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Educação = Escola?

4 min de leitura

Texto retirado de MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. 4ª Impressão, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973. (Esta obra foi reeditada pelas Edições Kírion, Campinas em 2017).

ESCOLA E EDUCAÇÃO

Não deixa de ser verdade que, em comparação com nossas idéias modernas, o ensino do mestre de primeiras letras não é verdadeiramente apreciado. Salientarei o fato, que interessa à exata apreciação da vida e da política escolar antigas: a escola não desempenha ainda na educação o papel preponderante que assumirá a partir da Idade Média no Ocidente.

O mestre de primeiras letras é encarregado de um setor especializado da instrução, provê tecnicamente a inteligência da criança, mas não é ele quem educa. O essencial da educação é a formação moral, a do caráter, do estilo de vida. O “mestre” está encarregado apenas de ensinar a ler, o que é muito menos importante.

A associação, que nos parece hoje natural, da instrução primária e da formação moral é, entre nós, uma herança da Idade Média, ou melhor: da escola monástica, onde a um mesmo personagem coube promover a síntese de dois papéis bem distintos: o de instrutor e o de pai espiritual. Na Antiguidade, o mestre de primeiras letras é alguém muito apagado para que a família pense em confiar-lhe, como o faz tão freqüentemente hoje, a responsabilidade da educação.

Se alguém, que não os pais, recebe esta missão, é decerto o pedagogo: um simples escravo, sem dúvida, mas que pelo menos pertence à casa e que, através do contato quotidiano, pelo exemplo se possível, em todo caso através dos preceitos e de uma vigilância atenta, contribui para a educação, e sobretudo para a educação moral, incomparavelmente superior às aulas puramente técnicas do “gramatista”.

Mede-se sem esforço toda a importância desta constatação: ela estabelece grande diferença entre os problemas modernos e seus equivalentes antigos; para nós o problema central da educação é o da escola. Nada de análogo entre os antigos. Atente-se num dos inumeráveis tratados que a época helenística e romana consagrou “à educação das crianças”, o que nos foi transmitido sob o nome de Plutarco (14): fica-se admirado do pouco caso que aí se faz das questões propriamente escolares: elogio da cultura geral secundária como preparação à filosofia [43], elogio dos livros, “instrumentos da educação [44]”, alusões ao ginásio [45] ou ao valor da memória [46]: tudo o mais, ressalvada uma exposição em que o autor não pôde abster-se de comunicar-nos suas teorias literárias [47], está consagrado apenas à definição da atmosfera moral da educação: esta se interessa menos pela instrução propriamente dita que pela formação do caráter, e para isso, não é com a escola que se conta; reencontraremos estes fatos a propósito do problema da educação religiosa, tal como será proposto pelo cristianismo.


Notas:

[43] PLUTARCO, Sobre a Educação das Crianças, 7 CD. 

[44] Idem, 8 B.

[45] Idem, 11 CD. 

[46] Idem, 9 DE.

[47] Idem, 6 C-7 C.


Nota Complementar

(14) Sobre o De liberis educandis de Plutarco, cf. F. GLAESER, De Pseudo-Plutarchi livro περ παίδων ἀγωγῆς, Dissertationes philologicae Vindobonenses, XII (Viena, Leipzig, 1918), 1. O caráter apócrifo deste tratado, que ninguém contesta mais desde WYTTENBACH (1820), não me parece tão bem demonstrado.

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Leia mais em Escola x Universidade

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Uma Enciclopédia Matemática esquecida na História

Página de um manuscrito representando as
alegorias da aritmética e da geometria (manuscrito)

Tempo de leitura: 1h 10 min

Abaixo segue trechos de um artigo de Sérgio Nobre Isidoro de Sevilla e História da Matemática presente em sua enciclopédia Etimologías publicado na Revista Brasileira de História da Matemática - Vol. 5 nº 9 (abril/2005 -setembro/2005 ) - pág. 37-58. (RBHM, Vol. 5, no 9, p. 37-58, 2005).


ISIDORO DE SEVILLA E A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA PRESENTE EM SUA ENCICLOPÉDIA ETIMOLOGIAS (SÉC. 7) [*] por Sergio Nobre, Unesp – Rio Claro - Brasil


Palavras iniciais

A história da divulgação das descobertas científicas é um grande e importante capítulo do contexto historiográfico científico. Antes do surgimento das grandes revistas científicas, o cientista, de posse de resultados novos e originais, tinha uma certa dificuldade em divulgar suas descobertas. O cuidado para que resultados científicos originais não caíssem em mãos inadequadas chegava a ser de tal forma meticuloso que exigia muita criatividade por parte de seus autores. Leonardo da Vinci (1452-1519), por exemplo, escreveu a maioria de seus textos científicos de forma que pudessem ser lidos somente através de um espelho, e espelho naquela época era artigo raro. O envio de correspondências comunicando os resultados descobertos foi um importante meio de divulgação científica e foi muito usado. De posse de um novo resultado, o cientista enviava correspondências para diferentes colegas, como forma de que estes soubessem da nova descoberta. O envio simultâneo de correspondências para diferentes pessoas servia também para garantir que, individualmente, nenhuma delas pudesse alegar ser o detentor das idéias contidas na carta recebida. Em alguns casos, a mensagem contida nessas correspondências era feita através de códigos, que somente o remetente tinha a chave de como decifrar. Um exemplo clássico foram as correspondências enviadas por Isaac Newton a Leibniz, onde, através de anagramas, Newton comunicou a Leibniz suas descobertas relativas ao Cálculo Diferencial e Integral [1].

A partir de meados do século XVII, com o surgimento das academias científicas e de revistas científicas, a divulgação científica ganhou novas proporções. O cientista passou a ter as sessões das academias como fórum de divulgação de suas descobertas e as revistas científicas como instrumento de difusão destas. As principais revistas surgidas foram: Journal des Sçavans, Paris, 1665; Philosophical Transactions, Londres,1665; Giornale de Letterati, Roma, 1668; Acta Eruditorum Lipsiensis, Leipzig, 1682; Mémoires de l'Acádemie des Sciences, Paris, 1699; Miscellanea Berolinensia, Berlin, 1710; Commentarii Academiae Scientiarum Imperialis Petropolitanae, St. Petersburgo, 1728. Nelas foram publicados alguns dos mais importantes artigos científicos do período que compreende o final do século XVII e início do século XIX. No entanto, após o surgimento das revistas científicas, não foram somente elas que serviram de instrumento de divulgação de temas originais. A publicação de muitos resultados originais também se deu por intermédio de livros, e sobre isso existem alguns exemplos clássicos. Em alguns casos, o reconhecimento dos resultados apresentados deu-se de imediato, como é o exemplo de Isaac Newton que expôs muitos resultados originais em sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, publicada em 1687. O Marquês de L‟Hospital (1661-1704) também apresentou alguns resultados originais em sua obra de maior importância, Analyse des infiniment petits, publicado em 1696. A famosa Regra de L’Hospital, embora reconhecida posteriormente como não sendo de sua autoria, ganhou notoriedade a partir de seu aparecimento nesse livro.

O matemático português José Anastácio da Cunha (1744-1787), porém, não teve a mesma sorte que os colegas acadêmicos acima citados. Anastácio da Cunha também apresentou alguns resultados originais acerca da análise infinitesimal em seu livro Princípios Mathemáticos, publicado em Lisboa, em 1790, mas, por problemas relativos à pequena divulgação da obra nos meios acadêmicos europeus, eles não lhes trouxeram o merecido reconhecimento no período da publicação. Se da Cunha tivesse optado por divulgá-los em revistas científicas existentes na época, certamente a história de seu reconhecimento como importante matemático europeu teria sido outra [2].

Casos semelhantes ao de Anastácio da Cunha são comuns no desenvolvimento historiográfico da matemática e, de tempos em tempos, descobrem-se autores que produziram boa matemática e que, inclusive, obtiveram resultados originais, antecipando-se àqueles que foram aclamados pela comunidade científica como tendo sido os primeiros a obterem tais resultados [3].

Além de livros e textos referentes a temas específicos que foram escritos por personagens pertencentes ao mundo científico, e que, ou ainda são desconhecidos pela comunidade de historiadores, ou ainda não foram analisados com a necessária profundidade histórico-científica, há um universo que se abre no campo literário em geral. Muitas outras obras que, embora não tenham sido escritas originalmente obedecendo os parâmetros estritamente científicos, também apresentam importantes informações acerca do desenvolvimento da ciência. Sejam essas obras de ficção ou não, em alguns casos, elas abordam temas que dizem respeito ao conhecimento científico, evocando inclusive muitos assuntos científicos originais. No caso das obras literárias classificadas como não sendo de ficção, possivelmente o melhor exemplo que, no decorrer da história do desenvolvimento cultural, apresentou em seu conteúdo idéias científicas originais, são as enciclopédias universais. Embora elas não tenham sido escritas com esse objetivo, pesquisas históricas realizadas em algumas dessas obras detectaram a existência de temas que foram tratados de forma relativamente original para a época de sua publicação [4].

No que diz respeito à apresentação de assuntos históricos, a obra enciclopédica é elemento fundamental, pois nela contém episódios que foram relevantes na época de sua publicação, muitos dos quais foram perdendo seu lugar de destaque com o decorrer dos anos, o que qualifica essas obras como importantes instrumentos para a análise historiográfica tanto sob o ponto de vista geral, como sob o específico. Uma análise sobre os elementos históricos referentes à matemática presentes em obras enciclopédicas é o objeto de interesse de um amplo trabalho de investigação. Uma primeira etapa deste trabalho foi realizada em uma obra do início do século VII Etymologiarvm sive Originvm libri XX, de Isidoro de Sevilla.

Sob o ponto de vista geral, uma obra enciclopédica é a apresentação sistemática de todo o conhecimento acumulado até o período de sua publicação. Uma obra enciclopédica possui características específicas e diferenciadas de uma obra científica especializada. Destinada ao grande público, a enciclopédia tem como principal meta apresentar as informações de tal forma que possam ser compreendidas por um leitor comum, ou seja, pelo leitor não especialista no assunto em questão. Enfim, uma enciclopédia tem como objetivo central oferecer aos seus leitores informações globais sobre determinados temas através de uma linguagem simples e de fácil compreensão. O objetivo central deste trabalho é analisar a matemática presente na obra supra citada, e, em especial, como se dá a apresentação de informações históricas relativas a ela. Inicialmente foi escolhida uma enciclopédia do período que antecedeu a Idade Média Européia, e sobre ela este texto discorrerá.

A escolha da enciclopédia de Isidoro de Sevilla para a realização deste estudo deve-se ao fato de que ela é uma das mais importantes obras enciclopédicas produzidas no período de transição entre as Idades Antiga e Média. Alguns anos antes da publicação da enciclopédia de Isidoro, Cassiodorus (490-585) foi responsável pela compilação da obra Institutiones divinarum et sæcularium litterarum, também uma enciclopédia que, em parte, serviu de referência para Isidoro. Por que então a opção pela obra de Isidoro? As frases de Bernard Ribémont colaboram para uma melhor explicação acerca dessa opção:

The medieval encyclopaedic tradition was founded under Isidore's pen. Indeed, even if Isidore, knowing the second book of the Instituitiones, took from it his speech on the liberal arts, his own procedure is quite different from that of Cassiodorus. Cassiodorus proposed a reading program to his monks, gathering sacred letters and secular ones –giving first place to the former- and built an educational course for the micro-society of monks, who needed to find their way in a library in search of the books they needed to improve their knowledge of the sacra pagina.. Isidore handled the problem differently, because he embedded it in a wider and a far more systematic perspective. Here there is no question of a catalogue raisonné, but rather each rubric is justified by two elements: in the first place, the book of Etymologiae, as indicated in the title, is entirely based on a system that could be summarised in the Isidorian maxim: etymologia est ortigo [5].

No sentido de completar as frases de Ribémont, há de ser destacada a importância dada atualmente à pessoa do Santo Isidoro de Sevilla, que tem o dia 4 de abril dedicado a ele. Isidoro é tido como o santo padroeiro dos internautas. Uma pessoa do passado a quem foram atribuídas qualidades futurísticas [6], sobre quem a frase do grande poeta alemão Friedrich Schiller (1759-1805) encontra um sentido: Die Welt wird alt und wird wieder jung, ou seja, o mundo torna-se velho e torna-se novamente jovem. Para a realização deste estudo foi utilizada a edição crítica da obra de Isidoro publicada no idioma original em 1911, em Oxford [7] e as principais obras de referência foram os textos de Ernest Brehaut An encyclopedist of the dark ages – Isidore of Seville, publicado em primeira edição no ano de 1912, Die Artes liberales im frühen Mittelalter (5. – 9. Jh.), de Brigitte Englisch [8].


Isidoro de Sevilla – vida e obra

Os dados relativos à infância e adolescência de Isidoro de Sevilla são escassos [9]. Presume-se que ele tenha nascido no ano de 560, provavelmente na região de Cartagena, no sul da Espanha. Com o falecimento de seus pais, quando ainda era muito jovem, Isidoro ficou aos cuidados de seu irmão mais velho, o Bispo Leandro de Sevilla (?-601?), que o encaminhou para a vida religiosa. Isidoro tornou-se Bispo de Sevilla aproximadamente entre 599 e 601, sucedendo a seu irmão. Seu falecimento dá-se no dia 04 de abril de 636, na cidade de Sevilla. Isidoro de Sevilla foi canonizado no ano de 1598, tornando-se Santo Isidoro de Sevilla. O dia de seu falecimento é referenciado pela Igreja Católica como “Dia de Santo Isidoro”. Em 1722 ele foi referenciado Mestre da Doutrina Religiosa pelo Papa Inocêncio XIII [10].

Embora considerado como apenas um disseminador do conhecimento, pois, segundo alguns historiadores contemporâneos, não realizou novas observações, não fez novas interpretações e nenhuma descoberta [11], Isidoro de Sevilla figura como um dos mais importantes personagens na história do período de transição entre a Antigüidade e a Idade Média Européia. Suas obras obtiveram grande difusão ainda no início do século VII, tornando-se conhecidas tanto por povos de origem latina quanto por outros povos como os irlandeses, os ingleses e os alemães. A obra de Isidoro é considerada como a mais lida durante todo o período da Idade Média Européia [12]. Devido às ricas informações contidas nessas obras, tanto sobre o período no qual foram escritas como também sobre períodos anteriores, é inquestionável sua relevância para a História da Humanidade. Esse fato pode ser confirmado a partir de inúmeras referências feitas aos escritos de Isidoro de Sevilla e, mais recentemente, a partir da quantidade de trabalhos histórico-científicos produzidos sobre sua produção literária, como se pode confirmar nas palavras de Ernest Brehaut: The influence which he exerted upon the following centuries was very great. His organisation of the field of secular science, although it amounted to no more than the laying out of a corpse, was that chiefly accepted throughout the early medieval period. The innumerable references to him by later writers, the many remaining manuscripts, and the successive editions of his works after the invention of printing, indicate the great role he played [13].

Sem deixar de lado assuntos religiosos, quando escreveu sobre as sagradas escrituras, as leis canônicas, teologia e liturgia, Isidoro também se dedicou à escrita de temas ligados à história da Espanha e história geral, à educação e à ciência, com ênfase nas Artes Liberais. Além de sua consagrada enciclopédia Etymologiarvm sive Originvm libri XX, os trabalhos mais importantes de Isidoro são: Differentiae, de Natura Rerum, Liber Numerorum, Alegoriae, Sentenciae e Ordine Creatorarum [14].

