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Filosofia da Matemática em Aristóteles e S. Tomás - Introdução


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É com grande alegria que apresentamos uma tradução do Prólogo e da Introdução do livro La Filosofía de las Matemáticas en Santo Tomás, em traduzimos como A Filosofia da Matemática em Santo Tomás. Este livro foi escrito por José Alvarez Laso, C. M. F., Professor de Filosofia no Colégio Claretiano de Santa Cruz Zinacantepec. Foi publicado pelo Editorial Jus, México, 1952. Primeiramente quero agradecer a minha esposa pela tradução e revisão do texto em espanhol. As demais traduções são nossa. Futuramente teremos mais novidades deste livro. Aguardem!

PRÓLOGO 

Antes de entrar no assunto, convém citar aqui algumas advertências. E, primeiramente, para que ninguém ache que minha tese é um de tantos esforços para atribuir a Santo Tomás, sete séculos antes, o que agora dizemos, hei de explicar

A ocasião deste tema. Muitos matemáticos modernos e não poucos filósofos de todo tipo de escolas prestam grande atenção aos problemas filosóficos que a Matemática oferece, agrupados sob a denominação comum de Filosofia da Matemática.
Basta ler as últimas páginas da monografia de W. Dubislav, A filosofia da Matemática na Atualidade [Die Philosopie der Mathematik in der Gegenwart] (Berlín, 1932), para se convencer disso. 
Por outro lado, os escolásticos, esquecendo o exemplo dos grandes Mestres (veja a Conclusão), pouco ou nada fizeram neste campo estritamente metafísico. 
É, pois, este terreno como diz o P. Hoenen, Um campo de pesquisa para Escolástica (O Escolástico Moderno 12 [A field of research for Scholasticism (The Modern Schoolman 12)] [Nov. 1934] 15-18). 

Objeto desta pesquisa. Não é minha intenção propor uma filosofia da Matemática segundo a doutrina escolástica. Meu trabalho será mais modesto: colaborar com meu grãozinho de areia para este ideal preparando a história destes problemas na escolástica. 

Autor escolhido. E para sintetizar, na medida do possível, esta história, escolhi como autor central Santo Tomás de Aquino, que representa melhor que nenhum outro a doutrina escolástica. Ele reuniu toda a ciência anterior e dele derivam mais ou menos todos os Escolásticos posteriores. Por isso, creio que as 
Fontes principais deste trabalho devem ser os Comentários do Angélico aos livros do Estagirita [Aristóteles]. Assim, poderemos estudar paralelamente o pensamento do Filósofo e de seu melhor intérprete. Uma consequência prática é a maneira de citar ambas as referências o mais preciso possível. Somente os que quiseram consultar alguma vez o pensamento de Santo Tomás com os outros Comentadores antigos e modernos, verão a utilidade destas citações. 

Características do meu trabalho. Assim, pois, meu trabalho é primariamente histórico. Apresentar as soluções que Santo Tomás deu aos problemas que oferecia a matemática de seu século.
Em segundo lugar, meu trabalho deve ser crítico. Em dois sentidos: primeiro em relação aos problemas que o próprio Santo Tomás se propunha: estão plenamente resolvidos?; logo, em relação aos problemas de agora, as soluções tomistas podem ser aplicadas a eles? 

Método seguido. Eu segui o método histórico e documental, pesquisando o que de fato disse Santo Tomás. Método diametralmente oposto ao que segue D. García em seu artigo De metaphysica multitudinis ordinatione (Div. Thom. Plac. 31 [1928] 83-109; 607-638). [Sobre a metafísica da ordem do número].

Uso dos idiomas. O método documental exige a menor intervenção possível do pesquisador nos textos. Por isso, embora o texto da dissertação esteja na minha língua materna [espanhol], as citações estão sempre nos idiomas dos respectivos autores. 
É lamentável ter que dizer, mas é um fato, cito autores em nove línguas diferentes e nenhum em espanhol. 
Para maior comodidade, o índice de referências está em latim.


Divisão da tese. Fiz um esquema quase a priori sobre os problemas filosóficos que a Matemática oferece para ordenar, segundo ele, os materiais que estivesse recolhendo, mas logo tive a sorte de encontrar um belo texto de Santo Tomás que me deu uma magnífica divisão da matéria, segundo exponho no primeiro capítulo. 

A bibliografia que aparece nas páginas seguintes compreende, sistematicamente catalogados, todos e apenas os livros e artigos empregados para compor a dissertação. 

Fruto da minha pesquisa. Creio que o mérito principal do meu trabalho está em ter encontrado em Santo Tomás um esboço de Filosofia da Matemática, que é necessário desenhar e colorir com muito cuidado para poder apresentá-lo diante do público de nossos dias. 

Defeitos da minha dissertação. Certamente, terão muitos a serem delatados ao principiante. Mas, há três que eu mesmo vejo e que quero confessar aqui. 
Facilmente se nota que os últimos capítulos estão menos trabalhados, embora em parte se deva ao fato de que são menos filosóficos. 
Logo, teria que ler de novo todos os textos, para referendar mais a doutrina. Conheço mais textos dos que aparecem usados na dissertação como facilmente poderá constatar quem tivesse paciência para comparar o texto com o Apêndice. Talvez, em algum momento, teria que corrigir alguma frase ou polir alguma expressão, como tive que fazer em relação ao número. Na primeira redação, atribuía a Santo Tomás uma doutrina errônea sobre o objeto da aritmética, que depois tive a satisfação de constatar que era apenas de João de Santo Tomás e de outros que o copiavam (veja a nota 29 do cap. III). 
Por fim, em relação à matemática moderna, é vasta e tão variada a literatura, que não sei se terei escolhido sempre o que é típico e característico.

Devo manifestar minha sincera gratidão e reconhecimento ao R. P. Pedro Hoenen, S.J., sob cuja amável e sábia direção trabalhei. 
Devo recordar aqui a memória do falecido R. P. L. W. Keeler (que Deus o tenha), que tanto me ajudou na leitura dos Manuscritos. Que o bom Deus, para cuja maior glória trabalhávamos juntos na Biblioteca Vaticana, lhe tenha agraciado no céu por sua extrema bondade para comigo. 

México, D. F., 13 de abril de 1952, solenidade de Páscoa. 


INTRODUÇÃO 

A MATEMÁTICA EM SANTO TOMÁS 

Santo Tomás estudou a Aritmética e a Geometria com as demais disciplinas do Quadrivium na Universidade de Nápoles [1] nos anos de 1236 a 1239 [2].
Tão bem diligente sairia destas aulas, à medida que se abundam em suas obras filosóficas e teológicas as alusões à Matemática [3]. 
Não é minha intenção estudar esta introdução um ponto [4], que não tem nenhum interesse nem para a Matemática nem para a História [5]. 
Só quero registrar os dados necessários para demonstrar que Santo Tomás poderia refletir sobre a Matemática. 
Conhecia bem [6] Euclides [7]. Poucas vezes cita [8] a aritmética de Boécio [9]; mas todos sabem que os livros VII-IX de Euclides são pura aritmética. 
Sabido é também o lugar que ocupa a Matemática na classificação geral das ciências que faz Santo Tomás [10]. 
Quero encerrar esta breve nota com uma frase do grande historiador da Matemática M. Cantor, que demonstra o grande afeto e admiração que professava por Tomás de Aquino: “O matemático chama-os (Alberto Magno e Tomás de Aquino) com pesar de amigos da sua ciência” (Vorlesungen über Geschichte der Mathematik [Lições sobre a história da matemática], Leipzig, Teubner, 1892, vol. II, p. 86).

Notas:

[1] Veja os parágrafos em que os três primeiros biógrafos de Santo Tomás falam de seus estudos em Nápoles: 
O pai enviou seu filho a Nápoles para que ele pudesse ser completamente educado em gramática, dialética e retórica. Pois quando ele logo deixou Martinho, seu tutor de gramática, ele foi entregue ao seu professor Pedro, o Ibérico, que, tendo-o instruído em ciências lógicas e naturais”. Calo P., Vita S. Thomae A., ed. Prümmer, p. 20. 
Assim, seguindo o conselho dos pais, o menino foi enviado para Nápoles e aprendeu gramática e lógica com o Mestre Martinho, e ciências naturais com o Mestre Pedro da Ibéria.”. Tocco G., Historia B. Thomae de Aq., ed. Prümmer, p. 70. 
Em pouco tempo, portanto, quando ele fez grande progresso em gramática, lógica e filosofia natural...”. Guidonis B., Legenda Sancti Thomae de Aq., ed. Prummer, p. 70. 

[2] El P. Prümmer (Chronología vitae S. Thomae Aq., en Xenia Thomistica) atribui o ano 1235 como o primeiro ano de sua estadia em Nápoles. P. Walz (Delineatio vitae S. Thomae de Aquino, Romae, Angelico, 1927, p. 16) coloca "anno 1236 vel 1239". 

[3] Veja o índice dos lugares em que Santo Tomás fala de Matemática, posto como Apêndice desta dissertação. 

[4] Do ponto de vista sistemático, H. Meyer estudou este ponto em vários artigos de Philosophisches Jahrbuch publicados à parte depois. Sobre a Matemática, trata o volume 47 (1934) nas páginas 441-464. 

[5] Talvez, o nome de Santo Tomás deva figurar na história da Matemática outro conceito. Veja, de fato, o que diz Timerding (Die Verbreitung mathematisches Wissens und mathematischer Auffassung, Leipzig, Teubner, 1914 [A disseminação do conhecimento matemático e da compreensão matemática]):
Além da já mencionada tradução de Euclides por Campanus, devem ser mencionadas as traduções que, segundo consta, foram feitas por Guilherme de Mörbecke da Catóptrica de Heron e dos escritos arquimedianos a pedido de Tomás de Aquino (1274)”. Zeuthen (Die Mathematik in Altertum und im Mittelalter, Leipzig, Teubner, 1912 [A Matemática na Antiguidade e na Idade Média]), atribui este mérito a Witelo. Veja Cantor, Vorlesunger über Geschichte der Mathematik, Leipzig, Teubner, 1892, Vol. II, p. 89.

[6] Veja, por exemplo, estes textos:

Explica o nome Elemento

III Met. 1.8, n. 424.

  “                “             “

V Met. 1.4, n. 801.

Cita o livro I de Euclides

III De An. 1.1, n. 577.

               III

II De cae 1.26. n. 6. 

                 IV

    De mem 1.7, n. 392

                 X

I An. Pos. 1.4, n. 13



[7] Segundo Montucla (Histoire des Mathématiques, Paris, 1758, I, p. 213), só no século XIII começaram os latinos a conhecer Euclides no mesmo texto.

[8] Veja, por exemplo: 
                    De pot. q. 3, a. 16 sed contra 4. 
                    I Sent. d. 24; q. 1 ob. 2. 
                    De Trin. q. 1. a. 4 ad 2. 
                            q. 4 á. 1 arg. 1. 

