Imperador Justiniano I e seu séquito de funcionários, guardas e clero, c. 547 AD |
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Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion, Campinas em 2017). Este texto é a continuação desse texto aqui: O Cristianismo e a Educação Clássica - parte 1.
O SURGIMENTO DAS ESCOLAS CRISTÃS DE TIPO MEDIEVAL
Desde o século IV, vemos, todavia, aparecer um tipo de escola cristã, inteiramente orientada para a vida religiosa e que nada mais tem de antiga; esta escola, porém, de inspiração já totalmente medieval, permanece por longo tempo propriedade de um meio particular e pouco se irradia exteriormente. Trata-se da escola monástica.
A ESCOLA MONÁSTICA NO ORIENTE
Muito cedo, parece [1], os Padres do deserto do Egito acolheram consigo adolescentes ou mesmo crianças pequenas. Excepcionais, sem dúvida, no início, estas precoces vocações multiplicaram-se em seguida: as grandes comunidades organizadas por São Pacômio compreendiam, normalmente, numerosas crianças [2].
Uma vez que as recebiam, os monges eram sem dúvida obrigados a arcar com a educação delas: a criança, como todo noviço, é confiada a algum venerável ancião, cheio de experiência e de virtude, que lhe servirá de pai espiritual, APA (forma copta de “abade”, isto é, Pai) (1). Receberá dele, especificamente, uma formação ascética e moral, espiritual antes que intelectual. Recorde-se que Santo Antônio, o grande iniciador da vida monástica, era um camponês copta iletrado [3] e que dispensava perfeitamente livros, como soube mostrar aos filósofos que tinham vindo argumentar contra ele [4]. Eis aí um traço fundamental, que permanecerá sempre característico do monarquismo oriental: ali, no deserto, cogita-se menos de estudar que de esquecer os poetas e a ciência profana, supondo que se tenha, no século, frequentado as escolas [5]. O monaquismo restaurou, na tradição cristã, o “primado dos simples [6]”, opondo-se ao orgulho intelectual que a cultura antiga transportava e que, como bem mostra o exemplo dos gnósticos e dos alexandrinos, no século III ameaçava sufocar a simplicidade evangélica.
Mas, também nisto, o caráter “douto”, letrado, da religião cristã afirmou-se muito naturalmente. O monge, noite e dia, medita a lei divina, a Palavra de Deus — as Sagradas Escrituras. Acha-se normal, no Oriente, que êle as conheça de cor. Mas o meio mais seguro de assimilá-las assim é, evidentemente, antes de tudo, lê-las. É por isto que, por volta de 320-340, prescreve a Regra de São Pacômio que, se um ignorante entra no mosteiro, dar-se-lhe-ão, de início, vinte salmos e duas epístolas para aprender. Se não sabe ler, aprenderá, com um monge letrado, à razão de três horas de aula por dia, as letras, as sílabas, os nomes... Etiam nolens legere compelletur! Em princípio, todos, no mosteiro, devem saber ler e aprender de cor pelo menos o Saltério e o Novo Testamento [7].
A Regra de São Basílio, por sua vez, admite crianças, desde seus primeiros anos, apresentadas por seus pais; quer também que, sob a direção de um santo ancião, sejam iniciadas nas letras, com vistas ao estudo da Bíblia. Em uma palavra, São Basílio esboça uma notabilíssima pedagogia: lembramo-nos de que, uma vez assimilado o silabário, a criança aprendia a ler nomes isolados, depois máximas e em seguida pequenas anedotas: ao repertório mitológico da escola grega, a Regra substitui nomes de personagens bíblicos, versículos dos Provérbios e das histórias santas [8].
É, em suma, o mesmo programa e o mesmo método que São Jerônimo, por sua vez, desenvolve no programa de educação cristã por ele redigido, por volta de 400-402, para a pequena Paula, neta, filha e sobrinha dos seus caros discípulos romanos [9], e, em 413, para outra menina, Pacátula [10]. Nos dois casos, trata-se de futuras freiras, consagradas desde seu nascimento ao serviço de Cristo [11]: Paula será educada não em Roma, mas em Belém, no convento cuja superiora é sua tia Eustáquia e cujo diretor espiritual é o próprio São Jerônimo, Educação completamente ascética [12], da qual estão rigorosamente excluídas as letras [13] e as artes [14] profanas; está assentada na Santa Escritura, que deve ser aprendida inteiramente, segundo uma ordem sistemática [15]; fora dela, quase nada se estuda além dos Padres — Cipriano, Atanásio, Hilário [16] — e ela fornecerá, como em São Basílio, inclusive os elementos dos primeiros exercícios: as listas de nomes em que a criança aprende a ler serão, por exemplo, tiradas das genealogias evangélicas de Cristo [17].
Que tal método foi, de fato, praticado pela pedagogia monástica, mostram-no ostraka egípcias, notáveis por sua data tardia (séculos VII-VIII): aí encontramos listas de palavras em que figuram termos cristãos [18], por exemplo, toda a série de nomes próprios que se lê na narração do Pentecostes no livro dos Atos [19], fragmentos de salmos servindo de tema para exercícios de escrita [20], às vezes, o que é muito mais curioso, um ensaio de “narração” sobre um assunto legendário, “contar o milagre de Cristo e da vinha [21]” [*].
