Postagem em destaque

Sobre o blog Summa Mathematicae

Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

Mais vistadas

A Educação Cristã da Juventude - Divini illius magistri

CARTA ENCÍCLICA

DIVINI ILLIUS MAGISTRI
DE SUA SANTIDADE
PAPA PIO XI
AOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS, BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS
EM PAZ E COMUNHÃO
COM A SANTA SÉ APOSTÓLICA
E A TODOS OS FIÉIS DO ORBE CATÓLICO

ACERCA DA EDUCAÇÃO CRISTÃ
DA JUVENTUDE

 

Veneráveis Irmãos
e Amados filhos
Saúde e Bênção Apostólica

INTRODUÇÃO

REPRESENTANTE na terra d'Aquele Divino Mestre que, apesar de abraçar com a imensidade do seu amor a todos os homens, mesmo os pecadores e indignos, mostrou no entanto amar com ternura muito peculiar as crianças, exprimindo-se por aquelas tão comoventes palavras: « deixai vir a mim as criancinhas » (1), Nós temos procurado mostrar também em todas as ocasiões a predileção verdadeiramente paternal que lhes consagramos, especialmente com os assíduos cuidados e oportunos ensinamentos que se referem à educação cristã da juventude.

a) Motivos da publicação desta Encíclica

Deste modo, fazendo-Nos eco do Divino Mestre, temos dirigido salutares palavras, ora de advertência, ora de incitamento, ora de direção, não só aos jovens e aos educadores, mas também aos pais e mães de família, acerca de vários problemas da educação cristã, com aquela solicitude que convém ao Pai comum de todos os fiéis, e com a oportuna e importuna insistência que é própria do ofício pastoral, (2) recomendada pelo Apóstolo : « Insiste no tempo quer oportuno quer importuno : repreende, exorta, admoesta, com grande paciência e doutrina », reclamada pelos nossos tempos em que infelizmente se deplora uma tão grande falta de claros e sãos princípios, até acerca dos mais fundamentais problemas.

Porém, a mesma condição geral dos tempos, a que aludimos, as variadas discussões do problema escolar e pedagógico nos diversos países, e o conseqüente desejo que muitos d'entre vós e dos vossos fiéis Nos tendes manifestado com filial confiança, Veneráveis Irmãos, e o Nosso tão intenso afecto para com a juventude, como dissemos, impelem-Nos a voltar mais propositadamente ao assunto, senão para o tratar em toda a sua quase inexaurível amplitude de doutrina e de prática, pelo menos para reassumir os seus princípios supremos, pôr em evidencia as suas principais conclusões, e indicar as aplicações praticas dos mesmos.

Seja esta a lembrança que do Nosso Jubileu sacerdotal, com muito particular intenção e afecto, dedicamos à cara juventude, e recomendamos a todos os que têm por especial missão e dever de ocupar-se da sua educação.

Na verdade, nunca como nos tempos presentes, se discutiu tanto acerca da educação; por isso se multiplicam os mestres de novas teorias pedagógicas, se excogitam, se propõem e discutem métodos e meios, não só para facilitar, mas também para criar uma nova educação de infalível eficácia que possa preparar as novas gerações para a suspirada felicidade terrena.

É que os homens criados por Deus à sua imagem e semelhança, e destinados para Ele, perfeição infinita, assim como notam a insuficiência dos bens terrestres para a verdadeira felicidade dos indivíduos e dos povos, encontrando-se hoje, mais que nunca, na abundância do progresso material hodierno, assim também sentem em si mais vivo o estímulo infundido pelo Criador na mesma natureza racional, para uma perfeição mais alta, e querem consegui-la principalmente com a educação.

Todavia, muitos deles, quase insistindo excessivamente no sentido etimológico da palavra, pretendem derivá-la da própria natureza humana e atuá-la só com as suas forças. Daqui o errarem facilmente nisto, pois que se concentram e imobilizam em si mesmos, atacando-se exclusivamente às coisas terrenas e temporais, em vez de dirigirem o alvo para Deus, primeiro principio e ultimo fim de todo o universo; desta maneira será a sua agitação contínua e incessante, enquanto não voltarem os olhos e os esforços para a única meta da perfeição, Deus, segundo a profunda sentença de S. Agostinho: « Criaste-nos Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Vós »(3).

b) Essência, importância e excelência da Educação Cristã

É portanto da máxima importância não errar na educação, como não errar na direção para o fim ultimo com o qual está conexa intima e necessariamente toda a obra da educação. Na verdade, consistindo a educação essencialmente na formação do homem como ele deve ser e portar-se, nesta vida terrena, em ordem a alcançar o fim sublime para que foi criado, é claro que, assim como não se pode dar verdadeira educação sem que esta seja ordenada para o fim ultimo, assim na ordem actual da Providencia, isto é, depois que Deus se nos revelou no Seu Filho Unigênito que é o único « caminho, verdade e vida », não pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã.

Daqui ressalta, com evidencia, a importância suprema da educação cristã, não só para cada um dos indivíduos, mas também para as famílias e para toda a sociedade humana, visto que a perfeição desta, resulta necessariamente da perfeição dos elementos que a compõem.

Dos princípios indicados aparece, de modo semelhante, clara e manifesta, a excelência (que bem pode dizer-se insuperável) da obra da educação cristã, como aquela que tem em vista, em ultima análise, assegurar o Sumo Bem, Deus, às almas dos educandos, e a máxima felicidade possível, neste mundo, à sociedade humana. E isto no modo mais eficaz que é possível ao homem, isto é, cooperando com Deus para o aperfeiçoamento dos indivíduos e da sociedade, enquanto a educação imprime nos espíritos a primeira, a mais poderosa e duradoura direção na vida, segundo a sentença muito conhecida do Sábio: « o jovem mesmo ao envelhecer, não se afastará do caminho trilhado na sua juventude » (4). Por isso, com razão, dizia S. João Crisóstomo: « Que há de mais sublime do que governar os espíritos e formar os costumes dos jovens? » (5).

Mas não há palavras que nos revelem tão bem a grandeza, a beleza, a excelência sobrenatural da obra da educação cristã, como a sublime expressão de amor com a qual Nosso Senhor Jesus Cristo, identificando-se com os meninos, declara: « Todo aquele que receber em meu nome um destes pequeninos, a mim me recebe » (6).

c) Divisão da matéria

Portanto, para não errar nesta obra de suma importância e para a dirigir do melhor modo possível, com o auxílio da graça divina, é preciso ter uma ideia clara e exacta da educação cristã nas suas razões essenciais, a saber: a quem compete a missão de educar, qual o sujeito da educação, quais as circunstancias necessárias do ambiente e qual o fim e a forma própria da educação cristã, segundo a ordem estabelecida por Deus na economia da Sua Providencia.

A QUEM PERTENCE A EDUCAÇÃO

A) Em geral

A educação é obra necessariamente social e não singular. Ora, são três as sociedades necessárias, distintas e também unidas harmonicamente por Deus, no meio das quais nasce o homem: duas sociedades de ordem natural, que são a família e a sociedade civil; a terceira, a Igreja, de ordem sobrenatural. Primeiramente a família, instituída imediatamente por Deus para o seu fim próprio que é a procriação e a educação da prole, a qual por isso tem a prioridade de natureza, e portanto uma prioridade de direitos relativamente à sociedade civil. Não obstante, a família é uma sociedade imperfeita, porque não possui em si todos os meios para o próprio aperfeiçoamento, ao passo que a sociedade civil é uma sociedade perfeita, tendo em si todos os meios para o próprio fim que é o bem comum temporal, pelo que, sob este aspecto, isto é, em ordem ao bem comum, ela tem a preeminência sobre a família que atinge precisamente na sociedade civil a sua conveniente perfeição temporal.

A terceira sociedade em que nasce o homem, mediante o Baptismo, para a vida divina da graça, é a Igreja, sociedade de ordem sobrenatural e universal, sociedade perfeita, porque reúne em si todos os meios para o seu fim que é a salvação eterna dos homens, e portanto suprema na sua ordem.

Por conseqüência, a educação que considera todo o homem individual e socialmente, na ordem da natureza e da graça, pertence a estas três sociedades necessárias, em proporção diversa e correspondente, segundo a actual ordem de providência estabelecida por Deus, à coordenação do seus respectivos fins.

B) Em especial: À Igreja

A Educação, primeiro que tudo ela pertence de modo sobreeminente à Igreja, por dois títulos de ordem sobrenatural que lhe foram exclusivamente conferidos, pelo próprio Deus, e por isso absolutamente superiores a qualquer outro título de ordem natural.

a) De modo sobreeminente

O primeiro provém da expressa missão e autoridade suprema de magistério que lhe foi dada pelo seu Divino fundador : « Todo o poder me foi dado no céu e na terra. Ide pois, ensinai todos os povos, batizando-os em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo: ensinando-os a observar tudo o que vos mandei. E eu estarei convosco até á consumação dos séculos » (7).

A este magistério foi conferida por Cristo a infalibilidade juntamente com o preceito de ensinar a sua doutrina; assim a Igreja « foi constituída pelo seu Divino Autor coluna e fundamento de verdade, a fim de que ensine aos homens a fé divina cujo deposito lhe foi confiado para que o guarde íntegro e inviolável, e dirija e prepare os homens, as suas associações e acções em ordem à honestidade de costumes, integridade de vida, segundo a norma da doutrina revelada » (8).

b) Maternidade sobrenatural

O segundo título é a maternidade sobrenatural, pela qual a Igreja, Esposa imaculada de Cristo, gela, nutre, educa as almas na vida divina da graça, com os seus sacramentos e o seu ensino. Pelo que, com razão, afirma S. Agostinho: « Não terá Deus como Pai quem se tiver recusado a ter a Igreja como Mãe » (9).

Portanto, no próprio objecto da sua missão educativa, isto é: « na fé e na instituição dos costumes, o próprio Deus fez a Igreja participante do magistério divino e, por benefício seu, imune de erro; por isso é ela mestra suprema e seguríssima dos homens, e lhe é natural o inviolável direito à liberdade de magistério (10)». E por necessária conseqüência a Igreja é independente de qualquer autoridade terrena, tanto na origem como no exercício da sua missão educativa, não só relativamente ao seu próprio objecto, mas também acerca dos meios necessários e convenientes para dela se desempenhar. Por isso em relação a qualquer outra disciplina, e ensino humano, que considerado em si é patrimônio de todos, indivíduos e sociedades, a Igreja tem direito independente de usar dele, e sobretudo de julgar em que possa ser favorável ou contrário à educação cristã. E isto, já porque a Igreja, como sociedade perfeita, tem direito aos meios para o seu fim, já porque todo o ensino, como toda a acção humana, tem necessária relação de dependência do fim ultimo do homem, e por isso não pode subtrair-se às normas da lei divina, da qual a Igreja é guarda, interprete e mestra infalível.

É isto mesmo que Pio X, de s. m., declara com esta límpida sentença: « Em tudo o que fizer o cristão, não lhe é licito desprezar os bens sobrenaturais, antes, segundo os ensinamentos da sabedoria cristã, deve dirigir todas as coisas ao bem supremo como a fim último: além disso todas as suas acções, enquanto são boas ou más em ordem aos bons costumes, isto é, enquanto concordam ou não com o direito natural e divino, estão sujeitas ao juízo e à jurisdição da Igreja (11)».

É digno de nota como um leigo, escritor tanto admirável quanto ` profundo e consciencioso pensador, haja sabido bem compreender e exprimir esta fundamental doutrina católica: « A Igreja não diz que a moral lhe pertença puramente (no sentido de exclusivamente), mas sim que lhe pertence totalmente. Jamais pretendeu que fora do seu seio e dos seus ensinamentos, o homem não possa conhecer alguma verdade moral, antes, reprovou por mais duma vez, esta opinião, visto que ela apareceu sob diversas formas. Diz sim, como disse e dirá sempre, que em virtude da instituição que recebeu de Jesus Cristo, e em virtude do Espírito Santo que lhe foi enviado em nome d'Ele pelo Padre, só ela possui originária e imperecivelmente, em toda a sua plenitude, a verdade moral (omnem veritatem) na qual estão compreendidas todas as verdades particulares de ordem moral, tanto as que o homem pode chegar a conhecer guiado pelo único meio. da razão, quanto as que fazem parte da revelação ou desta se podem deduzir » (12).

c) Extensão dos Direitos da Igreja

É pois com pleno direito que a Igreja promove as letras, as ciências e as artes, enquanto necessárias ou úteis à educação cristã, e a toda a sua obra para a salvação das almas, fundando e mantendo até escolas e instituições próprias em todo o género de disciplina e em todo o grau de cultura (13).

Nem se deve considerar estranha ao seu maternal magistério a mesma educação física, como hoje a apelidam, precisamente porque é um meio que pode auxiliar ou prejudicar a educação cristã.

E esta obra da Igreja, em todo o género de cultura, assim como presta relevantes serviços às famílias e às nações, que sem Cristo se perdem, como justamente repete S. Hilário: « Que coisa há mais perigosa para o mundo do que não receber a Jesus Cristo? » (14), assim também não causa o menor obstáculo às disposições civis, pois que a Igreja, com a sua prudência materna, não se opõe a que as suas escolas e institutos para leigos se conformem, em cada nação, com as legitimas disposições da autoridade civil, mas está sempre disposta a entender-se com esta, e a proceder de comum acordo, onde surjam dificuldades.

Além disso é direito inalienável da Igreja, e simultaneamente seu dever indispensável vigiar por toda a educação de seus filhos, os fiéis, em qualquer instituição, quer pública quer particular, não só no atinente ao ensino aí ministrado, mas em qualquer outra disciplina ou disposição, enquanto estão relacionadas com a religião e a moral (15).

O exercício deste direito não pode considerar-se ingerência indevida, antes é preciosa providência maternal da Igreja tutelando os seus filhos contra os graves perigos de todo o veneno doutrinal e moral.

E até esta vigilância da Igreja, assim como não pode criar algum verdadeiro inconveniente, assim não pode deixar de produzir eficaz incitamento à ordem e bem estar das famílias e da sociedade civil, afastando para longe da juventude aquele veneno moral que nesta idade, inexperiente e volúvel, costuma ter mais fácil aceitação e mais rápida extensão na prática. Pois que sem a recta instrução religiosa e moral, como sapientemente adverte Leão XIII, « toda a cultura dos espíritos será doentia: os jovens sem o hábito de respeitar a Deus não poderão suportar disciplina alguma de vida honesta, e acostumados a não negar jamais coisa alguma às suas tendências, facilmente serão induzidos a perturbar os estados » (16).

Quanto à extensão da missão educativa da Igreja, estende-se esta a todos os povos, sem restrição alguma, segundo o preceito de Cristo: « Ensinai todas as gentes » (17); nem há poder terreno que a possa legitimamente contrastar ou impedir.

E estende-se primeiramente sobre todos os fiéis, pelos quais — como mãe carinhosíssima — tem solícito cuidado. Por isso é que para eles criou e promoveu, em todos os séculos, uma imensa multidão de escolas e institutos, em todos os ramos do saber; porque, como dizíamos não há muito ainda, até na longínqua Idade Média, em que eram tão numerosos (houve até quem quisesse dizer que eram excessivamente numerosos) os mosteiros, os conventos, as igrejas, as colegiadas, os cabidos catedrais e não catedrais, junto de cada uma destas instituições tinha a Igreja uma família escolar, um foco de instrução e de educação cristã.

E a tudo isto é mister ajuntar todas as Universidades espalhadas por toda a parte e sempre por iniciativa e sob a guarda da Santa Sé e da Igreja. Aquele espetáculo magnífico que agora vemos melhor, porque mais perto de nós e em condições mais grandiosas, como o facultam as condições do tempo, foi o espetáculo de todas as épocas; e aqueles que estudam e comparam os acontecimentos, maravilham-se do que a Igreja soube realizar nesta ordem de coisas, maravilham-se do modo por que a Igreja soube corresponder à missão que Deus lhe confiou de educar as gerações humanas na vida cristã, maravilham-se dos frutos e resultados magníficos que a Igreja soube atingir. Mas, se causa admiração que a Igreja, em todos os tempos, tenha sabido reunir em volta de si centenas, milhares e milhões de discípulos da sua missão educadora, não deve impressionar-nos menos o reflectir naquilo que a Igreja soube fazer, não só no campo da educação, mas também no da verdadeira e própria instrução. Pois que, se tantos tesouros de cultura, de civilização, de literatura puderam conservar-se, isto deve-se àquela atitude pela qual a Igreja, ainda mesmo nos mais remotos e bárbaros tempos, soube irradiar tanta luz no campo das letras, da filosofia, da arte e particularmente da arquitectura (18).