A obra Differentiae é composta de dois livros. O primeiro, organizado em ordem alfabética, trata das diferenças entre palavras e o segundo das diferenças entre coisas. O texto de Natura Rerum [15] é um livro científico onde Isidoro apresenta sua visão física do universo dissertando, sobre temas que são abordados no livro do Gênesis, como: o fenômeno da criação da luz; o dia e a noite e as seqüências das semanas e meses que compunham o calendário; o céu e os fenômenos meteorológicos como o trovão, o arco-íris, o vento; mares e oceanos, entre outros. O texto Liber Numerorum, embora pelo título dê a entender que seja um livro matemático, na verdade trata de assuntos ligados ao misticismo sobre os números. Alegoriae é um texto com breves comentários sobre as principais alegorias presentes no Velho e no Novo Testamento. O tratado sobre a doutrina cristã e sobre a moral, o Sententiae, composto de três livros, é um dos mais importantes escritos de Isidoro de Sevilla. No texto de Ordine Creaturarum, Isidoro, diferentemente do que havia feito no Natura Rerum, apresenta a criação do universo tanto do ponto de vista material como espiritual. Certamente todos os seus escritos serviram de suporte para que Isidoro pudesse organizar a sua obra principal, a enciclopédia Etimologias, sobre a qual apresentaremos maiores detalhes.


Etymologiarvm sive Originvm libri XX

Organizada em 20 livros, a obra Etimologias, ou Origens, de Isidoro de Sevilla figura como uma das mais importantes obras enciclopédicas da cultura ocidental. Um destaque acerca dessa importância está na quantidade de reedições que a obra tem [16]. Ainda sobre isso, escreve Ernest Brehaut: His many writings, and especially his great encyclopaedia, the Etymologies, are among the most important sources for the history of intellectual culture in the early middle ages, since in them are gathered together and summed up all such dead remnants of secular learning as had not been absolutely rejected by the superstition of his own and earlier ages [17].

Etimologias é uma obra que apresenta o conhecimento de forma geral com tendências a estabelecer um padrão educacional para a época. Através de uma ampla abordagem sobre o conhecimento humano da época, além dos assuntos eclesiais, Isidoro de Sevilla apresenta em sua obra uma quantidade significativa de temas que iriam fazer parte do Trivium e do Quadrivium [18] adotados pelas instituições educacionais nos séculos seguintes. Os títulos dos 20 livros são:

1. De Grammatica et Partibus eius;

2. De Rethorica et Dialetica;

3. De Mathematica, cuius partes sunt Arithmetica, Musica, Geometrica et Astronomica;

4. De Medicina;

5. De Legibus vel Instrumentis Iudicum ac de Temporibus;

6. De Ordine Scripturarum, de Cyclis et Canonibus, de Festivitatibus et Officiis;

7. De Deo et Angelis, de Nominibus Praesagis, de Nominibus Sanctorum Patrum, de Martyribus, Clericis, Monachis, et ceteris Nominibus;

8. De Ecclesia et Synagoga, de Religione et Fide, de Haeresibus, de Philosophis, Poetis, Sibyllis, Magis, Paganis ac Dis Gentium;

9. De Linguis Gentium, de Regum, Militum Civiumque Vocabulis vel Affinatatibus;

10. [De] Qua<e>dam Nomina per Alphabetum Distincta;

11. De Homine et Partibus eius, de Aetatibus Hominum, de Portentis et Transformatis;

12. De Quadrupedibus, Reptilibus, Piscibus ac Volat<il>ibus;

13. De Elementis, id est de Caelo et Aere, de Aquis, de Mare, [de] Fluminibus ac Diluviis;

14. De Terra et Paradiso et [de] Provinciis totius Orbis, de Insulis, Montibus ceterisque Locorum Vocabulis ac de Inferioribus Terrae;

15. De Civitatibus, de Aedificiis Vrbanis et Rusticis, de Agris, de Finibus et Mensuris Agrorum, de Itineribus;

16. De Glebis ex Terra vel Aquis, de omni genere Gemmarum et Lapidum pretiosorum et vilium, de Ebore quoque inter Marmora notato, de Vitro, de Metallis omnibus, de Ponderibus et Mensuris;

17. De Culturis Agrorum, de Frugibus universi generis, de Vitibus et Arboribus omnis generis, de Herbis et Holeribus universis;

18. De Bellis et Triumphis ac Instrumentis Bellicis, de Foro, de Spectaculis, Alea et Pila;

19. De Navibus, Funibus et Retibus, de Fabris Ferrariis et Fabricis Parientum et cunctis Instrumentis Aedificiorum, de Lanificiis quoque, Ornamentis et Vestibus universis;

20. De Mensis et Escis et Potibus et Vasculis corum, de Vasis Vinariis, Aquariis et Oleariis, Cocorum, Pistorum, et Luminariorum, de Lectis, Sellis et Vehiculis, Rusticis et Hortorum, sive de Instrumentis Equorum.

Especificamente, os livros apresentam os seguintes temas:

Artes Liberais

livros 1 a 3

Medicina e anatomia humana

livros 4 e 11

Direito

livro 5

Assuntos religiosos

livros 6 a 8

Idiomas e pessoas em diferentes impérios

livro 9

Dicionário etimológico (ordem alfabética)

livro 10

Zoologia

livro 12

Geografia, cosmologia e divisões do tempo

livros 13, 14 e 5

Elementos da construção civil, materiais, pesos e medidas

livros 15 e 16

Agricultura

livro 17

Elementos bélicos

livro 18

Navegações, edificações, ornamentações

livro 19

Alimentos, ferramentas, móveis

livro 20

Em grandes blocos, os assuntos presentes na Etimologias são:

  • Educacionais e científicos: englobando as artes liberais, medicina, zoologia, geografia, cosmologia, meteorologia, etc.;
  • Religiosos e jurídicos;
  • Técnicos: com temas sobre edificações, agricultura, navegações, elementos de guerra, etc.

Em uma análise preliminar sobre os três blocos de assuntos presentes na enciclopédia de Isidoro percebe-se a abrangência e o caráter universal da obra em relação ao período no qual foi escrita. De modo geral, os temas justificam-se a partir do pensamento intelectual da época. Os temas religiosos e jurídicos são justificados pelas atividades religiosas do autor e a estreita ligação entre igreja e estado. Os temas técnicos adquirem uma conotação toda especial para o período de conquistas romanas e a construção, também no sentido físico, do grande Império Romano. Os temas educacionais e científicos apresentados na obra Etimologias são característicos do pensamento enciclopédico do período em questão e dizem respeito também ao envolvimento de Isidoro com assuntos ligados à educação de jovens nos mosteiros. Dentre os assuntos científicos apresentados na enciclopédia, a Matemática ocupa um destaque especial no livro 3, de Mathematica, cuius partes sunt Arithmetica, Musica, Geometrica et Astronomica, onde são abordados os grandes temas matemáticos da época, consagrados como os elementos fundamentais no currículo acadêmico da Idade Média Européia, ou seja, o Quadrivium. A esse capítulo dedicaremos maior atenção.


Livro 3: de Mathematica, cuius partes sunt Arithmetica, Musica, Geometrica et Astronomica (sobre a Matemática, cujas partes são Aritmética, Música, Geometria e Astronomia).

Na história européia, o período que compreende os séculos VI e VII, vivido por Isidoro de Sevilla, é conhecido historicamente como um período obscuro devido às poucas informações que se tem sobre ele. Isso também diz respeito ao pouco que se sabe sobre o desenvolvimento da matemática. Anicius Boethius (c.480-524) é reconhecidamente o matemático mais importante dessa época e sua obra representa o período no qual se fortaleciam as traduções de textos de matemática do grego para o latim. Um outro personagem importante para esse período foi o senador romano Flavius Magnus Aurélius Cassiodorus (490-585), discípulo de Boethius. Apesar de ele não ter se dedicado às matemáticas, é responsável por importantes obras de divulgação, dentre elas Institutiones divinarum et sæcularium litterarum, em dois volumes, o segundo volume dedicado às Artes Liberais, onde a matemática está incluída. Como seguidor das orientações de Cassiodorus, e indiretamente das de Boethius, Isidoro de Sevilla figura também como uma personalidade importante para a matemática nessa chamada época das trevas. Dentre as poucas informações que se tem sobre a matemática no território europeu dessa época, as obras de Boethius, Cassiodorus e de Isidoro destacam-se como as de maior importância. O texto sobre a matemática que Isidoro apresenta na Etimologias, por obedecer a características próprias a um texto enciclopédico, é classificado como um texto educacional. E foi certamente este o objetivo do autor, ou seja, apresentar assuntos referentes à matemática de forma simples e de fácil compreensão. A caracterização de texto educacional evidencia-se através da forma como Isidoro classifica as quatro partes da matemática. Aritmética, geometria, música e astronomia são classificadas não como domínios do conhecimento matemático, mas sim como disciplinas, seguindo, portanto, o propósito do autor em oferecer um texto didático sobre a matemática que pudesse ser utilizado por estudantes de sua época.


O conteúdo matemático na obra Etimologias

Iniciamos este capítulo afirmando que não é o propósito deste trabalho realizar uma análise detalhada sobre como é apresentada a matemática na obra Etimologias de Isidoro de Sevilla. Para os interessados em tal análise, indicamos as obras citadas no início do texto. O objetivo central é apenas dar uma visão geral de como Isidoro apresentou a matemática, abrindo então um caminho para o tema central deste trabalho, que é a análise sobre os temas historiográficos relativos à ciência e à matemática presentes na obra.


Sobre a aritmética

Isidoro inicia o texto dizendo que a aritmética é a ciência dos números e que na literatura secular os escritores assumem que eles (os números) são os primeiros elementos na ciência matemática que não dependem de outras ciências para sua existência. Após essa introdução, são apresentados pequenos verbetes (itens) explicativos sobre os números, suas qualidades e as operações entre eles. Os verbetes são:

 quid sit numerus (o que é número): é um verbete introdutório onde é dada uma explicação inicial sobre o que é número, numerus autem est multitudo ex unitatibus constituta (número é multitude constituída de unidades), e em seguida algumas explicações sobre a origem dos termos, nas quais são comparados os termos em grego com o seu significado em latim. Ao realizar as explicações sobre as relações entre os termos em grego e em latim, percebe-se que Isidoro se fundamenta na cultura matemática grega para desenvolver seus escritos;

quid praestent numeri (a que servem os números): neste verbete Isidoro evoca o poder religioso para justificar a importância dos números na vida das pessoas. Para tanto é citada uma frase contida no Livro da Sabedoria das Sagradas Escrituras - "Omnia in mensura et numero et pondere fecisti" (tudo dispuseste com medida, número e peso) (Sap. 11,21);

de prima divisione parium et imparium (sobre a primeira divisão em pares e ímpares): a divisão dos números em pares e ímpares e suas características é explicada neste verbete. Dentre algumas classificações dadas por Isidoro, como “números simples, compostos, medíocres, etc”, aparece a classificação de número primo embora a expressão “número primo” não seja usada – Simplices sunt, qui nullam aliam partem habent nisi solam unitaten, ut ternarius solam tertiam, et quinarius solam quintam, et septanarius solam septimam. His enim una pars sola est (simples são os que não têm nenhuma outra parte senão a unidade, como o ternário só a terça, o quinário só a quinta, o septenário só a sétima. Pois nesses há apenas uma só parte);

de secunda divisione totius numeri (sobre a segunda divisão de todos os números): aqui são dadas explicações sobre os múltiplos e submúltiplos dos números, igualdade e desigualdade entre números, e, através da comparação entre números, são apresentados números fracionários. O exemplo dado para isto é que na comparação entre os números 3 e 2, o 3 contém o 2 uma vez mais o número 1, que é a metade do 2;

de tertia divisione totius numeri (sobre a terceira divisão de todos os números): neste item Isidoro escreve que os números são divididos em abstratos e concretos e estes (os concretos) podem ser compreendidos como a representação de medidas lineares, medidas de superfície e medidas de volumes. Os números abstratos são aqueles que são entendidos como unidades abstratas e os números concretos representam magnitude. Nesse verbete Isidoro evidencia a utilização prática dos números quando eles representam uma unidade de medida, mas é importante ressaltar que a noção abstrata de número não é abandonada;

de differentia Arithmeticae, Geometriae et Musicae (sobre a diferença entre aritmética, geometria e música): neste pequeno verbete, Isidoro explica, a partir de exemplos numéricos, que há diferenças nas operações com números efetuadas no campo da aritmética, ou no campo da geometria, ou então no campo musical;

quot numeri infinit existunt (que números infinitos existem): através de explicações sobre o processo da soma e da multiplicação entre os números é dada a certeza da existência de números infinitamente grandes.


Sobre a geometria

O capítulo sobre geometria é apresentado por Isidoro de forma bem sucinta; de forma geral, são explicadas apenas algumas nomenclaturas. Os verbetes com a apresentação dos elementos geométricos são:

de quadripartita divisione geometriae (sobre os quatro desdobramentos da geometria): que a geometria se desdobra em figuras planas, grandezas numéricas, grandezas racionais e figuras sólidas. Na explicação sobre o que são grandezas racionais, Isidoro menciona a existência de grandezas irracionais - Magnitudines rationales sunt, quorum mensuram scire possumus, inrationales vero, quorum mensurae quantitas cognita non habetur (grandezas racionais são aquelas das quais podemos ter uma medida, e as irracionais aquelas das quais não há medida em quantidade conhecida);

de figuris geometriae (sobre as figuras geométricas): através do auxílio do desenho, são apresentadas algumas figuras geométricas como círculo e semicírculo, quadrilátero, esfera, cubo, cone, pirâmide, entre outras. Neste item também aparecem as definições de ponto, reta e plano (superfície) que seguem as orientações expostas por Euclides (c.365-300) em seus Elementos – Prima autem figura huius artis punctus est, cuius pars nulla est. Secunda linea, prater latitudinem longitudo. Recta linea est, quae ex aequo in suis punctis iacet. Superficies vero, quod longitudines et latitudines solas habet. Superficei vero fines lineae sunt, quorum formae ideo in superioribus decem figuris positae non sunt, quia intereas inveniuntur (A primeira figura desta arte é o ponto, que não tem parte. A segunda é a linha, que tem longura, mas não largura. Linha reta é a que jaz por igual em seus pontos. A superfície tem apenas largura e longura. Os limites da superfície são as linhas, cujas formas por isso não foram postas nas dez figuras acima (anteriores), porque se encontram entre elas);

de numeris geometriae (sobre os números geométricos): neste item são dados alguns exemplos numéricos com o objetivo de se explicar a existência da média geométrica.


Sobre a música

Por meio de um tratamento educacional, onde a música é apresentada como a mais velha das subdivisões da matemática, Isidoro inicia este capítulo explicando o que é música – Musica est peritia modulationes sono cantuque consistens (Música é uma perícia que consiste em realizar modulações com som e canto) e as origens do termo música – et dicta Musica per derivationem a Musis (é dita Música por derivação de Musas). A seguir, tece pequenos comentários sobre a importância da música, suas subdivisões e como os tempos musicais se ordenam de forma numérica. A apresentação de alguns dos verbetes é dada da seguinte forma:

quid possit musica (sobre o poder da música): neste verbete é destacado que o conhecimento musical é primordial para que se dê o conhecimento universal;

de tribus partibus musicae (sobre as três partes da música): as três partes da música são: harmônica, rítmica e métrica;

de triformi musicae divisione (sobre as três formas de divisão da música): nestes e nos próximos verbetes, Isidoro tece explicações sobre a divisão harmônica, a divisão orgânica e sobre a divisão rítmica da música;

de numeros musicis (sobre os números da música): neste verbete são explicadas as relações entre os números e os tempos musicais.