SUA DÉBIL IRRADIAÇÃO
Trata-se, porém, da educação ministrada aos jovens monges. Pensou-se por vezes em fazê-la beneficiar outras crianças. São Basílio, em outra de suas Regras, propõe-se à questão e permite, não sem alguma reticencia, entreabrir a porta do convento às “crianças do século” (παῖδες βιωτικοί) cujos pais lhas quisessem confiar [22]. Por volta de 375, São João Crisóstomo, então em pleno fervor de sua vida ascética, tentou persuadir os pais cristãos a confiar a educação de seus filhos, a partir dos dez anos de idade, aos monges dos “desertos” vizinhos de Antioquia, longe do século e dos seus perigos [23].
Mas nada disso teve grande repercussão. Vê-se, claramente, que o apelo de Crisóstomo é de uma alma exaltada, inteiramente voltada para a perfeição e convencida de que todos são tão sensíveis quanto ele. Nada menos prático que isso que ele imagina: os rapazes permanecerão dez anos, vinte anos, caso necessário, no mosteiro para consolidar-se na virtude [24]; mas qual se torna então sua carreira no século? Ele tem muito cuidado, sem dúvida, em esclarecer que não deseja que estas crianças fiquem sem instrução [25], mas nada indica que houvesse meios para que se lhas outorgasse no deserto [26]. Se ele nos mostra, uma vez, um monge servindo de preceptor a um rapaz iniciado nos estudos profanos [27], este é, segundo ele mesmo diz, um caso absolutamente excepcional: é até pelo fato de não se poder generalizá-lo que ele propõe a solução de uma permanência no deserto.
Pode-se suspeitar de que esta solução jamais prevaleceu: vinte anos mais tarde, o próprio São João Crisóstomo, mais esclarecido e instruído pela experiência, espontaneamente a ela renunciou de maneira expressa [28]. Se ele insiste, mais que nunca, sobre o dever que têm os pais de educar cristãmente seus filhos, é que a eles compete a missão, da qual ele estava tão disposto outrora a dispensá-los, confiando-a aos monges, de assegurar a formação da consciência cristã: como se viu, é no seio da família que a criança receberá esta educação religiosa, prosseguindo embora, por outro lado, os estudos literários nas escolas profanas [29].
Quanto a São Jerônimo, longe de pensar em generalizar o plano de educação imaginado para Paula (esta, com efeito, parece haver correspondido muito mal às esperanças do seu mestre [30]), não parece tampouco que ele: mesmo o tenha aplicado de maneira sistemática: como sabemos, dirigia ele a educação de certo número de jovens latinos que lhe haviam sido confiados no seu mosteiro de Belém, mas o ensino que lhes ministrava seguia os programas clássicos: a gramática, Virgílio, os poetas cômicos e líricos, os historiadores... [31] (2).
São Basílio, como vimos, não manifestava grande entusiasmo em admitir no claustro crianças cuja vocação religiosa não fosse certa; à medida que se avança, mais os meios monásticos mostram desconfiança contra esta intrusão, que só pode comprometer a paz e o recolhimento, e afinal, em 451, o Concílio de Calcedônia interditou formalmente a educação, nos conventos, de crianças destinadas a voltar ao século, παῖδες κοσμικοί [32]. Essa interdição será sempre mantida: a escola monástica, em país grego, é, se podemos dizê-lo, para uso interno.
Tocamos aí um dos traços mais característicos do monaquismo oriental: imerso num meio cultural que permanece quase sempre no mesmo nível, o convento não se vê obrigado a assumir na sociedade um papel para o qual não foi concebido; preocupa-se mais com permanecer um ascetério do que com tornar-se um centro de estudos; antes de difundir-se pelo mundo, procura isolar-se dele.
A ESCOLA MONÁSTICA NO OCIDENTE
No Ocidente as invasões germânicas e o declínio geral da cultura acarretaram, com o tempo, uma situação completamente diferente.
No início, as coisas se apresentam como no Oriente; exceto um matiz, que interessa assinalar. O monaquismo latino é uma importação relativamente tardia, um empréstimo, tomado a um organismo já bem desenvolvido. O cenobitismo e as letras são de rigor. Não encontramos aí, como no Oriente, a lembrança, como que nostálgica, dos heróis da primeira geração, os anacoretas sem cultura, em que o exemplo de Santo Antônio tem mais peso que as prescrições da regra de São Pacômio: de fato, não se achará nunca surpreendente, no Oriente, que um santo monge seja iletrado (3).
Nada disso no Ocidente: a lectio divina, a leitura dos Livros santos e antes de tudo do ofício, parece inseparável do pleno exercício da vida monástica. Este caráter letrado é bem manifesto nas origens: Santo Agostinho, que introduziu o monaquismo na África, dera à sua primeira comunidade, que, ainda leiga, ele agrupara em torno de si em Tagasta, o caráter de um mosteiro erudito (4); sua Regra prevê, como normal, a existência de uma biblioteca 33; em Marmoutier, os monges de São Martinho, o iniciador do monaquismo na Gália, copiam manuscritos [34]. Uma espécie de reflexo imediato liga o estado de monge ao estudo das letras: coloquemo-nos num contexto completamente estranho à cultura clássica e vejamos São Patrício evangelizar a Irlanda; cada vez que ele escolhe, ou que lhe trazem um jovem para fazer dele um monge, o reflexo aparece: “Ele o batiza e lhe dá um alfabeto [35]”.