E a Igreja pode e soube realizar uma tal obra, porque a sua missão educativa estende-se mesmo aos infiéis, — sendo chamados todos os homens a entrar no Reino de Deus e a conseguir a salvação eterna. Como em nossos dias em que as suas Missões espalham escolas aos milhares por todas as regiões e países, ainda não cristãos, — desde as duas margens do Ganges até ao rio Amarelo e às grandes ilhas e arquipélagos do Oceano, desde o Continente negro até à Terra do Fogo e à gélida Alasca, assim também, em todos os tempos, a Igreja com os seus Missionários, educou, para a vida cristã e para a civilização, os diversos povos que hoje constituem as nações cristãs do mundo civilizado.

Fica assim demonstrado até à evidência como, de direito e de facto, pertence à Igreja dum modo sobreeminente a missão educativa, e como toda a inteligência livre de preconceitos não possa conceber motivo algum racional para combater, ou impedir à Igreja, aquela mesma obra de cujos benéficos frutos goza agora o mundo.

d) Harmonia dos direitos da Igreja com os da Família e do Estado

Tanto mais que não só não estão em oposição com tal supereminência da Igreja, mas estão até em perfeita harmonia, os direitos da Família e do Estado, bem como os direitos de cada indivíduo relativamente à justa liberdade da ciência, dos métodos científicos e de toda a cultura profana em geral.

Visto que, para indicar imediatamente a razão fundamental de tal harmonia, a ordem sobrenatural, a que pertencem os direitos da Igreja, não só não destrói nem diminui a ordem natural, à qual pertencem os outros mencionados direitos, mas pelo contrario, a eleva e aperfeiçoa, e ambas as ordens se prestam mutuo auxílio e como que complemento proporcionado respectivamente à natureza e dignidade de cada uma, precisamente porque ambas procedem de Deus que se não pode contra-dizer: « As obras de Deus são perfeitas, todos os seus caminhos são justos (19) ».

Isto ver-se-há mais claramente, considerando, em separado e mais atentamente, a missão educativa da família e do Estado.

À FAMÍLIA

Em primeiro lugar, com a missão educativa da Igreja concorda admiravelmente a missão educativa da família, porque de Deus procedem ambas, de maneira muito semelhante. À família, de facto, na ordem natural, Deus comunica imediatamente a fecundidade, que é princípio de vida, e por isso princípio de educação para a vida, simultaneamente com a autoridade que é princípio de ordem.

a) Direito anterior ao do Estado

Diz o Doutor Angélico com a sua costumada clareza de pensamento e precisão de estilo: « O pai segundo a carne participa dum modo particular da razão de principio que, dum modo universal se encontra em Deus... O pai é princípio da geração, da educação e da disciplina, de tudo o que se refere ao aperfeiçoamento da vida humana » (20).

A família recebe portanto imediatamente do Criador a missão e consequentemente o direito de educar a prole, direito inalienável porque inseparavelmente unido com a obrigação rigorosa, direito anterior a qualquer direito da sociedade civil e do Estado, e por isso inviolável da parte de todo e qualquer poder terreno.

b) Direito inviolável, mas não despótico

A razão da inviolabilidade deste direito é-nos dada pelo Angélico: « De facto o filho é naturalmente alguma coisa do pai... daí o ser de direito natural que o filho antes do uso da razão esteja sob os cuidados do pai. Seria portanto contra a justiça natural subtrair a criança antes do uso da razão ao cuidado dos pais, ou de algum modo dispor dela contra a sua vontade » (21).

E porque a obrigação do cuidado da parte dos pais continua até que a prole esteja em condições de cuidar de si, também o mesmo inviolável direito educativo dos pais perdura. « Pois que a natureza não tem em vista somente a geração da prole, mas também o seu desenvolvimento e progresso até ao perfeito estado de homem, enquanto homem, isto é, até ao estado de virtude »,. diz o mesmo Doutor Angélico (22). Portanto a sabedoria jurídica da Igreja, assim se exprime, tratando desta matéria com precisão e clareza sintética no Código de Direito Canônico, cân. 1113: « os pais são gravemente obrigados a cuidar por todos os meios possíveis da educação, quer religiosa e moral quer física e civil, da prole, e também a prover ao bem temporal da mesma » (23).

Sobre este ponto é de tal modo unânime o sentir comum do género humano que estariam em aberta contradição com ele, quantos ousassem sustentar que a prole pertence primeiro ao Estado do que à família, e que o Estado tenha sobre a educação direito absoluto. Insubsistente é pois a razão que estes aduzem, dizendo que o homem nasce cidadão e por isso pertence primeiramente ao Estado, não reflectindo que o homem, antes de ser cidadão, deve primeiro existir, e a existência não a recebe do Estado mas dos pais, como sabiamente declara Leão XIII: « os filhos são alguma coisa do pai e como que uma extensão da pessoa paterna: e se quisermos falar com rigor, não por si mesmos, mas mediante a comunidade domestica no seio da qual foram gerados, começam eles a fazer parte da sociedade civil » (24).

Portanto: « o poder dos pais é de tal natureza que não pode ser nem suprimido nem absorvido pelo Estado, porque tem o mesmo princípio comum com a mesma vida dos homens », (25) diz na mesma Encíclica Leão XIII. Do que porem não se segue que o direito educativo dos pais seja absoluto ou despótico, pois que está inseparavelmente subordinado ao fim ultimo e à lei natural e divina, como declara o mesmo Leão XIII noutra memorável Encíclica «sobre os principais deveres dos cidadãos Cristãos », onde assim expõe em síntese a súmula dos direitos e deveres dos pais : « Por natureza os pais têm direito à formação dos filhos, com esta obrigação a mais, que a educação e instrução da criança esteja de harmonia com o fim em virtude do qual, por benefício de Deus, tiveram prole. Devem portanto os pais esforçar-se e trabalhar energicamente por impedir qualquer atentado nesta matéria, e assegurar de um modo absoluto que lhes fique o poder de educar cristãmente os filhos, como é da sua obrigação, e principalmente o poder de negá-los àquelas escolas em que há o perigo de beberem o triste veneno da impiedade » (26).

Importa notar, além disso, que a educação da família compreende não só a educação religiosa e moral, mas também a física e civil (27), principalmente enquanto têm relação com a religião e a moral.

c) Reconhecido pela Jurisprudência civil

Tal direito incontestável da família tem sido várias vezes reconhecido, juridicamente, em nações onde se tem cuidado de respeitar o direito natural na legislação civil. Assim, para citar um exemplo, a Corte Suprema da República Federal dos Estados Unidos da América do Norte, na decisão de uma importantíssima controvérsia, declarou: «não competir ao Estado nenhum poder geral de estabelecer um tipo uniforme de educação para a juventude, obrigando-a a receber a instrução somente nas escolas públicas », acrescentando a isto a razão de direito natural: « A criança não é uma mera criatura do Estado; aqueles que a sustentam e dirigem têm o direito, unido ao alto dever, de a educar e preparar para o cumprimento dos seus deveres » (28).

d) Tutelado pela Igreja

A história, particularmente nos tempos modernos, atesta como se tem dado e se dá, da parte do Estado, a violação dos direitos conferidos pelo Criador à família, ao mesmo tempo que demonstra, esplendidamente, como a Igreja os tem sempre tutelado e defendido; e a melhor prova, de facto, está na confiança especial das famílias nas escolas da Igreja, como escrevemos na Nossa recente carta ao Cardeal Secretario de Estado : « A família compreendeu imediatamente que assim é, e desde os primeiros tempos do Cristianismo até aos nossos dias, pais e mães, mesmo pouco ou nada crentes, mandam e levam, aos milhões, os seus filhos aos institutos de educação fundados e dirigidos pela Igreja » (29).

É que o instinto paterno, que vem de Deus, orienta-se com confiança para a Igreja, seguro de encontrar aí a tutela dos direitos da família, numa palavra, aquela concórdia que Deus pôs na ordem das coisas. A Igreja, com efeito, embora consciente, como está, da sua missão divina e universal, e da obrigação que todos os homens têm de seguir a única religião verdadeira, não se cansa de reivindicar para si o direito de recordar aos pais o dever de mandarem batizar e educar cristãmente os filhos de pais católicos: é porém tão ciosa da inviolabilidade do direito natural educativo da família, que não consente, a não ser sob determinadas condições e cautelas, que sejam batizados os filhos dos infiéis, ou de qualquer modo se disponha da sua educação, contra a vontade dos pais, enquanto os filhos não puderem determinar-se por si a abraçar livremente a fé (30).

Temos portanto, como já notamos, no Nosso citado discurso, dois factos de altíssima importância: « a Igreja que põe à disposição das famílias o seu ofício de mestra e educadora, e as famílias que correm a aproveitar-se dele, e dão à Igreja, a centenas e a milhares, os seus filhos, e estes dois factos recordam e proclamam uma grande verdade, importantíssima na ordem social e moral. Eles dizem que a missão de educar pertence antes de tudo e acima de tudo, em primeiro lugar à Igreja e à família, pertence-lhes por direito natural e divino, e por isso de um modo irrevogável, inatacável, e insubstituível »(31).

AO ESTADO

Como grandíssimas vantagens derivam para toda a sociedade de um tal primado da missão educadora da Igreja e da família, como temos visto, assim também nenhum dano pode ele causar aos verdadeiros e próprios direitos do Estado relativamente à educação dos cidadãos, segundo a ordem estabelecida por Deus.

a) Em ordem ao bem comum

Estes direitos são concedidos à sociedade civil pelo próprio autor da Natureza, não a título de paternidade, como à Igreja e à família, mas sim em razão da autoridade que lhe compete para promover o bem comum e temporal, que é precisamente o seu fim próprio. Por conseqüência a educação não pode pertencer à sociedade civil do mesmo modo por que pertence à Igreja e à família, mas de maneira diversa, correspondente ao seu próprio fim.

Ora este fim; o bem comum de ordem temporal, consiste na paz e segurança de que as famílias e os cidadãos gozam no exercício dos seus direitos, e simultaneamente no maior bem-estar espiritual e material de que seja capaz a vida presente mediante a união e o coordenamento do esforço de todos.

b) Duas funções

Dupla é portanto a função da autoridade civil, que reside no Estado: proteger e promover, e de modo nenhum absorver a família e o indivíduo, ou substituir-se-lhes.

Portanto relativamente à educação, é direito, ou melhor, é dever do Estado proteger com as suas leis o direito anterior da família sobre a educação cristã da prole, como acima indicamos, e por conseqüência respeitar o direito sobrenatural da Igreja a tal educação cristã.

Dum modo semelhante pertence ao Estado proteger o mesmo direito na prole, quando viesse a faltar, física ou moralmente, a acção dos pais, por defeito, incapacidade ou indignidade, visto que o seu direito de educadores, como acima declaramos, não é absoluto ou despótico, mas dependente da lei natural e divina, e por isso sujeito à autoridade e juízo da Igreja, e outrossim à vigilância e tutela jurídica do Estado em ordem ao bem comum, tanto mais que a família não é sociedade perfeita que tenha em si todos os meios necessários ao seu aperfeiçoamento. Em tal caso, excepcional de resto, o Estado não se substitui já à família, mas supre as deficiências e providência com os meios apropriados, sempre de harmonia com os direitos naturais da prole e com os sobrenaturais da Igreja.

Em geral pois, é direito e dever do Estado proteger, em harmonia com as normas da recta razão e da Fé, a educação moral e religiosa da juventude, removendo as causas publicas que lhe sejam contrárias.

Principalmente pertence ao Estado em ordem ao bem comum, promover por muitos modos a mesma instrução e educação da juventude.

Primeiramente e por si, favorecendo e ajudando a iniciativa e esforço da Igreja e das famílias; e, quanto eficaz isso seja, demonstram-no a história e a experiência. Depois disso completando este esforço, quando ele não chegue ou não baste, também por meio de escolas e instituições próprias, porque o Estado, mais que ninguém, possui meios de que pode dispor para as necessidades de todos, e é justo que deles use para vantagem daqueles mesmos de quem derivam (32).

Além disso o Estado pode exigir e por isso procurar que todos os cidadãos tenham o necessário conhecimento dos próprios deveres cívicos e nacionais, e um certo grau de cultura intelectual, moral e física, que, dadas as condições dos nossos tempos, seja verdadeiramente reclamada pelo bem comum.

Todavia, é claro que, em todos estes modos de promover a educação e instrução pública e privada, o Estado atêm de observar a justiça distributiva, deve também respeitar os direitos congénitos da Igreja e da família sobre a educação cristã. Portanto é injusto e ilícito todo o monopólio educativo ou escolástico, que física ou moralmente constrinja as famílias a frequentar as escolas do Estado, contra as obrigações da consciência cristã ou mesmo contra as suas legítimas preferências.

c) Qual educação pode reservar-se

Isto porém não impede que para a recta administração do Estado e para a defesa externa e interna da paz, coisas tão necessárias ao bem comum e que requerem especiais aptidões e peculiar preparação, o Estado se reserve a instituição e direção de escolas preparatórias para o exercício dalgumas das suas funções, e nomeadamente para o exercito, desde que não ofenda os direitos da Igreja e da família naquilo que lhes pertence. Não é inútil repetir aqui, dum modo particular, esta advertência, visto que nos nossos tempos (em que se vai difundindo um nacionalismo tão exagerado e falso quanto inimigo da verdadeira paz e prosperidade) costuma o Estado ultrapassar os justos limites, organizando militarmente a chamada educação física dos jovens (e às vezes mesmo das meninas, contra a própria natureza das coisas humanas), absorvendo muitas vezes desmesuradamente, no dia do Senhor, o tempo que deve ser dedicado aos deveres religiosos e ao santuário da vida familiar.

Não queremos, de resto, censurar o que pode haver de bom relativamente ao espírito de disciplina e de legitima ousadia, em tais métodos, mas semente todo o excesso, qual é por exemplo o espírito de violência, que não deve confundir-se com o espírito de intrepidez nem com o nobre sentimento do valor militar em defesa da Pátria e da ordem publica, qual é ainda a exaltação do atletismo que marcou a decadência e a degenerescência da verdadeira educação física, mesmo na época clássica pagã.

Em geral pois, pertence à sociedade civil e ao Estado a educação que pode chamar-se cívica, não só da juventude mas também a de todas as idades e condições, que consiste na arte de apresentar publicamente tais objectos de conhecimento racional, de imaginação e de sensibilidade, que atraiam a vontade para o honesto e lho inculquem por uma necessidade moral, tanto pela apresentação da parte positiva de tais objectos, como pela da negativa, que impede os contrários (33).

Tal educação cívica, tão ampla e múltipla que compreende quase toda a acção do Estado pelo bem comum, assim como deve ser informada pelas normas da rectidão, assim também não pode contradizer a doutrina da Igreja que foi divinamente constituída e é mestra destas normas.

d) Relações entre a Igreja e o Estado

Tudo o que dissemos até agora da acção do Estado na educação, baseia-se no fundamento seguríssimo e imutável da doutrina católica De Civitatum constitutione christiana, tão egregiamente exposta pelo Nosso Predecessor Leão XIII, especialmente nas encíclicas Immortale Dei e Sapientiae christianae, da seguinte forma: «Deus dividiu entre dois poderes o governo do gênero humano, o eclesiástico e o civil, um para prover às coisas divinas e outro às humanas: ambos supremos, cada um na sua esfera; ambos têm confins determinados, que lha limitam, e marcados pela própria natureza e fim próximo de cada um; de modo que chega a descrever-se como que uma esfera dentro da qual se exerce, com exclusivo direito, a ação de cada um. Mas como a estes dois poderes estão sujeitos os mesmos subditos, podendo dar-se que a mesma matéria, embora sob aspectos diversos pertença à competência e juízo de cada um deles, Deus providentíssimo, de Quem ambos dimanam, deve ter marcado a cada um os seus caminhos. Os poderes que existem são regulados por Deus» (34).