[9] Veja o juízo que faz Montucla (vol. I, p. 492), das obras matemáticas de Boécio: 
Sua aritmética e geometria são, estritamente falando, apenas traduções livres do primeiro (Nicômaco) e do último (Euclides), onde ele preservou para nós muitas características interessantes da história dessas ciências”.

[10] Veja, por exemplo, no recente livro de H. Meyer, Thomas von Aquino, Bonn, 1938, p. 399-407. 

***

Leia mais em Filosofia Tomista da Matemática

Leia mais em Aristotelismo e Filosofia da Matemática



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A Verdadeira Importância do Latim, por Napoleão Mendes

Uma cópia do Borgianus Latinus, um missal de Natal feito para o Papa Alexandre VI



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Apresentamos o prefácio do livro Gramática Latina de Napoleão Mendes de Almeida, Saraiva, 29ª ed. 2000.

Se a idéia do bem constitui o objeto supremo do conhecimento, a educação para o estudo constitui a finalidade precípua do latim.


A VERDADEIRA IMPORTÂNCIA DO LATIM

1 - É de todo falso pensar que a primeira finalidade do estudo do latim está no benefício que traz ao aprendizado do português. Vejamos, por meio de fatos e de pessoas, onde reside a primeira importância do estudo desse idioma.

Chegados ao Brasil, três eminentes matemáticos de renome internacional, Gleb Wataghin, professor de mecânica racional e de mecânica celeste, Giacomo Albanese, professor de geometria, e Luigi Fantapié, professor de análise matemática, que vieram contratados para lecionar na recém-fundada Faculdade de Filosofia de S. Paulo - o professor Wataghin é considerado, no mundo inteiro, um dos maiores pesquisadores de raios cósmicos cuidaram, logo após os primeiros meses de aula, de enviar um ofício ao então ministro da educação, que na época cogitava de reformar o ensino secundário. Vejamos o que, mais de esperança que de desânimo, continha esse ofício, do qual tive conhecimento antes do seu endereçamento, dada a solicitação dos três grandes professores de uma revisão minha do seu português:

"Chegados ao Brasil, ficamos admirados com o cabedal de fórmulas decoradas de matemática com que os estudantes brasileiros deixam o curso secundário, fórmulas que na Itália - os três professores eram catedráticos de diferentes faculdades italianas - são ensinadas só no segundo ano de faculdade; ficamos, porém, chocados com a pobreza de raciocínio, com a falta de ilação dos estudantes brasileiros; pedimos a vossa excelência que na reforma que se projeta se dê menos matemática e MAIS LATIM no curso secundário, para que possamos ensinar matemática no curso superior".

2 - O professor Albanese costumava dizer - e muitas pessoas são disto prova - "Deem-me um bom aluno de latim, que farei dele um grande matemático".

3 - Outra prova de que é falso pensar que a primeira finalidade do latim está no proveito que traz ao conhecimento do português posso aduzir com este fato, comigo ocorrido.

Indo a visitar um amigo, encontrei-o a conversar com um senhor, de forte sotaque estrangeiro, que explicava as razões de certa modificação na planta de um prédio por construir; como, no decorrer da troca de idéias, tivesse por duas vezes proferido sentenças latinas, perguntei-lhe se havia feito algum curso especial de latim.

- Curso especial de latim? Não fiz, senhor.

- Mas o senhor esteve em algum seminário?

- Não, senhor; sou engenheiro.

- Percebo que o senhor é engenheiro; mas onde estudou latim? - Na Áustria.

- Quantos anos?

Sete anos.

- Sete anos?! Todo o engenheiro austríaco tem sete anos de latim?

- Sim, senhor; quem se destina a estudos superiores na Áustria estuda sete anos o latim.

Pois bem, relatando a um alemão esse fato, mostrou-se admirado com não saber eu que na Alemanha se estuda nove anos o latim e não somente sete.

4 - É também inteiramente falso educadores - assim chamados porque dentro das lutas e ambições políticas ocuparam pastas de educação ou, quando muito, escreveram livros de psicologia infantil - dizerem que estas palavras foram proferidas numa sessão da comissão de "diretrizes e bases do ensino", comissão nomeada para cumprimento do artigo 5, inciso XV, d, da constituição federal - "nos Estados Unidos da América, país que ninguém nega estar na vanguarda do progresso, não se estuda latim".

Felizmente, nessa mesma reunião, a desastrada afirmação não ficou sem resposta; um dos membros da comissão não se fez esperar: "Como não se estuda? É fácil provar; peçamos de diversos estabelecimentos americanos de diversos, porque a programação do ensino secundário aí não é única como no Brasil - o programa, que veremos a verdade". Dias e dias decorreram, e nada de programas; interrogado, o "educador" respondeu que não tinham chegado; um dia, porém não sei de quem foi maior a distração - o defensor do latim examina uma gaveta, esquecida aberta, e aí vê, guardados ou escondidos, os programas solicitados, e em todos eles o latim rigorosamente exigido.

Esse "educador" era, a esse tempo... presidente de uma seção estadual de partido político.

5 - Não encontra o pobre estudante brasileiro quem lhe prove ser o latim, dentre todas as disciplinas, a que mais favorece o desenvolvimento da inteligência. Talvez nem mesmo compreenda o significado de "desenvolver a inteligência", tal a rudeza de sua mente, preocupada com outras coisas que não estudos.

O hábito da análise, o espírito de observação, a educação do raciocínio dificilmente podemos, pobres professores, conseguir de um estudante preocupado tão só com médias, com férias, com bolas, com revistas.

Muita gente há, alheia a assuntos de educação, que se admira com ver o latim pleiteado no curso secundário, mal sabendo que ensinar não é ditar e educar não é ensinar. É ensinar dar independência de pensamento ao aluno, fazendo com que de per si progrida: o professor é guia. É educar incutir no estudante o espírito de análise, de observação, de raciocínio, capacitando-o a ir além da simples letra do texto, do simples conteúdo de um livro, incentivando-o, animando-o. No fazer do estudante de hoje o cidadão de amanhã está o trabalho educacional do professor.

6 - Quando o aluno compreender quanta atenção exige o latim, quanto The prendem o intelecto e lhe deleitam o espírito as várias formas flexionais latinas, a diversidade de ordem dos termos, a variedade de construções de um período, terá de sobejo visto a excelente cooperação, a real e insubstituível utilidade do latim na formação do seu espírito e a razão de ser o latim obrigatório nos países civilizados.

Ser culto não é conhecer idiomas diversos. Não é o conhecimento do inglês nem do francês que vem comprovar cultura no indivíduo. Tanto marinheiro, tanto mascate, tanto cigano há a quem meia dúzia de idiomas são familiares sem que, no entanto, possuam cultura.

Não é para ser falado que o latim deve ser estudado. Para aguçar seu intelecto, para tornar-se mais observador, para aperfeiçoar-se no poder de concentração de espírito, para obrigar-se à atenção, para desenvolver o espírito de análise, para acostumar- se à calma e à ponderação, qualidades imprescindíveis ao homem de ciência, é que o aluno estuda esse idioma.

"lo, lo, omnes adsunt - indeed! We who teach Latin would do a far grater service to the cause if we channeled pupil interest toward the task of learning Latin rather than into such academic (sic) shenanigans as chariot racing (an event at the Albuqueque convention of Latin students). The intelligent 20th century teen-ager will work hard at Latin when he is shown some of the many genuine values in such study. We need not always entertain him with superficialities" (Fred Moore, Chairman, Language Department, Riverside High School, Painesville, Ohio, USA).

7 - Muitos indagam a razão da fatuidade, da leviandade, da aridez intelectual da geração moça de hoje. É que, tendo aprendido a ler pelo método analítico, tão prático e fácil, julga o estudante que a disciplina que prática e facilidade no aprendizado não contiver não lhe trará proveito, senão tédio e perda de tempo. Acostumado a tudo assimilar com facilidade no primeiro grau, esbarra o aluno no segundo com a obrigação de pensar, e ele estranha, e ele se abate, e ele se rebela. O menino que no primeiro grau era o primeiro da classe passa para lugar inferior no segundo; perda de inteligência, diferença de idade? Não: falta de hábito de pensar. O que no primeiro grau estava em quinto, em décimo lugar passa no segundo às primeiras colocações; aquisição de inteligência? Também não: pensamento mais demorado, mais firme por isso mesmo, sobrepuja agora os colegas de intelecto mais vivo, vivo porém tão só para as coisas objetivas e de evidência.

Raciocinar é, partindo de idéias conhecidas, diferentes, chegar a uma terceira, desconhecida, e é o latim, quando estudado com método, calma e ponderação, o maior fator para aguçar o poder de raciocínio do estudante, tornando-lhe mais claras e mais firmes as conclusões.

8 - O que é certo, inteiramente certo, é não conhecerem alguns homens que nos representam no congresso o que é educação, o que é cultura. Fato ocorrido não há muito tempo vem prová-lo.

Discorrendo sobre a necessidade de nova reforma de ensino, um deputado citava as disciplinas inúteis nos diversos anos do curso secundário, quando é apoiado por um colega, que acrescenta: "O latim para as meninas".

Para este herói, o latim é inútil para as meninas, porque elas não vão ser padres: é a única justificação que até agora pude entrever nesse tão infeliz aparte. As meninas, pobrezinhas, por que ensinar-lhes latim se não vão ler breviário?

Por que esse "para as meninas"? E por que, pergunto, não é também inútil para os meninos? Que distinção cultural faz esse deputado entre menino e menina? Que quer ele para elas? Aulas de arte culinária? Aulas de corte e costura? Pretende dizer que as suas meninas não devem estudar ou quer com isso afirmar que o latim só interessa a padres?

A questão não é o que os meninos vão fazer do latim, mas o que o latim vai fazer dos meninos: The question is not what your boy will do with Latin, but what Latin will do for your boy, dizia com o bom senso pachorrento e inato de sua gente o senador Arnold.

PORQUE É O LATIM REPUDIADO

9 - A quem conhecia o regime de estudos de um seminário tornava-se dispensável toda e qualquer critica a programas de latim. A quem não conhecia não era demais dizer que nos seminários não existia programa de latim... Existia estudo de latim com seis horas semanais, existia consciência do que se fazia. Em que seminário já se ouviu falar em "sintaxe do verbo?" Pois assim estava no programa do último ano clássico. Procure-se, agora, em todo o programa, "verba timendi", "verba declarandi", "verba voluntatis", "verba impediendi", orações finais, orações interrogativas, orações dubitativas, orações causais, orações relativas, orações infinitivas, orações condicionais etc.; nada disso se encontrava. Por que então programa?

Ou se divide a matéria, ou seja, ou ela é realmente programada pelas séries ou então programa não se faz. Se o programa na lexeologia pedia "qui, quae, quod", descendo a uma discriminação quase cômica, partilhando dessa forma a matéria, como falar depois, retumbantemente, em "período composto", em "discurso indireto", em "emprego dos modos e dos tempos nas orações subordinadas"?

10 - Com todos os erros de que estava eivado o programa de latim, o descalabro se tornou ainda maior quando se considera que uma portaria reduziu o número de aulas semanais de três para duas; modificaram o programa? Não; continuou o mesmo, com todas as incongruências, deficiências e disparates.