Sobre a astronomia

O capítulo sobre a astronomia é o maior dos quatro apresentados como subdivisões da matemática. São 47 verbetes (itens) sendo que o último (sobre os nomes das estrelas) ocupa a terça parte do capítulo. Alguns dos verbetes são:

de differentia astronomiae et astrologiae (sobre a diferença entre astronomia e astrologia): neste item Isidoro evidencia que há diferenças entre astronomia e astrologia. Enquanto a astronomia explica os movimentos ocorridos no céu, as posições e os movimentos dos corpos celestes, assim como suas origens e nomenclaturas, a astrologia é em parte natural e em parte superstição. A parte supersticiosa da astrologia é aquela que faz profecias através das estrelas. Este é um tema que certamente abalava as estruturas religiosas da época, no entanto Isidoro não omite em sua obra a existência de áreas do conhecimento que se ocupam de temas que se contrapõem aos dogmas religiosos;

de astronomiae ratione (sobre a razão da astronomia): o objetivo da astronomia é definir o que é o universo, o que é posição e movimento dos planetas, o que são os cursos do sol, da lua e das estrelas, etc;

de forma mundi (sobre a forma do universo): forma mundi ita demonstratur. Nam quemadmodum erigitur mundus in septentrionalem plagam, ita declinatur in australem. Caput autem eius et quasi facies orientalis regio est, ultima pars septentrionatis est (sobre a forma do universo: a forma do universo assim se demonstra. Da mesma forma como o universo se ergue na região setentrional, assim declina na austral. Sua parte superior e como que sua face é a região oriental, e sua parte inferior a setentrional.);

de sphaerae caelestis situ (sobre a localização da esfera celeste): seguindo o modelo ptolomaico, o que é natural para a época, Isidoro afirma que o universo é uma esfera e seu centro é a Terra;

de magnitudine solis (sobre a magnitude do sol): Magnitudo solis fortior terrae est, unde et eodem momento, quum oritur, et orienti simul et occidenti aequaliter apparet. Quod tamquam cubitalis nobis videtur, considerare oportet quantum sol distat a terris, quae longitudo facit ut parvus videatur a nobis (O sol é maior do que a terra, pois no mesmo momento em que nasce, apresenta-se igualmente ao oriente e ao ocidente. Porque parece ter a altura de um côvado, é preciso considerar o quanto o sol dista da terra, e a distância faz com que pareça pequeno para nós);

de cursu solis (sobre o curso do sol): Neste item é afirmado que o Sol tem um movimento sobre si próprio e que não acompanha o movimento do universo - Solem per se ipsum moveri, non cum mundo verti (o sol se move por si só, e não junto com o universo). Também é ressaltado que o Sol não possui um curso fixo, o que se percebe através das mudanças de local no nascente e poente;

de itinere solis (sobre o itinerário do sol): Sol oriens per meridiem iter habet. Qui postquam ad occasum venerit et Oceano se tinxerit, per incognitas sub terra vias vadit et rursus ad orientem (O sol, depois que nasce faz, seu caminho pelo meridião. Depois que tiver se posto e se banhado no Oceano, vai por sob a terra, por caminhos desconhecidos, de volta ao oriente). [...];

de lumine lunae (sobre a luz da Lua): neste verbete Isidoro evidencia que há discussões entre os filósofos sobre se a Lua possui ou não luz própria. Enquanto alguns afirmam que a Lua possui luz própria, que uma de suas partes é brilhante e a outra escura e que seu movimento resulta nas diferentes fases, outros, ao contrário, afirmam que ela é iluminada pelos raios do Sol, e que, portanto, por esse motivo, ocorre o eclipse. Cabe ressaltar aqui a postura de Isidoro em divulgar pensamentos divergentes sobre determinados assuntos, no entanto fica claro que ele adota a segunda interpretação quando ele disserta em outro verbete sobre a luz das estrelas;

de vicinitate lunae ad terras (sobre a proximidade da Lua com a Terra): a Lua está mais próxima da Terra do que o Sol e, portanto, tem uma órbita menor e por isto termina seu curso mais rapidamente. Neste verbete também é acrescentado que os antigos entendem que a mudança dos meses depende da Lua enquanto a mudança dos anos depende do Sol;

de lumine stellarum (sobre a luz das estrelas): neste verbete, em poucas palavras, Isidoro assume que as estrelas não têm luz própria e que, da mesma forma que a Lua, são iluminadas pelo Sol;

de nominibus stellarum (sobre os nomes das estrelas): este é o maior verbete do capítulo, ocupando aproximadamente a terça parte dele. Nele são apresentados os nomes dos astros conhecidos no céu, como os planetas, estrelas, constelações, etc. Há também uma pequena explicação sobre os cometas.


Notas sobre a história da matemática no Livro 3

Ao iniciar os capítulos referentes à aritmética, geometria, música e astronomia, Isidoro de Sevilla faz a apresentação dos temas a partir de informações sobre suas histórias e sobre alguns personagens que tenham contribuído para o desenvolvimento deles. Com exceção da aritmética, parte em que Isidoro escreve sobre seus autores, de auctoribus eius, nos outros três casos ele usa o termo “inventores” para qualificar aqueles que foram os primeiros a atuarem nos referidos assuntos (por exemplo, de inventoribus geometriae: sobre os inventores da geometria). A discussão sobre se os elementos matemáticos são descobertas ou invenções faz parte das questões filosófico-acadêmicas da época atual. Não há indícios na obra de Isidoro de que ele estivesse atento a este tema, tanto porque ele não menciona a palavra descoberta em seu texto. Nesse sentido fica aqui registrado como um pensador europeu do início do século VII qualificava aqueles que foram pioneiros no desenvolvimento de um determinado assunto teórico.

As referências históricas presentes na obra Etimologias aparecem através de pequenas informações, em forma de verbetes (itens), onde são evidenciados a origem dos assuntos ou quem foram os primeiros a se ocupar deles. Para que se possa ter idéia de como estão apresentados tais verbetes, transcrevemos aqui os textos na versão original em latim, acompanhados das respectivas análises históricas:


Livro 3 – de Mathematica

Capítulo – de Arithmetica

DE AVCTORIBVS EIVS. Numeri disciplinam apud Graecos primum Pythagoram autumant cosncripsisse, ac deinde a Nicomacho diffusius esse dispositam; quam apud Latinos primus Apuleius, deinde Boetius transtulerunt.

Isidoro menciona que Pitágoras foi o primeiro grego a escrever sobre a ciência dos números e que posteriormente foi completado por Nicomachus. As informações históricas contidas nesse verbete são importantes contribuições para aqueles que posteriormente viriam a escrever sobre a história das origens das teorias numéricas. Isidoro ressalta a figura do personagem de nome Pitágoras (c.580-500), ligado à Ciência dos Números. Embora Isidoro não mencione a existência de documentos que comprovem a existência de Pitágoras, pois certamente ele também se apóia em outros autores que o citam [19], esse é mais um documento histórico que confirma a ligação de Pitágoras com a matemática e especificamente com temas relacionados à teoria de números. Outra informação histórica importante que aparece nesse pequeno verbete é a existência de um outro grego que continuou os estudos iniciados por Pitágoras ou por membros da Escola Pitagórica. Isidoro cita Nicomachus de Gerasa (~100 A.D.), pitagórico que, além de escritos matemáticos, produziu muitos textos sobre teoria musical [20]. A respeito da obra matemática de Nicomachus, Isidoro não menciona o título - certamente deve ser o seu texto mais conhecido, Introdução à aritmética [21] - mas explicita que ela obteve duas traduções para o latim. Com relação às traduções para o latim, Isidoro menciona que a obra de Nicomachus foi primeiramente traduzida por Apuleius e em seguida por Boethius. São duas informações importantes para a compreensão do desenvolvimento histórico relativo às traduções de textos gregos para o latim. Primeiramente é citado Apuleius de Madaura (c.125-171), um sofista platônico provavelmente do século II da Era Cristã, de quem muito pouco se sabe, muito menos sobre suas atividades relacionadas à matemática [22]. Cabe ressaltar, que dentre as poucas informações que se têm atualmente sobre Apuleius, algumas são originárias das menções feitas a ele por Cassiodorus e Isidoro [23]. Caso fosse encontrada, certamente essa tradução da obra de Nicomachus feita por Apuleius teria sua dose de contribuição para a compreensão do pensamento romano-europeu no início da era cristã. Como dissemos, o segundo autor citado por Isidoro como tradutor da obra de Nicomachus foi o erudito italiano Anicius Boethius (c.480-524), que em vida atuou nas áreas de lógica, matemática, música, teologia e filosofia. A informação dada por Isidoro de que Boethius traduziu a obra de Nicomachus não é uma simples especulação. Historiadores clássicos como Montucla (1725-1799) e Moritz Cantor reafirmam o que Isidoro escreve. Historiadores contemporâneos que se dedicaram à comparação entre as obras, como o Prof. Dr. Menso Folkerts, do Institut der Geschichte der Naturwissenschaften da Universidade de Munique, por exemplo, também confirmam que os textos matemáticos de Boethius são traduções de textos gregos [24]. Isso nos leva a reafirmar a importância das informações históricas contidas na obra de Isidoro.


Livro 3 – de Mathematica

Capítulo – de Geometria

DE INVENTIORIBVS GEOMETRIAE. Geometriae disciplina primum ab Aegyptiis reperta dicitur, quod, inundante Nilo et possessionibus limo obductis, initium terrae dividendae per lineas et mensuras nomen arti dedit. Quae deinde longius acumine sapientium profecta et maris et caeli et aeris spatia metiuntur. Nam provocati studio sic coeperunt post terrae dimensionem et caeli spatia quaerere: quanto intervallo luna a terris, a luna sol ipse distaret, et usque ad verticem caeli quanta se mensura distenderet, sicque intervalla ipsa caeli orbisque ambitum per numerum stadiorum ratione probabili distinxerunt. Sed quia ex terrae dimensione haec disciplina coepit, ex initio sui et nomen servavit.

Isidoro escreve que a geometria foi inventada pelos egípcios quando, com o recuo das águas após as inundações do rio Nilo, a terra fértil era dividida para as plantações. Essa divisão de terras através de medidas de comprimento e medidas de área deu origem ao termo “geometria”. Como complemento ele diz que posteriormente as medições foram ampliadas para verificar as dimensões dos mares e as dimensões no céu. Segundo Isidoro, os pensamentos sobre medições astronômicas, como a distância entre a terra e a lua, a terra e o sol, entre outras, também contribuíram para o início dessa disciplina. A passagem histórica sobre o início da geometria a partir das divisões das terras férteis às margens do rio Nilo no Egito tornou-se clássica e é citada em textos históricos até os dias de hoje. Conforme visto anteriormente, Isidoro não oferece muitas informações sobre a geometria, e são apresentadas pouquíssimas informações históricas, o que chega a causar curiosidade em se saber sobre os motivos que o levaram a não oferecer aos leitores maiores e mais detalhadas informações sobre o assunto que se manteve no auge do pensamento filosófico-matemático na Grécia antiga.


Livro 3 – de Mathematica

Capítulo – de Musica

DE INVENTIORIBVS EIVS. Moyses dicit repertorem musicae artis fuisse Tubal, qui fuit de stirpe Cain ante diluvium. Graeci vero Pythagoram dicunt huius artis invenisse primordia ex malleorum sonitu et cordarum extensione percussa. Alii Linum Thebaeum et Zetum et Amphion in musica arte primos claruisse ferunt...

Sobre a história da música, Isidoro inicia o texto com o que provém do texto bíblico no qual Moisés diz que o inventor da arte musical foi Tubal, um membro da família de Caim que viveu antes do dilúvio. Na continuidade, Isidoro escreve que os gregos afirmam que Pitágoras foi o primeiro a descobrir a arte do som através de batidas em cordas esticadas e que outros afirmam que Linus de Thebes, Zethus e Amphion foram os primeiros a ganharem fama nas artes musicais. Como se pode perceber, Isidoro oferece informações sobre os descobridores da música, baseando-se em histórias do antigo testamento e da mitologia grega. No entanto ele acrescenta que Pitágoras, além da ciência dos números, também esteve ligado às teorias musicais.


Livro 3 – de Mathematica

Capítulo – de Astronomia

DE INVENTORIBVS EIVS. Astronomiam primi Aegyptii invenerunt. Astrologiam vero et nativitatis observantiam Chaldaei primi docuerunt. Abraham autem instituisse Aegyptios Astrologiam Iosephus auctor adseverat. Graeci autem dicunt hanc artem ab Atlante prius excogitatam, ideoque dictus est sustinuisse caelum.

DE INSTITVTORIBVS EIVS. In utraque autem lingua diversorum quidem sunt de astronomia scripta volumina, inter quos tamen Ptolemaeus rex Alexandriae apud Graecos praecipuus habetur: hic etiam et canones instituit, quibus cursus astrorum inveniatur.

Como informação histórica acerca da astronomia, Isidoro de Sevilla escreve neste capítulo que os egípcios foram os primeiros a inventar a astronomia e os caldeus os primeiros a realizar observações astrológicas acerca do nascimento das pessoas. Diz ainda que Josephus afirma que Abraão ensinou a astrologia aos egípcios. Para os gregos, continua Isidoro, a astronomia foi inicialmente elaborada por Atlas e por isso é dito que ele levantou o mundo. Nessa pequena introdução é apresentada uma importante informação histórica sobre o fato de que os egípcios desenvolveram atividades relativas à astronomia. As diversas expedições arqueológicas realizadas no Egito em épocas recentes confirmam tal informação.

Outro tema apresentado por Isidoro diz respeito às pessoas que ensinaram astronomia e, neste item, ele escreve sobre a existência de várias obras, também escritas em outro idioma (certamente, além do latim, o grego) e por diferentes autores. Entre eles, segundo as informações de Isidoro, Ptolomeu de Alexandria (85-165) é considerado o principal dentre os gregos e foi quem ensinou as formas de como se pode descobrir a trajetória das estrelas. Destaca-se aqui a precisa informação sobre a importância de Ptolomeu para o desenvolvimento de estudos relativos à astronomia; e o próprio tamanho do capítulo nos mostra o quanto essa área do conhecimento científico despertava interesse.

Em uma visão geral sobre os assuntos históricos referentes a temas matemáticos presentes na obra Etimologias, nota-se que a quantidade de informações é pequena. No entanto, pode-se dizer que, em se tratando de um texto cuja finalidade é divulgar o conhecimento matemático como um todo, Isidoro de Sevilla oferece aos seus leitores uma grande oportunidade para que eles possam ter um mínimo de conhecimento sobre as origens dos assuntos apresentados. Fica, portanto, marcada a contribuição de Isidoro de Sevilla para a historiografia da matemática. A partir do que acabamos de apresentar, pode-se confirmar, em primeira instância, a tese de que através de pequenas informações históricas presentes em verbetes científicos de obras enciclopédicas começam-se os primeiros ensaios para a escrita da história da matemática.


Comentários finais

Os textos enciclopédicos, cuja história se inicia já no quarto século antes de Cristo, revelam elementos importantes para a análise histórica referente à época em que foram produzidos. Em alguns casos, informações relativas a determinados assuntos históricos não são encontradas em outros textos senão nos enciclopédicos. Um importante exemplo sobre o assunto é o brilhante trabalho realizado por Brigitte Englisch, citado no início deste texto. A autora utiliza-se de obras enciclopédicas do período de transição entre a Antigüidade e a Idade Média Européia para realizar uma análise histórica sobre como se deu o início daquilo que foi o currículo acadêmico adotado nas universidades medievais européias, ou seja, as Artes Liberais.

Nesse sentido, esse amplo projeto de pesquisa histórica, que visa à análise de componentes matemáticos presentes em obras enciclopédicas, priorizando a apresentação de elementos históricos, poderá vir a ser também uma grande contribuição para aqueles que se preocupam com assuntos relativos à história da matemática, à história da educação matemática, à história de disciplinas (no caso, da disciplina História da Matemática), entre outros temas que porventura sejam pertinentes a esses temas.


Bibliografia principal

Isidori Hispalensis Episcopi (séc. 7). Etymologiarum sive Originum Libri XX. Strasburg: Mentelin. Edição de 1470 em microfichas na biblioteca do Max-Planck-Institut für Wissenschaftsgeschichte – Berlin.