Ora a educação da juventude é precisamente uma daquelas coisas que pertencem à Igreja e ao Estado, « embora de modo diverso », como acima indicamos. a Portanto — prossegue Leão XIII — deve reinar entre os dois poderes uma ordenada harmonia; a qual é comparada e com razão àquela pela qual a alma e o corpo se unem no homem. Qual e quão grande esta seja, não se pode avaliar doutro modo senão reflectindo, como dizemos, na natureza de cada um deles, atendendo à excelência e nobreza do fim, sendo próximos e propriamente ordenados, um para procurar o útil das coisas mortais, e outro, pelo contrário, para procurar os bens celestes e sempiternos. Portanto tudo o que há, dalgum modo sagrado nas coisas humanas, tudo o que se refere à salvação das almas e ao culto de Deus, quer seja tal por sua natureza, quer tal se considere em razão do fim a que tende, tudo isso está sujeito ao poder e às disposições da Igreja: o resto que fica na ordem civil e política, é justo que dependa da autoridade civil, tendo Jesus Cristo mandado que se dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus » (35).

Se alguém recusasse admitir estes princípios e consequentemente aplicá-los à educação, chegaria necessariamente a negar que Cristo fundou a sua Igreja para a eterna salvação dos homens, e a sustentar que a sociedade civil e o Estado não estão sujeitos a Deus e à sua lei natural e divina.

Ora isto é evidentemente ímpio, contrário à sua razão e principalmente em matéria de educação extremamente pernicioso à recta formação da juventude e seguramente ruinoso para a mesma sociedade civil e para o bem-estar social. E ao contrário, da aplicação destes princípios não pode deixar de resultar o máximo auxílio para a recta formação dos cidadãos.

Isto demonstram superabundantemente os factos, em todas as épocas, e por isso assim como Tertuliano nos primeiros tempos do Cristianismo assim também S. Agostinho na sua época, podia desafiar todos os adversários da Igreja Católica — e Nós em nosso tempo podemos repetir com ele: — « Pois bem, aqueles que dizem ser a doutrina de Cristo inimiga do Estado, que nos dêem um exército tal como a doutrina de Cristo ensina que devem ser os soldados; que nos dêem subditos, maridos, esposas, pais, filhos, patrões, criados, reis, juízes, finalmente contribuintes e empregados fiscais, como a doutrina cristã manda que sejam, e atrevam-se depois a dizer que é nocivo ao Estado, ou melhor, não hesitem um instante em proclamá-la a grande salvadora do mesmo Estado em que ela se observa » (36).

e) Necessidade e vantagens do acordo com a Igreja

E tratando-se de educação, vem agora a propósito fazer notar, como, no período da Renascença, exprimiu bem esta verdade católica, confirmada pelos factos, nos tempos mais recentes, um escritor eclesiástico, grande benemérito da educação cristã, o piíssimo e douto Cardeal Silvio Antoniano, discípulo do admirável educador que foi S. Filipe de Nery, e mestre e secretário das cartas latinas de S. Carlos Borromeu, a instancias e sob a inspiração do qual escreveu o áureo tratado Della educazione cristiana dei figliuoli, no qual assim discorre: « Quanto mais o governo temporal se coordena com o espiritual e mais o favorece e promove, tanto mais concorre para a conservação do Estado. Pois que, enquanto o superior eclesiástico procura formar um bom cristão com a autoridade e os meios espirituais, segundo o seu fim, procura ao mesmo tempo e por necessária conseqüência formar um bom cidadão, como ele deve ser sob o governo político. O que verdadeiramente se dá, porque na Santa Igreja Católica Romana, cidade de Deus, é absolutamente uma e a mesma coisa, o bom cidadão e o homem de bem. Pelo que grave é o erro daqueles que separam coisas tão unidas e pensam poder conseguir bons cidadãos por outras normas e por meios diversos daqueles que contribuem para formar o bom cristão.

Diga-se portanto, discorra a prudência humana como lhe aprouver, que não é possível que produza verdadeira paz e tranquilidade temporal, tudo o que repugna e se afasta da paz e felicidade eterna » (37).

Assim como o Estado, também a ciência, o método e a investigação científica, nada têm a temer do pleno e perfeito mandato educativo da Igreja. Os institutos católicos, a qualquer grau de ensino e de ciência a que pertençam, não têm necessidade de apologias. O favor de que gozam, os louvores que recebem, as produções científicas que promovem e multiplicam, e mais que tudo, os sujeitos, plena e excelentemente preparados que oferecem à magistratura, às várias profissões, ao ensino, e à vida em todas as suas actividades, depõem mais que suficientemente em seu favor (38).

Estes factos, de resto, não são mais que uma confirmação cabal da doutrina católica definida pelo Concilio Vaticano: « A Fé e a razão não só não podem contradizer-se nunca, mas auxiliam-se mutuamente, visto que a recta razão demonstra os fundamentos da Fé, e iluminada pela sua luz, cultiva a ciência das coisas divinas, ao passo que a Fé livra e protege dos erros a razão e enriquece-a com vários conhecimentos. Por isso a Igreja está tão longe de se opor à cultura das artes e das disciplinas humanas que até a auxilia e promove, porque não ignora nem despreza as vantagens que delas provêm para a vida da humanidade e até ensina que elas, assim como provêm de Deus, Senhor das ciências, assim também, se tratadas rectamente, conduzem a Deus com a sua graça. E de nenhum modo ela proíbe que tais disciplinas, cada uma na sua esfera, usem do método e princípios próprios, mas reconhecida esta justa liberdade, provê cuidadosamente a que não caiam em erro, opondo-se aventurosamente à doutrina divina, ou ultrapassando os próprios limites, ocupem e revolucionem o campo da fé » (39).

E esta norma de justa liberdade científica é também norma inviolável de justa liberdade didática ou de ensino, quando bem compreendida; e deve ser observada em qualquer comunicação doutrinal feita a outrem, mormente por dever muito mais grave de justiça no ensino da juventude quer porque sobre ela, nenhum professor, seja público seja particular tem direito educativo absoluto mas participado, quer porque toda a criança ou jovem cristão tem direito estrito ao ensino conforme à doutrina da Igreja, coluna e fundamento da verdade, e lhe causaria um grave dano quem perturbasse a sua fé, abusando da confiança dos jovens nos seus professores, e da sua natural inexperiência e desordenada inclinação para uma liberdade absoluta, ilusória e falsa.

SUJEITO DA EDUCAÇÃO

a) Todo o homem decaído, mas remido

Com efeito nunca deve perder-se de vista que o sujeito da educação cristã é o homem, o homem todo, espírito unido ao corpo em unidade de natureza, com todas as suas faculdades naturais e sobrenaturais, como no-lo dão a conhecer a recta razão e a Revelação: por isso o homem decaído do estado original, mas remido por Cristo, e reintegrado na condição sobrenatural de filho de Deus, ainda que o não tenha sido nos privilégios preternaturais da imortalidade do corpo e da integridade ou equilíbrio das suas inclinações. Permanecem portanto na natureza humana os efeitos do pecado original, particularmente o enfraquecimento da vontade e as tendências desordenadas.

« A estultícia está no coração da criança e a vara da disciplina dali a expulsará » (40). Devem-se portanto corrigir as inclinações desordenadas, excitar e ordenar as boas, desde a mais tenra infância, e sobretudo deve iluminar-se a inteligência e fortalecer-se a vontade com as verdades sobrenaturais e os auxílios da graça, sem a qual não se pode, nem dominar as inclinações perversas, nem conseguir a devida perfeição educativa da Igreja, perfeita e completamente dotada por Cristo com a divina doutrina e os Sacramentos, meios eficazes da Graça.

b) Falsidade e danos do naturalismo pedagógico

É falso portanto todo o naturalismo pedagógico que, na educação da juventude, exclui ou menospreza por todos os meios a formação sobrenatural cristã; é também errado todo o método de educação que, no todo ou em parte se funda sobre a negação ou esquecimento do pecado original e da graça, e, por conseguinte, unicamente sobre as forças da natureza humana.

Tais são na sua generalidade aqueles sistemas modernos, de vários nomes, que apelam para uma pretendida autonomia e ilimitada liberdade da criança, e que diminuem ou suprimem até, a autoridade e a acção do educador, atribuindo ao educando um primado exclusivo de iniciativa e uma actividade independente de toda a lei superior natural e divina, na obra da sua educação.

Diriam, sim, a verdade, se com algumas daquelas expressões quisessem indicar, ainda que impropriamente, a necessidade cada vez mais consciente, da cooperação activa do aluno na sua educação, e se entendessem afastar desta o despotismo e a violência (a qual, de resto, não é a justa correcção), mas não diriam absolutamente nada de novo e que a Igreja não tenha já ensinado e atuado na prática da educação cristã tradicional, à semelhança do que faz o próprio Deus com as criaturas que chama a uma activa cooperação, segundo a natureza própria de cada uma, visto que a sua Sabedoria « se estende com firmeza de um a outro extremo, e tudo governa com bondade » (41).

Infelizmente com o significado óbvio das expressões, e com o mesmo facto, pretendem muitos subtrair a educação a toda a dependência da lei divina. Por isso em nossos dias se dá o caso, realmente bastante estranho, de educadores e filósofos que se afadigam à procura de um código moral e universal de educação, como se não existisse nem o Decálogo, nem a lei evangélica, nem tão pouco a lei natural, esculpida por Deus no coração do homem, promulgada pela recta razão, codificada com revelação positiva pelo mesmo Deus no Decálogo. E da mesma forma, costumam tais inovadores, como por desprezo, denominar « heterônoma », « passiva », « atrasada », a educação cristã, porque esta se funda na autoridade divina e na sua santa lei.

Estes iludem-se miseravelmente com a pretensão de libertar, como dizem, a criança, enquanto que antes a tornam escrava do seu orgulho cego e das suas paixões desordenadas, visto que estas, por uma conseqüência lógica daqueles falsos sistemas, vêm a ser justificadas como legítimas exigências da natureza pseudo-autónoma.

Mas há pior ainda, na pretensão falsa, irreverente e perigosa, além de vã, de querer submeter a indagações, a experiências e juízos de ordem natural e profana, os factos de ordem sobrenatural concernentes à educação, como por exemplo, a vocação sacerdotal ou religiosa, e em geral as ocultas operações da graça que, não obstante elevar as forças naturais, excede-as todavia infinitamente, e não pode de manei. ta nenhuma estar sujeita às leis físicas, porque « o espírito sopra onde lhe apraz » (42).

c) Educação sexual

Mormente perigoso é portanto aquele naturalismo que, em nossos tempos, invade o campo da educação em matéria delicadíssima como é a honestidade dos costumes. Assaz difuso é o erro dos que, com pretensões perigosas e más palavras, promovem a pretendida educação sexual, julgando erradamente poderem precaver os jovens contra os perigos da sensualidade, com meios puramente naturais, tais como uma temerária iniciação e instrução preventiva, indistintamente para todos, e até publicamente, e pior ainda, expondo-os por algum tempo às ocasiões para os acostumar, como dizem, e quase fortalecer-lhes o espírito contra aqueles perigos.

Estes erram gravemente, não querendo reconhecer a natural fragilidade humana e a lei de que fala o Apóstolo: contrária à lei do espírito, (43) e desprezando até a própria experiência dos factos, da qual consta que, nomeadamente nos jovens, as culpas contra os bons costumes são efeito, não tanto da ignorância intelectual, quanto e principalmente da fraqueza da vontade, exposta às ocasiões e não sustentada pelos meios da Graça.

Se consideradas todas as circunstâncias se torna necessária, em tempo oportuno, alguma instrução individual, acerca deste delicadíssimo assunto, deve, quem recebeu de Deus a missão educadora e a graça própria desse estado, tomar todas as precauções, conhecidíssimas da educação cristã tradicional, e suficientemente descritas pelo já citado Antoniano, quando diz: « Tal e tão grande é a nossa miséria e a inclinação para o mal, que muitas vezes até as coisas que se dizem para remédio dos pecados são ocasião e incitamento para o mesmo pecado. Por isso importa sumamente que um bom pai quando discorre com o filho em matéria tão lúbrica, esteja bem atento, e não desça a particularidades e aos vários modos pelos quais esta hidra infernal envenena uma tão grande parte do mundo; não seja o caso que, em vez de extinguir este fogo, o sopre ou acenda imprudentemente no coração simples e tenro da criança. Geralmente falando, enquanto perdura a infância, bastará usar daqueles remédios que juntamente com o próprio efeito, inoculam a virtude da castidade e fecham a entrada ao vício » (44).

d) Co-educação

De modo semelhante, erróneo e pernicioso à educação cristã é o chamado método da « co-educação », baseado também para muitos no naturalismo negador do pecado original, e ainda para todos os defensores deste método, sobre uma deplorável confusão de idéias que confunde a legítima convivência humana com a promiscuidade e igualdade niveladora. O Criador ordenou e dispôs a convivência perfeita dos dois sexos somente na unidade do matrimônio e gradualmente distinta na família e na sociedade. Além disso não há na própria natureza, que os faz diversos no organismo, nas inclinações e nas aptidões, nenhum argumento donde se deduza que possa ou deva haver promiscuidade, e muito menos igualdade na formação dos dois sexos. Estes, segundo os admiráveis desígnios do Criador, são destinados a completar-se mutuamente na família e na sociedade, precisamente pela sua diversidade, a qual, portanto, deve ser mantida e favorecida na formação educativa, com a necessária distinção e correspondente separação, proporcionada às diversas idades e circunstâncias. Apliquem-se estes princípios no tempo e lugar oportunos, segundo as normas da prudência cristã, em todas as escolas, nomeadamente no período mais delicado e decisivo da formação, qual é o da adolescência; e nos exercícios ginásticos e desportivos, com particular preferência à modéstia cristã na juventude feminina, à qual fica muito mal toda a exibição e publicidade.

Recordando as tremendas palavras do Divino Mestre: « Ai do mundo por causa dos escândalos! » (45) exortamos vivamente a vossa solicitude e vigilância, Veneráveis Irmãos, sobre estes perniciosíssimos erros, que largamente se vão difundindo entre o povo cristão com imenso dano da juventude.

AMBIENTE DA EDUCAÇÃO

Para obter uma educação perfeita é de suma importância cuidar em que as condições de tudo o que rodeia o educando, no período da sua formação, isto é, o complexo de todas as circunstâncias que costuma denominar-se « ambiente », corresponda bem ao fim em vista.

a) Família cristã

O primeiro ambiente natural e necessário da educação é a família, precisamente a isto destinada pelo Criador. De modo que, em geral, a educação mais eficaz e duradoira é aquela que se recebe numa família cristã bem ordenada e disciplinada, tanto mais eficaz quanto mais clara e constantemente aí brilhar sobretudo o bom exemplo dos pais e dos outros domésticos.

Não é Nossa intenção querer tratar aqui propositadamente da educação doméstica, nem sequer referindo só os seus pontos principais, tão vasta é a materia, sobre a qual, de resto, não faltam especiais tratados antigos e modernos, de autores de sã doutrina católica, entre os quais avulta, digno de especial menção, o já citado e áureo tratado de Antoniano: Della educazione cristiana dei figliuoli, que S. Carlos Borromeu mandava ler publicamente aos pais reunidos nas igrejas. Queremos porém chamar dum modo especial a vossa atenção, Veneráveis Irmãos e amados Filhos, sobre a lastimável decadência hodierna da educação familiar. Para os ofícios e profissões da vida temporal e terrena, com certeza de menor importância, fazem-se longos estudos e uma cuidadosa preparação, quando, para o ofício e dever fundamental da educação dos filhos, estão hoje pouco ou nada preparados muitos pais demasiadamente absorvidos pelos cuidados temporais.