Era de tal forma pedida a parte gramatical e tão poucas as horas de aula que não havia possibilidade de traduzirem os alunos os autores exigidos a menos que desejasse o professor provar aos seus discípulos ser o latim intraduzível.

Considere-se ainda que pessoas existiam a lecionar latim mais acanhadas de equilíbrio mental do que de capacidade didática, pessoas que, na primeira aula, isto diziam: "Eu sei que vocês não vão aprender latim" - "Eu sou contra o latim"

"Eu sou cego", "Eu não sei por que os meus alunos não aprendem", "Eu não sei ensinar" - é que deveriam confessar aos alunos esses truões.

11 - Preocupação nefasta para o ensino do latim é a da tradução de autores latinos. Dar a alunos sem conhecimento de princípios essenciais do latim trechos para traduzir é dar-lhes pedradas, é dar-lhes cacetadas. Nem Eutrópio, nem Fedro, nem César, nem Cicero previram portarias ministeriais; nem Ovídio, nem Virgílio, nem Horácio escreveram latim para estudantes que nem sequer sabem o que é agente da passiva, o que é ablativo absoluto, o que é sujeito acusativo; nem Publílio Siro, nem Valério Máximo escreveram latim para estudantes, quer meninos quer meninas, que nem do idioma pátrio têm aulas de gramática, para meninos ou para meninas que nem sabem o que é objeto direto, o que é adjunto adverbial, o que é predicativo, o que é aposto.

Conseqüência dessa impossibilidade era darem certos professores irresponsáveis a tradução já pronta para que os alunos a decorassem, fato por si bastante para provar ou a incompetência do professor, ou o erro do programador, ou a conivência de ambos no desbarato do ensino em nossa terra, na decadência e no despautério educacionais a que em nossa pátria vimos assistindo.

12 - Com lacunas de toda a sorte, o latim tornou-se ainda mais antipatizado, seu ensino passou a ser ainda mais dificultado com a introdução, mormente em estados do Sul, e de maneira especial em S. Paulo, da pronúncia reconstituída, galicamente chamada pronúncia "restaurada". Apedrejados e vergastados como se já não bastasse, nossos pirralhos passaram a ser torturados por ex-alunos universitários que de faculdades de filosofia saíam cientes de latim mas inscientes de didática, rapazes e moças que, tão preocupados em mostrar sabença, passavam a ensinar a tal pronúncia e se esqueciam de ensinar latim.

"Para nós - são palavras do eminente educador, padre Augusto Magne - o que interessa no latim é sua literatura, sua virtude formadora do espírito. Desviar o estudo do latim para a especialização em questiúnculas de pronúncia reconstituída é desvirtuar aquela disciplina e tirar-lhe seu poder formador para recair no eruditismo balofo, pretensioso e estéril."

Por que não ensinam nas faculdades de letras de S. Paulo a pronunciar o portu- guês à lusitana, se a pronúncia de um idioma deve ser a dos seus clássicos? Precisa- mente aí está a explicação da pronúncia novidadeira do latim; quem a introduziu em S. Paulo foi um professor lusitano que, achando mais fácil ensinar o latim pela pro- núncia da Alemanha que pela de Portugal, impingiu-a aos alunos da faculdade, que então teimavam em pretender passá-la adiante.

Se não é para falar latim que um estudante vai aprendê-lo, muito menos deve estudá-lo para o pronunciar mais à alemã que à portuguesa, tirando do latim até a própria utilidade para o vernáculo.

MÉTODO

13- Não há professor de latim que deixe de lastimar a pobreza de conhecimentos do vernáculo em seus discípulos. Vendo na deficiência de conhecimento dos princípios fundamentais de análise sintática do período português a causa principal desse desajustamento é que me pus a redigir este curso, mostrando ao aluno o que realmente dificulta o aprendizado do latim e fazendo com que, através de questionários e de exercícios muito graduados, demonstre conhecimento do essencial e suficientemente necessário ao estudo desse idioma.

Como obrigar um aluno a decorar a conjugação total de um verbo se ele não sabe o que é particípio presente, o que é gerúndio, o que é supino? Como dar-lhe a voz passiva se ele não sabe o que é agente da passiva? De que lhe adianta saber muito bem de cor o "qui, quae, quod", se não sabe analisar um relativo em frase portuguesa? 

Asas de um pássaro, o latim e o português devem voar juntos: tal é a minha convicção, tal a minha preocupação em todas estas 104 lições.

Napoleão Almeida

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Leia mais em Quem matou o Latim nas escolas?

Leia mais em Progresso e Tradição em Pedagogia



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O professor e a docência em S. Tomás de Aquino

S. Tomás de Aquino, por Sandro Botticelli, 1481.

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Artigo publicado em Notandum 33, set-dez 2013 - CEMOrOC-Feusp / IJI-Universidade do Porto e disponível no LINK.


O professor e a docência em Tomás de Aquino, por Jean Lauand [1]

Resumo: Este estudo, notas de comunicação oral no “XIV Seminário Internacional Cemoroc: Filosofia e Educação - Religião e Cultura”, analisa os fundamentos da docência em Tomás de Aquino: a interação professor aluno, a Pedagogia da admiração e o papel do concreto no pensamento e no ensino.

Palavras Chave: Tomás de Aquino. Docência. Ensino. Aprendizagem.

Abstract: This paper, originally a communication to the “XIV Seminário Internacional Cemoroc: Filosofia e Educação - Religião e Cultura”, examines the foundations of teaching according to Thomas Aquinas: teacher-student interaction, Pedagogy of wonder and the sense of concrete in thinking and teaching.

Keywords: Thomas Aquinas. Teaching. Learning.


Tomás de Aquino e a vocação de professor

Os grandes pensadores têm seus estilos, seus modos de filosofar, suas fontes de inspiração. Se Agostinho é fundamentalmente um escritor; Tomás é, por vocação, um professor e é na docência que forma seu pensamento.

Numa famosa passagem, seu primeiro biógrafo, Guilherme de Tocco afirma que, em suas aulas, Tomás introduzia novas questões, de maneira nova, com novos argumentos, com um método novo etc. Mesmo descontando a novidade “de conteúdo” de seu ensino, certamente há novidade em seu modo de ensinar: não por acaso o próprio Prólogo da monumental Suma Teológica é dedicado a propor uma alternativa às aborrecidas aulas/livros tão comuns na época.

O doutor da verdade católica deve não apenas ensinar aos que estão mais adiantados, mas também instruir os principiantes, segundo o que diz o Apóstolo: “Como a criancinhas em Cristo, é leite o que vós dei a beber, e não alimento sólido”. Por esta razão nos propusemos nesta obra expor o que se refere à religião cristã do modo mais apropriado à formação dos iniciantes. Observamos que os noviços nesta doutrina encontram grande dificuldade nos escritos de diferentes autores, seja pelo acúmulo de questões, artigos e argumentos inúteis; seja porque aquilo que lhes é necessário saber não é exposto segundo a ordem da própria disciplina, mas segundo o que vai sendo pedido pela explicação dos livros ou pelas disputas ocasionais; seja ainda pela repetição freqüente dos mesmos temas, o que gera no espírito dos ouvintes cansaço e confusão. No empenho de evitar esses e outros incovenientes, confiando no auxílio divino, apresentar a doutrina sagrada sucinta e claramente, conforme a matéria o permitir. (São Paulo: Paulus, 2001)

O professor assume o ponto de vista do iniciante: voz média

Essa tomada de posição ao lado dos novatos, dos alunos, dos jovens, já nos diz algo sobre a vocação de professor (e vocação, como ensina Julián Marías, é aquilo que não se pode deixar de fazer). Para além dos estereótipos com que políticos em campanha a maltratam, é certeira, em seu insuspeitado núcleo profundo, a sentença de Guimarães Rosa “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”: aprender é uma recompensa para o professor que assume o ponto de vista do iniciante.

Para compreender esse aprender do professor é necessário, antes de mais nada, desfazermo-nos das interpretações simplórias que pretendem homogeneizar professor e aluno: ninguém ensina, todos aprendem etc. E ver o que acontece, de algum modo, com o ensinar naquela misteriosa dialética da voz média.

Estamos tão acostumados a pensar que o verbo só admite duas formas de voz - voz ativa e voz passiva - que nem podemos imaginar uma terceira forma. Ativa e passiva - assim pensamos à primeira vista - esgotam todas as possibilidades (o que poderia haver além de "Eu bebi a água" e "A água foi bebida por mim"?) e na lígua espanhola a expressão "por activa y por pasiva" significa "todas as possibilidades", "todas as formas", como quando se diz: "Ya lo hemos intentado por activa y por pasiva, sin llegar a conseguir una solución". E como o pensamento está em dependência de interação dialética com a linguagem, o fato de nossa língua (como, em geral, as línguas modernas) não admitirem uma terceira opção - a voz média, que não é ativa nem passiva - constitui um grave estreitamento em nossas possibilidades de percepção da realidade, precisamente porque a língua nos impõe o binômio ativa/passiva. A voz média é um rico recurso - encontrado por exemplo no grego - , que permite expressar (e perceber e pensar) situações de realidade que não se enquadram bem como puramente ativas nem como puramente passivas. Isto é, há ações que são protagonizadas por mim, mas que, na realidade, não o são em grau predominante: há tal influência do exterior e de outros fatores que não posso propriamente dizer que são plenamente minhas. O eu - como na clássica sentença de Ortega - estende-se à circunstância: Yo soy yo y mi circunstancia. O latim se vale de verbos chamados depoentes precisamente para essas ações minhas mas que não são predominantemente minhas; eu as protagonizo, mas não sou senhor delas, estou condicionado fortemente por fatores que transcendem o eu e sua vontade de ação. É o caso, por exemplo, do verbo nascor, nascer (nascer-nascido). O verbo nascer, a rigor, não é ativo nem passivo: eu nasço ou sou nascido? Sim, certamente sou eu que nasço, mas estou longe de exercer de modo totalmente ativo e independente esta ação ("Com licença, eu vou nascer..."); e por isto o inglês usa nascer na passiva: I was born... O mesmo acontece, por exemplo com o morrer: a ação é minha, mas não o é... Com a perda da voz média, o português perdeu não apenas um recurso de linguagem, mas sobretudo um poderoso recurso de pensamento, de captação / expressão de imensas regiões da realidade. De fato, é uma violência para com a realidade que empreguemos, por exemplo, o verbo "surtar" como ativo: "O Giba é assim, ele surta a toda hora". Como se o pobre Gilberto tivesse algum controle sobre o que o faz surtar... As canções de Paulinho da Viola trabalham muito com a voz média. O samba “Timoneiro” - do qual procede o verso: "Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar..." - é um maravilhoso exemplo dessas ações que o latim expressa por verbos depoentes. Não sou plenamente dono do meu navegar; quem me navega é o mar. “E o mar não tem cabelos que a gente possa agarrar...”.