Quando no século VI as trevas da barbárie se estendem, quando a cultura esmorece no Ocidente e ameaça desaparecer, vemos os legisladores do monaquismo redobrar em insistência, proclamar a necessidade, para todo monge, para toda freira, de saber ler, de entregar-se à leitura sagrada. Famosa entre todas as regras para mulheres, eis a Regra de São Cesário de Arles (534): só serão recebidas crianças a partir da idade (seis ou sete anos) em que sejam capazes de aprender as letras [36]; todas as religiosas deverão aprender a ler, omnes litteras discant [37]; consagrarão duas horas diariamente à leitura [38]; copiarão manuscritos [39].
O mesmo interesse quanto à lectio divina num grande número de outras regras: não apenas em Santa Radegunda, que adotara pura e simplesmente a de Cesário [40], mas em São Leandro de Sevilha († 601)[41], São Donato de Besançon († 650) [42]. Se o estudo das letras é tão recomendado entre as mulheres (entre elas, como podemos supor, a cultura estava menos difundida), ela o é, a fortiori, tanto quanto para os monges [43]: a Regra de Tarnat (por volta de 570) não dispensa da lectio nem mesmo aquele que está atreito ao trabalho dos campos [44]; a de Santo Ferreol de Uzia († 581) também prevê o estudo das letras [45] e a leitura meditada [46]; do mesmo modo (mas qual é sua data?) a Regula Magistri [47]. O movimento culmina, sem dúvida, com a Regra de São Bento (por volta de 525), cuja autoridade se tornará, como se sabe, soberana no Ocidente: regulamenta por longo tempo a leitura sagrada [48], prevê a admissão de crianças pequenas no mosteiro [49] e sua educação [50]; livros, tabuletas e estilos aí aparecem mui naturalmente como parte do mobiliário, e quase da decoração da vida monástica [51]: mesmo nos dias mais sombrios o mosteiro ocidental permaneceu como um foco de cultura.
A ESCOLA EPISCOPAL
O infortúnio dos tempos fez aparecer um segundo tipo de escola cristã: a escola episcopal (não é muito diferente, pelo menos na origem, do precedente: sabe-se que muitos entre os grandes bispos do Ocidente, monges por formação e por ideal, organizaram em torno ou junto à sede de seu episcopado comunidades monásticas: lembremo-nos de Santo Eusébio em Verceil, Santo Agostinho em Hipona, São Martinho de Tours em Marmoutier...).
Sempre houve, agrupado em torno do bispo, todo um corpo eclesiástico: compreendia em particular o grupo dos jovens que, investidos das funções de leitores, se iniciavam na vida clerical (5). Neste meio normalmente se recrutavam e se formavam os diáconos, os padres e os futuros sucessores do bispo: como indiquei de passagem no capítulo anterior, por esta formação, de caráter absolutamente prático e familiar, os membros do clero recebiam, na falta de seminários e de escolas de teologia, sua instrução dogmática, litúrgica e canônica. Quanto ao mínimo de cultura profana, e, se posso dizê-lo, humanista que supunha este ensino, era assegurado pelas escolas do tipo habitual, como o vimos na anedota relativa à juventude de Santo Atanásio [52].
Tudo muda, no Ocidente, quando, com o conjunto da estrutura política e social da romanidade, desaparece o sistema escolar clássico. Quanto mais se acentua a decadência, mais difícil se torna encontrar jovens que hajam recebido esse minimo de cultura literária sem o qual a formação clerical e o exercício do ministério eclesiástico são impossíveis. Por esta razão, vemos, por exemplo na França, nos tempos merovíngios, os bispos ocupando-se pessoalmente da instrução elementar de certas crianças (6).
O testemunho de Gregório de Tours (nascido em 538) a esse respeito é bem significativo: ele não recebeu senão a educação, absolutamente clerical, que lhe deu seu tio (-avô) São Nizier, bispo de Lyon, o qual, instruído “nas letras eclesiásticas”, se empenhara em assegurar a instrução das crianças de sua família: o jovem Gregório, acolhido por ele desde a idade de sete anos, foi introduzido no estudo das letras e, em seguida, nos dos salmos [53].
A premente necessidade de promover a formação do clero, ameaçada pela crescente barbárie, determinou a generalização deste tipo de educação: sem dúvida, podia-se recorrer, dentro de certa medida, ao meio monástico; é assim que Lérins foi como que um alfofre de bispos para todo o sudoeste da Gália nos séculos V e VI; do mesmo modo, Marmoutier para a Gália central [54]. Para citar um exemplo menos conhecido, tomarei o de outro tio de Gregório de Tours, São Galo, que, conduzido criança por seu pai ao mosteiro de Cournan (perto de Clermont-Ferrand), e, uma vez tonsurado, introduzido pelos monges no estudo das letras e do canto sagrado, sua bela voz foi notada, ocasionalmente, pelo bispo, que o ligou a seu clero, e a quem mais tarde éle sucederia [55].
Mas isto era apenas um recurso excepcional: para assegurar o recrutamento normal do seu clero, tornou-se realmente necessário que os próprios bispos tomassem a responsabilidade não apenas de sua formação técnica, mas também de sua instrução literária elementar: foi assim que nasceu e se generalizou a escola episcopal, semente de nossas futuras Universidades medievais.
Estamos ainda em um estágio bastante incipiente: trata-se de conseguir ensiná-los a ler. São Cesário é uma preciosa testemunha desse alteamento: muito atento à formação do seu clero, com o qual vive, por assim dizer, em comunidade, edificando-o com seu exemplo e suas palavras, empenha-se em que todos os seus clérigos tenham uma cultura suficiente: só ordena diácono aquele que tiver lido quatro vezes o conjunto do Antigo e do Novo Testamento [56].