Para enervar a influência do ambiente familiar, acresce hoje o facto de que, quase por toda a parte, se tende a afastar cada vez mais da família a juventude, desde os mais tenros anos, sob vários pretextos, quer económicos, industriais ou comerciais, quer mesmo políticos; e há regiões aonde se arrancam as crianças do seio da família para as formar ou com mais verdade para as deformar e depravar em associações e escolas sem Deus, na irreligiosidade, no ódio, segundo as avançadas teorias socialistas, repetindo-se um novo e mais horroroso massacre dos inocentes.

Portanto rogamos instantemente, pelas entranhas de Jesus Cristo, aos Pastores de almas, que nas instruções e catequeses, pela palavra e por escritos largamente divulgados, empreguem todos os meios para recordar aos pais cristãos as suas gravíssimas obrigações não só teórica ou genericamente, mas também praticamente e em particular cada uma das suas obrigações relativas à educação religiosa, moral e civil dos filhos e os métodos mais apropriados para atuá-la eficazmente, além do exemplo da sua vida. A tais instruções práticas não desdenhou descer o Apóstolo das gentes nas suas epistolas, particularmente naquela aos Efésios onde, entre outras coisas, adverte: « O' pais, não provoqueis à ira os vossos filhos », (46) o que é efeito não tanto de excessiva severidade quanto principalmente da impaciência, da ignorância dos modos mais adequados à frutuosa correcção e ainda do já demasiado e comum relaxamento da disciplina familiar, aonde crescem indómitas as paixões dos adolescentes. Cuidem por isso os pais e com eles todos os educadores, de usar retamente da autoridade a eles dada por Deus, de Quem são verdadeiramente vigários, não para vantagem própria, mas para a reta educação dos filhos no santo e filial « temor de Deus, principio da sabedoria » sobre o qual se funda exclusiva e solidamente o respeito à autoridade, sem o qual não pode subsistir nem ordem, nem tranquilidade, nem bem-estar algum na família e na sociedade.

b) A Igreja e suas obras educativas

À fraqueza das forças da natureza humana decaída, providenciou a Divina Bondade, com os abundantes auxílios da sua Graça e com os múltiplos meios de que é rica a Igreja, grande família de Cristo, a qual é por isso o ambiente educativo mais estrito e harmoniosamente unido com o da família cristã.

O qual ambiente educativo da Igreja não compreende somente os seus sacramentos, meios divinamente eficazes da graça, e os seus ritos, todos maravilhosamente educativos, nem só o recinto material do templo cristão, também ele admiravelmente educativo, na linguagem da liturgia e da arte, mas também a grande multiplicidade e variedade de escolas, associações e todo o gênero de instituições tendentes a formar a juventude na piedade religiosa, juntamente com o estudo das letras e das ciências e com a mesma recreação e cultura física. E nesta inexaurível fecundidade de obras educativas, como é admirável, ao mesmo tempo que insuperável, a providência maternal da Igreja, admirável é a harmonia acima indicada, que ela sabe manter com a família cristã, a ponto de poder dizer-se com verdade, que a Igreja e a família constituem um único templo de educação cristã.

c) Escola

E sendo necessário que as novas gerações sejam instruídas nas artes e disciplinas com as quais aproveita e prospera a convivência civil, e sendo para esta obra a família, por si só, insuficiente, daí vem a instituição social da escola, primeiramente, note-se bem, por iniciativa da família e da Igreja, e só mais tarde por obra do Estado. Por esta razão, a escola, considerada até nas suas origens históricas, é por sua natureza instituição subsidiária e complementar da família e da Igreja, e portanto, por lógica necessidade moral deve não somente não contraditar, mas harmonizar-se positivamente com os outros dois ambientes, na mais perfeita unidade moral possível, a ponto de poder constituir juntamente com a família e com a Igreja, um único santuário, sacro para a educação cristã, sob pena de falir no seu escopo, e de converter-se, em caso contrário, em obra de destruição.

E isto foi manifestamente reconhecido até por um leigo, tão falado pelos seus escritos pedagógicos (não totalmente louváveis porque eivados de liberalismo) o qual sentenciou: « a escola se não é templo é caverna »; e ainda: « Quando a educação literária, social, domestica, religiosa, se não harmonizam mutuamente, o homem é infeliz, impotente » (47).

- Neutra, laica

Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou laica, donde é excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação. De resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato torna-se irreligiosa. Não ocorre repetir aqui quanto acerca deste assunto disseram os Nossos Predecessores, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, em cujos tempos começou particularmente a dominar o laicismo na escola pública. Nós renovamos e confirmamos as suas declarações, (48) e juntamente as prescrições dos Sagrados Cânones pelas quais é proibida aos jovens católicos a freqüência de escolas acatólicas, neutras ou mistas, isto é, daquelas que são abertas indiferentemente para católicos e não católicos, sem distinção, e só pode tolerar-se tal freqüência unicamente em determinadas circunstâncias de lugar e de tempo, e sob especiais cautelas de que é juiz o Ordinário (49).

- Mista, única

E não pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior se única e obrigatória para todos), na qual, dando-se-lhes em separado a instrução religiosa, eles recebem o resto do ensino em comum com os alunos não católicos de professores acatólicos. Pois que uma escola não se torna conforme aos direitos da Igreja e da família cristã e digna da freqüência dos alunos católicos, pelo simples fato de que nela se ministra a instrução religiosa, e muitas vezes com bastante parcimônia.

- Católica

Para este efeito é indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola: mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução, em todos os graus, não só elementar, mas também media e superior. « É mister, para Nos servirmos das palavras de Leão XIII, que não só em determinadas horas se ensine aos jovens a religião, mas que toda a restante formação respire a fragrância da piedade cristã. Porque, se isto falta, se este hálito sagrado não penetra e rescalda os ânimos dos mestres e dos discípulos, muito pouca utilidade se poderá tirar de qualquer doutrina; pelo contrário, virão daí danos e não pequenos » (50).

Nem se diga ser impossível ao Estado, numa nação dividida em várias crenças, prover à instrução pública por outro modo que não seja a escola neutra ou a escola mista, devendo o Estado mais razoavelmente, e podendo também mais facilmente, prover, deixando livre e favorecendo até com subsídios a iniciativa e obra da Igreja e das famílias. E que isto seja realizável com satisfação das famílias, com utilidade da instrução, da paz e tranquilidade publica, bem o demonstra o facto de haver nações divididas em várias confissões religiosas, onde a organização escolástica corresponde ao direito educativo das familiar, não só quanto ao ensino, particularmente com a escola inteiramente católica, para os católicos, mas também quanto à justiça distributiva, com o subsídio financeiro da parte do Estado, a cada uma das escolas desejadas pelas famílias.

Noutros países de religião mista procede-se diferentemente com não leve encargo dos católicos que, sob os auspícios e direção do Episcopado, e pela ação indefessa do clero secular e regular, sustentam à própria custa a escola católica para os seus filhos, qual a reclama a gravíssima obrigação da sua consciência, e com generosidade e constância, dignas de louvor, perseveram no propósito de assegurar inteiramente, como eles proclamam à maneira de divisa: « educação católica, para toda a juventude católica, nas escolas católicas ». O que, se não é auxiliado pelo erário público, como por si exige a justiça distributiva, não pode ser impedido pela autoridade civil, que tem a consciência dos direitos da família e das condições indispensáveis da legítima liberdade. Onde quer que esta liberdade é impedida ou de vários modos dificultada, nunca os católicos se esforçarão demais, ainda à custa de grandes sacrifícios, para sustentar e defender as suas escolas, e para procurar que se promulguem leis escolares justas.

- Acção Católica em favor da Escola

Tudo o que fazem os fiéis para promover e defender a escola católica para seus filhos, é obra genuinamente religiosa, e por isso especialíssimo dever da « Acção católica »; pelo que são particularmente caras ao Nosso coração paterno e dignas de grandes encómios aquelas associações especiais que, em várias nações, com tanto zelo, se dedicam a obra tão necessária.

Por esta razão, procurando para seus filhos a escola católica (proclame-se bem alto e seja bem compreendido por todos) os católicos de qualquer nação do mundo não exercem uma acção política de partido, mas sim uma acção religiosa indispensável à sua consciência; e não entendem já separar os seus filhos do corpo e do espírito nacional, mas antes educá-los dum modo mais perfeito e mais conducente à prosperidade da nação, pois que o bom católico, precisamente em virtude da doutrina católica, é por isso mesmo o melhor cidadão, amante da sua Pátria e lealmente submisso à autoridade civil constituída em qualquer legítima forma de governo.

Nesta escola, em harmonia com a Igreja e com a família cristã, não acontecerá que, nos vários ramos de ensino, se contradiga, com evidente dano da educação, o que os discípulos aprendem na instrução religiosa; e se for necessário fazer-lhes conhecer, por escrupulosa consciência de magistério, as obras erróneas para as refutar, que seja isso feito com tal preparação e tal antídoto de sã doutrina que resulte para a formação cristã da juventude grande vantagem e não prejuízo.

Igualmente, nesta escola, nunca o estudo da língua pátria e das letras clássicas redundará em detrimento da santidade dos costumes; pois que o professor cristão seguirá o exemplo das abelhas, que das flores colhem a parte mais pura, deixando o resto, como ensina S. Basílio no seu discurso aos jovens acerca da leitura dos clássicos. (51) E esta necessária cautela, sugerida também pelo pagão Quintiliano, (52) não impede de modo nenhum que o mestre cristão acolha e aproveite quanto de verdadeiramente bom produzem os nossos tempos na disciplina e nos métodos, lembrado do que diz o Apostolo: « Examinai tudo: conservai o que é bom » (53).

Acolhendo, pois, o que é novo, terá o cuidado de não abandonar facilmente o antigo, demonstrado bom e eficaz pela experiência de muitos séculos, mormente no estudo da latinidade, que vemos, em nossos dias em progressiva decadência, exatamente pelo inqualificável abandono dos métodos tão frutuosamente usados pelo são humanismo que obteve grande florescência principalmente nas escolas da Igreja. Estas nobres tradições exigem que a juventude confiada às escolas católicas, seja, sem duvida, plenamente instruída nas letras e ciências, segundo as exigências dos nossos tempos, mas ao mesmo tempo sólida e profundamente, em especial na sã filosofia, longe da confusa superficialidade daqueles que « talvez tivessem encontrado o necessário, se não houvessem buscado o supérfluo » (54).

Deve pois todo o mestre cristão ter sempre presente o que diz Leão XIII em compendiosa sentença: « ... com maior diligencia é necessário esforçar-se para que não somente se aplique um método de ensino apto e sólido, mas ainda para que o próprio ensino nas letras e nas ciências seja em tudo conforme à fé católica, principalmente na filosofia, da qual depende em grande parte a reta direção das outras ciências (55) ».

-Bons mestres

As boas escolas são fruto, não tanto dos bons regulamentos, como principalmente dos bons mestres que, egregiamente preparados e instruídos, cada qual na disciplina que deve ensinar, e adornados das qualidades intelectuais e morais exigidas pelo seu importantíssimo ofício, se abrasam dum amor puro e divino para com os jovens que lhes foram confiados, precisamente porque amam Jesus Cristo e a sua Igreja de quem eles são filhos prediletos, e por isso mesmo têm verdadeiramente a peito o bem das famílias e da sua Pátria. É por isso que Nos enche a alma de consolação e de gratidão para com a Bondade Divina, o ver como juntamente com os religiosos e religiosas que se dedicam ao ensino, tão grande número de tais bons mestres e mestras — outrossim unidos em congregação e associações especiais para cada vez melhor cultivarem o espírito, as quais são bem dignas de serem louvadas e promovidas como poderosas e nobilíssimas auxiliares de « Ação Católica » — trabalham desinteressadamente, com zelo e constância, naquela que S. Gregorio Nazianzeno chamou « Arte das artes, ciência das ciências », (56) de dirigir e formar a juventude. E contudo também para eles vale o dito do Divino Mestre: « A messe é verdadeiramente copiosa, porém os operários são poucos »; (57) supliquemos portanto o Senhor da messe para que mande ainda muitos desses operários da educação cristã, cuja formação devem ter sumamente a peito os Pastores das almas e os Superiores maiores das Ordens religiosas.

É igualmente necessário dirigir e vigiar a educação do adolescente, « mole como a cera para inclinar-se ao vício », (58) em qualquer outro ambiente em que venha a encontrar-se, removendo as más ocasiões, proporcionando-lhe as boas, quer nas recreações quer mesmo nas companhias, já que « as más conversas corrompem os bons costumes » (59).

d) Mundo e seus perigos

Na verdade nos nossos tempos torna-se necessária uma vigilância tanto mais extensa e cuidadosa, quanto mais têm aumentado as ocasiões de naufrágio moral e religioso para a juventude inexperiente, especialmente nos livros ímpios e licenciosos, muitos dos quais diabolicamente espalhados, a preço ridículo e desprezível, nos espetáculos do cinematógrafo, e agora também nas audições radiofónicas, que multiplicam e facilitam toda a espécie de leituras, como o cinematógrafo toda a sorte de espectáculos.

Estes potentíssimos meios de vulgarização que podem ser, se bem dirigidos pelos sãos princípios, duma grande utilidade para a instrução e educação, aparecem infelizmente, na maior parte das vezes, como incentivos das más paixões e da avidez do lucro. Santo Agostinho lamentava-se da paixão pela qual eram arrastados até os cristãos do seu tempo para os espectáculos do circo, e narra-nos com vivacidade dramática a perversão, felizmente temporânea, do seu amigo e aluno Alípio. (60) Quantas depravações juvenis, por causa dos espetáculos modernos e das leituras infames, não têm hoje que chorar os pais e os educadores! São pois dignas de louvor e incremento todas as obras educativas que, com espírito sinceramente cristão de zelo pelas almas dos jovens, atendem com determinados livros e publicações periódicas, a tornar conhecidos, especialmente aos pais e educadores, os perigos morais e religiosos muitas vezes traiçoeiramente insinuados nos livros e espectáculos, e se consagram a difundir boas leituras e a promover espectáculos verdadeiramente educativos, criando até, com não pequenos sacrifícios, teatros e cinematógrafos em que a virtude não só não tenha nada a perder, mas até muito a ganhar.

Desta necessária vigilância não se segue contudo que a juventude deva ser segregada da sociedade, na qual, apesar de tudo, deve viver e salvar a alma, mas outrossim que hoje, mais que nunca, deve estar cristãmente premunida e fortalecida contra as seduções e erros do mundo, que, como adverte uma divina sentença « é todo concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida »; (61) de modo que, como dizia Tertuliano dos primeiros cristãos, sejam eles quais devem ser os verdadeiros cristãos de todos os tempos, « possuidores do mundo, que não do erro ». (62)

Com esta sentença de Tertuliano chegamos a versar aquilo que Nos propusemos tratar em último lugar, embora da máxima importância, a saber: a verdadeira substância da educação cristã qual se deduz do seu fim próprio, e em cuja consideração se torna cada vez mais clara (mais que a luz do meio-dia) a sublime missão educativa da Igreja.

FIM E FORMA DA EDUCAÇÃO CRISTÃ

O fim próprio e imediato da educação cristã é cooperar com a graça divina na formação do verdadeiro e perfeito cristão, isto é, formar o mesmo Cristo nos regenerados pelo Baptismo, segundo a viva expressão do Apóstolo: « Meus filhinhos, a quem eu trago no meu coração até que seja formado em vós Cristo ». (63) Pois que o verdadeiro cristão deve viver a vida sobrenatural em Cristo: « Cristo que é a vossa vida », (64) e manifestá-la em todas as suas acções: « a fim que também a vida de Jesus se manifeste na vossa carne mortal » (65).

a) Formar o verdadeiro cristão

Precisamente por isso a educação cristã abraça toda a extensão da vida humana, sensível, espiritual, intelectual e moral, individual, doméstica e social, não para diminuí-la de qualquer maneira, mas para a elevar, regular e aperfeiçoar segundo os exemplos e doutrina de Cristo.