Referir-se ao ensinar como “ação puramente ativa”, independente, seria tão incompleto como considerar o dançar “ação puramente ativa”. Como dizia o poeta: “o verdadeiro bailarino não baila é bailado”: não se dança assim sem mais; dança-se com [2], dança-se “to the music” etc. E quando o parceiro é um Fred Astaire até um cabide é capaz de dançar...

E a mesma dependência se dá no ato de ensinar: no qual o aluno se apropria de algo que, em princípio era só do mestre; e vice-versa.

Em edição anterior deste evento, na conferência “Por uma Pedagogia da Admiração” [3] procuramos mostrar que, numa filosofia como a de Pieper e Tomás, o abalo da admiração está na base do filosofar e de todo conhecimento profundo, e então é necessário, pela própria natureza das coisas, que o aluno seja guiado a descobrir esse caráter admirável da matéria de que se trata (evidentemente, com isto não estamos nos referindo ao fato banal de que o professor deve tornar a matéria amena e interessante). O sentido íntimo do aprender consiste no conhecimento do mundo real e de sua estrutura e, por isso, para que haja verdadeira aprendizagem é necessário que o aluno seja guiado pelo caminho da admiração, de percepção do mirandum, daquilo que é admirável, onde o mundo perde seu caráter evidente e quotidiano.

Assim, do professor se exige – também dele – a capacidade de admirar-se! A admiração não é apanágio do aluno, que reflete sobre aquele tema por vez primeira. Precisamente um dos momentos em que a filosofia do ensino de Pieper torna-se mais penetrante é quando trata da comunicação professor-aluno: nessa mútua relação, cada um se apropria do que, em princípio, era só do outro.

Assim, o professor deve ter o carisma de algo muito mais profundo do que o mero domínio de “técnicas didáticas”: deve ser capaz, tal como Tomás de posicionar-se com os principiantes.

“É justamente isto o que caracteriza o professor: que ele se esforça e consegue e sai-se bem na tarefa de não só falar e formular, mas pensar a partir da situação do primeiro encontro” [4].

No contato com os alunos, o mestre adquire a simplicidade e a capacidade de admirar a realidade sem no entanto perder a maturidade e a experiência do espírito formado, uma simplicitas de atitude que deve se transformar em simplicitas de comunicação.

Do mesmo modo, aprender (sempre que se trate do genuíno aprender) é crescer numa realidade em que o estudante não teria ingresso, mas que lhe é tornada acessível por sua união confiada com o mestre, “pela identificação amorosa com quem ensina” [5] (Pieper lembra que o amor leva ao mútuo voltar-se e à semelhança e por isso dá-se essa troca entre mestre e aluno).

O aluno recebe do mestre a segurança de quem já trilhou o árduo caminho do conhecimento e a confiança de que é possível atingir a meta; o professor recebe do aluno o olhar de admiração.

A escola como skholé

Esse seu professar de professor é tão arraigado que Tomás tem de defender a possibilidade de um religioso dedicar-se ao estudo e à docência e mostrar que a docência é uma das formas mais elevadas de vida espiritual, em total harmonia com a vida contemplativa: Maius est illuminare quam lucere! Iluminar é mais do que ter luz. Escola deriva de skholé, aquela atitude indicada por Aristóteles como condição do filosofar: a tradução por “lazer” não seria perfeita, pois a skholé é principalmente atitude: a alma em festa que se abre para o saber. Talvez as escolas que preservem hoje o sentido de skholé sejam as escolas de samba: os integrantes dedicam-se com amor à escola e não precisam ser coagidos por listas de presença, ameaças de reprovação etc.

Nesse quadro, Tomás propugna por aulas agradáveis e divertidas: bem humoradas [6]. Ao tratar do brincar na Summa, a afirmação central de Tomás encontra-se em II-II,168,3 ad 3 : Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae, o lúdico é necessário para a vida humana (e para uma vida humana). Daí decorrem importantes conseqüências para a educação, entre elas a de que o ensino não pode ser aborrecido e enfadonho: o fastidium é um grave obstáculo para a aprendizagem [7].

Também na Suma, no tratado sobre as paixões, Tomás analisa um interessante efeito da alegria e do prazer na atividade humana, o que ele chama metaforicamente de dilatação: que amplia a capacidade de aprender, tanto em sua dimensão intelectual, quanto na da vontade (o que designaríamos, hoje, por motivação):

A largura é uma dimensão da magnitude dos corpos e só metaforicamente aplica-se às disposições da alma. “Dilatação” indica uma extensão, uma ampliação de capacidade e se aplica à “deleitação” [Tomás joga com as palavras dilatatio-delectatio] com relação a dois aspectos. Um provém da capacidade de apreender que se volta para um bem que lhe convém e, por tal apreensão, o homem percebe que adquiriu uma certa perfeição que é grandeza espiritual: e por isso se diz que pela deleitação sua inteligência cresceu, houve uma dilatação. O segundo aspecto diz respeito à capacidade apetitiva que assente ao objeto desejado e repousa nele como que abrindo-se a ele para captá-lo mais intimamente. E, assim, dilata-se o afeto humano pela deleitação, como que entregando-se para acolher interiormente o que é agradável (I-II, 33, 1).

Já a tristeza e o fastio produzem um estreitamento, um bloqueio, ou, para usar a metáfora de Tomás, um peso que bloqueia o espírito (aggravatio animi) [8]. Daí que Tomás recomende a quem ensina, o uso didático de formulações divertidas: para descanso dos ouvintes e para que seja ouvido com gosto (libenter audiat - II-II,177,1): o que acontece quando “se fala, de tal modo que deleite os ouvintes” (dum aliquis sic loquitur quod auditores delectet - II-II,177,1).

E, tratando do relacionamento humano em geral, Tomás chega a afirmar que ninguém agüenta um dia sequer com uma pessoa aborrecida e desagradável [9]. Em outras palavras: chatice é pecado e aula aborrecida ofende a Deus.

O referencial antropológico de Tomás: “Anima forma corporis

Naturalmente, a pedagogia de Tomás assenta-se sobre sua concepção de homem.

Há, para a compreensão dessa antropologia, um parágrafo da Contra Gentiles extremamente sugestivo e que resume, como num espelho convexo, algumas das principais teses de que nos ocuparemos aqui. Discutindo “de que modo a alma espiritual pode ser forma do corpo” - precisamente um de nossos temas fundamentais -, Tomás afirma:

Sempre se verifica o fato de que o ínfimo de uma ordem de ser superior é limítrofe ao supremo da ordem inferior. Assim, certos ínfimos do gênero animal, mal superam a vida das plantas, como é o caso da ostra, que é imóvel, só tem tato e está fixa como as plantas. Daí que S. Dionísio diga que `a sabedoria divina enlaçou os fins dos superiores com os princípios dos inferiores'. No âmbito corporal há também algo, o corpo humano, harmonicamente disposto, que também se enlaça com o ínfimo do superior, a alma humana, que está no último grau das realidades espirituais. Tal enlace manifesta-se no próprio modo de conhecer da inteligência humana. Daí que a alma espiritual humana seja como que um certo horizonte e fronteira entre as realidades corpóreas e as incorpóreas: ela mesma é incorpórea e, no entanto, é forma de corpo (CG 2,68).

Destaquemos o ponto mais importante para nós: a afirmação de que a alma é forma do corpo ("anima forma corporis") é a afirmação de uma profunda unidade. Unidade entre o espiritual e o material, no ser humano; unidade entre o intelectual e o sensível, no conhecimento!

Em torno desse marco essencial, discutiremos, brevemente, a posição de Tomás em relação a alguns aspectos do conhecimento e do ensino.

Espírito e matéria: o objeto próprio da inteligência

A unidade da filosofia de Tomás, manifesta-se em diversos âmbitos: não só a constituição fundamental do ser humano dá-se por integração de espírito e matéria (é precisamente isto o que significa a sentença central "anima forma corporis"), mas também na ordem da operação - sobretudo no caso do conhecimento - ocorre a mesma harmônica unidade.

Não operamos diretamente pela alma, mas por meio de suas potências. Em um ato tão simples como, digamos, um homem ver a cor de uma árvore, intervém uma constelação de fatores: Fulano de Tal [10], que vê porque tem alma [11]; mas a alma não é princípio imediato da operação, ela age, no caso, por meio de sua potência visual, cujo ato incide sobre o objeto cor (obiectum formalis), que por sua vez radica no objeto árvore.

Ora, cada potência da alma é proporcionada a seu objeto: a potência auditiva não capta cores, a potência visual não atua sobre aromas.

O caso do conhecimento intelectual é mais complexo: o intelecto é reconhecido, por Tomás, como capaz de abertura, sem limites, para o real. Diz ele:

As naturezas intelectuais, porém, têm maior afinidade com o todo do que as outras naturezas; pois, uma substância intelectual qualquer é, de certo modo, todas as coisas, já que pode apreender a totalidade do real pelo seu intelecto; ao passo que qualquer outra substância participa apenas de um setor particular do ser" (CG 3, 112).

e

Diz-se que a alma é de certo modo todas as coisas porque é naturalmente apta para conhecer tudo. E, desse modo, é possível que num único ente esteja toda a perfeição do universo. Daí que esta seja, segundo os filósofos (pagãos), a plenitude de perfeição a que a alma pode aspirar: reproduzir em si a ordem do universo como um todo e suas causas" (Ver. 2,2).

Essa abertura para o todo é, aliás, precisamente, a concepção clássica de espírito, que é a característica dos entes dotados de intelecto: “A alma espiritual - diz Tomás na sua pesquisa sobre a verdade - está essencialmente disposta a ‘convenire cum omni ente’ (...) o ser espiritual ‘é capaz de apreender a totalidade do real’” [12].

O homem, capax universi, chamado a relacionar-se com o todo do real (convenire cum ommni ente) [13], realiza essa vocação do espírito a partir do sensível, da experiência, que incide sobre o fenômeno. Daí que naquela passagem básica (CG 2,68), citada no tópico anterior, Tomás tenha dito que o enlace espírito-matéria “manifesta-se no próprio modo de conhecer da inteligência humana”, uma inteligência espiritual integrada ao sensível.

Assim se compreende o extraordinário relevo que Tomás, em sua doutrina sobre o conhecimento, dá ao concreto, ao fenômeno, ao sensível: “É conatural ao homem atingir o conhecimento do inteligível pelo sensível. E é pelo signo que se atinge o conhecimento de alguma outra coisa” [14].

Como vimos, dizer que a inteligência é uma faculdade espiritual é dizer que seu campo de relacionamento é a totalidade do ser: todas as coisas visíveis e invisíveis são-lhe, em princípio, objeto. Contudo, a relação da inteligência humana com seus objetos não é uniforme. Dentre os diversos entes e diferentes modos de ser, alguns são mais direta e imediatamente acessíveis à inteligência.

É o que Tomás chama de objeto próprio de uma potência: aquela dimensão da realidade que se ajusta, por assim dizer, sob medida, à potência [15]. Não que a potência não possa incidir sobre outros objetos, mas o obiectum proprium é sempre a base de qualquer captação: se pela visão, captamos, por exemplo, número e movimento (digamos, sete pessoas correndo), é porque vemos a cor, objeto próprio da visão.