Isidori Hispalensis Episcopi (séc. 7). Etymologiarum sive Originum Libri XX, recognovit brevique adnotatione critica instruxit W.M. Lindsay, Oxford, Oxford University Press. Edição publicada em 1911, 2 vol.


Obras de referência

Binkley, Peter. ed. 1997. Pre-Modern Ecyclopaedic Texts. Proceedings of the Second COMERS Congress, Groningen, 1-4 July 1996. Leiden: Brill.

Brehaut, Ernest. 1912. An encyclopedist of the dark ages – Isidore od Seville. New York: Leonox Hill Pub. & Co.

Cantor, Moritz. 1880-1908. Vorlesungen über Geschichte der Mathematik. Leipzig: Teubner.

Collison, Robert. 1964. Encyclopaedias: Their History Throughout The Ages. New York und London: Hafner Publishing Company.

Cunha, José Anastácio. 1790 (1987). Princípios Mathematicos. Lisboa (Universidade de Coimbra – edição fac-símile).

Diesner, Hans J. 1978. Isidor von Sevilla und das Westgotische Spanien. Trier: Spee-Verlag.

Englisch, Brigitte. 1994. Die Artes liberales im frühen Mittelalter (5. – 9. Jh.). Sudhofs Archiv Beihefte, 33.

Folkerts, Menso. 1970. “Boethius” Geometrie II, ein mathematisches Lehrbuch des Mittelalters. Wiesbaden: Franz Steiner Verlag.

Gericke, Helmuth. 1984. Mathematik in Antike und Orient. Berlin: Springer-Verlag.

Gericke, Helmuth. 1994. Mathematik im Abendland. Wiesbaden: Fourier Verlag.

Gillispie, Charles C. ed. 1970-80. Dictionary of Scientific Biography. New York: Charles Scribner's Sons.

Heath, Thomas L. 1921. A History of Greek Mathematics. Oxford: Clarendon Press.

Katz, Victor J. 1993. A History of Mathematics - an introduction. New York: Harper Collins College Publishers.

Lexikon des Mittealters. 1980-98. München und Zürich: LexMA-Verlag.

Lexikon für Theologie und Kirche 1930-1938. Freiburg im Breisgau: Herder & Co. GMBH Verlagsbuchhandlung. 2a ed.

Montucla, Jean E. 1758. Histoire des Mathematiques. Paris.

Montucla, Jean E. 1799-1802. Histoire des Mathematiques. Paris. 2a ed.

Nesselmann, Georg H. 1842. Die Algebra der Griechen. Berlin: Verlag von G. Reimer.

Nobre, Sergio. 2001. Elementos Historiográficos da Matemática presentes em Enciclopédias Universais. Dissertação acadêmica defendida para obtenção do título de Livre Docente em História da Matemática. Unesp: Rio Claro.

Poggendorff, Johann C. ed. 1863. Biographisch-Literarisches Handwörterbuch zur Geschichte der Exacten Wissenschaften: Leizpig: Verlag von Johann Ambrosius Barth.

Porzig, W. 1937. Die Rezenzionen der Etymologiae des Isidorus von Sevilla. Hermes, 72, 129-170.

Struik, Dirk. 1980. The Historiography of Mathematics from Proklos to Cantor. NTM – Schriftenr. Gesch. Naturwiss., Techinik, Med., 17, 1-22.

Urbel, Justo P. de. 1945. San Isidoro de Sevilla. Barcelona: Editorial Labor, 1945.

Velde, A. J. J. van de. 1953. Le compendium du Vième Siécle Oeuvre de Isidorus Hispalensis. Actes du VII. Congrès International d’Histoire des Sciences, Jerusalém, 615-619.

Vogel, Kurt. 1965. L‟Historiographie Mathématique avant Montucla. Actes du XIe Congrès International D’Histoire des Sciences, Varsovie – Cracovie, vol. 3, 179-184.


Sergio Nobre. 
Professor Adjunto do Departamento de
Matemática - Instituto de Geociências e
Ciências Exatas-Unesp-Rio Claro

E-mail: sernobre@rc.unesp.br


Resumo

Neste texto é apresentada uma visão geral sobre a matemática presente na obra Etymologiarvm sive Originvm libri XX, uma enciclopédia escrita pelo Santo Isidoro de Sevilla no início do século 7 da era Cristã. Isidoro dedicou o livro 3 de sua obra à matemática, onde são apresentados os assuntos relativos à aritmética, geometria, música e astronomia. A apresentação da história da matemática presente nesta enciclopédia é o objeto central deste trabalho.

Palavras-chave: Enciclopédias, Matemática e Enciclopédia, Isidoro de Sevilla, Historiografia da Matemática, Século 7

Abstract

This text presents an overview of the mathematics in the Etymologiarvm sive Originvm libri XX, an encyclopedic work written by Saint Isidore of Seville at the beginning of the 7th century. In the 3rd book of his work, Isidore wrote about arithmetic, geometry, music and astronomy. The contribution of Isidore to the historiography of mathematics is the main topic of this work.

Keywords: Encyclopaedia, Mathematics and Encyclopaedia, Isidore of Sevilla, Historiography of Mathematics, 7th Century


Notas:

[*] Este texto é parte integrante da dissertação Elementos Historiográficos da Matemática presentes em Enciclopédias Universais, defendida em março de 2001, como requisito para obtenção do título de Livre-Docência em História da Matemática.

[1] Alguns historiadores afirmam que seria mais fácil para Leibniz descobrir novos conceitos relativos ao Cálculo Diferencial e Integral do que decifrar os anagramas enviados por Newton.

[2] Maiores detalhes sobre esse tema veja-se em Youshkevitch, A. P. 1973, Youshkevitch, A. P. 1978, Queiró, João Filipe. 1972 e Cunha, José Anastácio. 1790 (1987).

[3] José Anastácio da Cunha antecipou-se em pelo menos 30 anos a Cauchy ao apresentar seus resultados relativos aos critérios de convergência de séries infinitas, porém a comunidade científica batizou esses resultados como Critérios de Cauchy, pois os de Anastácio da Cunha não eram conhecidos pela comunidade científica européia. Veja-se em Youshkevitch, A. P. 1973, Youshkevitch, A. P. 1978, Queiró, João Filipe. 1972 e Cunha, José Anastácio. 1790 (1987), definição I do livro VIIII.

[4] Existem alguns estudos históricos realizados junto às grandes enciclopédias universais, principalmente às mais famosas como a inglesa e a francesa, em que foram constatados tais resultados. Veja-se em Hughes, Arthur. 1951-53 e Yeo, Richard. 1991. Estudos recentes sobre esse tema também foram realizados por este autor junto à Grosses Vollständiges Universal Lexicon, publicada na primeira metade do século XVIII, na Alemanha. Em relação à modernidade na apresentação de temas matemáticos, esta enciclopédia ultrapassou as expectativas para uma obra de cunho literário. Em alguns tópicos referentes à grande descoberta matemática de então, o cálculo diferencial e integral, a Universal Lexicon apresenta conceitos bem originais. Os conceitos de grandeza infinitamente pequena e de fronteira, por exemplo, são apresentados na enciclopédia de forma que antecipa em pelo menos 70 anos os resultados alcançados inicialmente por Bernard Bolzano (1781-1848) e posteriormente por Augustin-Louis Cauchy (1789-1857). Veja-se em Nobre, Sergio. 1994.

[5] Artigo de Bernard Ribémont “On the definition of an encyclopaedic genre in the middle ages” em Binkley, Peter. ed. 1997, 49.

[6] Sobre as qualidades futurísticas dos Santos, há uma discussão sobre qual Santo poderia tornar-se Patrono da Rede Mundial de Computadores - Internet (veja-se, por exemplo em http://www.santiebeati.it/patrono.html - extraído em 02.01.2004). No entanto, alguns setores da comunidade católica já se decidiram por Isidoro de Sevilla como o Patrono dos Estudandes, dos Técnicos de Informática, dos Usuários de Computadores, dos Usuários da Internet, entre outras ocupações ligadas à área da informática -veja em http://www.catholicforum.com/saints/sainti04.htm e http://www.catholic.org/saints/patron.php?letter=C (ambas páginas extraídas em 02.01.2004).

[7] Gostaria de agradecer a Frederico J. A. Lopes pela importante ajuda na tradução do latim para o português de alguns trechos da obra.

[8] Brehaut, Ernest. 1912 e Englisch, Brigitte. 1994. Enquanto o texto de Brehaut é específico sobre a obra de Isidoro, o texto de Englisch é um verdadeiro tratado comparativo acerca das Artes Liberais entre diversas obras do início da Idade Média.

[9] Podem-se encontrar importantes informações no sentido de reconstruir historicamente alguns períodos de sua vida em Brehaut, Ernest. 1912, 15-34, Urbel, Justo P. de. 1945 e Diesner, Hans J. 1978.

[10] Melhores informações sobre sua canonização são encontradas em Lexikon für Theologie und Kirche (1930-1938), 4, 626.

[11] Veja-se em Gillispie, Charles C. ed. 1970-80, 7, 27.

[12] Veja-se em Englisch, Brigitte. 1994.

[13] Brehaut, Ernest. 1912, 17.

[14] Sua obra completa foi publicada em 7 volumes em Roma, entre os anos de 1797 e 1803.

[15] Existe uma edição crítica sobre a obra de Natura Rerum publicada por G. Becker em 1857, em Berlin.

[16] Etimologias figura entre os primeiros livros que foram impressos depois da invenção da imprensa, na segunda metade do século XV. Em 1472 foi editada em Augsburg, em 1477 em Basel, em 1482 em Veneza, em 1489 novamente em Basel, 1493 novamente em Veneza e nos anos de 1499 e 1500 ganhou mais duas edições na cidade de Paris.

[17] Brehaut, Ernest. 1912, 16.

[18] Segundo Lorenzo Minio-Paluelo, responsável pelo verbete biográfico sobre Boethius no Dictionary of Scientific Biography (vol. 2, pg. 228-236), editado por Charles Gillispie, o termo quadrivium fora provavelmente usado pela primeira vez por Boethius quando, na introdução de seu livro Aritmética, ele comenta que iria fazer um texto referente a cada uma das quatro disciplinas da Matemática, ou seja, Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.

[19] Há de se ressaltar que a maior parte das fontes que tratam da vida de Pitágoras começaram a surgir somente a partir dos séculos 3 e 4 da era cristã. (veja-se em Cantor, Moritz. 1880-1908, 1, 147)

[20] Sua principal obra nessa área foi um Manual de Harmônica.

[21] Neste texto Nicomachus faz inicialmente uma apresentação sobre a importância filosófica da matemática e em seguida desenvolve assuntos ligados aos números, com definições, classificações, relações entre os números, etc. A obra, composta de 2 volumes, foi publicada em 1866, em Leipzig, em Latim, e em 1926, em Nova York foi traduzida para o inglês.

[22] Sobre suas atividades científicas existe um pequeno verbete em Lexikon des Mittealters. 1980-98, 1, 818-19 e em Gericke, Helmuth. 1994, 46. Em livros clássicos atuais sobre a história da matemática não foram encontradas referências a ele.

[23] Moritz Cantor, em sua monumental obra Vorlesungen über Geschichte der Mathematik, fez várias menções a Apuleius, porém em todos os casos é citada a referência de Cassiodorus ou Isidoro. Cantor, Moritz. 1880-1908.

[24] Veja-se em Montucla, Jean E. 1799-1802, Cantor, Moritz. 1880-1908 e Folkerts, Menso. 1970.

***

Leia mais em A Matemática de S. Isidoro de Sevilha e a Educação Medieval.

Leia mais em Sobre S. Isidoro de Sevilha.

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Pedagogia de S. Bento

São Jerômimo no scriptorium
 - Master of Parral, 1480

Tempo de leitura 1h 20 min

Alguns princípios pedagógicos na Regra de São Bento, por Anselmo Chagas de Paiva, OSB [1].

Este documento está disponível na Biblioteca Digital da Universidad Católica Argentina, repositório institucional desenvolvido pela Biblioteca Central “San Benito Abad”. Seu objetivo é difundir e preservar a produção intelectual da Instituição: aqui ou AQUI. Anuario Argentino de Derecho Canónico Vol XXIII, Tomo II, 2017.

Resumo: Muitos preceitos da Regra de São Bento estão relacionados ao cultivo da educação e da disciplina. São normas que oferecem aos discípulos uma oficina adequada, com instrumentos e ferramentas que apontam e ensinam o caminho do conhecimento e da verdade, mostrando os elementos necessários para a eficácia deste trabalho. Esta educação ao discernimento da vontade e da fé é uma verdadeira arte; uma atmosfera familiar, onde existam confiança, diálogo, firmeza e respeito, permite que o educando torne-se progressivamente um cidadão instruído, íntegro e civilizado. Os valores beneditinos, transcritos na Regra de São Bento e aplicáveis na educação, mostram o equilíbrio humano de São Bento. Tais valores permanecem, ao longo dos séculos, como a base de um ideal pedagógico perene, sob a égide da Sagrada Escritura. Assim, pela pedagogia, podem-se buscar os valores que São Bento quis transmitir ao mundo pela sua Regra e pelo seu testemunho de vida.

Palavras-chave: São Bento. Educação. Regra de São Bento. Discípulo. Pedagogia.

Abstract: Many precepts of the Rule of Saint Benedict are related to the development of education and discipline. These are rules which offer the pupils an adequate workshop, containing devices and tools which point out and teach the path to knowledge and truth, revealing the features necessary to the efficacy of such a task. This education aiming the discernment of the will and faith is a true art; a familiar atmosphere, filled with confidence, dialogue, assurance and respect, allows the student to progressively develop as an educated, upright and civilized citizen. Benedictine values, transcribed in the Rule of Saint Benedict and applicable in the learning process, reveal Saint Benedict as balanced human being. Such values endure, over the centuries, as the basis of a perennial pedagogical ideal inspired by the Holy Scripture. Thus, through pedagogy, one can search the values which Saint Benedict wished to communicate to the world in his Rule and his life testimony.

Key words: Saint Benedict. Education. Rule of Saint Benedict. Pupil. Pedagogy.


Introdução

Cristo se apresentou aos homens como Mestre [2], e, desde cedo, a Igreja assumiu a continuidade de seu magistério; sendo assim, o elemento fundamental da doutrina apresentada por São Bento é de cunho sobrenatural. Este foi justamente o seu grande mérito: saber unir o modo perfeito da vida natural do discípulo com o sobrenatural. Toda a sua pedagogia tende a levar o discípulo a um grau de perfeição, para que ele possa desenvolver a sua personalidade e inserir-se como membro ativo na comunidade humana [3].

I. O surgimento das escolas beneditinas

Os monges, desde os tempos mais primitivos do monaquismo, dedicaram-se à obra da educação. São Bento recebeu dois meninos para educar: Mauro e Plácido [4]. No Capítulo 58 da sua Regra, admite expressamente que adultos não alfabetizados ingressem no mosteiro [5]. A Regra de São Bento fala também da admissão de crianças, dos filhos dos nobres ou dos pobres que são oferecidos ao mosteiro [6]. Esta acolhida de pessoas necessitadas de formação para a vida, apoiada na leitura, tornou indispensável a instituição de ensino dentro do mosteiro com vistas a educar e instruir os recém-chegados.

Além de uma escola interna, própria para os que desejavam a vida religiosa, com o passar do tempo, começaram a surgir, ao redor do mosteiro, algumas residências. Estas pessoas simples ouviam o canto dos salmos, a doutrina de Cristo, e queriam, então, aprender a ler, para acompanhar melhor os monges na leitura divina. Por isso, no interior dos mosteiros aprendiam tanto os que aspiravam à vida religiosa, quanto os que vinham morar em seus arredores. Desponta, então, a escola em um sentido mais específico, que surge como decorrência quase espontânea do encontro de um homem que sabe ler com outro que não o sabe [7].