Por isso o verdadeiro cristão, fruto da verdadeira educação cristã, é o homem sobrenatural que pensa, julga e opera constantemente e coerentemente, segundo a sã razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e doutrina de Cristo; ou antes, servindo-Nos da expressão, agora em uso, o verdadeiro e completo homem de carácter. Pois que não é qualquer coerência e rigidez de procedimento, segundo princípios subjectivos, o que constitui o verdadeiro caráter, mas tão somente a constância em seguir os eternos princípios da justiça, como confessa o próprio poeta pagão quando louva, inseparavelmente, « o homem justo e firme em seu propósito » (66). Por outro lado não pode haver justiça perfeita senão dando a Deus o que é de Deus, como faz o verdadeiro cristão.

Tal fim eterno da educação cristã afigura-se aos profanos uma abstracção, ou antes, irrealizável, sem a supressão ou atrofiamento das faculdades naturais, e sem a renuncia às obras da vida terrena, e por conseqüência alheio à vida social e prosperidade temporal, adverso a todo o progresso das letras, ciências e artes, e a qualquer outra obra de civilização.

A semelhante objecção nascida da ignorância e preconceito dos pagãos, mesmo cultos, de outrora — repetida infelizmente com freqüência e insistência nos tempos modernos — havia já respondido Tertuliano: «Nós não somos alheios à vida. Recordamo-nos bem do dever de gratidão para com Deus, Nosso Senhor e Criador; não repudiamos nenhum fruto das suas obras; somente nos moderamos para não usar deles mal ou descomedidamente. E assim não vivemos neste mundo sem foro, sem talhos, sem balneários, sem casas, sem negócios, sem estábulos, sem os vossos mercados e todos os outros tráficos. Nós também convosco navegamos e combatemos, cultivamos os campos e negociamos, e por isso trocamos os trabalhos e pomos à vossa disposição as nossas obras. Verdadeiramente não vejo como podemos parecer inúteis aos vossos negócios com os quais e dos quais vivemos (67).

b) Que é também o cidadão mais nobre e útil

Por conseqüência o verdadeiro cristão, em vez de renunciar às obras da vida terrena ou diminuir as suas faculdades naturais, antes as desenvolve e aperfeiçoa, coordenando-as com a vida sobrenatural, de modo a enobrecer a mesma vida natural, e a procurar-lhe utilidade mais eficaz, não só de ordem espiritual e eterna, mas também material e temporal.

Isto é provado por toda a história do cristianismo e das suas instituições, a qual se identifica com a história da verdadeira civilização e do genuíno progresso até aos nossos dias; e particularmente pelos Santos de que é fecundíssima a Igreja, e só ela, os quais conseguiram em grau perfeitíssimo, o fim ou escopo da educação cristã, e enobreceram e elevaram a convivência humana em toda a espécie de bens. De facto, os Santos foram, são e serão sempre os maiores benfeitores da sociedade humana, como também os modelos mais perfeitos em todas as classes e profissões, em todos os estados e condições de vida, desde o camponês simples e rude até ao sábio e letrado, desde o humilde artista até ao general do exército, desde o particular pai de família até ao monarca, chefe de povos e nações, desde as simples donzelas e esposas do lar domestico até às rainhas e imperatrizes. E que dizer da imensa obra, mesmo em prol da felicidade temporal, dos missionários evangélicos que juntamente com a luz da fé levaram elevam aos povos bárbaros os bens da civilização, dos fundadores de muitas e variadas obras de caridade e de assistência social, da interminável série de santos educadores e santas educadoras que perpetuaram e multiplicaram a sua obra, nas suas fecundas instituições de educação cristã, para auxílio das famílias e benefício inapreciável das nações?

c) Jesus, Mestre e Modelo de Educação

São estes os frutos benéficos sobre todos os aspectos da educação cristã, precisamente pela vida e virtude sobrenatural em Cristo que ela desenvolve e forma no homem; pois que Jesus Cristo, Nosso Senhor, Mestre Divino, é igualmente fonte e dador de tal vida e virtude, e ao mesmo tempo modelo universal e acessível a todas as condições do gênero humano, com o seu exemplo, particularmente à juventude, no período da sua vida oculta, laboriosa, obediente, aureolada de todas as virtudes individuais, domesticas e sociais, diante de Deus e dos homens.

CONCLUSÃO

E todo o complexo dos tesouros educativos de infinito valor, que acabamos de mencionar, embora de passagem, é de tal modo próprio da Igreja que constitui a sua substância, sendo ela o corpo místico de Cristo, a Esposa imaculada de Cristo, e por isso mesmo Mãe fecundíssima e Educadora soberana e perfeita. À vista disto o grande e genial S. Agostinho — de cuja feliz morte estamos para celebrar o décimo quinto centenário — prorrompia, cheio de santo afeto por tal Mãe, nestas expressões: «Ó Igreja Católica, Mãe veríssima dos Cristãos, vós com razão pregais, não só que se deve honrar puríssima e castíssimamente o próprio Deus, cuja consecução é vida felicíssima, mas também de tal modo exerceis o vosso amor e caridade para com o próximo que, junto de vós, se encontra poderosamente eficaz, todo o remédio para os muitos males de que por causa dos pecados sofrem as almas. Vós adestrais e ensinais, com simplicidade as crianças, com fortaleza os jovens, com delicadeza os velhos, segundo as necessidades do corpo e do espírito. Vós, quase diria, por livre escravidão submeteis os filhos aos pais e dais aos filhos, como superiores, os pais com domino de piedade. Vós, com o vínculo da Religião, mais forte e mais intimo que o do sangue, unis irmãos a irmãos... Vós não só com o vínculo de sociedade, mas também de uma certa fraternidade, ligais cidadãos a cidadãos, povos a povos, numa palavra, todos os homens com a lembrança dos comuns protoparentes. Ensinais aos reis que atendam bem aos povos; admoestais os povos que obedeçam aos reis. Com solicitude ensinais a quem se deve honra, a quem afecto, a quem respeito, a quem temor, a quem conforto, a quem advertência, a quem exortação, a quem correcção, a quem censura, a quem castigo, mostrando em que modo, mas não a todos, tudo se deve, a todos porém a caridade, a ninguém a ofensa (68).

Elevemos, ó Veneráveis Irmãos, os corações e as mãos suplicantes ao Céu, « ao Pastor e Bispo das nossas almas », (69) ao Rei Divino, « que .dá leis aos governantes », a fim de que nele com a sua virtude omnipotente faça que estes esplêndidos frutos da educação cristã se colham e multipliquem « em todo o mundo », sempre para maior vantagem dos indivíduos e das nações.

Como augúrio destas graças celestes, com paternal afeto, a Vós, Veneráveis Irmãos, ao Vosso Clero e ao Vosso povo, concedemos a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, em S. Pedro, a 31 de Dezembro de 1929, ano oitavo do Nosso Pontificado.

 

PIO PP. XI.


Notas

(1Marc., X, 14: Sinite parvulos venire ad me.

(2II Tim., IV, 2: Insta opportune, importune: argue, obsecra, increpa, in omni patientia et doctrina.

(3Confess., I, 1: Fecisti nos, Domine, ad Te, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te.

(4Prov., XXII, 6: Adolescens iuxta viam suam etiam cum senuerit non recedet ab ea.

(5Hom. 60, in c. 18 Matth.: Quid maius quam animis moderari, quam adolescentulorum fingere mores?

(6Marc., IX, 36: Quisquis unum ex huiusmodi pueris receperit in nomine meo, me recipit.

(7Matth., XXVIII, 18-20: Data est mihi omnis potestas in caelo et in terra. Euntes ergo docete omnes gentes, baptizantes eos in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti: docentes eos servare omnia quaecumque mandavi vobis. Et ecce ego vobiscum sum omnibus diebus usque ad consummationem saeculi.

(8) Pius IX, Ep. Quum non sine, 14 Iul. 1864: Columna et firmamentum veritatis a Divino suo Auctore fuit constituta, ut omnes homines divinam edoceat fidem, eiusque depositum sibi traditum integrum inviolatumque custodiat, ac homines eorumque consortia et actiones ad morum honestatem vitaeque integritatem, iuxta revelatae doctrinae normam, dirigat et fingat.

(9De Symbolo ad catech., XIII: Non habebit Deum patrem, qui Ecclesiam noluerit habere matrem.

(10) Ep. enc. Libertas, 20 Iun. 1888: in fide atque in institutione morum, divini magisterii Ecclesiam fecit Deus ipse participem, eamdemque divino eius beneficio falli nesciam: quare magistra mortalium est maxima ac tutissima, in eaque inest non violabile ius ad magisterii libertatem.

(11) Ep. enc. Singulari quadam, 24 Sept. 1912: Quidquid homo christianus agat, etiam in ordine rerum terrenarum, non ei licet bona negligere quae sunt supra naturam, immo oportet ad summum bonum, tamquam ad ultimum finem, ex christianae sapientiae praescriptis omnia dirigat: omnes autem actiones eius, quatenus bonae aut malae sunt in genere morum, id est cum iure naturali et divino congruunt aut discrepant, iudicio et iurisdictioni Ecclesiae subsunt.

(12) A. Manzoni, Observações sobre a Moral Católica, c. III.

(13) Codex Iuris Canonici, c. 1375.

(14Commentar. in Matth., cap. 18: Quid mundo tam periculosum quam non recepisse Christum?

(15) Cod. I. C., cc. 1381, 1382.

(16) Ep. enc. Nobilissima Gallorum Gens., 8 Febr. 1884: male sana omnis futura est animorum cultura: insueti ad verecundiam Dei adolescentes nullam ferre poterunt honeste vivendi disciplinam, suisque cupiditatibus nihil unquam negare ausi, facile ad miscendas civitates pertrahentur.

(17) Matth., XXVIII, 19: docete omnes gentes.

(18) Discurso aos alunos do Mondragone, 14 de Maio de 1929.

(19) « Deut., XXXII, 4: Dei perfecta sunt opera, et omnes viae eius indicia.

(20) S. Th., 2-2, Q. CII, a. 1: Carnalis pater particulariter participat rationem principii quae universaliter invenitur in Deo... Pater est principiam et generationis et educationis et discipline, et omnium quae ad perfectionem humane vitae pertinent.

(21) S. Th., 2-2, Q. X, a. 12: Filius enim naturaliter est aliquid patris...; ita de iure naturali est quod filius, antequam habeat usum rationis, sit sub cura patris. Unde contra iustitiam naturalem esset, si puer, antequam habeat usum rationis, a cura parentum subtrahatur, vel de eo aliquid ordinetur invitis parentibus.

(22) Suppl. S. Th. 3. p. Q. 41, a. 1: Non enim intendit natura solum generationem prolis, sed etiam traductionem et promotionem usque ad perfectum statum hominis in quantum homo est, qui est virtutis status.

(23) Cod. I. C., e. 1113: Parentes gravissima obligatione tenentur prolis educationem tum religiosam et moralem, tum physicam et civilem pro viribus curandi, et etiam temporali corum bono providendi.

(24) Ep. enc. Rerum novarum, 15 Maii 1891: Filii sunt aliquid patris, et velut paternae amplificatio quaedam personae, proprieque loqui si volumus, non ipsi per se, sed per communitatem domesticam, in qua generati sunt, civilem ineunt ac participant societatem.

(25) Ep. enc. Rerum novarum, 15 Maii 1891: Patria potestas est eiusmodi, ut nec extingui, neque absorberi a republica possit, quia idem et commune habet cum ipsa hominum vita principium.

(26) Ep. enc. Sapientiae christianae, 10 Ian. 1890: Natura parentes habent ius suum instituendi, quos procrearint, hoc adiuncto officio, ut cum fine, cuius gratia sobolem Dei beneficio susceperunt, ipsa educatio conveniat et doctrina puerilis. Igitur parentibus est necessarium eniti et contendere, ut omnem in hoc genere propulsent iniuriam, omninoque pervincant ut sua in potestate sit educere liberos, uti par est, more christiano, maximeque prohibere scholis iis a quibus periculum est ne malum venenum imbibant impietatis.

(27) Cod. I. C., c. 1113.

(28) « The fundamental theory of liberty upon which all governments in this union repose excludes any general power of the State to standardize its children by forcing them to accept instruction from public teachers only. The child is not the mere creature of the State; those who nurture him and direct his destiny have the right coupled with the high duty, to recognize, and prepare him for additional duties ». U. S. Supreme Court Decision in the Oregon School Cases, June 1, 1925.

(29) Carta ao Card. Secretario de Estado, 30 de Maio de 1929.

(30) Cod. I. C., c. 750, § 2. S. TH., 2, 2. q. X, a. 12.

(31). Discurso aos alunos de Mondragone, 14 de Maio de 1929.

(32) Discurso aos alunos de Mondragone, 14 de Maio de 1929.

(33) P. L. Taparelli, Saggio teor. di Diritto Naturale, n. 922; Obra nunca assaz louvada e recomendada ao estudo dos jovens universitários (cfr. o Nosso discurso de 18 de Dezembro de 1927).

(34) Ep. enc. Immortale Dei, 1 Nov. 1885: Deus humani generis procurationem inter duas potestates partitus est, scilicet ecclesiasticam et civilem, alteram quidem divinis, alteram humania reines praepositam. Utraque est in suo genere maxima: habet utraque certos, quibus contineatur, terminos, eosque sua cuiusque natura causaque proxime definitos; unde aliquis velut orbis circumscribitur, in quo sua cuiusque actio iure proprio versetur. Sed quia utriusque imperium est in eosdem, cum usuvenire possit, ut res una atque eadem quamquam aliter atque aliter, sed tamen eadem res, ad utriusque ius iudiciumque pertineat, debet providentissimus Deus, a quo sunt ambae constitutae, utriusque itinera recte atque ordine composuisse. Quae autem sunt, a Deo ordinatae sunt (Rom., XIII, 1).

(35) Ep. enc. Immortale Dei, 1 Nov. 1885: Itaque inter utramque potestatem quaedam intercedant necesse est ordinata colligatio: quae quidem coniunctioni non immerito comparatur, per quam anima et corpus in homine copulantur. Qualis autem et quanta ea sit, aliter iudicari non potest, nisi respiciendo, uti diximus, ad utriusque naturam, habendaque ratione excellentiae et nobilitatis causarum; cum alteri proxime maximeque propositum sit rerum mortalium curare commoda, alteri caelestia ac sempiterna bona comparare. Quidquid igitur est in rebus humanis quoquo modo sacrum, quidquid ad salutem animorum cultumve Dei pertinet, sive tale illud sit natura sua, sive rursus tale intelligatur propter causam ad quam refertur, id est omne in potestate arbitrioque Ecclesiae: cetera vero, quae civile et politicum genus complectitur, rectum est civili auctoritati esse subiecta, cum Iesus Christus iusserit, quae Caesaris sint, reddi Caesari, quae Dei, Deo.

(36Ep. 138: Proinde qui doctrinam Christi adversam dicunt esse reipublicae, dent exercitam talem, quales doctrina Christi esse milites iussit; dent tales provinciales, tales maritos, tales coniuges, tales parentes, tales filios, tales dominos, tales servos, tales reges, tales iudices, tales denique debitorum ipsius fisci redditores et exactores, quales esse praecipit doctrina christiana, et audeant eam dicere adversam esse reipublicae; imo vero non dubitent sam confiteri magnam, si obtemperetur, salutem esse reipublicae.

(37Della educazione cristiana, liv. I, e. 43.

(38) Carta ao Card. Secretário de Estado, 30 de Maio de 1929.