Próprio da inteligência humana - potência de uma forma ordenada à matéria - é atingir a essência a partir da sensação: seu objeto próprio são as essências das coisas sensíveis. “O intelecto humano, porém - diz Tomás, contrapondo a inteligência do homem à do anjo -, que está acoplado ao corpo, tem por objeto próprio: a essência, a natureza das coisas existentes corporalmente na matéria. E, mediante a natureza das coisas visíveis, ascende a algum conhecimento das invisíveis” [16].

Nessa afirmação, central, espelha-se, como dizíamos, a própria estrutura ontológica do homem.

O conhecimento a partir do sensível, base da Pedagogia do concreto.

Dessa afirmação decorre, imediatamente, que mesmo as realidades mais espirituais são alcançadas através do sensível. "Ora - prossegue Tomás -, tudo o que nesta vida conhecemos, é conhecido por comparação (per comparationem) com as coisas sensíveis naturais" [17].

Essa sentença, além do mais, sugere-nos que o sentido extensivo e metafórico está presente na linguagem de modo muito mais amplo e intenso do que, à primeira vista, poderíamos supor. E é neste enquadramento que se compreende a doutrina de Tomás como Pedagogia do concreto: todo o nosso conhecimento – mesmo o mais espiritual, mesmo o mais abstrato – dá-se per comparationem ad res sensibiles naturales [18].

Ao contrário dos anjos - diz Tomás (I,107,1, corpus e ad1) -, que “falam” diretamente entre si, o pensamento de um homem está oculto (clauditur mens hominis) para outros homens pela “espessura” do corpo (grossitiem corporis). E, assim, é necessário, para a manifestação do pensamento, a mediação do signo sensível. Esta é a razão pela qual a educação, a comunicação e o ensino dão-se por comparação com a realidade sensível (exemplo): “Daí que também quando queremos fazer alguém entender algo, propomos-lhe exempla” [19].

Na base de todo ensino, sempre está o retorno ao concreto. Na famosa questão sobre o ensino - I, 117, 1 -, Tomás afirma que um homem nada pode ensinar a outro homem, senão movendo, pelo seu ensino “o discípulo a que este, por sua própria inteligência, forme os conceitos intelectuais, cujos signos o mestre lhe propõe exteriormente” (I, 117, 1 ad 3).

Se o conhecimento que se obtém por busca própria dá-se pela aplicação de princípios universais a casos particulares – que recebe da memória ou da experiência, proporcionadas pelos sentidos [20] –, o mesmo ocorre com o ensino.

Portanto, o mestre pode contribuir para a aprendizagem do discípulo, propondo-lhe alguns auxílios para a inteligência, como: proposições menos universais (cum proponit ei aliquas propositiones minus universales), exemplos sensíveis (sensibilia exempla) ou comparações (similia) que conduzam o intelecto do educando ao conhecimento das verdades desconhecidas.

Para Tomás, o próprio Deus (que, pelo Seu conhecimento, criou o homem) assume essa pedagogia. Ao discutir a legitimidade do uso de metáforas e parábolas na Sagrada Escritura, Tomás afirma a conveniência do ensino por comparações (sub similitudine corporalium) [21], pois o ensino por comparações sensíveis é o mais adequado à natureza do homem, espírito intrinsecamente unido à matéria (conveniens est... spiritualia sub similitudine corporalium tradere). “É conatural ao homem atingir o inteligível pelo sensível, pois todo conhecimento tem, para nós, origem no sensível” [22].

E na parte mais nobre do artigo [23], o sed contra, Tomás lembra que Deus diz da revelação de Si mesmo: "Pelos profetas proponho símiles" [24].

Na filosofia da educação de Tomás, encontramos ainda outras importantes considerações sobre a Pedagogia do concreto, mas, neste evento, limitar-nos-emos às acima indicadas.

Recebido para publicação em 09-03-13; aceito em 21-04-13

Notas:

[1] Prof. Titular Sênior da Feusp. Prof. Titular dos Programas de Pós Graduação em Educação e em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. ejanlaua@usp.br.

[2] Nesse sentido, em um de seus shows de fim de ano, Roberto Carlos, meio sem jeito expressou essa verdade - tão evidente quanto esquecida - ao anunciar que ia interpretar a canção de Mc Leozinho: “Se ela dança, eu danço”: “Esse ano eu estava ouvindo rádio e um dia ouvi uma canção, um funk. E fiquei pensando: caramba, que letra maneira! Verdade! Um funk com uma letra que é uma poesia, uma coisa bonita, da maior simplicidade (...). Esse funk aí dá até que dava para eu cantar...” (www.youtube.com/watch?v=8ehUQ wRIV0I).

[3] http://www.hottopos.com/isle10/23-34Jean.pdf

[4] Pieper, J. “Thomas von Aquin als Lehrer” in Weistum-Dichtung-Sakrament. München: Kösel, 1954, p. 147.

[5] Ibidem, p. 147.

[6] Veja-se, a este respeito, nosso “Deus Ludens - O Lúdico no Pensamento de Tomás de Aquino”, prova de erudição do concurso de Professor Titular na Feusp: www.hottopos.com/notand7/jeanludus.htm#_ftn1.

[7] Suma Teológica, prólogo.

[8] I-II, 37, 2, ad 2.

[9] I-II, 114, 2 ad 1.

[10] O sujeito último da operação de ver, que exerce este ato precisamente porque é um vivente, isto é dotado de alma.

[11] A alma não só é principium vitae (I,75,1 etc.) e - para retomar as duas clássicas definições do De Anima - ato primeiro do corpo natural organizado (“Anima est actus primus corporis physici organici habentis vitam in potentia” - II De Anima I 230), mas também princípio de operações, aquilo pelo que primeiramente sentimos e conhecemos intelectualmente (“Anima est primum quo et vivimus, et sentimus, et movemur, et intelligimus” - II De Anima 4 273).

[12] PIEPER, Josef Was heisst Philosophieren?, 8. Aufl., München, Kösel, 1980, p. 44.

[13] As citações de S. Tomás encontram-se respectivamente na Contra Gentiles III, 112 e De Veritate I, 1.

[14] III,60,4. Tomás usa signum para "palavra" e também no sentido de exemplos sensíveis, comparações com realidades concretas (e para muitos outros "sinais") etc. A atitude de Tomás de voltar-se para a realidade concreta, manifesta-se também no modo como considera a palavra uma realização especial do signo (signum), que, por sua vez, é "aquilo pelo que alguém chega a conhecer algo de outro" (III,60,4). O signo leva o sujeito a um conhecimento novo - a conhecer algo diferente do próprio signo. Naturalmente, há uma infinita variedade de signos: desde a fumaça, signo que indica o lugar e a intensidade do fogo, à bandeira branca da rendição. A palavra também é um signo: vox, quae non est significativa, verbum dici non potest (I,34,1), o som animado só é palavra se for significativo. Próprio da palavra é a significatio; não, porém, uma significação qualquer, mas aquela que pressupõe sempre um conceito; a palavra só se dá onde há conhecimento intelectual. Locutio est proprium opus rationis (I,91,3 ad 3); "falar -diz Tomás- é operação própria da inteligência". Ora, entre a realidade designada pela linguagem e o som da palavra proferida, há um terceiro elemento, essencial na linguagem, que é o conceptus, o conceito, a palavra interior (verbum interius), que se forma no espírito de quem fala e que se exterioriza pela linguagem, que constitui seu signo audível (o conceito, por sua vez, tem sua origem na realidade). Mas, se a palavra sonora é um signo convencional (a água pode chamar-se água, water, eau etc.), o conceito, pelo contrário, é um signo necessário da coisa designada: nossos conceitos se formam por adequação com a realidade (Esta nota resume idéias apresentadas no excelente capítulo de Josef Pieper "Was heisst Gott Spricht?" in Über die Schwierigkeit heute zu Glauben, München, Kösel, 1974).

[15] Ou, melhor dito, vice-versa...

[16] "Intellectus autem humani, qui est coniunctus corpori, proprium obiectum est quidditas sive natura in materia corporali existens; et per huiusmodi naturas visibilium rerum etiam in invisibilium rerum aliqualem cognitionem ascendit" (I,84,7).

[17] "Omnia autem quae in presenti statu intelligimus, cognoscuntur a nobis per comparationem ad res sensibiles naturales"(I,84,8).

[18] No ad tertium (da mesma I,84,8), Tomás enfrenta a objeção de que conhecemos realidades totalmente incorpóreas, sem imagens (como Deus ou a própria verdade): "Conhecemos as realidades incorpóreas, das que não possuímos imagens por comparação com os corpos sensíveis, dos que possuímos imagens". E conclui dizendo que só podemos conhecer a Deus por negação e por alguma comparação com a realidade corporal.

[19] "Et inde est etiam quod quando alium volumus facere aliquid intelligere, proponimus ei exempla" (I,84,7). Na época de S. Tomás, a palavra latina exempla (e suas correspondentes nas nascentes línguas nacionais: eisemple, enxiempla etc.) era usada para uma gama muito extensa, que abrange comparações, metáforas, parábolas, provérbios etc., como se pode comprovar até nos títulos das traduções que se apresentam em LAUAND, L. J. (org.) Oriente e Ocidente: Idade Média: Cultura Popular, S. Paulo, EDIX/ DLO-FFLCHUSP, 1995.

[20] Universalia principia applicat ad aliqua particularia, quorum memoriam et experimentum per sensum accipit. Tenha-se em conta que sentido, sensus, para Tomás não se refere somente aos sentidos externos, mas também aos internos, como a imaginação, a vis cogitativa etc.

[21] I, 1, 9.

[22] "Est autem naturale homini ut per sensibilia ad inteligibilia veniat: quia omnis nostra cognitio a sensu initium habet" (I,1,9).

[23] O citado I,1,9.

[24] "Et in manibus prophetarum assimilatus sum" (Os 12,10).

***

Leia mais em Dez mandamentos para professores

Leia mais em O professor católico e a Regra de São Bento



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O Currículo da Matemática Medieval

Detalhe da Aritmética e da Geometria em
As sete virtudes e as sete artes liberais,
Francesco Stefano Pesellino, 1450


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Tempo de leitura: 52 minutos

Apresentamos os capítulos 7 e 8 do livro As sete artes liberais: um estudo sobre a cultura medieval, Paul Abelson. Editora Kírion, 2019.

CAPÍTULO VII

Aritmética

A

CARÁTER GERAL DO QUADRIVIUM

Se é inquestionável que o trivium — gramática, retórica e lógica — ocupava a maior parte do tempo dedicado ao estudo das sete artes liberais, a tradicional opinião de que “a verdadeira educação secular da idade das trevas foi o trivium”, sendo as disciplinas do quadrivium, ou matemáticas, raramente estudadas, está longe de ser historicamente correta [1]. Tal aԂrmação não se poderia fazer nem mesmo com respeito à era das universidades, quando a lógica e a filosofia foram sabidamente os estudos essenciais. O equívoco, entretanto, é bastante compreensível; as reais dimensões do conhecimento matemático anterior ao século XII eram tão reduzidas, que até pouco tempo atrás foram praticamente desconsideradas. Historiadores das ciências matemáticas consideraram esse período “estéril”. Chegou-se a afirmar que a mente medieval sequer tivesse aptidão para o estudo da matemática [2].