É, pois, antes sob o aspecto de simples escola de canto litúrgico e profano que se deve imaginar esta escola episcopal do século VI, esta “turma”, schola, de jovens leitores sob a direção de seu primicerius, como em Mouzon, no tempo de São Remígio († 533) [57], como em Lyon em 551-552 [58], ou sob a férula de seu magister como já em Cartago, por volta de 480 [59]
O sistema difunde-se, de fato, por toda parte aonde se estende a barbárie: encontramo-lo igualmente na Espanha visigótica, onde o segundo Concílio de Toledo (527) prescreve que as crianças destinadas ao clero deverão, a partir do momento em que sejam tonsuradas, ser instruídas na “casa: da igreja”, sob a vigilância direta do bispo [60]. Regra reeditada um século mais tarde pelo IV Concilio de Toledo (633) [61]. Sabemos que ela foi aplicada: as Vitas dos bispos de Mérida no século VII mostram-nos crianças, no serviço da basílica de Santa Eulália, estudando as letras sob a direção de um mestre [62], enquanto um bispo forma seu futuro sucessor ensinando-lhe officium eclesiasticum omnemque bibliothecam scripturarum divinarum [63].
A ESCOLA PRESBITERIAL
No século VI, enfim, acaba-se de organizar ou de reconstituir, após a tormenta das invasões, a rede das paróquias rurais (7). O sucesso da evangelização das massas fez surgir a estrutura estritamente urbana da antiga Igreja, agrupada em torno da sede episcopal. Mas o número de padres é bruscamente multiplicado: como, neste contexto bárbaro, assegurar a formação do clero rural?
A solução consistiu em generalizar o sistema já em vigor na escola episcopal: em 529, o II Concílio de Vaison, sem dúvida por iniciativa de São Cesário, prescreveu “a todos os padres encarregados da paróquia receber em suas casas jovens na qualidade de leitores, a fim de educá-los cristamente, de ensinar-lhes os salmos e as lições da Escritura, e toda a lei do Senhor, de maneira a poderem preparar para si, entre eles, dignos sucessores [64]”.
É um acontecimento memorável esta decisão: trata-se do ato de fundação de nossa escola moderna, desta escola rural, popular, que a própria Antiguidade não conhecera sob esta forma regular, sistematicamente generalizada.
À iniciativa do Concilio de Vaison não é isolada: invoca, como precedente, “o costume, parece, já normalmente em uso em toda a Itália”; a Espanha visigótica a seguirá, com um século de atraso, no Concílio de Mérida em 666 [65]. Na própria Gália, temos prova de que foi seguida de fato [**]: vemos, na vida do futuro Santo Géry de Cambrai († 623-626), um bispo em visita pastoral preocupar-se em saber se em determinada cidade há crianças que estejam sendo preparadas para o sacedócio [66]. Mui naturalmente, o ermitão São Pátroclo († 576), que acaba de instalar-se no vicus de Néris (perto de Montluçon, Allier), aí construiu uma capela, que consagra após haver trazido para ela relíquias de São Martinho, e põe-se a ensinar as letras às crianças, pueros erudire coepit in studiis litterarum [67]: as duas funções, de cura da cidade e de instrutor, estão, doravante, unidas.
O INÍCIO DAS ESCOLAS MEDIEVAIS
Acabamos assim de ver todas as instituições que servirão de ponto de partida para o desenvolvimento do sistema da educação medieval. Nos séculos VI-VII, a que chegamos, este sistema está apenas esboçado: sejam monásticas, sejam seculares, estas escolas têm ainda um horizonte muito limitado: são, se posso dizer, escolas técnicas, que pretendem formar somente monges e clérigos.
Entretanto, por fôrça das circunstâncias, a partir do momento em que as escolas profanas, herdadas da Antiguidade, acabaram de desaparecer, essas escolas religiosas tornam-se o único instrumento através do qual se adquire e transmite a cultura. Todos os seus beneficiários são, em princípio, pessoas da Igreja: mas não é um traço característico de nossa idade média latina que a ciência seja, antes de tudo, mister do clericato? E, entretanto, já desde o século VI sua clientela começa a ampliar-se.
Os monastérios, pelo menos no continente, buscam, sem dúvida, como os do Oriente, defender-se contra a invasão de elementos mundanos: o cânone de Calcedônia encontra seu equivalente na Regra de São Cesário, que recusa rigorosamente, penitus non accipiantur, o acesso dos conventos às meninas nobres ou humildes, que pretendesse introduzir ali para receber educação e instrução [68]. Lendo-se a Regra beneditina, percebe-se que as crianças a que alude são necessariamente jovens oblatos. De fato, as crianças que vemos serem educadas no claustro são todas destinadas a tornar-se monges, quer se trate dos filhos de Santo Euchério, Salônia e Véran, que vemos acolhidos, muito jovens, em Lérins, quando seu pai aí vem fazer carreira (por volta de 420) [69], ou de jovens discípulos de São Bento, como Mauro e Plácido, cujos pais lhos enviam a fim de que ele os eduque para o serviço de Deus [70]. Entretanto, na Irlanda pelo menos (onde, podemos supô-lo, uma velha tradição druídica abrira caminho, desde o paganismo) (8), vemos já filhes de reis ou de chefes normalmente confiados a um mosteiro, ao tempo de sua educação: aí conservam seu estatuto laico e, concluída sua formação, voltam ao mundo e retomam a posição a que pelo nascimento se destinavam [71].
