, é necessário fazer um esforço. Além disso, é fundamental que o professor nos ensine a ler e também como nos comportar. É impossível aprender bem sem que haja ordem na sala de aula. Essa é a base principal: comportamento, leitura e avaliação pelo conhecimento.

P. O que opina da tendência de pôr almofadas na sala de aula para que os alunos se deitem?

R. Isso é enganar os jovens. Para aprender a escrever, uma criança precisa sentar-se bem, olhar para frente, ter lápis e papel, concentrar-se… Aprender pode ser um prazer, mas, insisto, exige um esforço e um trabalho. É preciso dizer isso às crianças. Se não, estamos enganando-as. Tocar violino, por exemplo, não é fácil. Exige muita prática. Os estudos do psicólogo sueco Anders Ericsson mostraram que é necessário um esforço prolongado para melhorar em algo. Para ser bom em algo você tem que se dedicar 10.000 horas. E precisa fazê-lo de forma consciente e trabalhar com um professor. Sua pesquisa avaliza a ideia tradicional de uma escola baseada no esforço do aluno, sob a orientação de um professor.

P. Há quem diga que não é preciso decorar porque tudo está no Google.

R. Essa é outra falsidade. O Google é uma ferramenta genial. É de grande ajuda para os adultos, porque sabemos o que procuramos. Mas, para quem não sabe nada, o Google não serve de nada. Há intelectuais que andam por aí dizendo que estudar geografia não foi útil. Acredito que se esqueceram de como e quanto aprenderam na escola. Afirmar essas coisas é uma falta de honradez com os jovens. E menosprezar a importância em si da vida intelectual do aluno.

P. Em que consiste a nova pedagogia que você critica?

R. A nova pedagogia é um pensamento que se vê por toda parte no Ocidente. A Suécia a adotou nos anos sessenta. Consiste, por exemplo, na pouca gradação das notas, por isso muitos pensam que não há razão para estudar muito se isso não for se refletir no histórico escolar. Dá-se muita importância à iniciativa do aluno, trabalha-se em equipe e, ao mesmo tempo em que as provas desaparecem, aparecem os projetos e o uso das novas tecnologias. Em geral, parece que se vai à escola para fazer atividades, não para trabalhar e estudar. Dá-se mais ênfase ao social que ao intelectual. Acho que é um erro. Por um lado, os alunos com mais capacidade não desenvolvem todo o seu potencial e, por outro, os que têm uma menor curiosidade natural por aprender não avançam. Além disso, muitos gostos são adquiridos, como a história, a leitura e a música clássica. No começo podem parecer chatos, mas, se alguém insistir para que tenhamos um primeiro contato, é possível que acabemos gostando. Atualmente, muitos jovens escolhem sem terem conhecido e, claro, escolhem o fácil.

P. A Espanha é um dos países da OCDE que dedica mais horas à lição de casa. Isso tem alguma utilidade?

R. Quando a jornada é muito longa, como na Espanha, não faz sentido. Se um aluno está cansado, a lição de casa não melhora o seu rendimento. É preciso buscar um número ideal de aulas pela manhã, quando a criança está mais acordada, dar-lhe um tempo de descanso e, à tarde, talvez uma tarefa de revisão do que fez durante aquele dia. Um bom exemplo é a Finlândia, onde os alunos entram às oito da manhã e saem às duas da tarde, incluindo o almoço; exceto às quintas-feiras, quando saem às quatro da tarde.

P. Quando criança, você era um grande leitora. Como despertar esse prazer se uma criança não está interessada?

R. Era uma leitora compulsiva. Ninguém teve de insistir para que eu pegasse um livro. Mas há crianças que precisam disso. Talvez no começo seja necessário forçá-las um pouco, encorajá-las para que se tornem leitoras de lazer. Como se faz isso da escola? Comprar bons livros para a biblioteca e recomendar um a cada sexta-feira. Um aluno pode contar o que leu naquela semana. Fazer pequenas competições para ver quem leu mais. Medir como o seu vocabulário aumenta. E explicar que a leitura lhes permitirá, quando adultos, um melhor desenvolvimento. Se os alunos começam a ler, quase todos descobrirão que é um prazer. Mas eles precisam de horas. Calcula-se que na maioria dos países se dedicam 400 horas à aprendizagem da leitura na escola primária. Para ser um bom leitor, são necessárias 4.000 horas. É impossível ter tanto tempo na aula. Eles têm de fazer isso em casa. O que os pais podem e devem fazer é ler com os filhos: apoiar a leitura e servir de modelo.

P. Mas as humanidades estão perdendo peso.

R. Dizem que o amanhã será dominado pela tecnologia e pelas ciências naturais, e que o que é histórico não é importante. Além disso, as provas do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], um conjunto de exames organizados pela OCDE para avaliar as competências de alunos de 15 anos em ciências, matemática e leitura] não levam em conta as humanidades porque é difícil comparar esses conhecimentos entre países, então a vontade de competição os leva a dar mais ênfase às matérias que fazem parte do PISA e negligenciar as outras. Tanto a escola quanto a família devem dar mais ênfase às humanidades.

P. A visão do PISA é a de uma escola que deveria funcionar como uma empresa?

R. A OCDE é uma organização econômica e analisa a educação a partir dessa perspectiva. O que o PISA não revela é se existe uma boa atmosfera na sala de aula, se bons princípios de trabalho são inculcados, se as ciências humanas, as ciências sociais, as matérias estéticas como arte e música, que são essenciais, são bem ensinadas. O PISA é uma prova muito específica que analisa algumas coisas. As escolas e os países deveriam defender que eles ofereçam muito mais do que isso.

P. Em seus livros, você aponta a Finlândia como um dos grandes modelos.

R. A educação na Finlândia foi tradicional, embora há dois anos o Governo tenha lançado um programa mais parecido com o da Suécia, porque meu país tem um desempenho escolar inferior, mas tem um comportamento econômico superior e criou empresas de tecnologia como Spotify e Skype. O Governo finlandês parece pensar que com um pouco de desordem suas escolas serão mais criativas. Não acredito nisso.