O Papa São Gregório Magno nos relata que já na época de São Bento crianças eram deixadas pelos seus pais em Monte Cassino, para serem educadas no amor a Deus [8]. São Bento, em sua Regra, indica alguns capítulos referentes ao cuidado dessas crianças na vida comunitária e lhes concede uma atenção cercada de zelo, carinho e também correção, para que pudessem crescer salutarmente [9]. Mais tarde essas crianças passaram a receber a formação humana existente dentro dos claustros dos mosteiros e a usufruir de toda a riqueza artística e intelectual de suas bibliotecas [10].

As escolas monásticas começaram a postular um aprendizado, ampliando suas dimensões, sobretudo no início do século VIII, saindo do âmbito interno do mosteiro para se tornarem escolas destinadas a um público mais amplo [11].

Com o passar do tempo, devido aos prejuízos à observância monástica, tornou-se inviável a admissão de alunos seculares nas escolas claustrais [12]. Este fato teve como consequência uma certa diversificação nas escolas: internas para os religiosos e externas para os seculares. A partir do século VII, graças ao empenho de São Bonifácio, a educação beneditina ganha um novo arauto. Em muitos mosteiros são construídas escolas, dando ênfase, sobretudo, ao trabalho na terra, ao aprendizado do campo e ao cultivo do solo, unidos ao ensinamento da catequese e à cultura. Com isto, os monges beneditinos tornaram-se modelos para os camponeses. Introduziram novos métodos de atividades, como a ourivesaria, escultura, forja etc. A arquitetura recebeu deles iniciações preciosas. Enfim, os beneditinos foram, incontestavelmente, educadores das novas nações do ocidente [13].

Os monges beneditinos, ao longo dos séculos, sob o ponto de vista pedagógico, desenvolveram um trabalho de significativa importância: a educação beneditina contribuiu para criar a civilização medieval. Um fenômeno observado na história, uma vez que tanto no passado quanto no presente, os grandes mosteiros se dedicaram ao ensino, fazendo permear nos projetos pedagógicos de cada escola beneditina a lógica luminosa da fé, visando formar o homem em sua personalidade para uma melhor inserção na sociedade, unido a um conhecimento sólido nos diversos ramos do saber, para que cada educando siga na direção do bem e da justiça, levando para a vida uma educação completa e harmoniosa.

II. O acolhimento nos mosteiros beneditinos

A Regra de São Bento e a tradição deram à hospitalidade nos mosteiros beneditinos um especial realce, sendo o hóspede acolhido com todas as honras. Movido por uma preocupação educacional ou formadora, prescreve São Bento: “Leia-se diante do hóspede a lei divina para que se edifique e depois disso apresente a ele um tratamento cheio de humanidade” [14]. A criança necessitada de ajuda para a sua educação e aprendizado não foi expressamente incluída entre os possíveis hóspedes, mas a escola começou desde logo a ser uma das portas abertas do mosteiro. E o sentido de hospitalidade e serviço será uma das marcas fundamentais da educação beneditina: a escola é uma casa que acolhe. A educação beneditina tem, pois, o desejo de ser uma porta aberta, como também o deve ser o coração [15].

Em um dos “instrumentos das boas obras” propostos por São Bento, temos a prescrição: “Honrar todos os homens” [16], colocada depois do duplo mandamento da caridade e de cinco artigos do Decálogo. Nele também encontramos um outro preceito: “Honrar pai e mãe” [17], mas São Bento muda o texto para “Honrar todos os homens”. O mandamento “honrar pai e mãe” pode ser interpretado como uma exortação a alimentar relações com a família, as quais São Bento, em sua Regra, restringe de forma considerável [18].

A Regra beneditina indica não só que os irmãos prestem honra uns aos outros, mas também que os hóspedes sejam acolhidos com as devidas considerações [19]. Podemos perceber nesta passagem as insistentes recomendações de São Bento para com os hóspedes:

Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como o Cristo [...] E se dispense a todos a devida honra [...] Em todos os hóspedes que chegam e que saem, adore-se, com a cabeça inclinada ou com todo o corpo prostrado por terra, o Cristo que é recebido na pessoa deles [...] Leia-se diante do hóspede a lei divina para que se edifique e depois disso apresente a eles um tratamento cheio de humanidade. [...] lave o abade, bem assim como toda a comunidade, os pés de todos os hóspedes [20].

O gesto da hospitalidade supõe a acolhida. A forma como acolhemos as pessoas, como damos atenção a elas, pode ser ocasião fundamental para exercitar o mistério do amor escondido na prática da hospitalidade [21]. Foi por isto que Jesus valorizou mais a atitude de Maria do que a de Marta. Maria parou para ouvir o Mestre, e Marta ficou preocupada com as atividades da casa [22].

No livro bíblico do Gênesis encontramos também um modelo de acolhida e de hospitalidade. Abraão é recompensado porque soube acolher bem três homens enviados pelo Senhor. Eles anunciaram que, mesmo na velhice, sua esposa, Sara, teria um filho [23]. Na hospitalidade está a generosidade de Deus. No transeunte, no pobre, naquele que bate em nossas portas, está a presença de Deus.

São Bento se preocupa com a acolhida que se deve dar a todos com espírito sobrenatural. É em vista de Cristo que eles são honrados. É o que afirma, logo de início, a primeira frase do capítulo sobre os hóspedes. A mesma ideia ainda volta por duas vezes, no mesmo capítulo: “Cristo que é recebido na pessoa deles [...] Mostre-se principalmente um cuidado solícito na recepção dos pobres e peregrinos, porque sobretudo na pessoa desses, Cristo é recebido” [24].

Essa insistência de São Bento na ideia de que Cristo é recebido nos hóspedes é digna de nota. São Bento prescreve manifestações de caridade e honras quase divinas a eles, o que faz constituir o capítulo 53 da Regra, como uma norma de espírito sobrenatural, inspirada na mais pura tradição cristã e monástica.

A acolhida que São Bento presta aos hóspedes é calorosa e entusiástica. São Bento deseja que todos os homens, sem exceção, sejam honrados em vista de Cristo. Assim, insiste para que todos os hóspedes sejam recebidos como o Cristo em pessoa. Nessa apreciação aos hóspedes, São Bento não se inspirou em fontes literárias, mas na sua experiência de monge e de superior. Realmente, após ter recomendado cuidado especial na recepção dos pobres e dos peregrinos, São Bento revela sua experiência: “É principalmente neles que se recebe Cristo, pois o respeito que os ricos inspiram, provoca naturalmente a honra que se lhe deve” [25]. São Bento sabe como os próprios monges tão facilmente se esquecem das atenções devidas aos pobres e enfermos, daí a sua preocupação de honrar todos os homens.

As diferenças de condição social não devem influir na maneira de os irmãos se tratarem entre si e nem mesmo no acolhimento dos hóspedes. Não é nem aos mais ricos nem aos mais poderosos que se devem prestar as honras, mas a todos. No hóspede que chega, nossa fé reconhece a face do Cristo e a Santa Regra nos faz acolhê-lo com um verdadeiro rito: a comunidade, com o abade à frente, organiza-se em procissão ao encontro do recém-chegado, prostra-se e adora o Cristo que nele se recebe.

Mas a hospedagem não se resume a essa acolhida ritual. Exige a partilha com o hóspede que chega. Partilha do que se tem, por pouco que seja. Nos mosteiros, porém, tem-se muito a repartir: a Palavra de Deus, a participação na Liturgia das Horas, a paz, a alegria, o silêncio!

No momento em que recebemos o hóspede, nossa fé nos projeta naquela situação narrada por São Mateus, em que o Cristo nos dirá, ao encontrar-se conosco face a face: “Fui hóspede e me recebeste” [26]. Nessa perspectiva podemos incluir todos aqueles que batem à porta das nossas instituições para receber uma formação visando o aprimoramento da aprendizagem.

III. O educador segundo a Regra de São Bento

No prólogo da Regra de São Bento, encontramos a frase: “Devemos, pois, constituir uma escola de serviço do Senhor” [27]. O termo constituir, do latim, “constituere”, significa, instituir, fundar, estabelecer, erigir. O termo acentua um aspecto normativo e se refere a uma instituição que tem normas e leis.

A escola, em seu sentido original “schola”, indica o lugar em que se pratica o lazer, ou o lugar onde se exercita, se aprende alguma coisa, ou se presta um serviço especial. A escola é também a comunidade daqueles que buscam um objetivo comum. Desde o século IV, as associações e corporações que estavam a serviço do Imperador eram designadas como escolas. Havia uma escola militar onde o chefe era o “magister”, ou seja, o mestre, e os membros desta escola se chamavam irmãos [28].

O termo escola pode designar também os exercícios, o trabalho, o esforço e o zelo que desenvolvemos para alcançar um fim almejado [29]. Santo Agostinho afirma que os cristãos são discípulos de Cristo e que nós nos achamos reunidos em uma escola, tendo o próprio Cristo como guia e somos condiscípulos uns dos outros [30]. Para São Bento o termo ‘escola’ designa também o lugar do mosteiro em si, separado do mundo exterior. O conteúdo principal desta escola consiste em se deixar instruir, com toda a alma, pelo Cristo, o Mestre, por sua palavra, pelo seu Evangelho.

A escola compreende os exercícios e o aprendizado de uma doutrina, ou seja, da Sagrada Escritura, da doutrina de Cristo [31]. O abade também é um mestre que ensina a doutrina espiritual, para que o monge seja curado e alcance a verdadeira vida [32]; por isto, o termo escola indica também que o monge está sempre a caminho e jamais termina de aprender. Entretanto, para São Bento, não se trata de impor o que é duro e áspero, mas trata-se sobretudo do amor, do serviço do amor e da verdadeira fraternidade [33].

No mosteiro o abade é o representante de Cristo34 e sendo Cristo o Mestre [35], também o abade assim o representa, do mesmo modo que o seu magistério é uma extensão do magistério de Cristo. São Bento quer aplicar esta dimensão paterna ao mestre, visando a educação dos seus discípulos, unindo a severidade de mestre e o afeto de pai [36].

São Bento ressalta que o mestre deve propor o diálogo e o colóquio entre os discípulos; empenhar-se na promoção de cada um, a fim de que progridam e cresçam [37]. Para São Bento, o mestre deve ser compreensivo, amar os discípulos, empenhar-se em realizar aquilo que julga ser mais útil para o bem de todos [38] e esforçar-se para congregar os discípulos no convívio fraterno [39]. Ao mesmo tempo em que deve ser paciente para com todos, não deve tolerar as faltas dos transgressores, mas isento de ira e de ódio, amar a todos de forma sóbria e desinteressada [40].

Os dois capítulos da Regra de São Bento que falam do abade ressaltam um espírito rico de sabedoria e amor, que deve reger e inspirar cada educador, que tem como missão inculcar sabedoria, prudência e inflexibilidade contra os vícios, promoção das virtudes, compaixão para com os fracos e, sobretudo, o equilíbrio e o amor recíproco [41].

Ao revestir o abade com estas características, quis São Bento construir uma sociedade familiar, onde há um pai que provê, ensina e, principalmente, ama e respeita os seus discípulos. A partir destes conceitos emana o seu método de ensino. Este método apresenta-se na Regra em um duplo aspecto: um positivo, caracterizado pela dupla doutrina, e outro negativo, manifestado pela correção. Sendo a doutrina ensinada pelo abade essencialmente prática e vital, não deve ser apenas proposta por palavras, mas também pelo exemplo vivo [42].

E o motivo dessa dupla doutrina é a capacidade receptiva dos discípulos. Assim, o método de ensino não é apenas oral, mas também vital. A correção, por exemplo, tem um papel importante na pedagogia de São Bento, como podemos perceber pela sua exortação:

Portanto, em sua doutrina deve sempre o Abade observar aquela fórmula do Apóstolo: ‘Repreende, exorta, admoesta’ (2Tm 4,2), isto é, temperando as ocasiões umas com as outras, os carinhos com os rigores, mostre a severidade de um mestre e o pio afeto de um pai, quer dizer: aos indisciplinados e inquietos deve repreender mais duramente, mas aos obedientes, mansos e pacientes, deve exortar a que progridam ainda mais, e quanto aos negligentes e desdenhosos, advertimos que os repreenda e castigue [43].

O conceito de correção ressaltado por São Bento tem como base a Sagrada Escritura [44], onde o elemento pedagógico se faz presente. Todo o esforço do mestre é para que o discípulo, vítima do erro, reconheça a sua falta. E é aqui que o mestre deve mostrar sua compreensão da natureza humana enfraquecida pelo erro. Este método de ensino exige do mestre três qualidades: caridade, capacidade e adaptabilidade.

A lei fundamental do modo de agir do mestre é a caridade, já que ele é o representante do Cristo, que também é Mestre: “Seja, pois, igual a caridade dele para com todos” [45]. Os vícios devem ser cortados com caridade: “Deve ser casto, sóbrio, misericordioso e faça prevalecer sempre a misericórdia sobre o julgamento” [46]. E para o que foi castigado, recomenda São Bento: “Confirme na caridade para com ele, e rezem todos por ele” [47].

O mestre, segundo São Bento, deve ter sempre em vista o dia em que deverá prestar contas a Deus de seus discípulos: “Pense sempre que recebeu almas a dirigir, das quais deverá também prestar contas” [48], e deve buscar com todo empenho a salvação da alma do seu discípulo [49].

Deve ainda o mestre ter capacidade: “[...] seja eleito pelo mérito de vida e pela doutrina da sabedoria” [50]. Isto indica que ele deve ser capaz de ensinar por palavras e por atos. Deve também conhecer a lei divina: “Deve, pois, ser douto na lei divina para que saiba e tenha de onde tirar as coisas novas e antigas” [51]. Toda a Regra nos mostra que o mestre deve ser profundo conhecedor da psicologia humana, como o foi também São Bento.

A forma apostólica que o Abade deve seguir é: “Repreende, exorta, admoesta” [52]. São Bento adapta-a aos diversos gêneros de monges: os indisciplinados, os mansos e os negligentes. E para as crianças e os velhos, São Bento reserva um tratamento especial: “Haja sim, em relação a eles, uma pia consideração” [53]. O mestre deve dar, além da sua competência, um testemunho verdadeiramente exemplar de vida:

[...] apresente as coisas boas e santas, mais pelas ações do que pelas palavras, de modo que aos discípulos capazes de entendê-las proponha os mandamentos do Senhor por meio de palavras, e aos duros de coração e aos mais simples mostre os preceitos divinos pelas próprias ações [54].

São Bento conhece as fraquezas do homem, suas reações e suas possibilidades, por isso, preconiza, em alguns capítulos de sua Regra, normas que devem ser aplicadas a cada um deles, para que sejam virtuosos, obedientes, pacientes, turbulentos, insolentes: “Aos indisciplinados e inquietos deve repreender mais duramente, mas aos obedientes, mansos e pacientes, deve exortar a que progridam ainda mais” [55]. A cada uma dessas categorias, deve o mestre aplicar os cuidados e corretivos correspondentes, como manifestação do seu amor pelos seus discípulos.

Podemos notar como São Bento preconiza uma educação personalizada, uma relação mestre e discípulo: “Não seja feita distinção de pessoas [...]” [56]. E ainda: “Seja, pois, igual a caridade dele para com todos; que uma só disciplina seja proposta a todos, conforme os merecimentos de cada um” [57]. Na caridade, o mestre deve se dedicar a todos por igual.