Mas quando a criação das escolas presbiteriais ofereceu a todos a possibilidade de instruirem-se, apareceram alunos que nem sempre tinham consciência de uma vocação eclesiástica [72]; simples meninos camponeses aproveitaram-se disso [73], mas, em número bem maior, filhos de nobres, pois entre os grandes permanecia o costume (as Vidas de São Seine [74] ou de São Leger [75] afirmam-nos em termos próprios) de mandar ensinar as letras a seus filhos: sobrevivência da época romana, quando a cultura era um dos elementos do prestígio da classe dominante; exigências práticas também: por mais baixo que houvesse caído o nível técnico da administração, subsistia ainda algum elemento de burocracia na monarquia merovíngia, e é em tais escolas; e não alhures (9), que se puderam formar -os servidores leigos empregados pelos reis.
O nível deste ensino continua, no mais das vezes, tem modesto: é realmente um ensino técnico, que visa a satisfazer necessidades imediatas: ler, escrever, conhecer a Bíblia, se possível de cor, ou pelo menos os Salmos [76], um mínimo de erudição doutrinal, canônica [77] e litúrgica: nada mais. A cultura ocidental atinge sua estiagem.
Seria um anacronismo projetar sobre estas primeiras escolas religiosas dos séculos V, VI e VII as ricas aspirações humanistas que alimentarão a Renascença carolíngia ou a do século XII (10). Longe de tirar todo o partido possível dos parcos conhecimentos que lhes são ainda acessíveis, os mestres destas Idades Obscuras buscam afastar seus discípulos de uma cultura demasiado aquiescente à tradição profana. O monaquismo ocidental desenvolve-se ainda na mesma atmosfera de ascetismo cultural do monaquismo do Oriente: o monge deve subtrair-se ao mundo, sua vaidade, suas riquezas — entre as quais se acha a cultura. Invocarei, mais uma vez, O precioso testemunho de São Cesário: egresso, por motivos de saúde, do claustro de Lérins, encontra em Arles o sábio africano Juliano Pomério e começa, sob sua direção, a estudar a gramática e a filosofia; mas, bem depressa, separa-se dele, interrompe esses estudos profanos para permanecer fiel à “simplicidade monástica?”. E, no entanto, Pomério não era um mestre de inspiração tão profana, como podemos constatar lendo seu De Vita contemplativa! A atmosfera é a mesma nas escolas episcopais: quando um bispo se atreve a dar demasiada atenção ao ensino da gramática, provoca escândalo e é duramente chamado à ordem, como São Gregório o Grande o fez ver a Didier de Viena [79] (11).
E este obscurantismo é também uma conseqüência do desmoronamento geral da cultura no Ocidente: a decadência não é causada apenas pela ignorância e pelo esquecimento, mas também pela degenerescência interna. A atitude de um Cesário ou de um Gregório só se compreende inteiramente quando se a confronta com a imagem real que, no quadro do tempo deles, eles pediam fazer-se desta cultura profana, que repudiam com tanto horror. Não são os valores eternos do humanismo que eles recusam, mas sim os jogos, de uma puerilidade aberrante, em que se comprazem os últimos letrados de seu tempo: reenvio o leitor à estranha obra de Virgílio, o Gramático (12), a suas pedantes mistificações, em que uma pretensa aspiração à ciência superior leva apenas ao logogrifo:
Cicero dicit RRR-SS-PP-MM-N-T-EE-OO-A-V-I, quod
sic solvendum est: Spes Romanorum periit... [80]
Sim, a escola cristã ainda não passa de uma semente, apenas entreaberta; uma semente entretanto, e não um simples resíduo. Esta pedagogia, ainda balbuciante, é, contudo, muito original por seu espírito e seus métodos: abre caminho a um novo tipo: de educação, que não poderia ser assimilado ao da Antiguidade clássica.
O ensino começa sempre, evidentemente, pelo alfabeto [81], mas, enquanto o escolar antigo aprendia lentamente, segundo a gradação sabiamente arranjada de uma análise abstrata, todos os elementos sucessivos da leitura, aqui, muito cedo, a criança é posta diretamente em contato com um texto, o Texto — sagrado. O mestre toma uma tabuleta e nela escreve o texto que vai servir de tema à lição: mais frequentemente, inicia com um Salmo [82], porque dominar o saltério, base do ofício, é o primeiro objetivo do ensino. A criança aprende este texto de cor, enquanto o diz: eis aí como que um grosseiro equivalente do nosso método global [83]; pelo menos no início, o escolar lê menos do que reconhece, do que relembra o texto. Éle não aprende a ler simplesmente, como o escolar antigo, mas a ler o texto, o Saltério, o Novo Testamento. E o texto que conhece é a palavra de Deus, a Escritura revelada, o único livro que merece ser conhecido. Quão longe está tudo isso da escola clássica: ocorrem-nos, antes, os métodos, em vigor ainda hoje no mundo muçulmano, nas escolas alcorâmicas. É mais justo, mais congruente com a história ver nisso o equivalente cristão da escola rabínica.
Nada lhe falta, nem o matiz especial da veneração, de respeito religioso ao mestre: quão longe estamos do mestre-escola grego ou latino, o pobre-diabo universalmente menosprezado! Agora, como nos meios semíticos, é “com a mais profunda veneração e por uma humilde prece” que se lhe pedem as lições: cum summa veneratione humilique prece... [84].