P. A Finlândia era tradicional? Não há exames no ensino obrigatório nem os havia antes dessa reforma que você menciona.

R. É preciso repensar a fobia aos exames. O exame ajuda a se concentrar em um objetivo. Que em tal dia você tem de saber esses conhecimentos. Um bom professor ensina coisas aos alunos, revisa com eles e faz algumas provas. E constroem outros ensinamentos sobre o que já foi aprendido, então esses conhecimentos voltam a aparecer mais tarde. Não faz um exame sobre algo sem importância. Com a prova final acontece a mesma coisa. É um objetivo claro. Ajuda a ter uma visão global.

P. Na Finlândia não se compara tanto as escolas, o que é comum na Espanha. É assim?

R. Na Finlândia continuam com a tradição de confiar nos professores. Quando existe um controle estatal do desempenho e se fazem comparações entre as escolas, o ambiente se deteriora. Para os professores, gera estresse e rancor em relação a quem te controla.

P. Como deve ser um bom professor?

R. Responsável e bem formado. Deve acreditar no poder do conhecimento. Não se é bom professor apenas pelo que se sabe sobre a matéria, nem só porque sabe conquistar os alunos. É preciso combinar ambos os elementos: atrair os alunos para a matéria para ensiná-la adequadamente. É preciso recrutar professores excelentes em que alunos, pais e autoridades possam confiar. E a menos que haja uma situação grave, devemos deixá-los trabalhar.

P. Como foi sua experiência na sala de aula?

R. O aluno tem de respeitar as instruções do professor, fazer as lições de casa e, por exemplo, não mentir. Antes, mentir era muito grave. Agora parece que não acontece nada. Vi jovens que inventam motivos para justificar por que não fizeram um trabalho, que escrevem de forma pouco legível para gerar dúvidas ou discutem o tempo todo com os professores. Sei o quão desagradável é que um aluno tente mentir para você. Vi isso no ensino médio e na universidade. Quando um professor sente que não é respeitado, que tentam enganá-lo, todas as relações de ensino se rompem.

P. O que fazer com as crianças que incomodam e não deixam os outros trabalharem?

R. Isso é um tabu. É considerado pouco democrático. Diz-se que devemos dar uma oportunidade a todos. Mas o que acontece quando uma criança problemática não deixa os outros trabalharem, quando se fala com ela e com os pais, mas não se corrige? É preciso colocá-lo em um grupo separado para ver se percebe e muda.

P. E as crianças que se esforçam, mas não atingem o nível?

R. Elas podem ter aulas de reforço. E podemos oferecer itinerários diferentes, como no caso de Cingapura.

P. E repetir de ano?

R. Fazer repetir uma criança às vezes serve e às vezes não, porque cada um é diferente. Gosto do sistema de Cingapura, onde o lema é que cada criança pode atingir seu nível ótimo. Existem diferentes maneiras de conseguir isso: uma maneira, digamos, normal e outra, expressa. A segunda inclui mais conteúdos em menos tempo. Há quem diga que é menos democrático, mas creio que, pelo contrário, é mais democrático porque convém à criança, à família e ao Estado. E há menos evasão escolar, um problema muito mais grave.

P. Não está aprendendo também por imitação? Ou seja, os alunos adiantados podem puxar aqueles que ficam para trás?

R. Funciona quando o grupo tem um bom nível e um bom professor. E se aqueles que têm de se integrar são poucos e querem fazê-lo. Se não, o que geralmente acontece é que aqueles que não querem trabalhar arrastam os outros.

P. O bilinguismo que combina inglês e espanhol prolifera nas escolas espanholas. Você matricularia seus filhos em uma dessas escolas?

R. Primeiramente, eu analisaria outras opções. Aprender inglês é bom, mas é preciso perguntar o que deixamos de aprender de outras matérias. Tenho dúvidas. Acredito que se pode aprender bem inglês com algumas horas de aula sem sacrificar outros conhecimentos, como por exemplo, as ciências. Na Suécia, as aulas de inglês só começam aos 9 ou 10 anos.

Texto retido do link


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O modelo de Educação Jesuíta

Santo Inácio de Loyola
Fundador do Jesuítas

Analisando os últimos 400 anos em que os jesuítas estiveram engajados na educação, é evidente que eles estiveram na linha de frente, um fato universalmente admitido por amigos e inimigos. Há um livro que relembra uma conferência proferida no final do século XIX pelo presidente de uma prestigiosa universidade não católica chamada The Jesuit and Puritan Systems Compared (Os sistemas jesuítas e puritanos comparados). É um constante e violento ataque à fé católica e aos jesuítas, mas mesmo assim foi admitido pelo antagonista – eis por que, imagina-se, nos séculos XVII e XVIII, os jesuítas eram acusados de bruxaria e magia – que ele não podia argumentar que os jesuítas estavam fazendo algo incrível, que estavam ensinando e educando e liderando, e influenciando a sociedade através de sua educação.

Santo Inácio estava tentando formar uma tropa de choque para o papado, um grupo de homens pequeno, móvel e bem-educado que tinha mobilidade – eles não seriam amarrados nem por deveres paroquiais nem educacionais. Quando o papa precisava deles em algum lugar, eles deveriam ser enviados. Era isso que Santo Inácio tinha em mente ao fundar a Companhia de Jesus. No entanto, sendo um santo, ele propôs e, em seguida, Deus dispôs.

E o que aconteceu muito rapidamente, mesmo na vida de Santo Inácio, foi a sua percepção de que o caminho para defender a fé é através da educação. Há um desenvolvimento orgânico, certamente com os jesuítas e também conosco, da necessidade de nosso envolvimento na educação. Não há mais vocações provenientes dos lugares onde poderíamos esperar no passado, devido às condições religiosas e sociais de hoje. Estamos reconhecendo o fato de que, para cumprirmos os nossos objetivos precisamos, então, nos tornar muito sérios sobre educação e lidar adequadamente com nossas escolas.