(39) Conc. Vat., Sess. 3, cap. 4. Neque solam fides et ratio inter se dissidere nunquam possunt, sed opera quoque sibi mutuam ferunt, cum recta ratio fidei fundamenta demonstret eiusque lumine illustrata rerum divinarum scientiam excolat, fides vero rationem ab erroribus liberet ac tueatur eamque multiplici cognitione instruat. Quapropter tantum abest, ut Ecclesia humanaram artium et disciplinaram culturae obsistat, ut hanc multis modie iuvet atque promoveat. Non enim commoda ab iis ad hominum vitam dimanantia aut ignorat aut despicit; fatetur immo, eas, quemadmodum a Deo scientiarum Domino profectae sunt, ita, si rite pertractentur, ad Deum iuvante eius gratia perducere. Nec sane ipsa vetat, ne huiusmodi discipline in suo quaeque ambitu propriis utantur principiis et propria methodo; sed instam hanc libertatem agnoscens, id sedulo cavet, ne divinae doetrinae repugnando errores in se suscipiant, aut fines proprios transgressae ea, quae sunt fidei, occupent et perturbent.

(40Prov., XXII, 15: Stultitia colligata est in corde pueriet virga discipline fugabit eam.

(41Sap., VIII, 1: attingit a fine usque ad finem fortiter, et disponit omnia suaviter.

(42Io., III, 8: Spiritus ubi vult spirat.

(43Rom., VII, 23.

(44) Silvio Antoniano, Dell'educazione cristiana dei figliuoli, lib. II, c. 88.

(45Matth., XVIII, 7; Vae munde a scandalis!

(46Eph., VI, 4: Patres, nolite ad iracundiam provocare filios vestros.

(47) Nic. Tommaseo, Pensieri sull'educazione, Parte I, 3, 6.

(48) Pius IX, Ep. Quum non sine, 14 Iul. 1864. — Syllabus, Prop. 48. —Leo XIII, alloc. Summi Pontificatus, 20 Aug. 1880, Ep. enc. Nobilissima, 8 Febr. 1884, Ep. enc. Quod multum, 22 Aug. 1886, Ep. Officio sanctissimo, 22 Dec. 1887, Ep. enc. Caritatis, 19 Mart. 1894, etc. (cfr. Cod I. C. cum Fontium Annot., c. 1374).

(49) Cod. I. C., c. 1374.

(50) Ep. enc. Militantis Ecclesiae, 1 Aug. 1897: Necesse est non modo certis horis doceri iuvenes religionem, sed reliquam institutionem omnem christianae pietatis sensus redolere. Id si desit, si sacer hic halitus non doctorum animos ac discentium pervadat joveatque, exiguae capientur ex qualibet doctrina utilitates; damna saepe consequentur hauri exigua.

(51P. G., t. 31, 570.

(52Inst. Or., I, 8.

(53) I Thess., V, 21: omnia probate; quod bonum est tenete.

(54) Seneca, Epist. 45: invenissent forsitan necessaria nisi et superflua quaesiissent.

(55) Leo XIII, Ep. enc. Inscrutabili, 21 Apr. 1878: ... alacrius adnitendum est, ut non solum apta ac solida institutionis methodus, sed maxime institutio ipsa catholicae fidei omnino conformis in litteris et disciplinis vigeat, praesertim autem in philosophia, ex qua recta aliarum scientiarum ratio magna ex parte dependet.

(56) Oratio II, P. G., t. 35, 426: ars artium et scientia scientiarum.

(57Matth., IX, 37: Messis quidem multa, operarii autem pauei.

(58) Horat., Art. poet., v. 163: cereus in vitium flecti.

(59I Cor., XV, 33: corrumpunt mores bonos colloquia mala.

(60Conf., VI, 8.

(61I Io., II, 16: concupiscentia carnis, concupiscentia oculorum et superbia vitae.

(62De Idololatria, 14: compossessores mundi, non erroris.

(63Gal., IV, 19: Filioli mei, quos iterum parturio, donec formetur Christus in vobis.

(64I Col., III, 4: Christus, vita vestra.

(65II Cor., IV, 11: ut et vita Iesu manifestetur in carne nostra mortali.

(66Horat., Od. 1. III, od. 3, v. 1: Iustum et tenacem propositi virum.

(67Apol., 42: Non sumus exules vitae. Meminimus gratiam nos debere Deo Domino Creatori; nullum fructum operum eius repudiamus; plante temperamus, ne ultra modula aut perperam utamur. Baque non sine foro, non sine macello, non sine balneis, tabernis, officinis, stabulis, nundinis vestris, caeterisque commerciis cohabitamus in hoc saeculo. Navigamus et nos vobiscum et mibitamus, et rusticamur, et mercamur, proinde miscemus artes, operas nostras publicamus usui vestro. Quomodo infructuosi videamur negotiis vestris, cum quibus et de quibus vivimus, non scio.

(68De moribus Ecclesiae catholicae, lib. I, c. 30: Merito Eccelesia catholica Mater christianorum verissima, non solum ipsum Deum, cuius adeptio vita est beatissima, purisime atque castissime colendum praedicas; sed etiam proximi dilectionem atque charitatem ta complecteris, ut variorum morborum, quibus pro peccatis suis animae aegrotant, munis apud te medicina praepolleat. Tu pueriliter pueros, fortiter iuvenes, quiete senes prout cuiusque non corporis tantum, sed et animi aetas est, exerces ac doces. Tu parentibus filios libera quadam servitute subiungis, parentes filiis pia dominatione praeponis. Tu fratribus fratres religionis vinculo firmiore atque arctiore quam sanguinis nectis... Tu ives civibus, gentes gentibus, et prorsus homines primorum parentum recordatione, non societate tantum, sed quadam etiam fraternitate coniungis. Doces Reges prospicere populis; mones populos se subdere Regibus. Quibus honor debeatur, quibus affectus, quibus reverencia, quibus timor, quibus consolatio, quibus admonitio, quibus cohortatio, quibus disciplina, quibus obiurgatio, quibus supplicium, sedulo doces; ostendens quemadmodum et non omnibus omnia, et omnibus charitas, et nulli debeatur iniuria.

(69) Cfr. I Petr., II, 25: ad Pastorem et Episcopum animarum vestrarum.


Texto retirado do link.


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.



Paideia de Werner Jaeger

Por Marcelo Vagner Bruggemann*.

A obra de Werner Jaeger, “Paideia, a formação do homem grego”, em sua 6ª edição de 2013, nos leva até a velha Grécia, já por volta do séc. XII a.C., chegando em Platão e Aristóteles  quando a dupla emergiu racionalmente a existência política e social do homem, a partir do século IV a.C. Posteriormente, essa cultura chegou aos confins geográficos do mundo oriental graças a expansão macedônica liderada por Alexandre o Grande, onde do lado ocidental, os romanos também absorveram a cultura grega, que por sua vez, fez todo mundo helenizado, tornar-se pavimento para o cristianismo.

Para o ocidente, a paideia se converteu em um dos legados imortais da mentalidade grega. Obviamente a palavra em si, “paideia”, não tem nos dias de hoje uma tradução ou um significado literal, tal nome remete a um conceito de entendimento global de “formação integral do ser humano”, como o próprio Jaeger assim diz:

Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a entender que essa coisa se contempla não com os olhos do homem moderno, mas sim com os do homem grego.

Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os gregos entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de emprega-los todos de uma vez. (JAEGER, 2013)  

Refletindo em Jaeger (p.36), entende-se que o único caminho para a compreensão do conceito de “paideia”, é o debruçamento sobre a configuração da sociedade grega e como os gregos entendiam a cultura e a educação nessa sociedade. E a partir daí, como eles realizavam a educação dos seus cidadãos na forma como entendiam o ser humano. Ou seja, alguém que precisava se adaptar a sua estrutura biológica para alastrar-se às mais elevadas esferas espirituais, cujo fim, é a formação integral do homem para servir a cidade, tornando-se um exemplo de cidadão ético, moral, justo e virtuoso na pólis. 

Platão e Aristóteles entendem a pólis, como o lugar onde “se encontra aquilo que abrange todas as esferas da vida espiritual e humana e determina de modo decisivo a sua estrutura” (p.107), nesse sentido, a cidade e o cidadão são inseparáveis, sendo a cidade virtuosa o lugar do ser humano honrado que compreende a educação como um meio para a consolidação de valores sólidos como estruturas de uma polis justa:

É esta a significação do novo Estado na formação do homem. Platão afirma, com razão que cada forma do Estado implica a formação de um tipo de homem definido, e tanto ele como Aristóteles exigem que educação de um Estado perfeito imprima em todos a marca do seu espírito (p.142). 

Chegando até aqui, pode-se ampliar a educação grega, para os sofistas, conhecidos como os tiranos do logos, mas, na “Paideia” de Jaeger, receberam grande destaque, sendo considerados inclusive como “os fundadores da ciência da educação” (p.348), não é por menos que até nos dias de hoje esse debate sofístico é ainda pauta do “ser ou não ser” da pedagogia como uma “ciência ou arte”. De todo modo, foram os sofistas que ofereceram aos indivíduos a retórica, como ferramenta de ação em um mundo complexo, mutável e carregado de conflitos, onde cada cidadão pode, por meio de decisões tomadas individualmente, apontar o caminho da verdadeira educação.

A partir da reflexão política de Aristóteles, nos leva ao questionamento: qual é o papel humano diante da sociedade? A resposta se encontra na vivência para a ação na pólis como aponta Sócrates, tratado dogmaticamente por Platão, como “o educador” (p.511), ou seja, todo o esforço humano deve ser direcionado para a alma como templo da razão, da inteligência. Cuidar da alma, significa concretamente “um cuidado através do conhecimento do valor e da verdade” (p.521). Por este caminho, se pode chegar a uma venturosa “harmonia entre a existência moral do homem e a ordem natural do universo” (p. 535).

A respeito do conhecimento da verdade e da moral expressada por Sócrates, seu principal discípulo, teve todo cuidado artesanal de registrá-las em forma de diálogo na República. É nesta grande obra de Platão, que se encontra os mais elevados exemplos das virtudes dos velhos gregos, um verdadeiro tratado pedagógico em que o próprio Jean-Jacques Rousseau declarou “a República não era uma teoria de Estado, como pensavam que só julgavam os livros pelos títulos, mas sim o mais famoso estudo jamais escrito sobre educação” (p.759).

A República é o centro da obra de Jaeger. Nela, o autor lembra a justiça como um audacioso projeto de reforma da sociedade idealizado por Platão, o qual concebe o Estado perfeito pela imagem aumentada do homem. Formar o Estado para Platão, significa formar o verdadeiro homem, isso porque, esse homem “traz na sua alma o verdadeiro Estado e age e vive em vista dele” (p.982). A paideia grega é um projeto tão ambicioso que o próprio cristianismo, só encontra sentido por meio do ideal de transformação do indivíduo para reformar a sociedade.

Nesse sentido, Platão entende que as três virtudes do corpo – saúde, beleza e força – são as bases para a medicina, contribuindo diretamente para a harmonização com as quatro virtudes da alma – piedade, valentia, moderação e justiça, como tal, essa harmonia constitui a “essência da saúde e de toda perfeição física em geral” (p.1071).  Portanto, a Medicina como Paideia se resume em atitudes educadoras que ultrapassam em muito, os limites do tratamento da doença em si, incluindo as práticas esportivas, musicais, danças e teatros no cotidiano como práticas educativas, tendo no médico apenas um conhecedor da natureza e das ervas medicinais, o qual era chamado apenas para recompor a saúde do doente, eliminando a causa da dor para sarar o homem, afastando o que o fazia sofrer.

A rigor, a harmonia que Jaeger insiste em sua Paideia, remete a união entre a filosofia com a experiência humana e sua concepção com o lugar do indivíduo na polis, no caso grego, a sociedade. A Paideia dos velhos gregos se resume na educação para a formação do homem integral, livre, e apto para o exercício pleno da cidadania. O objetivo de tal educação, consiste em determinar as coisas que constituem a razão do ser e viver. É o horizonte a ser alcançado pela capacidade intelectual somado a liberdade moral e a apreciação estética com o controle das emoções evitando tudo que é nocivo à alma.

***

* Marcelo Vagner Bruggemann é Doutor em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela FIAM-FAAM Centro Universitário. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Alvorada Paulista. Especialista em Gestão de Cidades e Planejamento Urbano pela Universidade Candido Mendes. Graduado em História pelo Centro Universitário Assunção. Jornalista profissional com Mtb 52.882. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8099-9410.

Texto do artigo disponível no link.


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.


Breve Introdução às Disciplinas Matemáticas

Capa do Livro Compedio Mathematico
de Tomás Vicente Tosca

Trecho retirado do livro Compendio Mathematico, en Que Se Contienen Todas las Materias Mas Principales de las Ciencias, Que Tratan de la Cantidad, Vol. 1, Tomás Vicente Tosca, tradução feita pelo Instituto Hugo de São Vitor na Coleção de Artes Liberais Vol. 9: Aritmética.

O desejo e o apetite pelo conhecimento são naturais nos homens, disse Aristóteles no livro I, capítulo I, da Metafísica, e entre todas as outras ciências naturais a que mais o satisfaz é a matemática: pois as excede sem comparação na pureza de suas verdades, na energia de suas provas, na clareza de suas demonstrações e no contínuo fio de suas consequências. Com isso, recebeu o nome de Matemática, que segundo sua derivação do grego, é o mesmo que doutrina, e disciplina, tornando-se seu este nobre título, que todos poderiam reivindicar como comum, pois carece de dúvidas e opiniões, tão frequente e comuns nas outras ciências, Essas névoas que tendem a obscurecer o esplendor de outras faculdades não atingem a região exaltada da Matemática; ao contrário, tais luzes descem de sua esfera elevada, descobrindo os caminhos para as outras artes naturais, para encontrar a verdade justamente desejada.

Com ela são descobertos os segredos mais escondidos da natureza. É ela quem descobre as forças do ímpeto, as condições do movimento, as causas, efeitos e diferenças dos sons: a admirável natureza da luz, as leis de sua propagação: ela ergue edifícios com beleza, torna quase inexpugnáveis as cidades, ordena admiravelmente os exércitos; e entre as ondas confusas e inconstantes do mar, abre estradas e caminhos a quem navega. Ultimamente a matemática se volta ao Céu, para descobrir a grandeza das estrelas, e o conceito e a harmonia de seus movimentos; e com várias invenções de telescópios, tornou comum o comércio da terra com o céu, tão desejado pelos séculos antigos. O tempo não será mal usado, então, se ele se consumir em seu estudo; nem será em vão o suor, se for usado em solo tão fértil, que retorna em frutos tão multiplicados.

I. Objetos, natureza e divisão da matemática

O objeto da matemática é a quantidade, não tomada como enquanto impenetrabilidade de um corpo com outro, que é a consideração própria da Física; mas apenas na medida em que é extensão ou número: e geralmente é objeto da matemática aquilo pelo qual uma coisa se diz maior, menor ou igual a outra; e a razão é porque todo o seu emprego consiste em descobrir e demonstrar as propriedade e atributos da referida quantidade. Com isso, a matemática nada mais é do que a ciência que lida com a quantidade enquanto mensurável ou contável.

Quase todos o matemáticos antigos, seguindo os pitagóricos, dividiram a matemática em quatro partes principais: aritmética, geometria, música e astronomia. Mas procedendo com melhor ordem, eu a divido em matemática pura e não pura. A primeira lida com a quantidade de tal maneira que não considera nela nenhum acidente ou afecção sensível: tais são a geometria e a aritmética; porque aquela fala do triângulo, independentemente de ser branco ou preto; de madeira, ou de ferro, etc. E a outra fala dos números, sem se envolver em descobrir se o que numera são homens, ou pedras, etc. As matemáticas não puras são aquelas que consideram a quantidade vestida e acompanhada de algum acidente ou condição sensível; e porque os afetos sensíveis são próprios da filosofia natural, ou física, elas são chamadas de físico-matemáticas: tais são a música, que trata da quantidade sonora; a óptica, da quantidade visível, etc. Estes subdividem-se em muitos outros, aos quais quero referir-me brevemente aqui, antes de entrar nesta obra; para que, vendo o estudioso reduzida a um breve mapa a agradável província que ele tem de caminhar, obterá um novo encorajamento a sua disposição.