IV. O discípulo

Aquele que recebe o ensino de alguém é chamado de discípulo; uma expressão originária do judaísmo tardio, levando a seu termo uma tradição bíblica, na qual percebemos que, habitualmente, os sábios tinham discípulos, a quem chamavam de filhos [58]. A sabedoria divina personificada chama assim os homens a ouvi-la e a seguir as suas lições [59]; por isso, o Novo Testamento reserva o nome de discípulo àqueles que reconheceram Jesus por seu Mestre e aprenderam dele as suas lições [60]. No mosteiro, o mestre é o pai [61] e o discípulo é o filho [62]. Esta união dos dois conceitos já era comum também na antiga tradição.

A atitude de aprender não é meramente passiva, mas o discípulo coopera ativamente nela. O discípulo ouve conscientemente e assimila os ensinamentos recebidos [63]. Se São Bento proíbe que se fale na conferência ou durante a leitura no refeitório [64], é porque o ouvir e o silêncio são atitudes que visam facilitar a aprendizagem do discípulo.

Para São Bento, seu discípulo é quem escuta [65]. A atitude de atender é sumamente importante. O discípulo deve ser obediente e exercer a humildade na escola de serviço do Senhor [66]. São Bento respeita a liberdade. Não obriga a todos; pergunta e chama aquele que deseja escutar os preceitos do mestre [67]. Estabelece uma relação pessoal entre pai e filho, entre o mestre e o discípulo.

A franqueza é uma outra atitude almejada por São Bento para o seu discípulo. Deve confessar espontaneamente as faltas contra a disciplina regular [68] e revelar ao mestre todas as cogitações do seu coração [69]. A franqueza é um elemento pedagógico de suma importância, pois através dela não só o mestre conhece o discípulo, mas exercita-se na humildade e na obediência.

O discípulo que obedece não só é ajudado a ultrapassar os limites estreitos daquilo que procura como útil para si naquele momento, mas alarga-se a uma melhor adaptação à vida social, cooperando por dever de consciência e atingindo aquela liberdade interior que é necessária para chegar à maturidade pessoal [70]. Não obstante toda essa diversidade, o discípulo de São Bento manifesta-se pelas seguintes qualidades: receptividade, cooperação, franqueza e respeito. A disciplina é necessária para todos, e os vícios devem ser cortados pela raiz. São Bento é exigente no caso da murmuração, porque ela aparece como uma oposição à paz [71].

Dentre os instrumentos das boas obras temos ainda: “Não ser murmurador” [72]. O Livro da Sabedoria também nos diz: “Guardai-vos da vã murmuração, guardai a língua da maledicência: pois nem a mais leve palavra fica sem castigo e a boca mentirosa mata a alma” [73]. A referência à murmuração aparece em diversos lugares da Regra de São Bento [74], com frequência frisando que este vício deve ser corrigido. O valor fundamental da atitude de obediência certamente fica ameaçado diante do vício não corrigido da murmuração.

A murmuração é severamente condenada por São Bento como um terrível mal, vício perigoso que põe em perigo a saúde da comunidade e dos indivíduos. São Bento resume o tema da murmuração, segundo a tradição monástica, de forma muito sintética e objetiva. A murmuração é o zelo mau, proveniente do ciúme ou da inveja [75]. Não diz respeito apenas a palavras, mas também a sinais, a gestos, à comunicação não-verbal e, de fato, podemos murmurar dura e ofensivamente por meio da gesticulação e da mímica. São Bento indica como remédio reconhecer o mal como algo próprio de si mesmo [76] e, tão logo ele ascenda no coração, seja esmagado de encontro ao Cristo e revelado ao pai espiritual [77].

São Bento apresenta as regras para corrigir o discípulo: primeiro existe a admoestação oral; em seguida, se não há correção, deve-se amputar o vício. Para isto, deve ser aplicado o que melhor convier em cada caso. Para São Bento a correção é também personalizada, cada idade e cada inteligência deve ser tratada de um modo apropriado [78].

V. Alguns princípios pedagógicos a serem ressaltados

A Regra de São Bento pretende ajudar o discípulo no trabalho de sua formação, pondo a sua disposição uma oficina adequada com seus instrumentos e ferramentas, que lhe ensine o caminho do conhecimento de sua realidade interior e os elementos necessários para o seu progresso. Uma leitura atenta da Regra de São Bento nos permite identificar alguns elementos aplicáveis à pedagogia, com grande realce na educação beneditina, a qual se estabelece a partir de uma aliança entre pais e educadores, visando propor uma vida plena e rica de sentido, aberta a Deus e ao próximo.

V.1. Escuta: sinal da abertura do coração

São Bento inicia o prólogo da sua Regra dizendo: “Escuta, ó filho, os preceitos do Mestre” [79]. O escutar que São Bento enfatiza tem uma especial importância, tanto para a formação humana quanto para qualquer trabalho educativo mais amplo. A primeira palavra da Regra de São Bento, cuja influência é tão profunda, é: “Escuta [...]” [80] e todo o Prólogo desse documento está orientado a expressar o conceito de mosteiro como uma “escola do serviço do Senhor” [81], isto é, um lugar, um ambiente disciplinado, uma estrutura onde tudo está destinado a facilitar um processo educativo baseado no diálogo, cuja abertura e iniciativa merecem respeito e atenção.

Abre-se o livro e a primeira palavra que aparece aos olhos do leitor é a palavra de alguém que nos chama: “Escuta, ó filho” [82]. É um chamado personalizado dirigido ao leitor. Somos convidados a refletir sobre este apelo inaugural da Regra; ou seja, quando mergulhamos no seu universo, nos dispomos à audição, a ouvir alguém que fala. Portanto, o primeiro alerta é para ouvirmos.

Dada esta consideração sobre a audição, conforme nos interpela a Regra de São Bento, constatamos que a iniciativa de falar não é nossa, mas parte de alguém que nos fala, e este é o Mestre dos Mestres, o próprio Cristo: tal palavra tem uma força de expressão e abrangência que nos remete à perfeição, isto, porém, se houver uma predisposição interna para torná-la coerente com a vida. Assim diz São Bento: “Escuta, ó filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração;  recebe de boa vontade o conselho de um bom pai, e o executa eficazmente” [83].

A tônica deste primeiro versículo da Regra de São Bento é escutar e obedecer. Os antigos mestres de sabedoria já recomendavam o ato de escutar, também os pais costumam interpelar assim os seus filhos [84]. Em todos os casos é alguém mais velho que fala, um mestre que deseja instruir. Com isso São Bento mostra a escola viva dos mais velhos, que têm uma experiência a transmitir às forças mais jovens, como observa: “Os mais jovens respeitem os mais velhos, e os mais velhos amem os mais jovens” [85]. Eles devem ser favorecidos para que atinjam a idade adulta e colaborem eficazmente na construção do mundo. Por conseguinte, assim como os anciãos constituem o elo indispensável com o passado, os jovens fazem o vínculo também imprescindível com o futuro.

A escola é uma instituição na qual se conserva, se veicula ou se transmite todo o conhecimento acumulado, toda riqueza de sabedoria dos predecessores, tornando presente e viva a tradição, passando de geração em geração todo o patrimônio cultural. Isto é feito através de cada indivíduo que se empenha na função de ensinar. Quem recebe o conhecimento de seus antepassados deve abrilhantá-lo com os seus méritos para poder passá-lo adiante, ainda mais enriquecido, a uma nova geração, que também procurará enriquecê-lo [86].

São Bento, em sua Regra, prescreve “venerar os mais velhos” [87], porque através deles temos um elo com o passado e a tradição; eles constituem a memória da família, da comunidade e da sociedade. Além disso, os mais velhos têm a experiência de vida; aprenderam numa escola insubstituível, que é a própria vivência, por isso, são os mestres da vida e merecem consideração especial [88]. Assim, a atitude de escutar supõe confiança nos mais experientes; é sinal de sabedoria e educação escutar com docilidade aqueles que estão mais adiantados na vida e podem falar em nome de sua própria experiência.

Neste sentido, o tema da obediência está intimamente ligado ao tema da escuta, como um prolongamento natural do ouvir, e se manifesta como um aprofundamento da escuta. Uma das mais importantes capacidades humanas é a capacidade de escutar. A escola é um lugar onde os estudantes aprendem como escutar e como obedecer ao mestre89. A principal responsabilidade dos que se encarregam disso é criar espaço para este particular processo de desenvolvimento [90].

“Escuta” foi a primeira palavra que São Bento escolheu para o início da sua Regra [91], enquanto que “executa eficazmente” conclui a frase. A intenção de São Bento é que toda a vida do discípulo seja uma escuta, e é sob esta ótica que a Regra deve ser lida; sob o prisma da escuta, o que implica a obediência em seu pleno sentido.

Quando São Bento prescreve ao discípulo, “executa eficazmente”, chama-o de filho, mostrando assim o afeto que deve ter aquele que ensina, e a correspondência daquele que ouve. Este primeiro versículo da Regra de São Bento quer dispor favoravelmente o ouvinte para que preste toda a atenção para com aquele que lhe está falando e se apresse a pôr em prática a doutrina que escutou [92]. O que adiantaria abrir-nos em escuta ao Mestre, se desse fato não resultassem atos?

A escuta precede a ação, em sentido pleno deve traduzir-se em atos, sem murmurar, logo imediatamente à ordem, e com perfeição. São Bento não quer traçar somente uma teoria, mas também estimular a sua execução [93]. E a própria Sagrada Escritura nos exorta: “Felizes os que ouvem a palavra de Deus e a observam” [94]. A expressão “executa eficazmente” pode significar ainda a obediência, tão cara para São Bento em sua Regra [95], o que constitui o elemento essencial da pedagogia beneditina. O educando deve ser pronto à obediência, o seu ouvido deve estar aberto ao saber.

Certamente, uma das palavras fundamentais da vida do educando é escutar. Só aquele que escuta o outro pode receber e transmitir o conhecimento [96]. São Bento conhece e desenvolve uma autêntica pedagogia do escutar. O processo da escuta e da compreensão da palavra se desenvolve desde uma primeira atenção exterior, passando pela inclinação do ouvido do coração e a percepção alegre e pronta, até a realização edificada na ação. A escuta envolve as duas partes, tanto aquele que ouve quanto aquele que fala, havendo uma participação conjugada entre ambos. Na escuta se determina a liberdade de nosso coração. Aquele que escuta está e vive em diálogo com o mestre.

Podemos observar que São Bento parece colocar, neste primeiro versículo, todo seu coração. A palavra “filho” é carregada de afeto; é o “bom pai” quem fala; ele se dirige ao ouvido do coração e o filho deve receber a palavra de boa vontade. Os dois interlocutores se defrontam neste primeiro versículo: de um lado o mestre, que é também um pai bondoso e que comunica ao outro uma palavra, um conselho, um preceito e um ensinamento. Do outro lado está o discípulo, que é designado pelo nome de filho [97]. O discípulo é confrontado quatro vezes com um imperativo: “escuta – inclina – recebe – executa”. Este mestre e pai, no contexto pedagógico, é, por certo, cada professor no ofício de seu magistério [98].

Na frase: “Escuta, ó filho”, encontramos ainda uma série de ensinamentos que se a combinam: o educador, na qualidade de mestre, deve semear na mente dos seus discípulos a razão de sua ordem e da sua instrução. Como o fermento que faz crescer, convence e ajuda o discípulo a obedecer, assim, a voz de quem ordena atinge o ouvido. O ouvido vai permitir a percepção, a compreensão do que foi dito. Passa-se, portanto, da exterioridade, daquilo que foi ouvido, à interioridade; do chamado à resposta esperada.

Para São Bento, ainda não basta o primeiro apelo à escuta; ele o reforça com a metáfora bíblica do inclinar do ouvido: “[...] inclina o ouvido do teu coração”. Na Regra de São Bento a palavra inclinar ocorre sempre em conexão com a humildade. Assim, ela é explicada nos antigos comentários como um fazer-se humilde e pequeno, um abrir-se para o alto, a partir do íntimo de si mesmo [99]. Muitos, talvez, abrem os ouvidos do corpo e escutam os sons, mas, se não inclinam o coração, não podem sentir a verdade [100].

Na Sagrada Escritura, o “coração” designa não só o que há de mais íntimo em sua capacidade de amar, mas também em sua capacidade de pensar. Também para São Bento o coração é a parte do corpo onde a semente do ensinamento se aloja, e o ouvido deve estar ligado a ele. Assim, o coração que recebe a palavra, desenvolve também a sabedoria e o conhecimento.

Diz-nos ainda o texto: “Recebe de boa vontade”. Com isso São Bento mostra a maneira como devemos acolher a palavra, o ensinamento: com bondade e com prontidão. Cada um poderia, evidentemente, endurecer o seu coração [101]. O coração é como a terra boa que deve se abrir para poder receber a semente [102]. É bem característico de São Bento mostrar que esta abertura de si mesmo exige o esforço, para atingir o mais íntimo do ser e, assim, ele quer que escutemos todo o ensinamento com amor e recolhimento.

Se o mestre beneditino, como vimos, é capaz de ensinar, seja o discípulo capaz de receber este ensinamento [103]. A receptividade do discípulo é a atitude de escuta. A obediência e o silêncio compõem um binômio, onde o mestre e o discípulo interagem. Para São Bento, a obediência é sem demora e fundamenta-se na humildade [104] e no silêncio: “Como efeito, falar em ensinar compete ao mestre, ao discípulo convém calar e ouvir” [105]. Esta ligação dos conceitos de obediência e silêncio é apresentada na Regra de forma bem específica, sendo o capítulo da obediência anterior ao capítulo do silêncio.

No capítulo 73, São Bento mostra que os discípulos que vivem mal são chamados de relaxados e negligentes [106], e os bons são chamados de “obedientes” [107]. O que caracteriza os negligentes e relaxados é que eles não querem se abrir para a escuta [108]. Assim, para São Bento, o não querer escutar é o mesmo que não querer obedecer.

Notemos, com isso, que a escuta exige um clima de silêncio. Silêncio exterior e, principalmente, silêncio interior. Não se pode ouvir na agitação, e é por isso que São Bento tanto valoriza o silêncio. Podemos notar que neste versículo São Bento trata de uma trilogia: escutar, crer e obedecer. Estas três palavras indicam o movimento do homem que escuta, levando-o à concentração, intimidade e comunhão. O desejo de escutar nos leva, em última análise, a compreender o outro. A atitude de escutar, de ouvir, é, portanto, uma atitude básica, própria e constante da vocação do discípulo.

A escuta verdadeira conduz ao conhecimento da verdade e da obediência. A obediência, a princípio, parece ser algo que limita a liberdade pessoal. Dizer que a obediência é a máxima promoção do homem soa estranho e até contraditório para uma sociedade que hoje cultiva outros valores.

Dentro do ponto de vista educacional, a obediência está intimamente unida à sabedoria, isto supõe uma exigência daquele que ordena e daquele que obedece. E a obediência beneditina supõe prudência, reflexão, conselho e diálogo. Neste sentido, a obediência é um caminho de renúncia e abandono e, ao mesmo tempo, conduz a uma grande liberdade interior, onde o homem passa a não viver mais escravizado pelo egoísmo e orgulho, mas põe-se à disposição do outro, ao ouvi-lo e compreendê-lo.

V.2. A liberdade no processo educativo

No cerne do processo educativo está a “verdade”, ou, em uma visão mais dinâmica, o conhecimento da verdade e a sua conquista. O homem é curioso, isto é, tem sede de saber e se alegra com a descoberta da verdade. A inteligência do homem precisa da verdade e podemos dizer ainda que ela é iluminada pela verdade, que confere ao homem a lucidez para discernir, avaliar e escolher, ponderar e decidir, e, por isso, ela também o liberta. Sendo assim, a educação tem por fim a conquista da liberdade interior [109], razão pela qual a educação tem seu ponto de partida na inteligência e no irradiante efeito clarificador da verdade.