Não há dúvida que este sentimento se explica, em parte, como efeito da decadência e da barbárie ambiente: o mestre é o homem, difícil de encontrar, capaz de revelar o segredo, tornado misterioso, da escrita; testemunha-o este episódio que lemos em Gregório de Tours: um dia, um clérigo giróvago, e que logo se revelaria indigno, apresenta-se ao bispo Etério de Lisieux (por volta de 584) como mestre-escola, litterarum doctorem. Alegria do prelado, isto é tão raro! Apressa-se ele em reunir as crianças da cidade e em confiar-lhas para que as instrua: o clérigo granjeia a estima de todos, cumulado de obséquios por parte dos pais. E quando o inevitável escândalo irrompe, apressam-se em abafá-lo [85].
Muito mais ainda: o mestre é aquele que revela hão apenas a escritura, mas a Sagrada Escritura. Monástica, episcopal ou presbiterial, a escola não separa a instrução da educação religiosa, da formação dogmática e moral; religião ao mesmo tempo douta e popular, o cristianismo concede ao mais humilde dos seus fiéis, por mais incipiente que seja seu desenvolvimento intelectual, o equivalente àquilo que a altiva cultura antiga reservava à elite de seus filósofos: uma doutrina sobre o ser e sobre a vida, uma vida interior submetida a uma direção espiritual. Segundo a fórmula estereotipada de nossos velhos hagiógrafos, a escola cristã forma a um só tempo litteris et bonis moribus, “nas letras e nas virtudes [86]”. Nesta estreita associação, mesmo no escalão mais elementar, da instrução literária e da educação religiosa, na síntese, na pessoa de um mestre, do instrutor (ou do professor) e do pai espiritual, é que me parece residir a essência mesma da escola cristã, da pedagogia medieval por oposição à antiga. É necessário, desde então, fazer remontar sua aparição aos mosteiros egípcios do século IV.
Notas:
[1] João Cassiano, Instituições Monásticas, V, 40.
[2] Regra de São Pacósmio (ed. A. Boon, Th. Lefort, Pachomiana Latina), Pr. 5; 159; 166; 172.
[3] SANTO ATANÁSIO DE ALEXANDRIA, Vida de Santo Antônio, 72.
[4] Idem, 73; cf. 20.
[5] João Cassiano, Conferências com os Padres do Deserto, XIV, 12.
[6] Evangelho segundo São Lucas (Novo Testamento), 10, 21 = Evangelho segundo São Mateus.
[7] Regra de São Pacósmio (ed, A. Boon, Th. Lefort, Pachomiana Latina), 139-140.
[8] São Basílio de Cesaréia, Regras Longas, 15.
[9] São Jerônimo, Correspondência. 107.
[10] Idem, 128.
[11] Idem, 107, 5, 1; 128, 2, 1.
[12] Idem, 107, 128, 4. 1.
[13] Idem, 107, 4, 1,
[14] Idem, 4, 3.
[15] Idem, 107, 12; 128, 4, 2.
[16] Idem, 107, 12, 3.
[17] Idem, 4, 4.
[18] H. R. Hall, Coptic and Greek Texts of the Christian Period Irom Otraka, Stela, e in the British Museum, 21379.
[19] Idem, 26210.
[20] Idem, 27426.
[21] Idem, p. 148-9.
[*] Cf., melhor ainda, um caderninho escolar contendo, entre outros exercícios de escrita, versículos do salmo 32 (33), achado no Fayium e remontando ao século IV-V: P. Sanz, Griechische literarische Papyri christlichen Inhaltes, I (Biblica,Vaterschriften und Verwandias) n.º XXIV (29274), em Mitteilungen aus Papyrussammlung der Nationalbibliothek in Wien, N. S., IV, Baden bei Wien, 1946.
[22] São Basílio de Cesaréia, Regras Breves, 292.
[23] São João Crisóstomo, Contra os Detratores da Vida Monástica (Migne, Patrologie Grecque, t. 47), III, 17, 378.
[24] Idem, III, 18, 380.
[25] Idem, III, 12, 368.
[26] Idem, III, 8, 363; 11, 366; 13, 371.
[27] Idem, III, 12, 369-70.
[28] São João Crisóstomo, Da Vanglória e de como os Pais devem educar os Filhos (Migne, Patrologie Grecque, t. 47), 19, 2-3.
[29] Idem, 19, 1 4.; 73, 2-3.
[30] São Jerônimo, Correspondência, 153, 3.
[31] Rufino de Aquiléia, Apologia, II, 8, 592 A.
[32] Revue de Philologie, d'histoire et de littérature anciennes, 21 (1941), 63.
[33] SANTO AGOSTINHO, Cartas, 211, 3.
[34] Sulpício Severo, Vida de São Martinho de Tours, 10, 6.
[35] W. Strokes, The Tripartite Life of Patrick, with other documents relating to that saint (Rerum Britannicarum medii aevi Scriptores, t. 89), Londres, 1887, II, 326, 29; 328, 27; 497, 24.
[36] São Cesário de Árles (ed. Morin, t. II), Regra dos Monges, 7, 104.
[37] Idem, 18, 105.
[38] Idem, 19, 105; Cartas, II, 7, 140.
[39] Idem, Vida de São Cesário (escrita por seus discípulos), I, 58, 320.
[40] São Gregório de Tours, História dos Francos, IX, 39 s.
[41] SÃO LEANDRO DE SEVILHA, Regra Monástica, 6-7; Migne Patrologie Latine, 72, 882-4.