II. As partes nas quais a matemática é dividida são declaradas

A primeiras delas é a geometria, que, tratando da extensão, mede linhas, ângulos, superfícies e sólidos: descobre suas proporções e abre as base sobre as quais se ergue a construção de toda a matemática. Segue-se a aritmética, que se vale dos números, especula sobre suas propriedades e realiza operações infalíveis com eles. Em terceiro lugar entra a Álgebra, que com incrível sagacidade, segue por vários e ocultos caminhos a verdade até encontrá-la; dissolve as equações mais difíceis e abre caminho nos labirintos mais intricados. Acompanha-lhe a trigonometria, cujo negócio é resolver triângulos: todo o sucesso da astronomia se deve a ela. A logarítmica aumenta a facilidade das operações, trata da nobre invenção dos logaritmos, números artificiais, que não pouco enriqueceram o muno literário. Todas as mencionadas são ciências puramente matemáticas.

Na ordem da físico-matemática, ocupa o primeiro lugar a música, que trata da quantidade sonora: descobre a razão das consonâncias e dissonâncias; expõe o sistema musical em diferentes gêneros: arranja os órgãos, fístulas, cravos etc., compõe diversas melodias, ajustando nelas o que está de acordo com o que está em desacordo, para o tranquilo entretenimento do ouvido. Segue a mecânica, que com máquinas artificiais aumenta muito as forças de qualquer potência: é incrível o quanto ela auxilia para se filosofar com sucesso sobre as coisas da natureza.

A estática, mesmo com o peso de seu objeto, eleva seu voo às regiões mais remotas da física, descobre as proporções e as causas da gravidade dos corpos, examina seus movimentos, esquadrinha a proporção deles ao longo de qualquer linha: seu aumento e diminuição: a balística e arte da artilharia dependem desta faculdade, de modo que sem ela nada se pode determinar corretamente. A hidrostática segue a estática, que trata das correntes das águas; descobre seus movimentos, compõe fontes artificiais deles, determina a origem e a causa dos seus movimentos naturais: examina os pesos dos metais e outros corpos no líquido e abre uma grande porte para o conhecimento das coisas naturais.

A arquitetura civil eleva os edifícios com firmeza, bela proporção e simetria, segundo as cinco ordens comuns. Isso foi conseguido pela arte chamada montea, que, usando regras geométricas, corta e ajusta as pedras, levantando com elas vários tipos de arcos e abóbodas nas fábricas. Segue-se a arquitetura militar, que ensina a fortalecer as praças, com tal arranjo de muralhas, baluartes, fossos e outras defesas, que podem poucos lutar e se defender de muitos. A artilharia trata das máquinas de fogo, arranja e examina os canhões; regula a forma de lançar as balas e outras invenções do fogo para um determinado local, por diversas linhas.

A óptica considera a quantidade enquanto é visível, e assim alarga sua consideração para os campos mais agradáveis da natureza, usando-se na especulação do movimento da luz e dos raios visuais: ela ensina a formação e a deformação das imagens, em tão diversas projeção e reduções que se formam a partir de um único ponto, que com desordem ordenada vai deformando muitos. Perspectiva, catóptrica e dióptrica nascem dela. Aquela com diferentes trajetórias, projeções e decussação dos raios, finge longe o que está perto, e avoluma o que não tem corpo. A dióptrica, ou arte anaclástica, trata dos raios de luz refratados, seus ângulos, competições e desvios: é usada na fabricação de todos os tipos de telescópios e microscópios, com os quais faz o que está longe, parecer próximo e perto; grande o que é pequeno e pequeno o que é grande: com isso ela deu a esses séculos novas notícias dos céus: novo conhecimento do artifício que a natureza escondeu por tanto tempo. A arte catóptrica, ou anacamptica, trata dos raios refletidos e, de acordo com suas leis, fabrica uma grande variedade de espelhos planos, côncavos e convexos, que, reunindo ou espalhando os raios, causam efeitos admiráveis.

A geografia considera o globo terrestre, e nos oferece, nos mapas que faz, uma ideia perfeita de seu traçado, apresentado a nossa vista em um curto espaço suas extensas regiões e províncias. A astronomia vai mais alto, sobe às regiões celestes, descobre as distâncias, grandezas e disposições dos astros, e num sistema nos esclarece a grande máquina de seus movimentos. A astronomia é seguida pela gnomômica, que com a sombra de um estilo nos mostra os movimentos dos céus; e com a variedade de relógios que fabrica, determina em diferentes planos os passos que o sol dá no curso luminoso de sua eclíptica. E ultimamente a cronografia usa na ordenação dos tempos, ajustando seus períodos aos movimentos do céu. Estas são as principais disciplinas da matemática.

III. Origem, progresso e utilidade da matemática

Não há dúvida de que com as outras ciências Deus incutiu em nosso primeiro pai Adão a notícia da matemática, que foi continuada por seus descendentes até Abraão, que a comunicou aos caldeus e aos egípcios: e destes passou sem dúvida para os gregos, porque Tales Milésio no ano 584 antes do Nascimento de Nosso Salvador passou da Grécia para o Egito, para aprender geometria, e depois comunicá-la aos seus: ele foi seguido por homens ilustres em matemática, como Pitágoras Sâmio, Anaxágoras Clazomênio, Enópides Quio, Anaximandro Milésio, Hipócrates Quio, Demócrito, Teodoro e seu discípulo Platão, Arquitas Tarentino, Teoteto, Euclides, Erastóstenes, Arquimedes, Gemino, Menelau, de cujos escritos Teodósio compôs os elementos esféricos na época de Pompeu, o Grande; estes foram seguidos por Ptolomeu Alexandrino, Proclo, Teão, Campano, João de Regiomonte, e muitos outros até nosso século, em que a matemática foi muito avançada por muitos e ilustres, especialmente São Basílio, que é elogiado por seu discípulo São Gregório Nazareno, por ter avançado muito em astronomia, geometria, aritmética e outras matemáticas; aos quais se acrescentam Santo Agostinho e Beda, o venerável, como se vê no que deixaram escrito sobre estes assuntos.

E não espanta se apreciaram tanto seu estudo, porque além de sua nobreza, ele é de imponderável proveito. Eles, disse Platão, animam o engenho e, usando a fala, a tornam apta para aprender melhor as outras ciências: por isso ele excluiu de sua Academia aqueles que eram ignorantes em geometria. Sem a matemática não é possível abrir caminho na filosofia natural com sucesso. Porque sem a estática, como explicar os movimentos dos corpos pesados, sua aceleração e suas proporções? Como a restituição do comprimido e tenso, no qual está indubitavelmente a maior parte dos efeitos da natureza? Sem a óptica, dióptrica, o que acontecerá em matéria de cores e luz, senão a escuridão? Que conceito pode ser feito da formação da íris, coroas e outros meteoros? Quanto aproveitam também para Teologia, Santo Agostinho o declara muito bem no livro 2 do Sobre a Doutrina Cristã, nos capítulo 16, 19 e 37; e São Jerônimo, no volume I, epístola I. E especialmente são necessários para o perfeito entendimento da Sagrada Escrituram, geometria, aritmética e geografia, pois são quase inumeráveis os texto que requerem estas notícias para sua inteligência.

IV. Explicação de alguns termos que são frequentes na Matemática

Autores, antigos e modernos, tendem a usar os seguintes termos em seus tratados de matemática: definições, axiomas, postulados, proposições, teoremas, problemas e lemas; que será bem explicado no início deste trabalho.

Definições são explicações de nomes e termos. E assim dizemos que por este nome Triângulo não entenderemos nada além de uma figura, que consiste em três ângulos. Estas explicações dos termos devem estar no início de qualquer Tratado, porque grande para das questões e também dos Paralogismos que se cometem, decorrem da ambiguidade e das diferentes inteligências dos nomes.

Os postulados são princípios tão claros e evidentes que não precisam de prova ou demonstração; e por serem frequentes no curso da ciência, podem que sejam concedidas no início, para que depois não haja tropeço nas demonstrações: como de um ponto a outro, pode-se traçar uma linha reta.

Axiomas, ou noções comuns, são os princípios gerais comuns a todas as ciências: tão evidentes e claros que, por si mesmo, apenas com a declaração dos termos, eles manifestam, como é "O todo é maior que sua parte"; porque sabendo que a coisa é todo e parte, a dita verdade é evidente.

Proposição é um nome geral e significa aqui qualquer conclusão da ciência que propomos provar por seus princípios. Das proposições, algumas são teoremas e outros problemas.

Teoremas, é uma proposição especulativa, que diz alguma propriedade ou paixão do sujeito, como é "Os três ângulos de qualquer triângulo junto são iguais a dois ângulos retos".

Problema é um Proposição prática, que propõe a maneira de fazer algo; como aquela que ensina a dividir uma linha em duas partes iguais.

Há também frequentemente uma proposição, que eles chamam de lema. Este é aquele que apenas é colocado, e é assumido para provar a proposição, ou as proposições seguintes, de modo que, se não fosse para este fim, nenhum menção seria feita.

Além do acima mencionado, o seguinte será encontrado neste tratado.

Corolário, ou consectário, é uma proposição, que por consequência legítima se infere do que já foi demonstrado.

Escólio é uma anotação, que às vezes é adicionada ao final de uma proposição, para sua explicação posterior, ou para uma maior extensão do que é ensinado nela.

***

Os 9 tomos originais do Padre Tomás Vicente Tosca em espanhol se encontram aqui: drive.


Curta nossa página no facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.



Paulo Freire, patrono ou ídolo de barro?

O impacto negativo de uma “pedagogia” construída sobre princípios errôneos.

Embora possa parecer o contrário, dada a forma prolixa e uma série de neologismos e a apropriação de termos do contexto católico [1], Paulo Freire, o atual patrono da educação brasileira [2], destoa e contradiz a concepção católica da educação. E como a concepção católica da educação fundamenta-se na filosofia perene, o dito patrono distancia-se e nega a própria tradição pedagógica e as verdades acerca da educação.

E, como a árvore se conhece pelos frutos que dá, é no ambiente escolar que se perceberá todo impacto negativo de uma “pedagogia” construída sobre princípios errôneos e por vezes contraditórios entre si [3]. O presente artigo visa, portanto, expor alguns dos principais erros em matéria pedagógica por negar os princípios perenes da educação, depois de que, algumas amargas consequências práticas da assunção destes erros na prática escolar sem uma maior reflexão, mas influenciado pelo misticismo que se construiu em torno ao seu inventor.

Para a educação católica, o fim último da educação é levar o homem a Deus e enobrecer este mesmo ser humano pelo que lhe é próprio: a alma racional e imortal [4]; Paulo Freire rebaixa o fim da educação à formação política do homem [5] – acepção essa bem diversa do zoon politikon de Aristóteles – de modo que a pedagogia freiriana visa a militância mais que o intelecto, tratando-se portanto de uma pedagogia materialista.

Para a educação católica, a busca da sabedoria é o mais alto ideal e para alcançá-la são necessários fundamentos vigorosos como o trabalho intelectual e a vida virtuosa [6]; para Paulo Freire a crítica vem antes do fundamento e a politização do educando antes da sabedoria [7].

Para a educação católica, a Religião ocupa lugar de destaque como possibilidade de síntese e sentido para o conhecimento e a elevação do mesmo; Paulo Freire, apesar de fazer uso de termos tirados do contexto católico, todavia, por apoiar-se em princípios materialistas, ignora ou mesmo nega o ensino religioso defendido e praticado pela educação católica – na esteira de seus inspiradores que dizem que a religião é alienante [8]. Paulo Freire inclusive mostra afinidades com regimes políticos condenados pela Igreja por tratar-se de regimes ateístas e que grande mal fizeram à humanidade [9].

Para a educação católica, o professor é a causa auxiliar da educação e o aluno a causa principal, de modo que o aluno é o principal responsável pelo próprio aprendizado, sem todavia negar ou diminuir o papel do professor e o seu saber maior que o do aluno a fim de auxiliá-lo com conteúdos e no próprio processo de aprendizagem [10]; a pedagogia freiriana reduz, quando não, nega o papel indispensável do professor e com isso dos conteúdos, da escola e da autoridade [11], visão oriunda da ideologia revolucionária e igualitarista a que conduz os sistemas nos quais se fundamenta.

Para a educação católica, conforme a ordem natural, a família tem a primazia inviolável, mas não despótica, na educação da prole e seu papel é indispensável, sendo ajudada pela Igreja e subsidiada pelo Estado [12]; Paulo Freire suprime a primazia da família em relação a educação da prole e a transfere para a ideologia do partido que assume as faces do Estado [13].

Algumas consequências práticas:

Analfabetismo funcional agravado

Alfabetização é o primeiro passo e o mais fundamental para o domínio da linguagem, portanto deve ser muito bem realizada a fim de deixar calçados os outros estágios. Paulo Freire nega o conceito tradicional de alfabetização, o qual afirma não passar de “ato mecânico de ‘depositar’ palavras, sílabas e letras nos alfabetizandos” ou ainda de “mera transfusão alienante” que em nada contribui para a “transformação revolucionária da sociedade de classes, em que a humanização é inviável” [14]. “A alfabetização, que era feita em poucos meses no primeiro ano do ensino fundamental, hoje não se completa em três anos. E 63% da população é analfabeta funcional” [15].

Rebaixamento do nível intelectual, moral e cultural

Ao prescindir da aquisição da humanidade no decorrer da história, desconsiderando conquistas e conteúdos, em favor de uma crítica carente de fundamentos, evidentemente a consequência é a queda do nível intelectual, moral e cultural, pois o que passa a contar é o que cada um traz consigo independentemente se certo ou errado, se tenha ou não princípios ou não que condigam com tal assertiva. Tudo passa a valer. De modo que a herança das gerações passadas não passa de domínio das elites. Uma prova cabal de tal rebaixamento a nível intelectual se nota a posição do Brasil no ranking do PISA: no fundo do poço. Mesmo o investimento em educação, em relação ao PIB, ultrapassando o de nações como os EUA, este 5,4%, o Brasil 7% [16].

Degradação do ambiente escolar

Tirada a finalidade real da educação e a definição correta de autoridade todo edifício tende a ruir-se – e, de fato, este é o objetivo revolucionário “o movimento real que suprime o estado de coisas atual”. Deixo aos interessados, como constatação, uma obra que descobri nos cantos da prateleira de uma livraria e que diz muito da degradação do ambiente escolar: “Indisciplina e impunidade na escola. Porque professores estão adoecendo e alunos não estão aprendendo” [17]. O tema por si só já é bastante sintomático.

Um ligeiro confronto com a concepção da educação conforme a filosofia católica, e por isso, perene, é suficiente para que o ídolo se despedace, tanto mais quando se olha para as consequências de uma tal “idolatria”. O ídolo esculpido não resiste a verdade, se quebra. Tomo por bem, concluir a reflexão com as palavras de Thomas GIULLIANO, organizador da obra Descontruindo Paulo Freire, na qual se baseou a presente reflexão: “Patrono é sinônimo de: padroeiro, protetor, defensor. No nosso caso, não encontramos em nosso modelo escolhido qualquer uma dessas virtudes. Temos o símbolo politicamente esculpido, porém, intimamente oco” (p. 49).


Referências

[1] GIULLIANO, T. Desconstruindo Paulo Freire. Porto Alegre: História Expressa, 2017. p. 181-182.

[2] Lei n. 12.612 de 13 de abril de 2012, sancionada por Dilma Rousseff.

[3] GIULLIANO. op. cit. p. 124ss.

[4] SIQUEIRA, A. A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1948. p. 127ss.

[5] “...Paulo Freire não tem apenas preocupações pedagógicas, mas é também movido por intenções políticas. Aliás, um repórter do Jornal da República do Recife, aos 31/08/79, interrogou Paulo Freire, de passagem pelo Brasil, a respeito de eventual filiação a partido político; ao que respondeu o mestre: “Faço política através da pedagogia” (GIULLIANO. p. 163). “A conscientização, associada ou não ao processo de alfabetização, (...) não pode ser blá-blá-blá alienante, mas um esforço crítico de desvelamento da realidade, que envolve necessariamente um engajamento político” (FREIRE, P. Ação cultural: para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 109).

[6] REDDEN, J. D.; RYAN F. A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Agir, 1973. p. 15.