No excelente livro The Jesuits and Education, Pe. William J. McGucken, S.J, diz:

Quase contra sua vontade, Santo Inácio e seus seguidores passaram a ver o poder da educação. Isso não seria uma cura para a heresia, mas um preventivo disso. Para salvar o sul da Alemanha para a Igreja, era necessário um gênio como Pedro Canísio, e até mesmo seus heroicos esforços eram impotentes para remediar todos os estragos causados pela heresia e pelos prelados do mundo. Mas uma vez que você tenha o controle da juventude, treine-os em princípios corretos, comunique a eles, ao mesmo tempo, uma educação igual ou superior a qualquer um na Europa, e todo o mundo será salvo para a Igreja (p.9).

Uma vez que Santo Inácio percebe que Deus dispõe a ele para entrar na educação, ele o faz, e então você tem esse grande sistema educacional dos jesuítas, que se desenvolverá até sua desintegração nos últimos tempos.

Antes de entrar realmente nos objetivos da metodologia jesuíta, precisamos primeiro nos familiarizar com a Ratio Studiorum, o manual jesuíta de educação.

Os jesuítas não começaram a estabelecer escolas seculares, isto é, matricular estudantes que não pretendiam entrar em sua ordem como religiosos. Eles chegaram a ver a necessidade de ter tais escolas, no entanto, como um desenvolvimento lógico e natural do seu propósito. Sua grande conquista pode ser medida recordando as condições sociais do tempo que foram culminadas pela destruição, implosão e corrosão do sistema universitário. A maioria das universidades da época eram canteiros de heresia. Um remédio tinha que ser encontrado. Santo Inácio não estava prestes a levar seus jovens e enviá-los a essas universidades para serem treinados. Ele percebeu que tinha que fazer a educação ele mesmo. Este foi um espelho do início do sistema educacional jesuíta.

A meta histórica dos jesuítas era dar ordem, hierarquia, estrutura, unidade e metodologia à educação. Este é o seu grande legado, e aprender com isso é algo extremamente benéfico para nós no campo da educação.

Eles começaram a fundar faculdades. Havia uma faculdade em Goa; São Francisco Xavier começou a colocar pessoas naquela faculdade e treinou jesuítas para começar a ensinar. São Francisco Bórgia fez o mesmo na Espanha. Então, em 1551, Santo Inácio decidiu fundar o Colégio Romano. Uma vez decidido, ele determinou que seria o melhor do mundo, um modelo de todos os modelos. Ele não poupou esforços nem gastos para torná-la a maior de todas as universidades do seu tempo. Essa foi a mentalidade de Santo Inácio, da qual, dependendo do nosso caráter individual, devemos compartilhar.

Havia necessidade de um sistema de educação para um sistema de estudos; portanto, eles se colocaram na tarefa. Eles começaram a reunir vários documentos, alguns antecedentes da Ratio Studiorum: o De Studiis Societatis Jesu, o Ordo Studiorum e a Summa Sapientiae.

Finalmente, em 1581, o quinto Superior Geral, Cláudio Aquaviva, um pouco parecido com o que São Pio X fez para o direito canônico, decidiu pesquisar e combinar todos esses documentos em um manual para que qualquer um pudesse saber o que os jesuítas queriam dizer sobre educação – os papéis do reitor, prefeito e professor; seu modo de operação, etc. Aquaviva foi eleito em 1581; Em 1584, ele começou seu trabalho sobre a Ratio, mas somente 1599 que a Ratio Studiorum completa foi publicada. Os jesuítas não eram sujeitos do estilo “band-aid”; eles não estavam fora para simplesmente remendar as coisas. Eles decidiram fazer as coisas corretamente, não importando quanto tempo levasse e estavam convencidos de que não poderiam proceder de outra maneira, já que esse apostolado considerava a educação das futuras gerações, de seus próprios homens e professores, e a adequada construção de suas escolas. De modo algum negligenciaram o “aqui e agora”, mas tinham uma visão de longo prazo do seu apostolado educacional. Quando, 15 anos depois de ter começado, o Ratio Studiorum saiu, seu uso era obrigatório.

Este documento foi fundamental para dar estrutura aos jesuítas e tornar seu sistema educacional possivelmente o maior da história do mundo. Suas faculdades, universidades e escolas secundárias se espalham pelo mundo.

A Ratio Studioroum é muito inaciana. Não é um tratado teórico sobre educação; é um código prático para estabelecer e conduzir escolas. Estabelece o quadro, apresenta os objetivos educacionais e os arranjos definitivos de aulas, horários e programas, com atenção detalhada aos métodos pedagógicos e, de forma crítica, à formação de professores, que Aquaviva colocou no topo da lista. O coração de qualquer escola são seus professores, e isso deve estar no topo da lista.

Em geral, o que é importante para nós é compartilhar a sabedoria dos companheiros católicos, mesmo aqueles do passado. Por suas razões, o Deus Todo-Poderoso dispôs-nos a viver nestes tempos e, por mais loucos que sejam, devemos nos beneficiar da riqueza do pensamento e da ação de católicos do passado. Não devemos reinventar a roda. A Ratio e o que os jesuítas fizeram é útil para nós. A essência de sua visão é muito bem resumida por pe. Hughes:

Existe a melhor maneira de fazer tudo e não menos importante na educação. De maneira tão positiva, alguns elementos são essenciais em todos os momentos, enquanto outros são acidentais e variam com o tempo, lugar e circunstância. O sistema ideal preservará em sua integridade aquilo que é essencial, e então adaptará os princípios gerais com o ajuste mais próximo ao ambiente particular (Loyola e o Sistema Educacional dos Jesuítas, p.141).

Acho que é muito importante ter em mente que, embora os jesuítas tivessem a Ratio Studiorum, não eram escravos dela. Eles eram amantes dos princípios consagrados na Ratio, não escravos de sua carta. Em outras palavras, conheciam os princípios e prudentemente os aplicavam na situação específica. Neste ponto de nossa história, podemos aprender com os jesuítas, os salesianos, os cristãos, os maristas e tirar o melhor de cada um deles. Certamente, haverá princípios perenes subjacentes em todos os seus sistemas, mas também meios particulares de abordagem, metodologia, estrutura de classes, currículo, etc., que podemos adaptar e usar a nós mesmos.