A perspectiva em que São Bento enfoca a educação tem suas raízes na afirmação do próprio Cristo: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” [110]. O discípulo é aquele que escuta interiormente a Verdade. Esta é a chave da antropologia cristã e, de uma maneira especial, da ideia cristã de liberdade. Em uma época em que se fala muito acerca do lugar da liberdade nos métodos educacionais, é útil lembrar que toda a visão que São Bento tem do homem, na descrição que ele faz da natureza humana, se baseia no seu conceito de liberdade. Este é um conceito preciso e é apresentado na Regra de São Bento de forma concreta. A liberdade não é o meio, mais um fim: é uma qualidade interior da vida, embora não seja imposta, mas só pode ser adquirida por meio de um processo de aprendizagem [111].

Três das seções mais conhecidas da Regra de São Bento são dedicadas à descrição desta liberdade. A primeira está no final do Prólogo, no qual o contexto é o propósito da disciplina; a segunda se encontra no final do capítulo sétimo, cujo conteúdo é a humildade. E, finalmente, no capítulo 72, que diz respeito, em sua totalidade, ao amor fraterno. Para São Bento, só o homem disciplinado, humilde e caritativo pode ser capaz de alcançar a verdadeira liberdade, que é fonte da educação.

Nesta instituição esperamos nada estabelecer de áspero ou de pesado. Mas se aparecer alguma coisa um pouco mais rigorosa ditada por motivo de equidade, para emenda dos vícios ou conservação da caridade, não fujas logo, tomado de pavor, do caminho da salvação que nunca se abre se não por estreito início. Mas, com o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração e com a inenarrável doçura de amor, é percorrido o caminho dos mandamentos de Deus [112].

São Bento usa a expressão “dilata-se o coração”. Essa expressão é o âmago da Regra em sua totalidade: a meta da disciplina não é a conformidade, mas um “coração dilatado”, uma indescritível “doçura” que a maioria das pessoas chamaria de felicidade. No capítulo 72 São Bento mostra a riqueza de sua concepção de liberdade quando a descreve sob o título de zelo bom.

Exerçam, portanto, os monges, este zelo com amor ferventíssimo, isto é, antecipam-se uns aos outros em honra. Tolerem pacientissimamente suas fraquezas, quer do corpo quer do caráter; rivalizem em emprestar mútua obediência; ninguém procure aquilo que julga útil para si, mas, principalmente, o que o é para outro, ponham em ação castamente a caridade fraterna; temam a Deus com amor; nada absolutamente anteponham a Cristo, que nos conduza juntos para a vida eterna [113].

Esta inspiradora e difícil visão da liberdade, ao mesmo tempo tão cristã e tão humana, deve sempre estar presente no espírito de todo o trabalho educacional autenticamente beneditino. O propósito da educação é criar condições apropriadas para o desenvolvimento do educando, visando a sua liberdade interior. A liberdade intelectual é fruto de conhecimentos práticos adquiridos na busca disciplinada da verdade [114].

É certamente este o verdadeiro sentido da insistência de São Bento na obediência: a obediência é uma condição do desenvolvimento interior. O discípulo que não obedece autenticamente ao seu abade e ao seu irmão não será um discípulo feliz. Toda desobediência representa, nesse sentido, a busca de uma liberdade ilusória que obstrui a aquisição da verdadeira liberdade. E, no plano da educação, esta obediência é o principal pré-requisito para uma aprendizagem eficaz, como sendo a virtude mais apropriada para atingir a perfeição.

Esta relação entre obediência e liberdade resulta particularmente importante para a formação do educando nos colégios beneditinos. Não está nos moldes da educação pretendida por São Bento um enfoque radicalmente “permissivo”. Uma instituição beneditina sem “um certo rigor disciplinar” significaria uma contradição em termos. De igual maneira, a obediência deve fundamentar-se e levar o educando a respeitar a todos [115]. Mas a autoridade não deve ser usada de modo totalitário; quando São Bento fala do abade, diz que deve ser mais amado do que temido [116]. O abade não é só mestre; ele é também um bom pastor e um pai bondoso [117].

O enfoque beneditino na educação fundamenta-se, pois, em uma determinada forma de relacionar a obediência com a liberdade. A preocupação e a meta formativa da educação beneditina consistem em criar boas condições nas quais o educando possa crescer [118]. Em toda a Regra de São Bento, podemos verificar que nenhuma pressão é exercida, exceto a coerência com o caminho espiritual proposto. São Bento fundamenta sua doutrina em conformidade com os ensinamentos de Cristo: exigência e liberdade.

A mensagem do evangelho é exigente. E Cristo, a este propósito, jamais iludiu os seus discípulos e aqueles que o escutavam. Ao contrário, com muita firmeza os preparava para toda espécie de dificuldades internas e externas, levando sempre em conta o fato de que eles podiam também decidir deixá-lo [119]. Mas, ao mesmo tempo, Jesus diz aos seus discípulos: “Não tenham medo!” [120] – e certamente não diz isso para anular de algum modo o que exige. Antes, com estas palavras, confirma toda a verdade do Evangelho e todas as exigências nele contidas. Se o homem aceita a mensagem de Jesus, em atitude de fé, encontra também na graça a força necessária para enfrentar as dificuldades [121].

E São Bento coloca no início da Regra a lista dos instrumentos da arte espiritual [122]. É este o caminho da liberdade e, portanto, da escolha, onde o próprio discípulo se submete à Regra, que ele livremente escolheu seguir. Para o discípulo de São Bento, a Regra é o itinerário de vida e escola de sabedoria [123]. O capítulo sobre os noviços é, por si só, uma formação para a liberdade. Desde a sua chegada ao mosteiro, o discípulo aprende procurar a Deus. Depois disso, é colocado diante da escolha decisiva: “Eis a lei sob a qual queres militar: se podes observá-la, entra; mas se não podes, sai livremente” [124].

Esta liberdade proposta por São Bento é um caminho a ser encontrado em conjunto, em uma obra comum, onde ninguém siga o que é “útil para si, mas para os outros” [125]. A liberdade tem necessidade de um conteúdo comunitário. O discípulo de São Bento, prometendo obedecer às instruções da Regra, faz a experiência de ali encontrar uma escola de amor. Incorporando-se a um grupo que o precedeu, ele pode encontrar um apoio para a sua orientação e formação.

V.3. O amor fraterno

A convivência pacífica há de fundar-se particularmente na justiça, na liberdade verdadeira, na compreensão mútua, no auxílio fraterno. E esta caridade supõe um respeito mútuo entre os discípulos [126] e está unida à ordem e à disciplina [127]. Portanto, o amor e a humildade unem-se, movendo o homem. E São Bento quer que o homem viva e cresça no amor. Para São Bento, todos os que estão no mosteiro, do superior até o hóspede desconhecido e pobre, do doente ao último dos irmãos, todos significam a presença viva de Cristo. Assim, ao valorizar o respeito e o amor fraterno, São Bento promove as relações de amizade e, no campo pedagógico, um melhor convívio entre os alunos favorece a disposição mútua de se compreenderem.

Na Regra de São Bento os dois grandes capítulos que se referem ao abade [128] e o capítulo que alude ao Prior [129] mostram as qualidades requeridas para o superior ideal, mas, presumivelmente, também as características do discípulo ideal. Indicam-se com bastante clareza as qualidades que se espera que os discípulos valorizem, a que devem aspirar e que deveriam procurar incutir nos demais [130]. Podemos dizer ainda que estas qualidades apreciadas por São Bento no abade e no seu prior são também apreciáveis em qualquer outra pessoa, sinal de que o educador deverá ter, segundo a concepção de São Bento, essas mesmas qualidades.

Esse mesmo tema emerge quando São Bento se refere ao celeireiro, cuja responsabilidade é a administração prática do mosteiro. A atitude de São Bento com respeito à eficiência é igual a sua atitude com respeito à disciplina: um meio e não um fim. O trabalho principal do celeireiro consiste em manter felizes os irmãos: deve ser eficiente, mas não sobrepujar-se em sua eficiência, isto é, deve ser prudente, paciente e previdente; e sempre dar respostas razoáveis inclusive aos que pedem sem razão [131].

São Bento prescreve ainda que o celeireiro deve cuidar com especial solicitude dos enfermos, das crianças, dos hóspedes e dos pobres [132], e preocupar-se igualmente com as pequenas coisas que, muito facilmente, são mal atendidas na vida em comunidade. O propósito de tudo isto é que “ninguém se perturbe nem fique triste” [133]. Nesta linha podemos dizer que todo trabalho realizado pelo monge no mosteiro deve ser um trabalho de amor [134]. E São Bento ainda adverte que o mais humilde dos utensílios do mosteiro deve ser visto com o mesmo valor dos vasos sagrados do altar [135]. Daí provém a insistência, presente em toda a Regra, de que todo mosteiro e todos os seus trabalhos devem ser considerados “casa de Deus” [136]. Para Santo Tomás de Aquino “o primeiro ato da caridade é amar” [137] e São Bento nos exorta a fazer de nosso ambiente um lugar de amor [138].

Chama a atenção como São Bento repete e enfatiza por diversas ocasiões em sua Regra a importância da caridade fraterna. As normas apresentadas por São Bento são todas perpassadas pelo amor fraterno. Esta é a razão pela qual, muitas vezes, a qualidade mais importante que se busca no abade e no prior de um mosteiro é a sua habilidade prática de fomentar o verdadeiro amor na comunidade. São Bento define o amor em termos bem práticos. O abade deve amar a

todos por igual [139], sabendo que o favoritismo de qualquer tipo é a força que cria

a maior divisão na comunidade. Não obstante, deve constantemente “adaptar-se

às circunstâncias [...] de acordo com a condição e a inteligência de cada um” [140].

Em cada ser humano há uma dignidade imensa, enquanto imagem e filho de Deus, que deve ser reconhecida e respeitada por todos. No mosteiro essa dignidade é informada por uma visão sobrenatural, enquanto o outro não apenas é respeitado, mas amado. Amor se traduz na paciência com o discípulo, em ajudá-lo a superar o que existe de negativo em si próprio [141]. São Bento conhece, certamente, por experiência a importância da paciência no desenvolvimento do discípulo, e São Paulo mostra que a paciência é a primeira manifestação do amor, que tudo suporta e tolera [142]. Em toda a Regra, São Bento demonstra uma atitude de paciência misericordiosa para com os fracos de corpo e de caráter; assim, São Bento faz da paciência uma forma cotidiana de amor.

Conclusão

A abordagem dos princípios pedagógicos na Regra de São Bento teve como objetivo ressaltar a fertilidade do pensamento de São Bento no contexto pedagógico, a partir do estudo dos conceitos de mestre, de discípulo, de doutrina e de ambiente. São Bento, com efeito, foi uma referência segura para a vida no seu tempo e, por isso, os seus ensinamentos podem ser aplicados, visando auxiliar na formação do homem contemporâneo.

O propósito foi chamar a atenção para três pontos fundamentais na educação beneditina: a disciplina, o trabalho e o exercício paterno da autoridade, que deve ter o equilíbrio entre o rigor e a bondade, entre a solicitude e a comunhão, entre a abertura para o mundo e o espaço interior, entre o incentivo aos fortes e a consideração para com os fracos.

São Bento assumiu as grandes virtudes monásticas, como a obediência, o silêncio, a humildade, a ascese, a paciência, a perseverança, etc. Mas também acrescentou, ou acentuou mais fortemente, elementos da tradição cenobítica e da própria experiência: a comunhão do amor fraterno, o serviço mútuo e a consideração para com as pessoas.

Os ensinamentos da Regra de São Bento nos chamam ao aprimoramento desta tarefa no campo da educação enquanto avançamos em direção ao amanhã. Os jovens que educamos preparam-se para o futuro. A Regra de São Bento pode dar a sua contribuição, tendo em vista a construção da paz e da fraternidade. A educação não é apenas conhecimento, mas também experiência. Ela une o saber e o agir, instaura a unidade e procura a coerência. Ela compreende o campo afetivo e emocional, com uma dimensão ética: saber fazer e ousar transformar a sociedade e o mundo [143].


Notas:

[1] Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Católica Argentina. Tesis: Amoris Officium Pascere. A dimensão do serviço da autoridade do superior religioso à luz da Regra de São Bento, a partir de uma leitura teológica-jurídica do cânon 619 do CIC (2004). Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Diretor da Facul-dade  de  São  Bento  do  Rio  de  Janeiro  (FSBRJ).  Promotor  de  Justiça  do  Tribunal  Eclesiástico  Interdiocesano do Rio de Janeiro. Email: dom.anselmo@osb.org.br

[2] Cf. Mt. 11, 5-29; 23,10.

[3] Cf. Sagrada Congregação para a Educação Católica (1977), n° 39.

[4] Cf. S. Gregório Magno, 2003, II, 11.

[5] Cf. Regra de São Bento (RB) 58, 20.

[6] Cf. S. Gregório Magno, 2003, II, 3, 14; 11, 1; 20, 1; RB 48, 7-9; 59, 1-6.

[7] Cf. L. Almeida Prado, Afinal, o que é educação? Uma visão filosófica, em Souza, P. N. P; Silva, E. B. da (coord.). Educação: uma visão crítica, São Paulo 1989, pág. 51.

[8] Cf. S. Gregório Magno, 2003, II, 9. 12.

[9] Cf. RB 27, 30; 30, 10; 31, 9; 37; 45, 3; 59, 1.6; 63, 6.18; 70, 6.

[10] Cf. D. Milroy, La educación según la Regla de San Benito, en Cuadernos Monásticos 64 (1983) 86-90.

[11] Cf. F. Peeters - M, A, Cooman, A pequena história da educação. São Paulo 1968, pág. 44.

[12] Cf. L. Almeida Prado, Afinal..., pág. 196.

[13] Cf. F. Peeters – M, A, Cooman, A pequena..., pág. 44.

[14] RB 53, 9.

[15] A porta é um dos símbolos do Cristo. Ele disse: “Eu sou a porta” (Jo. 10,9). Cristo é a porta da vida em plenitude. Através dele encontramo-nos a nós mesmos e encontramos os outros. Ele nos ajuda a abrirmos as portas do coração aos outros. A juventude é mesmo a idade das grandes descobertas, das mais variadas experiências [...] As portas de uma instituição educacional se abrem para a esperança e as perspectivas de futuro. São portas que normalmente conduzem o educando a novas aventuras e o faz mergulhar em experiências novas, por caminhos ainda não trilhados. E Cristo ainda completa: “Quem entrar por mim tem a vida!” (Jo. 10,9). Quem entrar por Ele não fica desiludido, não sairá defraudado e encontrará orientação para a vida. Cristo é a porta que dá sentido à vida. Uma porta sempre aberta. E cada mestre e cada educando é também chamado a passar por esta porta, e mais ainda, a porta do coração, e que cada discípulo saiba ter a mente aberta e o coração sempre disponível a acolher a mensagem, que visa o progresso e o desenvolvimento da pessoa. A expressão latina “Patet porta, magis cor” encontrada em cima da porta de um mosteiro medieval indica que esta deve ser também a finalidade e o objetivo de cada mosteiro beneditino: saber acolher bem todo aquele que chega ao cenóbio (Cf. L. Almeida Prado, Afinal..., pág. 240).

[16] RB 4,8.

[17] Ex. 20, 12. Cf. Mt. 19, 18-19.

[18] Cf. RB 54,1-2.

[19] Cf. RB 53, 2.6-7.15.

[20] RB 58,1-2; 6-7; 9.13.

[21] Cf. P. Mendes Peixoto, O valor da hospitalidade. Caminhar na missão, Uberaba 2016, págs. 2-4.

[22] Cf. Lc. 10, 38-42.

[23] Cf. Gn. 18, 10.

[24] RB 53, 7.15.

[25] RB 53, 15.

[26] Cf. Mt. 25, 31ss.

[27] RB Pról. 45.

[28] Cf. A. Böckmann, Perspectivas da Regra de São Bento, Rio de Janeiro 1990, pág. 48.

[29] Cf. L. cit.