[7] “...neste sistema nós não fazemos discurso, não fazemos aula, porque inclusive o que nós estamos conseguindo é uma espécie de subversões legítimas. (...) superamos o programa acadêmico por situações sociológicas desafiadoras que nós pomos diante dos grupos com quem nós provocamos e arrancamos uma sabedoria que existe e que é esta sabedoria opinativa e existencial do povo” (Discurso do professor Paulo Freire, em Angicos, ao encerramento do curso de alfabetização de adultos, p. 5-6. apud. GIULLIANO. op. cit. p. 205).

[8] GIULLIANO. op. cit. p. 196ss.

[9] GIULLIANO. op. cit. p. 184-190.

[10] SIQUEIRA. op. cit. p. 175ss.

[11] “Assim, em lugar da escola, que nos parece um conceito, entre nós demasiado carregado de passividade, em face de nossa própria formação (mesmo quando se lhe dá o atributo de ativa), contradizendo a dinâmica fase de transição, lançamos o Círculo de Cultura. Em lugar do professor, com tradições fortemente “doadoras”, o Coordenador de debates. Em lugar da aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar de “pontos” e de programas alienados, “programação compacta”, “reduzida” e “codificada” em unidades de aprendizado” (FREIRE, P. A Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 102-103).

[12] PIO XI. Divini Illius Magistri. Roma, 1929.

[13] Diz ele: “As relações pais-filhos, nos lares, refletem, de modo geral, as condições objetivo-culturais da totalidade de que participam. E, se estas são condições autoritárias, rígidas, dominadoras, penetram os lares, que incrementam o clima da opressão” (Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 208). “Características da consciência ingênua: 2 – Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando jovens” (FREIRE, P. Educação e mudança. 36ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 52). “Não podem nem devem omitir-se, mas precisam saber assumir que o futuro é de seus filhos e não seu. É preferível, para mim, reforçar o direito que tem à liberdade de decidir, mesmo correndo o risco de não acertar, a seguir a decisão dos pais. É decidindo que se aprende a decidir... a posição da mãe ou do pai (...) assessor ou assessora do filho ou da filha (...) jamais tenta impor sua vontade ou se abespinha porque seu ponto de vista não foi aceito” (FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 103).

[14] ARAÚJO, P. H. A. Pedagogia católica e pedagogia da barbárie. Revista Catolicismo, Ano LXIX, nº 823, p. 44-45, julho, 2019. [Disponível no link: https://www.ipco.org.br/pedagogia-catolica-e-pedagogia-da-barbarie]

[15] GIULLIANO. op. cit. p. 192. Disse ele mesmo a respeito do próprio método: “Eu fiz, no Recife, no Movimento de Cultura Popular, que relato no livro ‘Educação como prática da liberdade’, uma experiência que durou de dois a três meses, se não me falha a memória. Eram cinco pessoas, das quais duas desistiram. As três que ficaram, depois de três meses, liam. Aliás, um dia eu levei uma aluna minha da faculdade pra ver isso e ela não acreditou. Pegou, ela mesma, um livro de Machado de Assis, da biblioteca do lugar onde se fazia a experiência. Deu ao homem e ele leu. Se você perguntar se foi possível discutir com ele a página que ele leu de Machado de Assis, eu acho que não discutimos, e se discutíssemos, possivelmente, ele não teria feito uma penetração mais profunda no texto, pois, para uma experiência de dois a três meses, o sujeito fazer isso é extraordinário” (PELANDRÉ, N. Efeitos a longo prazo do método de alfabetização Paulo Freire. UFSC, 1998. p. 304-305. apud. GIULLIANO. op. cit. p. 211).

[16] Há um excelente artigo de BRUGGEMANN Marcelo V. a este respeito na Revista Cidade Educadora, ano II, nº 18, p. 13-15, março, 2019. [Disponível no link: https://cidadeeducadora.net/noticias/capa/na-terra-de-paulo-freire-sobra-dinheiro-para-educacao-e-brasil-permanece-entre-os-ultimos-no-ranking-do-pisa/]

[17] SCHIMIEGUEL, O.; SCHIMIEGUEL, H. Indisciplina e impunidade na escola: por que os professores estão adoecendo e os alunos não estão aprendendo. Blumenau: Nova Letra, 2015.

***

Texto de autoria do Padre Alexandre Alessio e retirado do link. Sobre o autor: Pe. Alexandre Alessio, CR - Religioso da Congregação da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo (CR). Concluiu os estudos de Filosofia no Instituto São Basílio Magno, Curitiba - PR, sua formação teológica ocorreu em Roma pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente é pároco da Paróquia Imaculada Conceição em Franco da Rocha, Diocese de Bragança Paulista - SP, local onde iniciou o Projeto de Evangelização Jesus ao Centro, sustentado pela Associação Bento XVI, da qual é o fundador.


Curta nossa página no facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.


Hugo e Ricardo de São Vítor

Nesta iluminura de Giovanni di Paolo (séc. XV), Dante
e sua amada Beatriz (no alto, à esquerda) encontram-se
no Paraíso com alguns dos mais importantes religiosos
da história. Ricardo de São Vítor é o penúltimo direita
para a esquerda no arco de baixo. No alto, com Dante
e Beatriz, estão Tomás de Aquino e Alberto Magno. No
arco, da esquerda para a direita, Graciano de Chiusi,
Pedro Lombardo, Dionísio Areopagita, Salomão, Boécio,
Paulo Orósio, Isidoro de Sevilha (fitando o serafim),
Beda, Ricardo e Siger de Brabante.

Abaixo transcrevemos uma homilia do Papa Bento XVI sobre Hugo e Ricardo de São Vítor.

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 25 de Novembro de 2009

Hugo e Ricardo de São Vítor

Queridos irmãos e irmãs!
Nestas Audiências de quarta-feira estou a apresentar algumas figuras exemplares de crentes, que se comprometeram a mostrar a concórdia entre a razão e a fé e a testemunhar com a sua vida o anúncio do Evangelho. Hoje, pretendo falar-vos de Hugo e Ricardo de São Vítor. Ambos se situam entre aqueles filósofos e teólogos conhecidos com o nome de Vitorianos, porque viveram e ensinaram na abadia de São Vítor, em Paris, fundada no início do século XII por Guilherme de Chapeaux. O próprio Guilherme foi mestre renomado, que conseguiu dar à sua abadia uma sólida identidade cultural. Em São Vítor, de facto, foi inaugurada uma escola para a formação dos monges, aberta também a estudantes externos, na qual se realizou uma síntese feliz entre os dois modos de fazer teologia, da qual já falei em catequeses precedentes:  isto é, a teologia monástica, orientada sobretudo para a contemplação dos mistérios da fé na Escritura, e a teologia escolástica, que utilizava a razão para procurar perscrutar estes mistérios com métodos inovadores, e criar um sistema teológico.

Temos poucas notícias da vida de Hugo de São Vítor. São incertos a data e o lugar do nascimento:  talvez na Saxónia ou na Flandres. Sabe-se que, tendo chegado a Paris – a capital europeia da cultura desse tempo – transcorreu o resto dos seus anos na abadia de São Vítor, onde foi primeiro discípulo e depois professor. Já antes da morte, no ano de 1141, alcançou uma grande fama e estima, a ponto de ser chamado um "segundo Santo Agostinho":  de facto, como Agostinho ele meditou muito sobre a relação entre fé e razão, entre ciências profanas e teologia. Segundo Hugo de São Vítor, todas as ciências, além de serem úteis para a compreensão das Escrituras, têm um valor em si mesmas e devem ser cultivadas para ampliar o saber do homem, assim como para corresponder ao seu anseio por conhecer a verdade. Esta sadia curiosidade intelectual levou-o a recomendar aos estudantes que jamais limitassem o desejo de aprender e no seu tratado de metodologia do saber e de pedagogia, intitulado significativamente Didascalicon (sobre o ensino), recomendava:  "Aprende de bom grado de todos o que não sabes. Será mais sábio do que todos aquele que terá querido aprender algo de todos. Quem recebe algo de todos, acaba por se tornar mais rico do que todos" (Eruditiones Didascalicae, 3, 14:  PL 176, 774).

A ciência da qual se ocupam os filósofos e os teólogos chamados Vitorianos é de modo particular a teologia, que exige antes de tudo o estudo amoroso da Sagrada Escritura. Com efeito, para conhecer Deus não se pode deixar de começar a partir do que o próprio Deus quis revelar de si mesmo através das Escrituras. Neste sentido, Hugo de São Vítor é um típico representante da teologia monástica, totalmente fundada na exegese bíblica. Para interpretar a Escritura, ele propõe a tradicional articulação patrístico-medieval, ou seja, em primeiro lugar o sentido histórico-literal, depois o alegórico e anagógico, e por fim o moral. Trata-se de quatro dimensões do sentido da Escritura, que também hoje se redescobrem, pelo qual se vê que no texto e na narração oferecida se esconde uma indicação mais profunda:  o fio da fé, que nos conduz para o alto e nos guia nesta terra, ensinando-nos a viver. Contudo, mesmo respeitando estas quatro dimensões do sentido da Escritura, de modo original em relação aos seus contemporâneos, ele insiste – e este é um aspecto novo – sobre a importância do sentido histórico-literal. Por outras palavras, antes de descobrir o valor simbólico, as dimensões mais profundas do texto bíblico, é preciso conhecer e aprofundar o significado da história narrada na Escritura:  caso contrário – adverte com uma comparação eficaz – corre-se o risco de ser como que um estudioso de gramática que ignora o alfabeto. Para quem conhece o sentido da história descrita na Bíblia, as vicissitudes humanas parecem marcadas pela Providência Divina, segundo um seu desígnio bem ordenado. Assim, para Hugo de São Vítor, a história não é o êxito de um destino cego ou de um caso absurdo, como poderia parecer. Ao contrário, na história humana age o Espírito Santo, que suscita um diálogo maravilhoso dos homens com Deus, seu amigo. Esta visão teológica da história põe em evidência a intervenção surpreendente e salvífica de Deus, que realmente entra e age na história, quase se faz parte da nossa história, mas salvaguardando e respeitando sempre a liberdade e a responsabilidade do homem.

Para o nosso autor, o estudo da Sagrada Escritura e do seu significado histórico-literal torna possível a teologia verdadeira, isto é, a ilustração sistemática das verdades, conhecer a sua estrutura, a explicação dos dogmas da fé, que ele apresenta numa síntese sólida no tratado De Sacramentis christianae fidei (Os sacramentos da fé cristã), onde se encontra, entre outras, uma definição de "sacramento" que, aperfeiçoada ulteriormente por outros teólogos, contém aspectos ainda hoje muito interessantes. "O sacramento", escreve ele, "é um elemento corpóreo ou material proposto de modo externo e sensível, que representa com a sua semelhança uma graça invisível e espiritual, a significa, porque para esta finalidade foi instituído, e a contém, porque é capaz de santificar" (9, 2; PL 176, 317). Por um lado a visibilidade no símbolo, a "corporeidade" do dom de Deus, no qual contudo, por outro lado, se esconde a graça divina que provém de uma história:  o próprio Jesus Cristo criou símbolos fundamentais. São portanto três os elementos que concorrem para definir um sacramento, segundo Hugo de São Vítor:  a instituição por parte de Cristo, a comunicação da graça e a analogia entre o elemento visível, o material e o elemento invisível, que são os dons divinos. Trata-se de uma visão muito próxima da sensibilidade contemporânea, porque os sacramentos são apresentados com uma linguagem rica de símbolos e imagens capazes de falar imediatamente ao coração dos homens. É importante também hoje que os animadores litúrgicos, e em particular os sacerdotes, valorizem com sabedoria pastoral os sinais próprios dos ritos sacramentais – esta visibilidade e tangibilidade da Graça – cuidando atentamente da sua catequese, para que cada celebração dos sacramentos seja vivida por todos os fiéis com devoção, intensidade e júbilo espiritual.

Um discípulo digno de Hugo de São Vítor é Ricardo, proveniente da Escócia. Ele foi prior da abadia de São Vítor de 1162 a 1173, ano da sua morte. Também Ricardo, naturalmente, atribui um papel fundamental ao estudo da Bíblia, mas, ao contrário do seu mestre, privilegia o sentido alegórico, o significado simbólico da Escritura com o qual, por exemplo, interpreta a figura veterotestamentária de Benjamim, filho de Jacob, como símbolo da contemplação e vértice da vida espiritual. Ricardo trata este tema em dois textos, Benjamim Menor e Benjamim Maior, nos quais propõe aos fiéis um caminho espiritual que convida antes de tudo a exercer as várias virtudes, aprendendo a disciplinar e a ordenar com a razão os sentimentos e os impulsos interiores afectivos e emotivos. Só quando o homem alcança equilíbrio e maturação humana neste campo, está pronto para aceder à contemplação, que Ricardo define como "um olhar profundo e puro da alma sobre as maravilhas da sabedoria, associado a um sentido estático de estupefacção e admiração" (Benjamim Maior, 1, 4; PL 196, 67).

Por conseguinte, a contemplação é o ponto de chegada, o resultado de um caminho difícil, que exige o diálogo entre a fé e a razão, ou seja – mais uma vez – um discurso teológico. A teologia começa a partir das verdades que são objecto da fé, mas procura aprofundar o conhecimento com o uso da razão, apropriando-se do dom da fé. Esta aplicação do raciocínio à compreensão da fé é praticada de modo convincente na obra-prima de Ricardo, um dos grandes livros da história, o De Trinitate (A Trindade). Nos seis livros que a compõem ele reflecte com perspicácia sobre o Mistério de Deus uno e trino. Segundo o nosso autor, dado que Deus é amor, a única substância divina exige comunicação, oblação e dilecção entre duas Pessoas, o Pai e o Filho, que se encontram entre si num intercâmbio eterno de amor. Mas a perfeição da felicidade e da bondade não admite exclusivismos nem fechamentos:  exige antes a presença eterna de uma terceira Pessoa, o Espírito Santo. O amor trinitário é participativo, concorde e requer superabundância de dilecção, gozo de alegria incessante. Isto é, Ricardo supõe que Deus é amor, analisa a essência do amor, o que está implicado na realidade do amor, chegando assim à Trindade das Pessoas, que é realmente a expressão lógica do facto de que Deus é amor.

Contudo Ricardo está consciente de que o amor, mesmo se nos revela a essência de Deus, nos faz "compreender" o Mistério da Trindade, contudo é uma analogia para falar de um Mistério que supera a mente humana, e – sendo poeta e místico – serve-se também de outras imagens. Por exemplo, compara a divindade com um rio, com uma onda amorosa que brota do Pai, flui e reflui no Filho, para ser depois felizmente difundida no Espírito Santo.

Queridos amigos, autores como Hugo e Ricardo de São Vítor elevam o nosso ânimo à contemplação das realidades divinas. Ao mesmo tempo, a imensa alegria que nos suscitam o pensamento, a admiração e o louvor da Santíssima Trindade, funda e apoia o compromisso concreto de nos inspirarmos neste modelo perfeito de comunhão no amor para construir as nossas relações humanas de todos os dias. A Trindade é deveras comunhão perfeita! Como mudaria o mundo se nas famílias, nas paróquias e em qualquer outra comunidade as relações fossem vividas seguindo sempre o exemplo das três Pessoas divinas, em que cada um vive não só com o outro, mas para o outro e no outro! Recordei isto há alguns meses no Angelus:  "Só o amor nos torna felizes, porque vivemos em relação, e vivemos para amar e para ser amados" (L'Oss. Rom., ed. port. de 13 de Junho de 2009). É o amor que realiza este milagre incessante:  como na vida da Santíssima Trindade, a pluralidade recompõe-se em unidade, onde tudo é complacência e júbilo. Com Santo Agostinho, tido em grande honra pelos Vitorianos, também nós podemos exclamar:  Vides Trinitatem, si caritatem vides – contemplas a Trindade, se vês a caridade" (De Trinitate VIII, 8, 12).

Texto retiro do site link.


Curta nossa página no facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.



Total de visualizações de página