Objetivos

Por que os jesuítas se envolveram com a educação? Por que nós faremos o mesmo? Essas perguntas são facilmente respondidas respondendo-se à pergunta subjacente a ambas: “Por que qualquer ordem da Igreja Católica existe?” O que Santo Inácio escreve nas instituições:

O fim da sociedade não é apenas cuidar da salvação e perfeição de suas próprias almas com a graça divina, mas com a mesma [divina graça] seriedade para se dedicar à salvação e perfeição de seus próximos. Pois foi especialmente instituído para a defesa e propagação da Fé, e o progresso das almas na vida e na doutrina cristã.

A partir disso, os jesuítas perceberam a necessidade de estabelecer escolas.

A filosofia jesuíta da educação nada mais é do que a filosofia católica da educação intimamente e inextricavelmente ligada a filosofia escolástica e os ensinamentos dogmáticos da Igreja, isto é, razão e religião, São Tomás e o Magistério. Primordial é a compreensão adequada da natureza humana como criada pelo Deus Todo-Poderoso e o destino final do homem.

O homem não é apenas um cidadão deste ou daquele país; ele nasceu para ser um cidadão do céu. Portanto, em toda a verdade, podemos dizer que o propósito da educação é uma preparação para a vida, de maneira mais próxima nesta vida, mas ao final da vida eterna. É por isso que os jesuítas educam e por que educamos. E estamos aqui para aprender os princípios necessários para cumprir esse objetivo. A glória de nossa vocação específica como educadores é apenas isso; temos a oportunidade de formar jovens almas. Isso é algo que os diretores e professores precisam meditar constantemente; deveria ser sua preocupação diária. Estamos intimamente envolvidos na formação de cidadãos para o céu, almas feitas para a Visão Beatífica. E isso nunca pode ser enfatizado demais.

Portanto, não estamos falando de intelectualismo. A educação não é apenas formação intelectual nem instrução; é a formação do homem todo. É interessante notar que as aulas formais de religião na maioria das escolas jesuítas nunca foram dadas mais do que duas horas por semana. Em vez disso, os jesuítas se esforçavam para que a religião permeasse tudo. Eles achavam um tanto estranho ou superficial fazer da religião um curso por si só, ou dedicar muitas, muitas horas a isso, simplesmente porque seus professores eram religiosos. Ao contrário dos jesuítas, não temos apenas padres ou irmãos religiosos ensinando. Devemos nos certificar de que trabalhamos nossas faculdades com o tipo certo de professor, não apenas alguém que saiba matemática ou história, mas um homem católico em estado de graça e lutando pela santidade para que a religião permeie sua classe, seja qual for o assunto. Isso é crítico, porque a religião não é apenas uma classe em um determinado momento; religião é tudo.

Religião é tudo ou religião não é nada!

Estamos cientes de como temos que lutar constantemente contra essa atitude de mediocridade chamada “catolicismo dominical”. O que estamos fazendo com nossos filhos? – Estamos educando-os para que não se tornem um daqueles “católicos dominicais”. Portanto, a religião tem que penetrar. Essa é a majestade da nossa vocação e que glória é essa! Todos nós sabemos o trabalho, tempo e esforço necessários para fazer o que temos que fazer em nossas escolas, mas vale a pena cada minuto. Não pode haver nada mais glorioso do que ser um professor ou ser um diretor, orientar professores, orientar toda a escola.

Os fins

O objetivo final é levar os alunos ao conhecimento e amor de Deus. Essencialmente, a educação é em última instância apostólica. É uma missão apostólica. Nós instilamos nas crianças um conhecimento e amor a Deus Todo-Poderoso, um conhecimento e amor pela santa Fé Católica, um entusiasmo pela Fé Católica, manifestando sua importância: que é o primeiro princípio, que não é apenas algo que eles fazem no domingo, ou algo que eles fazem na aula de religião. É algo que é importante o tempo todo – deve penetrar e permear! A escola, a educação, o método, o currículo, seja o que for: são meios para esse fim, que eles saibam, amem e sirvam a Deus Todo-Poderoso. Estamos aspirando a formar Cristo em todos e cada um desses estudantes. Que papel maior existe?

Os objetivos educacionais aproximados são, primeiro, desenvolver todos os poderes do corpo e da alma. É o homem todo que está sendo formado: seu corpo, sentidos, memória, imaginação, intelecto e vontade. Está desenvolvendo, disciplinando e direcionando todas as capacidades da personalidade humana. Esse é o propósito da educação. Aqui está uma citação notável da Ratio Studiorum:

O desenvolvimento da capacidade intelectual do aluno é a parte mais característica da escola. No entanto, esse desenvolvimento será defeituoso e até perigoso, a menos que seja fortalecido e completado pelo treinamento da vontade e da formação do caráter.

Se você está apenas atirando para o conhecimento intelectual e não está fortalecendo a vontade e formando o caráter ao mesmo tempo, não apenas a educação é defeituosa, mas é capaz de ser “até perigosa”! A educação prepara a natureza para receber e cooperar com a graça de Nosso Senhor. Estamos instruindo o intelecto, treinando a vontade e formando o caráter – em outras palavras, o homem todo – baseado em princípios sérios.

Meio Distintos

Crítico para os jesuítas e para qualquer boa escola é a formação de professores e seu ensino hábil. O professor é o coração do processo educacional. Obviamente, o padre responsável como diretor é aquele que dá a direção. Ele é claramente a cabeça; ele é aquele que definirá o espírito e o tom para a escola. No entanto, os professores são aqueles com as mãos no barro fazendo a formação imediata regular. É por isso que um professor ruim, carente de disciplina ou conhecimento, causa desastres, e o pior é quando extingue o desejo dos alunos de aprender e amar o aprendizado. Seja vigilante! Professores entediantes, professores despreparados, corpos mornos jogados em uma cadeira porque ninguém mais está disponível – esses são a destruição de uma escola, e não apenas a destruição de uma escola, mas a destruição de almas confiadas aos nossos cuidados. Nós não podemos fazer isso! Qualquer conversa sobre o estabelecimento de escolas significa necessariamente que falamos sobre ter professores treinados adequadamente ensinando nossos filhos.