[30] Cf. S. Agostinho, 1954, s. 177,2; 292,1.

[31] Cf. RB Pról. 50. Cf. também RB 2,4; 64,9.

[32] Cf. RB 2.

[33] Cf. RB 35, 6; 72.

[34] Cf. RB 2, 2s; 64, 13.

[35] Cf. Jo 13, 13ss.

[36] Cf. RB 2, 24.

[37] Cf. S. João Paulo II, L’Osservatore Romano 35, 31/08/1980, pág. 3.

[38] Cf. RB 64, 15.8

[39] Cf. RB 27, 5.8-9.

[40] Cf. RB 2, 24.

[41] Cf. RB 2 e 64.

[42] Cf. RB 2, 12ss.

[43] RB 2, 23-25.

[44] Cf. Mt. 18, 5; 1Cor. 5,5.

[45] RB 2, 22.

[46] RB 64, 9.

[47] RB 27, 4.

[48] RB 2, 34.

[49] Cf. RB 25, 4.

[50] RB 64, 2.

[51] RB 64, 9.

[52] RB 2, 23; 2Tm. 4, 2.

[53] RB 37, 3.

[54] RB 2, 12.

[55] RB 2, 25.

[56] RB 2, 16.

[57] RB 2, 22.

[58] Cf. RB Pr 1, 8.10; 2, 1; 3, 1.

[59] Cf. RB Pr 1, 20ss; 8, 4ss.

[60] Cf. RB Mt 10, 1; 12, 1; Lc. 10, 1; 6,7; 19, 37.

[61] Cf. RB 2, 4ss; 64, 2.9.

[62] Cf. RB Pról. 1; 2, 3.

[63] Cf. RB 58, 14.

[64] Cf. RB 6, 2; 6, 8; 19, 7.

[65] Cf. RB 73, 12.

[66] Cf. RB Pról. 45.

[67] Cf. RB Pról. 1.

[68] Cf. RB 46.

[69] Cf. RB 46, 5; 7, 44ss.

[70] Cf. S. João Paulo II, L’Osservatore Romano 35, 31/08/1980, pág. 3.

[71] Cf. E. Contreras, La murmuración en la Regla de San Benito, in Cuadernos Monásticos 8 (1973) 121-131.

[72] RB 4, 39.

[73] Sb. 1, 11.

[74] Cf. RB 5, 14.17.18. 19.

[75] Cf. RB 4, 66; 64, 16; 65, 22.

[76] Cf. RB 4, 48.

[77] Cf. RB 4, 57; cf. RB Pról. 28.

[78] Cf. RB 30, 1.

[79] RB Pról. 1. A Regra de São Bento abre-se com um Prólogo, que é um escrito preliminar cujo objetivo é apresentar o livro. Poderia ser também chamado de Proemium (palavra exortatória). O Prólogo da Regra de São Bento é um valioso documento de espiritualidade, que descreve a vocação monástica e as grandes linhas de seu itinerário. Tem caráter sapiencial, isto é, entra na série dos escritos dos grandes mestres da sabedoria da antiguidade, tais como: Livro dos Provérbios, Eclesiástico e Livro da Sabedoria. Este caráter sapiencial se depreende do vocabulário e do estilo do Prólogo: O autor é um pai que se dirige a seu filho e o chama; é também um mestre que fala ao discípulo; propõe uma exortação que tende a suscitar uma decisão concernente ao seu futuro [cf. E. Bettencourt, Escuta, ó filho..., in Em Comunhão 55 (1984) 3].

[80] RB Pról. 1.

[81] RB Pról. 45.

[82] RB Pról. 1.

[83] RB Pról. 1.

[84] Na Sagrada Escritura, com frequência, temos a exortação a “prestarmos ouvido”. A parábola do Bom Pastor (cf. Jo. 10,1-18) mostra a relação entre escutar, crer e obedecer. As ovelhas escutam a voz do Bom Pastor e fazem mais, seguem-no, o que supõe intimidade. Escutar, seguir e conhecer Cristo é acreditar. Conhecer a voz de Cristo é identificar-se com a sua mensagem, não somente crer nessa mensagem, mas, identificá-la e senti-la como própria. Neste sentido, o Bom Pastor não é somente o modelo e exemplo de todos os pastores, mas é modelo e exemplo de todos os que creem e querem obedecer a Deus. Existe ainda um texto importante para compreender as exigências do escutar, que se encontra em 1Sm 3,10: “Fala, Senhor, teu servo escuta”. Esta resposta do jovem Samuel contém em si a atitude da completa atenção, atitude de obediência total à palavra de Deus (cf. Sl. 33,12; 94,7-10; Mt.. 7, 24-27; Ap. 2, 7.11.17.29; 3,6; Pr. 4,20. 5,1; 7.1).

[85] RB 63,10. E em RB 4,70 temos: “Venerar os mais velhos. Amar os mais jovens”.

[86] Cf. E. Bettencourt, Jovens e anciãos na Regra de São Bento, em Comunhão 15 (1991) 7-10.

[87] RB 4, 70.

[88] Cf. RB 37,1-3

[89] O termo obediência vem do latim obedire, próximo do verbo audire e significa ouvir, atender a palavra do outro, aceitando-a e executando-a. Implica naturalmente o ato sensível de ouvir, acompanhado da sua compreensão pelo intelecto, seguido da aceitação voluntária, e voltando ao plano sensível pela execução. Envolve todo o homem, corpo e alma. Três capítulos da Regra são dedicados especialmente à obediência, nos quais esta virtude fundamental é definida, considerada nos seus múltiplos aspectos e aplicações: nos capítulos 5, 58 e 71. No capítulo 4 ela já é lembrada entre os instrumentos das boas obras (cf. RB 4,60-61), e no capítulo 7 a obediência evidencia-se como elemento essencial à humildade. Ao realçar a obediência como atitude fundamental e indispensável ao monge, São Bento seguiu a trilha da tradição monástica, sobretudo a dos monges do deserto, cujas doutrinas lhe foram transmitidas por Cassiano. São Jerônimo, ao falar dos antigos monges do Egito, afirma que “primeiro acento entre eles é obedecer aos seus superiores e fazer tudo que eles mandam” (Ep. 22,35). Para Sulpício Severo, entre os monges, a obediência é a prima Lex, e diz: “Esta é a primeira das suas virtudes, obedecer ao mandato alheio” (cf. S. Gregório Magno, Diál. 1,19; 1,10-11).

[90] Cf. D. Milroy, La educación según la Regla de San Benito, en Cuadernos Monásticos 64 (1983) 84.

[91] Ao escolher esta expressão, São Bento foi certamente influenciado pela Sagrada Escritura. No sentido bíblico a palavra ‘escutar’ designa uma atitude global que inclui a obediência. Escuta-se com o coração, do íntimo de si mesmo, como indica o Sl. 94: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não permitais que se endureçam vossos corações” (RB Pról. 10). No livro do profeta Jeremias lê-se a exortação do Senhor que diz: “Ouve, ó Israel, escutai a minha voz” (Jr 7,23). E no momento da transfiguração do Senhor, de uma nuvem pode-se ouvir uma voz do céu a dizer: “Este é o meu Filho, o Eleito; escutai-o” (Lc. 9,35).

[92] Cf. A. Böckmann, Perspectivas da Regra de São Bento, Rio de Janeiro 1990, pág. 17.

[93] Cf. Ibid., pág. 26.

[94] Lc. 11,28.

[95] Cf. RB 5.

[96] Cf. RB Pról. 2. Cf. também RB 5,1; 7,31-48; 53,20; 58, 7.17; 62, 4.11; 63,16; 68, 1.5; 72,6.

[97] Cf. RB 3; 61,4.

[98] Cf. A. Böckmann, Perspectivas da Regra de São Bento, Rio de Janeiro 1990, pág. 18.

[99] Cf. Ibid., pág. 19.

[100] Cf. Ibid., pág. 24.

[101] O coração é um dos órgãos fundamentais do nosso corpo, e o mais importante na circulação do sangue. A Sagrada Escritura nos apresenta o coração como algo mais íntimo de uma pessoa, revela a sua ternura e a sua capacidade de amar. Para as culturas antigas o coração é tido como a sede da inteligência e da vontade (cf. Dt. 11,18), por isso, a primeira função espiritual do coração é conhecer (cf. Ex. 7,23; 9,21; 1Sm. 4,20). Deste modo, a inteligência e todas as capacidades intelectuais são próprias do coração: “Reconhecerás, então, no teu coração, que tal como um homem educa o seu filho, assim o Senhor, teu Deus, te educa” (Dt. 8,5; Jr 24,7). A literatura sapiencial atribui ainda ao coração a capacidade de julgar: “ [...] e a sabedoria entrará no teu coração e o conhecimento será para ti uma delícia. A reflexão te guardará e o entendimento amparar-te-á, para te livrar do mau caminho” (Pr. 2,10; Ecl. 1,16). É também sede da vontade e das decisões (cf. 2Sm. 7,2; 1Rs. 8,17; Is. 10,7). E ainda, é o coração que tem a capacidade de escutar a Palavra (cf. Dt. 4,29; 6,5; 10,12; 11,13; Lc. 8,15). Por isso, o coração que não quer escutar a Palavra é um coração obcecado, cego, que não vê (cf. Is 6,10). Mas o coração que escuta a Palavra é comparado a uma tabuinha onde o próprio Deus escreverá a sua lei (cf. Jr 31,33; Dt. 4,39; 10,16; 30,6; Ez. 44,7.9; Hb. 8,10). O coração endurecido e pesado é o que não escuta a Palavra de Deus, não percebe os seus desígnios (cf. Ex. 14,4; Sl. 95,8; Jr. 3,17; 7,24; 9,13; Ex. 24,3). Mas aquele que escuta a Palavra de Deus sente o seu coração transformar-se, como diziam os discípulos de Emaús: “Não nos ardia o nosso coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc. 24,32). Uma das causas mais comuns da luta de Jesus com os fariseus e judeus em geral era porque estes tinham o coração fechado a sua palavra (cf. Mc. 3,5).

[102] Cf. Mc. 4,20; Lc. 8,15.

[103] Os antigos sentiam predileção por estas formas diretas que criam imediatamente um clima de intimidade entre mestre e discípulo, um clima propício às confidências de coração a coração. Nota-se um elo de ternura em quem exorta seus “filhos” a “escutar” com o ouvido do coração, matiz de interioridade que se apropria dos nomes de mestre e pai. Assim São Bento escreverá que deve tratar seus discípulos com “a severidade de um mestre e o piedoso afeto de um pai” (RB 2,24). Ao mestre é atribuído o nome de pai, conforme a tradição sapiencial, porque é mestre de sabedoria, e o título de mestre, porque ocupou como abade o lugar de Cristo no mosteiro (cf. RB 2,2).

[104] Cf. RB 5,1.

[105] RB 6,6.

[106] Cf. RB 73,7 e 48,23.

[107] RB 73,6.

[108] Cf. RB 48,18.

[109] Cf. L. Almeida Prado, Afinal, o que é educação? Uma visão filosófica, em Souza, P. N. P; Silva, E. B. da (coord.). Educação: uma visão crítica, São Paulo 1989, pág. 47.

[110] Jo. 8, 31-32.

[111] Cf. Milroy, 1983, pág. 85.

[112] RB Pról. 46-49.

[113] RB 72, 3-11.

[114] Cf. D. Milroy, La educación según la Regla de San Benito, en Cuadernos Monásticos 64 (1983) 86.

[115] Cf. RB 23-30.

[116] Cf. RB 64,15.

[117] Cf. RB 64,15; 72,10.

[118] Cf. D. Milroy, La educación según la Regla de San Benito, en Cuadernos Monásticos 64 (1983) 87.

[119] Cf. Jo. 6,67.

[120] Na Sagrada Escritura a primeira vez que aparece a palavra “medo” é imediatamente após nossos primeiros pais terem cometido o pecado: “Ouvi teus passos no jardim, por isso tive medo […]” (Gn. 3,10). O medo se nos apresenta nas suas mais diferentes facetas: medo de Deus, medo de comprometer-se, medo da própria afetividade, medo do passado, medo do que é novo, medo de assumir-se cristão em locais públicos. No Novo Testamento o anjo aparece a José e diz a ele: “Não tenhas medo!” (Mt. 1,20). O Anjo Gabriel diz a Zacarias: “Não tenhas medo!” (Lc. 1,13). E o mesmo anjo diz também a Maria: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus!” (Lc. 1,30). Não ter medo é o primeiro obstáculo que nós precisamos vencer para nos aproximarmos do Cristo. O medo nos destrói e nos corrói por dentro e não nos permite dar passos firmes na fé, e seguir adiante. O medo nos leva a enterrarmos os próprios talentos que Deus nos deu. O contrário de não ter medo significa confiar, ter a certeza, ter a convicção, a fé única neste Deus que nos ama e quer o nosso bem. Mesmo quando o “mar” à nossa volta parece querer nos engolir, Jesus vem em socorro de nossas limitações, e nos estende a sua mão. Ele não nos quer acomodados em nossa falsa segurança. Se queremos seguir os seus passos, Ele sempre nos diz como disse a Pedro: “Venha!”. Na nossa falta de fé, duvidamos. Não somente de nós mesmos, mas do Senhor. Ele nos encoraja e nos levanta: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt. 14,31), ao mesmo tempo em que nos estende a sua mão. O Senhor continua a nos dizer: “Não tenhas medo!” (Lc. 12,31). É necessário que, como Pedro, saibamos seguir os passos de Cristo, apesar dos riscos. Precisamos reconhecer nossas fraquezas, mas também nossas capacidades. Esta exortação “Não tenhas medo!” precisa ser lida numa dimensão muito ampla. Não devemos ter medo porque o homem foi redimido por Deus, e a redenção perpassa toda a história humana. Ele é a luz que resplandece nas trevas (cf. Jo. 1,5). Jesus já dizia aos apóstolos: “Não tenhas medo!” (Lc. 24,36) e depois de sua ressurreição disse também às mulheres: “Não tenhas medo!” (Mt. 28,10). Nós somos movidos pelos nossos medos: medo de doenças, medo da morte, medo de algo não dar certo, medo de não conseguir. Medo dos nossos próprios fracassos, medo dos nossos erros, das nossas incertezas, das pessoas, da violência. O medo é nossa condição existencial; ele nos acompanha da infância até a morte. Mas não precisamos ter medo, porque o Senhor está com cada um de nós. Ele mesmo disse: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt. 28,20). Lembremos também do que diz o salmista: “O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei? O Senhor é o protetor de minha vida, de quem terei medo?” (Sl. 26,1).

[121] Cf. S. João Paulo II, 1994, pág. 202.

[122] Cf. RB 4.

[123] Cf. RB Pról. 20.

[124] RB 58,10.

[125] RB 72,7.

[126] Cf. RB 72.

[127] Cf. RB 31,18.

[128] Cf. RB 2 e 64.

[129] Cf. RB 31.

[130] Cf. D. Milroy, La educación según la Regla de San Benito, en Cuadernos Monásticos 64 (1983) 87.

[131] Cf. RB 31.

[132] Cf. RB 31,9; 66,3; 53,15.

[133] RB 31,19

[134] Cf. D. Milroy, La educación según la Regla de San Benito, en Cuadernos Monásticos 64 (1983) 88.

[135] Cf. RB 31,10; 32,4.

[136] Cf. RB 31,19; 53,22.

[137] Cf. S. Tomás de Aquino, 1980, II, q. 27.

[138] Cf. RB 72.

[139] Cf. RB 2,22.

[140] RB 2, 23-25.

[141] Cf. RB 72,3; 1Cor 13,7.

[142] Cf. 1Cor. 13,4.

[143]. Cf. Congregação para a Educação Católica, 2014, pág. 6.


Referências

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S. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Porto Alegre: EdiPUCRS, 1980.

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