Mas a ausência de trabalho criativo durante uma boa parte da nossa época não implica necessariamente a falta de instrução na disciplina. Muito pelo contrário, no caso.

Tomando a questão de todos os pontos de vista, parece que evidências permitem uma única conclusão: as disciplinas do quadrivium foram amplamente estudadas no curso de toda a Idade Média. Em primeiro lugar, as experiências pessoais que ilustram o estudo das sete artes liberais incluem, invariavelmente, tanto as disciplinas do trivium como as do quadrivium [3]. O exame dos fatos relativos à posição da Igreja revela que sínodo após sínodo, desde os dias de Carlos Magno, fizeram do cômputo eclesiástico e da música obrigações para o clero. É certo que na Inglaterra, para citar um único exemplo, entre o século VIII e a conquista normanda, não se ordenou um só sacerdote incapaz de calcular a data da Páscoa e depois explicá-lo ao modo de Beda, o Venerável [4]. É ponto pacífico que a Igreja tivesse interesse em ao menos três disciplinas do quadrivium: aritmética, astronomia e música. Daí que não devamos esperar hostilidades à instrução do quadrivium nas escolas medievais.

Ademais, examinando o estado geral das escolas européias entre o período carolíngio e o renascimento intelectual do século XIII, facilmente identificamos um interesse contínuo pela matemática em todas as escolas monásticas e catedrais. Isso vale para as escolas de Fulda, Heresfeld, Reichenau, São Galo, Augsburg, Mainz, Hildesheim, Espira, Colônia, Stavelot, Münster, Verdun, Corvey, Ratisbona, Saint-Emmeran, Passau, Ranshofen, Klosterburg, Reichersburg, Wessobrunn, Metten, Benediktbeuern, Polling, Niederaltaich, Kremsmünster, Saint-Florian, Admont e muitos outros centros educacionais do Sacro Império Romano-Germânico. Interesse ainda maior nota-se em diversas instituições na França e nos Países Baixos, tais como as de Reims, Liège, Lobach, entre outras [5]. Constatamos também que os grandes professores do período foram quase todos conhecidos por aulas de matemática e suas contribuições a essa ciência. A título de ilustração, podemos citar os nomes de Rábano Mauro, Érico e Remígio de Auxerre, os três Notkers, Radberto, Ermenrico, Heilpric, Tatto, Hermano Contracto, Guilherme de Hirsau, Heraldo de Landsberg, Odão de Cluny, Gerberto (mais tarde Papa Silvestre II), Enguelberto de Liège, Bispo Gilberto de Lisieux, Odão de Tournai, Abbo de Fleury, Hucbald, Otlo, Conrado de Nuremberg (irmão do famoso Anselmo), Sigfrido e Reginbald. Estudos demonstram que todos eles tinham aptidão matemática, lecionavam matemática e, na maioria dos casos, produziram obras de mérito nas áreas do quadrivium [6]. A falta de valor cientíԂco na maior parte desses tratados explica o desinteresse em publicar a grande quantidade de manuscritos que se encontram pelas bibliotecas da Europa [7]. Mesmo incompleta, porém, a relação dos livros-texto do quadrivium sugere a contento que essas disciplinas foram bastante estudadas.

Muito se fala, de modo geral, sobre o fato de o conhecimento matemático ter sido próximo do insignificante até o século XII [8]. Apesar disso, o exame mais ligeiro dos livros-texto realmente utilizados nessa época derrubaria a afirmação de que somente as mais elementares proposições da geometria, o método para o calcular a Páscoa e o uso do ábaco fossem o objeto da atenção dos matemáticos. É preciso precaver-se contra aquilatar as realizações da Idade Média desde o ponto de vista do nosso tempo, em que os lugares-comuns da matemática são projeções, cálculo infinitesimal e teorias da composição.

Nos capítulos seguintes, dedicados às disciplinas do quadrivium, tentaremos defender as seguintes teses:

1. Consideradas as dimensões do conhecimento matemático à disposição na Europa no período em questão, as proporções do conhecimento transmitido ao estudante do quadrivium eram relativamente grandes. Isso não quer dizer que os professores medievais soubessem muito de matemática, mas sim que as escolas cumpriam a sua missão, transmitindo às futuras gerações todo o conhecimento matemático que possuíam, e que o aluno era obrigado a apropriar-se desse conhecimento antes de passar ao estudo avançado da filosofia.

2. O padrão da educação matemática nas grandes escolas na Idade Média era muito alto. Embora não haja evidências de trabalho criativo nos primeiros séculos, os últimos indicam progresso na assimilação de novos materiais [9].

3. A quantidade e o caráter da instrução matemática na Idade Média andaram pari passu com o avanço do conhecimento matemático nas várias disciplinas.

4. Mesmo depois do século XIII, quando, já na universidade, o quadrivium fundiu-se ao programa geral da filosofia, os estudos matemáticos passavam longe do descaso. Mesmo sob o domínio dos escolásticos, a quantidade de instrução matemática acompanhou o passo do gradual avanço das ciências [10].

B

A EXTENSÃO DO CONHECIMENTO

O conhecimento aritmético da Idade Média pode ser classificado em três períodos. No primeiro, que termina com o século X, a Europa sabia pouquíssimo do tipo de aritmética tão cultivado pelos gregos na dita era alexandrina. Sabia-se, basicamente, o que consta nos manuais do neopitagórico Nicômaco, composto no final do século [11]. Nesse período, o estudo da aritmética limitava-se ao cômputo eclesiástico, no âmbito da prática, e às propriedades numéricas, no âmbito teórico. O ábaco romano era o rude instrumento das operações numéricas, e utilizavam-se os algarismos romanos [12].

No segundo período, entre o final do século X e o final do século XII, nota-se um avanço considerável. O emprego do ábaco modificado por Gerberto difundiu-se; a divisão complementar e o cálculo por colunas, métodos que em muito superavam a dactilonomia da era anterior, eram comuns [13]. Progresso ainda maior há no terceiro período, também chamado de época algorística, durante os anos finais da Idade Média. Os algarismos arábicos e o zero entraram em uso quando boa parte da antiga matemática grega foi recobrada por meio de traduções do árabe [14]. Ainda que cada período tenha o seu método próprio, sua porção de conhecimento e a sua amplitude em termos de instrução matemática, não é de supor que se possam traçar quaisquer linhas definitivas entre eles. Veremos a seguir que essas linhas sobrepõem-se umas às outras e que as obras didáticas características de uma época anterior continuaram a ser usadas em certa medida [15].

PRIMEIRO PERÍODO

CARÁTER GERAL

A aritmética, nesta fase, é essencialmente a arte do cálculo. Dedica-se quase que exclusivamente ao cômputo da Páscoa — tanto assim que as palavras “computus” e “arithmetica” tornaram-se sinônimos —, mas não se pode sustentar que lhe escapasse por completo o tratamento das propriedades e das relações numéricas. Com efeito, os elementos místicos e simbólicos são muito presentes na aritmética teórica; e isso graças a Nicômaco, cujo livro foi a fonte de Boécio e dos cristãos — Isidoro de Sevilha, Alcuíno, Rábano Mauro, entre outros — ter-se enveredado por esse tipo de especulação. O método era rude; raramente empregava-se o ábaco, e a pesada notação romana tornava quase impossível o cálculo com números grandes. Na verdade, não há registro autêntico de operações realizadas para além dos três dígitos [16]. As frações romanas, sempre que empregadas, necessitavam do auxílio de tábuas especiais, baseadas no “sistema do meio”. Se os livros-texto de uso corrente provam alguma coisa, o conjunto de conhecimentos matemáticos possuído pela Europa Ocidental durante esse período era mesmo pequeno — ao ponto de dar às redescobertas e traduções posteriores, nomeadamente da escola alexandrina de matemática, a aparência de um acréscimo inteiramente novo [17].

OBRAS DIDÁTICAS

Por estranho que pareça, os livros-texto do período não tratam de métodos de operação. Os poucos casos em que isso acontece, e incidentalmente, sugerem intenso trabalho mental e de dactilonômico [18]. Os textos seguintes figuram entre os mais usados:

1. O capítulo sobre aritmética em De nuptiis Philologiae et Mercurii, de Marciano Capela, é nada mais que um resumo sumaríssimo da aritmética de Nicômaco. Além da introdução alegórica, o texto traz material sobre as propriedades e o significado místico dos números em consonância às noções pitagóricas. O texto deve a sua popularidade ao fato de constar como capítulo num bom livro-texto sobre sete artes liberais [19].

2. De intitutione arithmetica libri duo, de Boécio, foi a fonte de conhecimento aritmético da Idade Média por cerca de dois séculos, mesmo após a introdução do sistema hindu de notação e cálculo. Resumida, comentada e editada inúmeras vezes, chegou a passar pelo prelo até o século XVI [20]. Quais são, afinal, os conteúdos dessa obra notável?

O exame das suas 80 colunas e 100 diagramas surpreende pela ausência de uma única regra de operação; tudo o que se vê é uma interminável classificação das propriedades numéricas — triangulares, perfeitos, excessivos, defectivos etc. Verifica-se uma variedade de números pares e ímpares, bem como o tratamento de proporções e progressões. O conteúdo da obra parece indicar que o texto de Boécio não se destinava ao uso dos alunos, mas à orientação do professor. Ademais, constitui-se numa introdução adequada à interpretação mística dos números bíblicos, da qual não raro deduziam-se lições de moral [21].

3. O breve De arithmetica de Cassiodoro é, na melhor das hipóteses, um condensado da obra de Boécio. Nada de novo é apresentado. Quatro diagramas classificam as propriedades numéricas, e cada tipo tem a sua definição e ilustração. A obra nada informa a respeito de métodos práticos [22].

O breve capítulo de Isidoro de Sevilha segue as mesmas linhas que o de Cassiodoro. Trata-se de uma classificação quádrupla dos números, baseada nas suas propriedades e relações. O autor inclui alguns absurdos a respeito da nomenclatura latina e certos arroubos sobre a importância dos números [23]. Também nesta obra, buscamos em vão por uma única sentença acerca dos métodos e das regras das operações.

5. De temporum ratione, do Venerável Beda, é o primeiro texto do período a tocar o aspecto prático do cálculo — a obra trata do cômputo eclesiástico. Não surpreende, portanto, que ele tenha servido de modelo para os séculos seguintes [24].

6. O Liber de ratione computi, do mesmo autor, é de caráter similar, porém de forma mais condensada [25].

7. Também De cursu et saltu lunae ac bissexto, de Alcuíno, é uma obra sobre o cômputo eclesiástico. O seu conteúdo, no entanto, é mais astronômico do que aritmético [26].