Ensino hábil

Pegue em suas mãos e leia Teacher and Teaching do pe. Richard Tierney, S.J. Ele diz:

A verdadeira educação é geralmente o trabalho de professores habilidosos. Uma vez que a primeira é uma pérola sem preço [a verdadeira educação], o valor deste último dificilmente pode ser superestimado. Ensinar é a arte do interessante, o inspirador (p.27).

Um professor genuíno leva os alunos à ação, intelectual ou física, seja qual for o caso. Ter esses professores é o primeiro meio de assegurar uma boa educação para um estudante. Como diz o famoso ditado: “Muitos ensinam, mas poucos inspiram”. Não se pode exagerar a necessidade de ter bons professores inspiradores. Podemos sofrer várias restrições monetárias que, acreditamos, nos impedem de compensar um professor em proporção ao seu valor, mas eu diria que agora é a hora de fazer todos os sacrifícios possíveis para recompensar nossos professores e atrair pessoas qualificadas.

Não nos esqueçamos da necessidade de treinamento adequado. Devemos monitorar e nutrir os professores que temos. Reciprocamente, eles devem desejar nosso monitoramento e nutrição. Nem nós nem eles podem esquecer que são professores católicos. Avaliação e crítica construtiva devem ser oferecidas de forma contínua durante todo o ano letivo. Até mesmo o melhor professor ainda precisa se desenvolver para melhorar; nós fornecermos os meios para isso é uma parte importante do nosso papel administrativo como um verdadeiro diretor.

Pe. McGucken escreve magistralmente sobre a história e pedagogia da educação jesuíta em The Jesuits and Education. Ele diz que Santo Inácio e a Companhia estavam determinados, uma vez que o trabalho de educação era entendido como a vontade de Deus e foi decidido envolver-se nele, para não poupar esforços nem despesas na formação de seus professores. Eles fariam qualquer coisa para garantir que os professores fossem formados corretamente. Isso é algo em que temos que refletir, que o ensino especializado depende muito do sucesso de uma escola.

Currículo

Uma boa educação será determinada pela qualidade do currículo. Infelizmente, levaria meses para examinar os detalhes do currículo, mas vamos discutir alguns princípios básicos. O primeiro princípio orientador é que o currículo demonstre formação, não apenas informação. O currículo é estruturado para desenvolver os hábitos intelectuais e morais, para formar o caráter. O objetivo de um currículo católico não é meramente ser um acúmulo de informações para entregar ao aluno. Este, no entanto, é o objetivo dos currículos na era moderna, informacional e tecnológica – de que o estudante adquira o máximo de fatos possível, coloque-os dentro de seu cérebro; então ele é um homem inteligente. Não! – Mas devemos ter certeza de não ir ao outro extremo, ou seja, de que a informação factual não é importante. Embora não seja o principal, nem a causa formal, ainda é o material da educação. Precisamos saber fatos e datas, circunstâncias históricas – essas coisas compõem a questão da educação. Elas não são o fim, mas são meios até o fim.

Uma alma não é adequadamente formada pela mera acumulação de informação. A metodologia da educação jesuíta era formar um homem para treiná-lo a pensar. Um dos nossos maiores desafios é treinar um jovem para pensar, analisar. Essa incapacidade de pensar será superada pela formação dos hábitos intelectuais e morais de uma pessoa, ajudando o estudante a penetrar na realidade das coisas, em vez de meramente encher sua mente com resmas de fatos. O ensino com conhecimento e envolvimento irá percorrer um longo caminho nesta batalha.

O segundo princípio em relação ao currículo é que seu estudo seja intensivo e não extensivo. Queremos formar, não simplesmente informar, e a maneira de fazer isso é ser intensivo, estudando em profundidade um número relativamente pequeno de sujeitos, em vez de estudar superficialmente um grande número. É estudar as coisas mais importantes e estudá-las completamente.

Os clássicos

Para o ensino médio, os jesuítas consideravam as disciplinas humanas – literatura, língua e história – a coisa mais importante. A ênfase nesses assuntos, sem excluir absolutamente os outros, naturalmente contribuiu para a formação equilibrada do ser humano, tornando-o um receptáculo adequado para a graça de Deus. As disciplinas humanas oferecem valores permanentes e universais para a formação do homem. Por que os grandes clássicos, as grandes obras e os grandes autores foram estudados? – Simplesmente, eles fornecem o que é necessário para formar uma alma, formar uma personalidade. Pe. Richard Tierney, S.J., alude a isso em seu livro Teachers and Teaching:

O que é que mais contribuiu para imortalizar os grandes clássicos? Certamente não o nome do autor, pois um autor brilha na luz refletida em seu livro. Não em sua dicção, pois a dicção sozinha é como o som de latão e címbalos tilintantes. O que então? Os grandes pensamentos e os nobres feitos que parecem fazer as páginas palpitar a vida. Homero é o herói de Homero… É o fogo que flui na mente muito depois de a música da língua ter morrido no ouvido e a beleza da imagem ter desaparecido da memória. É isso e coisas afins que chamam ao que há de melhor no homem que educa.

A literatura não visa apenas palavras e frases e figuras. Devemos olhar abaixo para o principal instrumento pelo qual devemos realizar o objetivo em vista. Teremos louvor por tudo o que é nobre, desprezo por tudo o que é básico. A Guerra de Tróia será mais do que uma sucessão de batalhas; será uma punição temporal do crime. A fuga de Enéias da cidade em chamas será um exemplo heróico de amor e reverência pelos pais e autoridades. O inferno da Eneida e a piscina de Fédon mostrarão, primeiro que a razão, sem a revelação, exige uma punição futura para o crime; em segundo lugar, que o dogma católico sobre este ponto se encaixa perfeitamente nos ditames da razão e encontra um instinto da natureza. Então, a lição será tornada real por referências ao pensamento atual e outras condições contemporâneas (pp. 4, 6).