[42] São Donato de Besançon, Regra Monástica, 20 ; Migne, Patrologie Latine, 87, 281-2.
[43] São CESÁRIO DE ARLES (ed, Morin t. II), Regra dos Monges, 151, 25.
[44] TARNATO, Regra Monástica, 9; — Patrologie Latine, 66, 981.
[45] SÃO FERREOL DE UZES, Regra Monástica, E e, Patrologie Latine, 66, 963-4.
[46] Migne, Patrologie Latine, 26, 968.
[47] A Regra do Mestre, 50; Migne, Patrologie Latine, 88, 1010 D.
[48] São Bento de Núrsia, Regra dos Monges, 48.
[49] Idem, 59.
[50] Idem, 30; 37; 39; 45; 63; 70.
[51] Idem, 33.
[52] Rufino de Aquiléia, História Eclesiástica, X, 15.
[53] São GREGÓRIO DE TOURS, Vida dos Padres, 8. 2.
[54] Sulpício Severo, Vida de São Martinho de Tours, 10, 9.
[55] São Gregório de Tours, Vida dos Padres, 6, 1-2.
[56] São Cesário Arles (ed. Morin. t. II), Vida de São Cesário (escrita por seus discípulos), I, 56, 320.
[57] São Remy de Reims, Cartas (ed. dos Monumenta Germaniae Historica, Epistulae, II, Epistulae merovingici aevi), IV, 115.
[58] E. Drehl, Inscriptiones Latinae Christiane Veteres, 1287.
[59] Vict..... Vit..... /sic pro ed. franc./, V, 9.
[60] Cânone do segundo Concílio de Toledo, 1 (Migne, Patrologie Latine, 84, 335).
[61] Cânone do quarto Concílio de Toledo, 24 (Migne, Patrologie Latine, 374).
[62] Vidas dos Padres de Mérida, II, 14; 1, 1.
[63] Idem, IV, 4.
[64] Concilia merovingici aevi (ed. Maassen dos Monumenta Germaniae Historica, Leges, III, Concilia, 1), 56, vu. 1.
[65] Cânone do Concílio de Mérida, 18 (Migne, Patrologie Latine, 84, 623).
[**] Como o mostram os cânones de concílios que proíbem a ordenação de iletrados: Orléans, 533 (Concílios merovíngios, 63, 16), Narbonne, 589 (Mansi, Amplissima Collectio, tomo IX, colunas 1016 E — 1017 A, cânone 11).
[66] Passiones Vitaeque sanctorum merovingici aevi (nos Monumenta Germaniae Historica, Scriptores rerum merovingicarum, t. II-V), 1, 652, c 2.
[67] São Gregório de Tours, Vida dos Padres, 9, 2.
[68] São Cesário DE Arles (ed. Morin, t. II), Regra das Monjas, 7, 104.
[69] Santo Euchério de Lyon, Instrução, pr. 773.
[70] SÃO GREGÓRIO GRANDE, Diálogos, II, 3.
[71] C. Plummer, Vitae Sanctorum Hibernias partim hacienus ineditae (Oxford, 1910), I, 250; 252; II, 180-1.
[72] São Gregório de Tours, Vida dos Padres, 20, 1.
[73] Idem, 9, 2.
[74] Mabillon, Acta Sanctorum Ordinis sancti Benedicti, I, 263.
[75] Idem, III, 283.
[76] C. de Smedt e J. de Backer, Acta Sanctorum Hiberniae ex codice Salmanticensi (Bruges-Edimbourg, 1888), 166; São Ferreol de Uzes, Regra Monástica, 11 (Migne, Patrologie Latine, t. 66, 963).
[77] Concilia merovingici aevi (ed. Maassen dos Monumenta Germaniae Historica, Leges, III, Concilia, 1), 88, c. 6.
[78] São Cesário De Arles, Vida de São Cesário (escrita por seus discípulos), 9, 299.
[79] São Gregório O Grande, Cartas (classificação da ed. Ewald-Hartmann, Monumenta Germaniae Historica, Epistulse, I-II), XI, 34.
[80] Virgílio de Toulouse, Epitomae, 13, 77.
[81] Passiones Vitasque sanctorem merovingici aevi (nos Monumenta Germaniae Historica, Scriptores rerum merovingicarum, t. III-V), II, 161; W. Stokes, The Tripartite Life of A árick, with other documents sine to that saint (Rerum Britannicarum medii aevi Seriptores, e 89, Londres, 1887), I, CLIII; 328; C. Plummer, Vitae Sanctorum Hiberniae partim hactenus ineditae (Oxford, Troy) 1, 67; II, 210.
[82] C. Prummer. Vitae Sanctorum Hiberniae partim hactenus ineditae (Oxford, 1910), 1, 165; 156-7.
[83] Passiones Vitaeque sanctorum merovingici aevi (nos Monumenta Germaniae Historica, Scriptores rerum merovingicarum, t. III-V), II, 342, c. 6.
[84] Idem, 161, c. 1.
[85] São Gregório de Tours, História dos Francos, VI, 36.
[86] Acta Sanctorum Feb..... /sic pro ed, franc/, III, 11; C. Plummer, Vitae Sanctorum Hiberniae partim hactenus ineditae (Oxford, 1910), I, 99; 153; 269; II, 77; 107; etc.
Notas Complementares:
(1) Sobre o nome de “abade” entre os solitários do Egito, cf. o artigo de J. Durpont, ap. La Vie Spirituelle, 1947, n.º 321, ps. 216-230.