8. O Liber de computo, de Rábano Mauro, é talvez o mais completo e mais característico livro-texto do período em questão. Os 96 capítulos abordam em detalhe, mas concisamente, todo o conhecimento necessário no tocante ao cômputo da Páscoa. É claro que se apresenta a classificação multiforme das propriedades e relações numéricas, mas isso em menos que uma coluna. O restante da obra é dedicado ao sistema grego de notação, às divisões do tempo, aos calendários grego e romano, aos nomes dos planetas, a fatos sobre a Lua, a solstícios, equinócios, epactae e outros fenômenos astronômicos envolvidos no estudo do cômputo. Os ciclos lunares e o método de cálculo da Páscoa são explicados conforme o plano de Beda. Como é de esperar, a seção mais importante da obra inteira dedica-se ao cômputo eclesiástico [27]. É significativo que haja, logo na introdução, um capítulo sobre dactilonomia e os símbolos romanos. Mais significativa, porém, é a omissão das regras para as quatro operações. Assim, parece que o cálculo se fizesse principalmente de cabeça, talvez com a ajuda de um sistema elaborado de dactilonomia, e que as quatro operações elementares, com números inteiros, fossem pré-requisito para o estudo do cômputo. Sob todos os aspectos, pode-se tomar a obra de Rábano Mauro como representativa do conhecimento e do ensino aritmético do período. A grande influência do “praeceptor Germaniae” sugere por si só o amplo uso da sua obra, e numerosos livros-texto sobre o cômputo, anônimos ou não, basearam-se no seu tratado [28].

Além desses livros-texto, em que se revelam as características atribuídas ao período, há ainda, da mesma época, outras obras excepcionais sobre a aritmética. A sua existência e o seu emprego, todavia, de modo algum debilitam as nossas conclusões sobre o caráter geral da instrução aritmética nessa fase inicial da Idade Média [29].

Sobre os métodos de divisão e as frações, são de particular interesse os seguintes e breves escritos, erroneamente atribuídos a Beda:

  • De numerorum divisione libellus.
  • De loquela per gestum digitorum et temporum ratione libellus.
  • De unciarum ratione [30].

A origem desses tratados não pode ser rastreada para além do século X [31]. Supõe-se, por conseguinte, que eles indiquem um lento progresso do conhecimento aritmético. De todo modo, esse mesmo material serviria de base para as realizações de Gerberto.

SEGUNDO PERÍODO

CARÁTER GERAL

O ponto de partida para rastrear o progresso do estudo aritmético nesse período pode ser encontrado nas marcantes realizações matemáticas de Gerberto. O valor exato das suas contribuições à aritmética ainda é uma questão em aberto. Alguns lhe atribuem a introdução do cálculo por colunas na Europa Ocidental [32]; outros lhe atribuem, também, a introdução do sistema arábico de notação [33]. Por outro lado, Cantor, o Nestor dos historiadores da matemática, sustenta que Gerberto não tivesse familiaridade alguma com o sistema arábico [34].

Todos, porém, concordam nos seguintes pontos: (1) Gerberto e seus discípulos, nomeadamente Bernelinus, incrementaram o ábaco e estenderam a sua utilização com a introdução de apices diferenciados no topo de coluna; (2) Gerberto e seus discípulos não se utilizaram do zero; (3) encontramos no livro de Gerberto a primeira obra sobre o método de cálculo com o ábaco; (4) Gerberto, que foi o primeiro a empregar o método da divisão complementar, tornou possível a realização das quatro operações no ábaco. Para os fins da nossa investigação, ainda outro fato sobre Gerberto é pertinente: ele ensinou as disciplinas do quadrivium com notável sucesso na escola de Reims entre 972 e 982, e um registro completo dos seus métodos ainda existe [35].

As duas obras de Gerberto, Regulae de abaci numerorum rationibus e o fragmentário De numerorum abaci rationibus, podem ser tomadas como representativas do que fosse um livro-texto de aritmética entre o século X e o início do século XIII. O exame desses tratados [36] revela que os processos empregados em adição, subtração e multiplicação são muito parecidos com os métodos modernos, enquanto o processo de divisão — tema da segunda obra, que é a menor — difere por completo. Comparados ao sistema arábico, os métodos de divisão de Gerberto foram considerados, não impropriamente, “quase tão complicados quanto o engenho humano seria capaz de fazê-los”. Confirma essa opinião o nome “divisio ferrea”, que passou a acompanhar os métodos de Gerberto após a introdução do sistema hindu, chamado, por sua vez, de “divisio aurea” [37].

Nos dias de Gerberto, de um modo geral, quem escrevia sobre a aritmética era conhecido por “abacista”. A introdução dos métodos hindus, por inԅuência dos árabes, veio a restringir esse termo àqueles apegados aos métodos antigos, a saber: (1) a utilização do ábaco; (2) a notação romana; (3) as frações duodecimais; (4) a ausência do zero; (5) a incapacidade de extrair-se a raiz quadrada [38]. Os melhores métodos dos algoristas, como os autores do período seguinte eram chamados, não necessariamente suplantaram a obra dos abacistas. Houve, de fato, uma competição entre a escola abacista — por vezes chamada, erroneamente, escola boeciana — e a nova escola, dita arábica.

A intrínseca superioridade do novo sistema não causou de imediato o desaparecimento dos livros-texto baseados no antigo. Assim como as obras aritméticas de Boécio foram impressas até o século XVI, também edições dos antigos abacistas continuaram em uso muito para além do triunfo dos alegoristas [39].

LIVROS-TEXTO

Passando aos livros-texto do período, encontramos, com efeito, diversas impressões. Contudo, apenas os mais típicos, aqueles mais celebrados no seu tempo, pedem aqui ser mencionados.

1. Hermano Contracto, monge e professor em Reichenau na primeira metade do século XI, é o autor de um Liber de abaco. O tratado é mais breve do que as obras de Gerberto e confessadamente baseado nelas mesmas [40].

2. Rodolfo de Laon compôs tratado similar no século XII [41].

3. João de Garlandia, autor de um tratado sobre o cômputo, compôs também um livro-texto sobre o ábaco. É significativo que o mesmo autor tenha preparado as duas obras; isso mostra que o escopo da aritmética houvera-se ampliado, causando a separação total entre o cômputo eclesiástico e a aritmética propriamente dita [42].

TERCEIRO PERÍODO

CARÁTER GERAL DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO

O exame do terceiro período, o algorístico, traz-nos até o meio da era das universidades. Embora o quadrivium estivesse fundido no programa geral oferecido sob o auspício das faculdades, a aritmética, tanto teórico como prática, foi mais estudada nesse do que no período anterior. Isso, claro, graças aos avanços do conhecimento na matéria.

As características da aritmética algorística eram: (1) o uso do sistema hindu-arábico de notação; (2) o sistema de valor local; (3) o uso do zero; (4) a dispensa total do ábaco; (5) o uso combinado de símbolos e números — na verdade, uma combinação de álgebra e aritmética, na acepções atuais dos termos —; (6) a introdução, na Europa Ocidental, de vastíssimo material aritmético do Oriente, proporcionada por traduções latinas de fontes árabes. A tendência geral foi abordar a aritmética pelos lados prático e cientíԂco, mas nem por isso os aspectos místicos da disciplina, tão populares em outros períodos, foram negligenciados de algum modo. O tratamento fantástico das propriedades numéricas continuou bastante comum [43].

Desse modo, o começo do século XIII é marcado pela introdução do sistema arábico de notação e pela sua adoção, no lugar da notação romana e do ábaco. Essa revolução fundamental deu-se gradualmente. A transição entre o período do ábaco e era do algarismo remonta às traduções da aritmética hindu-arábica feitas pelos seguintes e prestigiados matemáticos do século XII:

  • Adelardo de Bath, que escreveu Regulae abaci às voltas de 1130. A ele também se atribui o manuscrito de Cambridge intitulado Algorithm de numero indorum [44].
  • Abraham Ibn Ezra, cujo tratado sobre a aritmética data de inícios do século XII [45].
  • João de Sevilha, que compôs o seu Algorismus às voltas de 1140 [46].
  • Geraldo de Cremona, que preparou um Algorismus na segunda metade do século XII [47].
  • O anônimo que, às voltas de 1200, compôs um breve tratado sobre os algarismos no sul da Alemanha [48].

Essas obras de transição, conquanto escritas anteriormente à ascensão das universidades, durante o declínio das escolas monásticas e catedrais, se estabelecem a seqüência histórica neste estudo particular, não se podem tomar como livros-texto característicos do período. Não precisamos, portanto, demorarmo-nos sobre eles, que serviram tão-somente a um propósito admirável: apresentar o sistema hindu-arábico aos matemáticos da Europa, pavimentando o caminho para trabalhos posteriores.

É verdade, entretanto, que os primeiros anos do século XIII foram realmente decisivos na história dos estudos aritméticos e matemáticos. Isso porque inauguraram um fluxo constante, e que perpassou todo o restante do século, de traduções e adaptações de livros árabes e gregos [49]. No campo da aritmética, a introdução desse novo conhecimento produziu dois efeitos diversos: (1) sua utilização e extensão na aplicação ao comércio; e (2) a adoção do sistema arábico de notação nos estudos acadêmicos da matemática. O primeiro resultou num extraordinário desenvolvimento dos aspectos práticos da aritmética e de partes da álgebra nos centros comerciais de Itália, Inglaterra e Alemanha durantes os três séculos posteriores [50]. O principal representante dessa tendência foi Leonardo de Pisa, que era filho de um mercador. O seu volumoso Liber abaci, composto em 1202, apresentou ao mundo uma quantidade de conhecimento prático e teórico que ainda hoje pode ser considerada admirável [51]. Não obstante, a influência desse livro sobre as universidades não foi perceptível nem mesmo na Itália, seu país [52]. Nesse contexto, podemos nomear outro notável: o dominicano Jordano de Nemi, cujos esforços para tornar acessível a ciência aritmética às tradicionais escolas medievais comparam-se aos de Leonardo para popularizar a descoberta entre os mercadores europeus [53]. Dele interessam-nos Algorithmus demonstratus, breve tratado sobre o cálculo [54]; Arithmetica demonstrata, sobre a teoria dos números [55]; e De numeris datis, sobre a álgebra [56]. O seu caráter abstrativo, científico, assenta no emprego de símbolos gerais. Excluindo-se de partida todos as aplicações comerciais, temos, nesses tratados, o material perfeitamente adequado para o estudo acadêmico da disciplina [57].

ESCOPO

A pergunta sugere-se a si mesma: quanto desse material era de fato empregado no ensino da aritmética? O exame dos registros da instrução nas universidades deve dar-nos a resposta.

Passando a esses registros, deparamos as seguintes condições: em Paris, dava-se pouca atenção à matemática. Os pré-requisitos para o mestrado, em 1366, ditam vagamente “que o estudante compareça a seminários sobre alguma obra matemática” [58] De todo modo, o fato de Sacrobosco ter lecionado matemática na Universidade de Paris antes de 1255, considerando-se que o mesmo fora autor de um algorismo baseado em Jordano, permite supor que, antes de 1366, tenha-se estudado ali ao menos o material contido na aritmética de Jordano.