Ao utilizar essas obras perenes, os jesuítas formaram a alma por ações nobres e grandes atos; inspirou seus alunos e forneceu uma visão para a mente jovem. Estes são conceitos permanentes na educação e por que é tão necessário basear nossas escolas neles. Por tais estudos, os jesuítas fomentavam em seus alunos a capacidade de pensar pensamentos válidos e expressá-los com eficácia. Para fazer a mesma coisa, devemos também nos concentrar nos clássicos e disciplinas humanas. Nossos currículos devem apresentar um corpo de conhecimento que valha a pena (não apenas qualquer coisa e tudo), estimular no aluno o entusiasmo de pensar e organizar esse conhecimento de uma forma viável e, finalmente, dispor dele para expressar seus pensamentos de forma eficaz escrevendo ou especialmente falando. É por isso que os jesuítas basearam sua educação nesses clássicos. Os jesuítas a chamavam de eloquentia perfecta; conhecer as coisas certas, conhecê-las bem, ser capaz de organizá-las adequadamente e expressá-las da maneira apropriada.

A sucessão dos currículos das ciências humanas para a filosofia e teologia é muito importante. Algumas pessoas objetam que só precisamos aprender o catecismo e ler a vida dos santos. Mais uma vez, isso não é apenas educação. Não podemos restaurar todas as coisas em Cristo com tal ponto de vista. É um ponto de vista que se opõe demasiadamente ao ponto de vista dos utilitaristas que excluem da educação tudo aquilo que não ajudará a ganhar dinheiro! É condenado pelos grandes educadores católicos da história e por qualquer homem com bom senso. Os jovens são deficientes nessa área, essa área vital e fundamental. Pe. Hughes faz um breve resumo, abordando os responsáveis ​​pelas escolas:

Antes de ensinar homens, moldar mestres de homens ou mesmo conceber a primeira ideia de legislar para o mundo intelectual, ele deve primeiro aprender. Há duas lições fundamentais que ele aprende, e elas vão formá-lo: uma é que, entre todas as atividades, o estudo da virtude é supremo. A outra é que, suprema como a virtude é, sem aprendizado secular, a maior virtude fica desarmada, e na melhor das hipóteses é lucrativa para si mesmo (p. 15).

Deus formou a natureza humana para trabalhar de uma maneira específica. Ele dá graças para aperfeiçoar essa natureza, não para trabalhar fora dela. A educação deve formar todo o homem, corpo e alma, natural e sobrenatural.

Pe. Tierney ataca os utilitaristas ao falar de matemática, e nós vivemos hoje em um momento em que é indevidamente exaltado. Ele fala sobre a principal função do estudo da matemática, que é treinar o intelecto para não pular no escuro, mas para andar cautelosamente em terreno firme sob uma luz plena. A matemática não é inspiradora, a matemática não é edificante. Matemática é matemática. Portanto, ter uma escola desenvolvida em torno dela é incrivelmente utilitarista e, em última análise, uma malformação de nossos filhos. Isto voa em face do melhor da história educacional. Os pais costumam dizer: “Se o nosso filho não está estudando matemática avançada, como ele vai para a faculdade, como ele vai se tornar um engenheiro?” A resposta é: se o seu filho é formado adequadamente aos 18 anos e sabe pensar, ele pode ir a qualquer faculdade e abordar os assuntos de sua escolha. Isso pressupõe que nós lhe demos os fundamentos. Se alguém conhece a álgebra e a conhece bem, ele não terá nenhum problema para o cálculo na faculdade. Não há razão para nos preocuparmos em ensinar cálculos e matemática avançada em nossas escolas, a menos que você tenha uma série de escolas especificamente matemáticas; isso, no entanto, seria uma deformação da educação.

Os Jesuítas e o Latim

Uma discussão é necessária sobre os jesuítas e o latim, porque todo o seu sistema escolar era mais ou menos baseado no latim, até mesmo no início do século XX. Uma diretriz da Província Maryland-Nova York da Companhia de Jesus lamenta o estado do latim nos currículos e admite o efeito adverso que isso teve em seu sucesso geral na educação. Diz que um retorno à maneira como os jesuítas sempre ensinaram o latim em suas escolas era absolutamente necessário.

Freqüentemente, argumentos são feitos hoje de que não precisamos mais do latim porque ele não é mais “útil”. No entanto, quanto é a perda do latim e nosso conhecimento desta grande linguagem ligada à perda de cultura e senso de história, para estudos clássicos adequados, para a realização dos objetivos tradicionais, clássicos na educação católica? Pe. Camille de Rochemonteix, um renomado historiador jesuíta, resume:

Então o latim foi celebrado em homenagem. Eles não tentaram formar matemáticos ou médicos, artistas ou agrônomos ou especialistas; antes, orgulhavam-se de saber, escrever e falar latim porque esse conhecimento era indispensável para o estudo da filosofia, a coroa de uma educação clássica; porque era o idioma da Igreja e da ciência; porque era a linguagem do passado em religião, literatura, filosofia e teologia; e porque ninguém pensava que uma educação pudesse ser liberal sem o latim.

Devemos lembrar o objetivo próximo dos jesuítas – tentar transmitir a cultura, fazendo um homem eloqüente ser um receptáculo apto e capaz da graça de Deus. O melhor e mais adequado meio de obter eloqüência na fala, na escrita – cultura – foi, para a mente jesuíta, a compreensão do latim – e quão grande foi o sucesso deles! Eles sinceramente e sem reservas acreditavam nisso, até os últimos tempos. Os jesuítas não negaram o título de “escolas latinas”. Foi o núcleo do currículo. Nove décimos de tudo foi ensinado em latim. Havia algumas escolas em que você não podia falar no vernáculo, mesmo fora da sala de aula. A língua da escola era latina. Eles acreditavam que o latim era o principal veículo e instrumento na formação da mente, e a chave para abrir a porta para a santa Madre Igreja e para a cultura clássica. Eles acreditavam que você não poderia se tornar um homem culto, obter os verdadeiros estudos clássicos e penetrar na mente verdadeira da Igreja, a menos que você realmente soubesse latim e fosse capaz de falar e escrever fluentemente. Este não era um objetivo impossível; Foi feito. Como eles frequentemente diziam, “o grego era para o estudante talentoso, o latim para todos!”