(2) Rufino, Apol., II, 8; Rufino acusa São Jerônimo de trair o seu juramento do Sonho, ensinando os clássicos pagãos a seus alunos de Belém. Mas, como argutamente observa F. CAVALLERA, Saint Jérôme, t. I, p. 202, n. 1, em sua réplica, São Jerônimo, contrariando seus hábitos, não rebate a acusação: esse silêncio pode ser interpretado como um assenso.
(3) Monges iletrados em Bizâncio: ver os fatos reunidos por L. BRÉHIER, ap. Revue d'Histoire et de Philosophie religieuses, t. XXI (1941), p. 60, n. 86.
(4) O douto mosteiro de Santo Agostinho em Tagasta: M. MELLET, L'Itinéraire et l'Idéal monastiques de saint Augustin, Paris, 1934, ps. 19-29; P. MONCEAUX, ap. Miscellanea Agostiniana, II, Roma, 1931, ps. 70-75.
(5) O leitorado das crianças: cf. capítulo precedente, n. 18; sobre seu lugar na carreira eclesiástica, cf. L. DUCHESNE, Origines du Culte chrétiens 5, ps. 366-367: “A maior parte das carreiras eclesiásticas cujos detalhes são conhecidos começaram pelo leitorado. É o caso de São Félix de Nola, de Santo Eusébio de Verceil, do pai do papa Damásio, dos papas Libério e Sirício, do diácono de Fiesole Rômulo, de Santo Epifânio de Pavia e de muitos outros...” As inscrições citadas são: DIEHL, 967, 970, 972.
(6) Origens da escola episcopal. É difícil determinar a data de seu aparecimento: as fontes de que dispomos, antes de tudo Vidas de Santos, devem ser usadas com precaução. A julgar por uma vida dos santos Victor e Victeur do Mans, desde o século IV, São Martinho de Tours ter-se-ia encarregado da tarefa de ensinar, tendo em vista o sacerdócio, uma criança de dez anos: AA. SS., Jul. V, 146C, F. Mas esse texto não tem valor histórico e a própria existência de um de seus dois heróis é fabulosa: cf. H. LECLERCQ, ap. Dictionnaire d'Archéologie chrétienne et de Liturgie, t. X, 2, c. 1478-1480.
(7) Sobre a história das paróquias rurais na Gália, cf. o livro clássico de P. IMBART DE LA ROUR, Les Paroisses rurales du IVe au XVe siêcle, Paris, 1900, e as correções ou adições com que contribui para a sua doutrina: W. SESTON, Note sur les origines religieuses des Paroisses rurales, ap. Revue d'Histoire et de Philosophie religieuses, 1935, ps. 243-254; os dois pontos de vista são menos contraditórios do que complementares: cf. F. CHATILLON, Locus cui nomen Theopoli est, Gap. 1943, ps. 125-126, 135, n. 57.
(8) Os drúidas como educadores da Irlanda pagã: H. HUBERT, Les Celtes depuis l'époque de La Tène, Paris, 1932, ps. 279-281, e já da antiga Gália, CAES., G., VI, 14, 2-6: C. JULLIAN, Histoire de la Gaule, t. II, p. 106.
(9) A escola merovíngia é uma escola religiosa: H. PIRENNE sustentou um ponto de vista exatamente oposto em seu memorial De l'État de l'Instruction des Laiques à l'époque mérovingienne, ap. Revue bénédictine, XLVI (1934), ps. 165-177: baseio-me confiante no critério do leitor imparcial que queira confrontar as nossas duas opiniões. Pirenne exagera e desvirtua sistematicamente o alcance dos textos: não vejo em parte alguma razão para a existência, como ele pretende, de escolas laicas na Gália merovíngia: todas as escolas cuja existência constatamos são escolas religiosas, monásticas, episcopais e (na maioria) presbiterais. Descobrimos, sem dúvida, alguns indícios de um ensino leigo (tendo por objeto as letras, a gramática, a retórica, o direito), mas sempre se trata de ensino doméstico, particular, administrado, como já na época de Sidônio Apolinário, sob a forma de preceptorado.
(10) Foi cometido o anacronismo: a .apologética romântica, habituada, a exemplo de Chateaubriand, a celebrar o papel da Igreja como fator positivo de cultura, exagerou sistematicamente o valor dos testemunhos relativos às escolas cristãs dos séculos V e VI: ver, por exemplo, A. F. OZANAM, La civilisation chrétienne chez les Francs, Paris, 1849; a M. RoceR cabe o mérito de ter resolvido a questão em sua tese, fundamental para o nosso assunto: L'Enseignement des lettres classiques d'Ausone à Alcuin, Paris, 1905.
(11) GREG. MAGN., Reg., XI, 34: a interpretação desta carta deu margem a muitas discussões: cf. a antiga tese de H.-J. LEBLANC, Utrum B. Gregorius Magnus litteras humaniores et ingenuas artes odio persecutus sit, Paris, 1852; aqui também se seguirá o prudente critério de M. ROGER, op. cit., ps. 156-157.
(12) Atenção, porém: a obra de Virgílio o Gramático (aliás, não será ele antes da Irlanda que de Toulouse?) não passa, talvez, de uma paródia destinada a por em ridículo as proezas verbais das Hisperica Famina. Tais textos, indubitavelmente irlandeses, foram escritos a sério e não são muito menos abracadábricos!
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