A Ratio Studiorum diz que o propósito do latim era ensinar cultura. Desejava que o latim fosse ensinado porque, sem ele, ninguém pode alcançar essa bela apreciação e se deliciar com as coisas belas, nem se sentir confortável e em casa com elas, o que é a marca da mente culta. A Ratio desejava que o aluno se tornasse um mestre de sua expressão e seu apreço: encontrar sua leitura em livros latinos, expressar seus pensamentos em latim, conversar, planejar, argumentar, sonhar, rezar, viver em latim. O treinamento da mente, formação adequada, foi um subproduto do ensino latino (The Jesuits and Education, pp. 163, 164).

O ensino, a aprendizagem e a compreensão do latim tiveram uma importância singular e o sucesso de suas escolas estava inextricavelmente ligado a ele.

É interessante e importante observar a maneira pela qual eles ensinaram a linguagem sagrada. Vamos dar a palavra ao pe. McGucken:

O objetivo do ensino latino, implicitamente contido na Ratio, era, como se viu, eloquentia – isto é, a capacidade de falar e escrever latim… Os meios adotados para fomentar a eloquência eram o método direto do ensino latino.

O “método direto” consiste em evitar, na medida do possível, o uso do vernáculo como o meio pelo qual o latim é aprendido. Muitas vezes, o método direto é referido como o método natural de aprendizagem de línguas. Temos muita sorte hoje em ter a série Lingua Latina Per Se Illustrata de Hans Orberg. Estas palavras tiradas das cartas de Woodstock (1893) de várias correspondências entre os educadores jesuítas americanos são apropriadas:

Não pode haver dúvidas sobre a possibilidade de os meninos americanos falarem latim; é algo que já foi feito antes, e agora está sendo feito em algumas de nossas faculdades, pelo menos em algumas classes. Alguns de nossos professores, não muitos, objetam que o latim é de fato um bom treinamento para a mente, mas não precisa ser falado. Não é necessário ter muita familiaridade com o ensino para saber que nosso curso de instrução é impossível nas classes mais altas, completamente impossível, se o latim não foi ensinado aos meninos anteriormente como uma língua viva… A inovação de ensinar latim através do o vernáculo foi introduzido pelos portistas realistas.

O método jesuíta tradicional de ensinar latim era, pelo menos até muito recentemente, o método direto. Como pe. McGucken observa:

A tradição do método direto morreu muito lentamente nas escolas americanas. Mesmo em 1910, o Calendário do Comitê de Estudos da Província de Maryland e Nova York recomendava enfaticamente que a conversação em latim fosse “mais cuidadosamente atendida em nossas classes mais baixas, como se observou que uma tendência negligencia cada vez mais a prática tradicional da Sociedade (pp.199.200).

O estudo da linguagem por meio de traduções idiomáticas e ativas não foi imposto. Tal processo era quase desconhecido nas escolas jesuítas antes da supressão da Sociedade. Foi no máximo tolerado na Sociedade. Pode-se dizer que é um grande obstáculo ao domínio total da língua. Isso porque, por esse método, você está aprendendo a traduzir; você não está realmente aprendendo latim.

Segundo os jesuítas, o latim era para todos e necessário para a formação normal. O grego era para o aluno talentoso. Todos falavam e escreviam latim. Com o “método de tradução”, somente os melhores, os mais brilhantes e os mais motivados ficam bons o suficiente para traduzir o latim para começar a lê-lo. O método direto tenta fazer com que todos leiam. Nem todos serão fluentes, mas a maioria dos meninos pode obter certa proficiência em latim. Claro, isso pressupõe que o professor vá trabalhar primeiro e ser muito bom no próprio latim, a fim de obter esse conhecimento – “Você não pode dar o que você não tem”. Esse método evita a situação em que quase todo mundo odeia o latim porque somente os mais talentosos fazem a transição. Para os jesuítas, o latim é o veículo para formar um homem culto, os vir eloquens; e o caminho a percorrer é o “método direto”.

Princípios na sala de aula

Os jesuítas chamam sua metodologia de ensino de “fórmula de domínio”. Ele contém dois passos. A primeira é a auto-atividade – ut excitetur ingenium – em outras palavras, levando o aluno a pensar. Por parte do aluno, a participação ativa na sala de aula é fundamental. Os professores não estão lá apenas para informar, para dar grandes discursos e sermões. Eles estão lá para fazê-los pensar e ajudá-los a aprender – para formar essas almas – e isso significa fazê-las por conta própria. Isso é educação. É como a mãe ajudando seu filhinho a dar seus primeiros passos: você o guia, e sua esperança é que a criança ande sozinha. A mesma verdade é ilustrada por um pai ensinando seu filho a andar de bicicleta: as rodas de treinamento se soltam, o pai corre ao lado e, quando a criança não está olhando, ele tira a mão. A criança pode cair, mas levanta-se…. O domínio do assunto e as aulas bem preparadas são fundamentais nesta área, mas isso torna as aulas interessantes. A melhor maneira de matar tudo é estar lá em cima aborrecendo a aula com recitação monótona ou lições despreparadas e sem imaginação. Nós todos sabemos o que isso faz para nós; Todos nós já tivemos esses professores no passado. É por isso que o ensino é frequentemente chamado de “arte do interessante”.

Em meio a essa atmosfera intelectual estimulante, o segundo passo da fórmula entra em ação, que é o domínio do assunto progressivamente difícil – alcançando o equilíbrio necessário entre compreensão e progressão. Muito de acordo com o senso comum, esta é a metodologia pela qual os professores jesuítas procedem: crianças imbuídas de um verdadeiro desejo de aprender lidando com materiais cada vez mais desafiadores. Isso leva à formação de hábitos não apenas intelectuais, mas também morais. Uma exposição completa é encontrada nos livros jesuítas sobre educação. Aqueles que ensinam acharão que vale a pena ir a esses livros e ver como os jesuítas os expõem. Sem poder abordá-las completamente aqui, deixe-me pelo menos enumerar os componentes importantes para o seu ensino: pré-eleitoral (a preparação adequada antes dos estudos); repetição; trabalho de memória; emulação ou competição – eles estavam sempre promovendo uma competição saudável nos vários domínios. Pe. McGucken em The Jesuits and Education detalha estes.

Atividades extracurriculares

Estudos complementares são atividades extracurriculares. Coisas como peças de teatro eram muito importantes no sistema jesuíta. Tal atividade coloca a coisa na vida real. Tendo já coberto o trabalho na aula de literatura, os estudantes agora deveriam produzir a peça. Com as próprias mãos, a coisa ganha vida; eles agem, vêem seus amigos agirem; eles são parte disso. O interesse que isso gera é incrível. Enquanto a peça está acontecendo, os garotos que não estão em uma cena correm para a parte de trás da tenda para assistir a ação. É algo bonito; é a educação que vem à vida, complementando maravilhosamente a experiência em sala de aula. Os jesuítas eram muito para isso, com departamentos teatrais muitas vezes muito elaborados.

A educação física também tem um papel importante no desenvolvimento de nossa juventude. Isso vem do padre. O livro de Schwickerath, Jesuit Education: Its History and Principles, no qual ele escreve sobre a cultura física e a educação física do aluno:

A cultura física é uma das características mais importantes de um bom sistema de educação: mens sana in corpore sano. Atletismo, esportes ao ar livre e ginástica fazem muito pela saúde física dos alunos. Além disso, exige e, consequentemente, ajuda a desenvolver rapidez de apreensão, firmeza e frescor, autoconfiança, autocontrole, prontidão para subordinar os impulsos individuais a um comando. Isso tudo é valioso para a educação (p. 570).

Em nossos tempos loucos por esportes, devemos permanecer equilibrados, não nos alternando nem para um extremo nem para o outro. A educação física tem claramente seu lugar na educação, mas deve desempenhar seu papel adequado na hierarquia. Como sempre, a virtude está no meio.

Conhecimento Pessoal e Disciplina

Para citar o livro Teacher and Teaching do Pe. Richard Tierney:

Os professores estão mais preocupados com a formação da alma, não apenas com o intelecto, a formação do caráter. Manter relacionamentos próximos é um meio de inspirar os alunos, de formar altos ideais, de ensinar por meio do exemplo, tanto nas ordens espirituais como nas intelectuais… Que parte o professor deve desempenhar na formação do caráter do aluno? Em geral, ele deve inculcar princípios e fomentar a formação do hábito. Isso requer atividade constante e conhecimento elaborado, mas definido. Mero conhecimento de certas fraquezas comuns da natureza humana não é suficiente. Cada menino em particular deve ser conhecido intimamente e treinado individualmente. Caso contrário, há muito espancamento inútil do ar (p. 106).

Este é um resumo de sua abordagem. Precisamos conhecer nossos alunos com conhecimentos mais que superficiais. Um internato é uma bênção para esse fim porque existe a oportunidade de conhecer os alunos em várias circunstâncias, antecipar suas reações, lidar com as várias personalidades e ajudá-los a adquirir a virtude. É mais difícil em um dia escolar, certamente. Você não terá as mesmas oportunidades, mas teremos que nos esforçar para organizá-las. Isso significa organizar atividades extracurriculares, atividades fora da escola; significa organizar as coisas para conhecê-las. Se você não conhece alguém, você não pode afetá-lo ou direcioná-lo adequadamente para uma meta, que é, para nós, encorajar no estudante um grande amor de nosso Senhor Jesus Cristo, como o Papa Pio XI disse, “verdadeiros e perfeitos cristãos”. Nossos alunos são os “livros” que devemos estudar. Se apenas tivermos um conhecimento superficial deles, se não soubermos com quem estamos lidando, estaremos “batendo no ar”.

Para discipliná-los, a supervisão deve ser constante e criteriosa. Pe. Tierney prossegue por três páginas sobre “espionagem”, como isso é humilhante para o cargo de professor e, em última instância, contraproducente. Um exemplo de sua supervisão zelosa, prudente e caritativa era que os escolásticos e mestres eram obrigados a participar de recreação com seus alunos. Se você é fisicamente capaz de fazer isso, então faça: são os jesuítas. A razão subjacente é clara: isso é recreação, tempo livre, não o tempo de aula obrigatório, portanto, uma influência maior pode ser exercida.

A punição corporal foi seriamente desencorajada. A vontade precisa ser vencida e a punição corporal dificulta isso. Eles não disseram que jogaram tudo fora, mas como diriam os educadores católicos, seria uma raridade. Sucessivas gerações de sistemas de educação católica eram apenas os herdeiros da grande sabedoria dos tempos. A chave, o elo perene, é caridade de Cristo – amor em vez de medo.

O segredo da ascendência magisterial, como Inácio de Loyola projetava, deveria ser encontrado na realização intelectual do mestre ou professor, que naturalmente impressionava as mentes jovens; e também em uma afeição paterna, que conquistou corações jovens. Será que algo mais parece necessário à plena ideia de autoridade (Pe. Thomas Hughes, S.J., Loyola e o Sistema Educacional dos Jesuítas, pp. 107, 108)?

Do livro The Jesuits and Education do pe. McGucken, lemos:

Em suma, a disciplina no colégio jesuíta do século XVII era amena. Houve, em nítido contraste com a prática vigente do dia, muito pouco castigo corporal. Os jesuítas acreditavam que a prevenção da desordem era melhor do que os remédios pós-factuais e, em geral, tentavam conquistar seus alunos pelo amor e não pelo medo.

Ao longo de sua história, foi assim que os jesuítas motivaram seus alunos.

Nós não somos jesuítas, nem salesianos, nem dominicanos, etc., mas temos a oportunidade de usar o que se mostrou mais eficaz nas abordagens das ordens da Igreja Católica que se tornaram conhecidas pela educação. Porque herdamos a nobre tarefa da educação, temos o dever de aplicar os princípios perenes da educação. Devemos continuar nos dedicando ao estudo da educação: sua história, métodos, a formação adequada do caráter … Este é nosso dever, nossa glória, nosso próprio caminho para o céu. Confie aos nossos cuidados os futuros cidadãos do reino eterno. E não devemos poupar despesas, nem trabalho, nem esforço ou energia, para colaborar com o Senhor da vinha e realizar plenamente esta colheita celestial!

Tradução e adaptação por um congregado mariano
de The Jesuit Model of Education, Pe. Michael McMahon

Texto retirado do site: Link

Texto original em inglês: Link


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