Em Bolonha, onde cultivava-se a matemática muito mais do que em Paris, houve na faculdade de artes uma cadeira de aritmética. Previa-se, deԂnitivamente, um curso sobre “algorismi de minutiis et integris”, material do Algorithmus demonstratus de Jordano [59].

Os estatutos da Universidade de Praga para o ano 1367 requerem, para a conclusão do mestrado, um curso sobre “algorismus”. O conteúdo, segundo uma escala de conferências para o mesmo ano, devia-se aprender em até três semanas, donde ser claro que a disposição inicial referia-se ao estudo de obras tais como a de Sacrobosco, ou seja, dos elementos práticos da aritmética [60]. Na mesma universidade, encontramos “o estudo da aritmética” entre os pré-requisitos para o mestrado; outros registros indicam que ali se estudavam “algorismus” e “arithmetica accurata”. Aqui, obviamente, distingue-se entre os elementos práticos e teóricos da aritmética [61].

A Universidade de Viena, durante toda a Idade Média, foi tão reconhecida pelo estudo da matemática quanto a de Paris pelo estudo da ԂlosoԂa; chegou, inclusive, a abrigar disputações sobre a matéria. E enquanto os dados sobre o ensino da aritmética em Viena não representam a situação que, como vimos, era comum a tantas outras universidades, as informações de que dispomos a esse respeito, quando alinhadas a outras evidências, são, de fato, reveladoras. A agenda de seminários para 1391–1399 mostra que ali se abordavam: (1) “algorismus de integris”; (2) “algorismo de minutiis”; (3) “computus physicus”; (4) “frações astronômicas”; (5) “arithmetica et proportiones”; e (6) “arithmetica” [62]. À luz do cuidado que ali se tomou para evitar a competição, duplicando-se os seminários, podemos supor que esses cursos tratassem de aritmética e álgebra elementar e teórica — justamente o tema da obra de Jordano.

A mesma distinção entre algorismus e arithmetica, isto é, entre os elementos práticos e teóricos da aritmética, é também enfatizada em registros do século XV. Ao que parece, havia níveis de remuneração para diferentes tipos de professores de aritmética. Os seminários de “arithmetica” valiam o dobro dos seminários de “algorismus”, se bem que o número de sessões fosse o mesmo para ambas as disciplinas. Também parece significativo que o honorário correspondente aos seminários de aritmética fosse igual à remuneração pelo mesmo número de aulas sobre uma matéria aparentada à matemática teórica: a música [63].

Em Leipzig, filha de Praga, prevaleciam as mesmas condições [64].

Mais significativo, talvez, seja o fato de a Universidade de Colônia, fundada 1389 sobre as mesmas bases da Universidade de Paris, ter disposto para o mestrado, em 1398, os mesmos pré-requisitos adotados em Viena [65].

Condições similares existiram em Erfurt, Heidelberg, Oxford, e mesmo em universidades italianas, como as de Pádua e de Pisa, onde a obra de Leonardo não teve influência alguma durante o século XV.

As evidências indicam claramente o escopo da instrução aritmética nas universidades européias. Dado que o material utilizado nesses programas era aparentemente idêntico ao conteúdo dos três livros de Jordano, é-nos permitido inferir que o conhecimento científico sobre a aritmética estava plenamente representado na educação universitária, sendo prevista, para a conclusão do mestrado, a sua quase totalidade.

LIVROS-TEXTO

Determinado o caráter das obras didáticas do período, passamos ao exame dos livros-texto empregados nas universidades.

1. O primeiro em importância, porque o mais usado durante três séculos, foi o do inglês John Hollywood, dito Sacrobosco, cujo Tractatus de arte numerandi, ou Algorismus, foi reimpresso inúmeras vezes e sob diversos títulos [66]. A obra não é senão um excerto do Algorismus demonstratus de Jordano; traz as regras da aritmética sem demonstrações ou ilustrações, e palavra nenhuma sobre as frações. Na verdade, mal passa de uma exposição das nove operações aritméticas tais como explicadas por Jordano — as regras de multiplicação aparecem em verso. O caráter da obra determina prontamente o seu lugar no currículo: serve como um guia, um texto a partir do qual se introduzirem os elementos da aritmética antes de iniciar-se o estudo da aritmética teórica, mais audacioso [67]

2. O que Sacrobosco fez a título de levar o Algorismus de Jordano até as universidades, outros fizeram-no com as suas duas outras obras. Arithmetica speculativa, de Thomas Bradwardinus (1290–1349), cobre toda a aritmética avançada de Jordano [68].

3. Sacrobosco e Bradwardinus foram os adaptadores de Jordano, isto é, da sua aritmética prática e teórica. Do mesmo modo, em meados do século XIV, Nicolau Oresme, que foi aluno e professor da Universidade de Paris, difundiu a aritmética e a álgebra de Jordano, especialmente as partes dedicadas às frações e à álgebra sincopada. Seu Algorismus proportionum [69] baseia-se inconfundivelmente na obra de Jordano. Esse tratado, no entanto, foi mais do que uma simples exposição: o uso de expoentes fracionários marca um avanço de Oresme em relação à sua fonte [70].

4. Jean de Murs, outro matemático francês do mesmo século, trabalhou na simplificação de Boécio e de Jordano, fontes do seu Arithmetica speculativa. A ampla utilização desse livro, um manual padrão de aritmética teórica, é atestada pelo grande número de edições ainda existentes [71].

5. De minutiis physicis, de Johannes von Gmünden, é o típico livro-texto das universidades germânicas do século XV. O autor, docente afamado na Universidade de Viena, foi o primeiro em toda a Europa a ensinar matemática como especialidade — antes do seu tempo, como se sabe, era costume que os professores se revezassem em diferentes disciplinas dentro das suas faculdades. Johann von Gmünden lecionou em Viena, tanto “algorismus de integris” como “algorismus de minutiis”, de 1412 a 1417. Ele empregava textos populares nas suas aulas: sobre aritmética integral, Sacrobosco; sobre frações, algum comentador de Jordano; e sobre frações astronômicas, seu próprio De minutiis physicis [72].

6. O Algorismus “para estudantes” de Johann von Peuerbach foi muito usado na Alemanha pela geração seguinte à de Gmünden. A popularidade desse livro deveu-se ao fato de o autor ter sucedido o mesmo Gmünden na Universidade de Viena. Como livro-texto, o tratado representa um avanço em relação a Sacrobosco, cuja obra Peuerbach almeja suplantar [73].

7. Podemos encerrar o nosso exame com Algorismus de integris, de Prosdocimo de Beldemandi, professor da disciplina na Universidade de Pádua em 1410. Esse texto, em tudo similar ao de Sacrobosco, mostra que as universidades italianas não haviam sofrido qualquer influência de Leonardo de Pisa até meados do século XV. Nesse tempo, ao que parece, elas ainda trilhavam o que se poderia chamar aritmética acadêmica [74].

Com o aumento e o avanço do conhecimento universal em aritmética — termo aplicado à álgebra —, houve uma tendência, já no final do século XV, a retirar-se a aritmética elementar dentre os pré-requisitos para o mestrado. Isso explica a importância de uma nota sobre Heidelberg, de 1443. O estudo do “algorism” e “de proportionibus” é ali posto numa classe de disciplinas eletivas, “quos non oportet scholares formaliter in scolis ratione alicuius gradus audivisse” [75]. Esses seminários, pagos, davam-se, evidentemente, como um curso extra ou auxiliar, para ajudar os alunos a “desenferrujar”. Assim, vê-se que a exigência da aritmética nas universidades aumentara sensivelmente desde o século XIV [76].

Não quisemos, com este capítulo, apenas delinear o caráter e o escopo da instrução aritmética tal como inserida entre as sete artes liberais. Quisemos, também, oferecer ao leitor uma melhor compreensão da natureza das evidências que fundamentaram as nossas visões, expressas, de partida, nos parágrafos introdutórios. Embora a variedade e o caráter alusivo dos dados disponíveis por vezes desafiem a capacidade de análise, fica demonstrada a continuidade histórica do estudo da aritmética no esquema do ensino superior medieval. Não restam dúvidas de que as escolas medievais ensinaram sempre tudo quanto se soubesse de aritmética; de que os professores de aritmética fossem geralmente os grandes matemáticos do seu tempo; de que esse magistério, porque em dia com o progresso do conhecimento, tinha, justamente, um caráter progressivo; de que jamais, nem mesmo nas infecundas gerações que encerram a Idade Média, quando a educação escolástica já sobrevivia à sua utilidade, deixou a aritmética de ser estudada no seio das faculdades medievais.

CAPÍTULO VIII

Geometria

No capítulo anterior, fizemos uma análise detalhada do caráter geral da instrução no quadrivium, especialmente no que se refere à aritmética. As mesmas conclusões, entretanto, aplicam-se à geometria. É de supor que a geometria fosse amplamente ensinada tanto no período pré-universitário como na era das universidades, e que o escopo dessa instrução caminhasse pari passu com os avanços do conhecimento na matéria.

Resta-nos indicar as proporções do conhecimento em geometria disponível a cada período e descrever brevemente as obras didáticas utilizadas. Como no caso da aritmética, distinguem-se três períodos: (1) antes de Gerberto; (2) entre os tempos de Gerberto e o século XIII; (3) entre o século XIII e o humanismo.

PRIMEIRO PERÍODO

Até o final do século X, a era de Gerberto, quase que não existia na Europa Ocidental conhecimento em geometria tal como a define o uso moderno da palavra. Com efeito, parece que o termo se empregava em sentido etimológico, e não no sentido em que os gregos o entendiam. Dada a negligência dos romanos, que apenas cuidavam da sua aplicação prática, a agrimensura, o mais provável é que nenhuma geometria digna do nome de ciência tenha sido transmitida à Idade Média [1]. Disso dão testemunho os livros-texto do tempo de Gerberto. Os mais usados eram os de Marciano Capela, Cassiodoro e Isidoro de Sevilha.

O texto de Capela, de modo geral, é um breve relatório sobre geografia, a localização de sítios históricos e fatos congêneres. Somente no final da obra encontramos algumas definições: linhas, triângulos, quadrângulos, o círculo, a pirâmide, o cone. Nada há nesse texto de geometria propriamente dita, ou mesmo de agrimensura [2]. O capítulo de Cassiodoro não se sai melhor [3], e o mesmo vale para o tratamento de Isidoro de Sevilha [4].

Conquanto esses tenham sido, ao que tudo indica, os únicos livros-texto de geometria à época de Gerberto, é bem verdade que os agrimensores do Império Romano tardio, os gromatici, legaram à Idade Média algum conhecimento sobre estimar-se a área de um triângulo, de um quadrilátero e de círculo [5].

Mas se a ciência da geometria fora negligenciada, a geograԂa e a cosmografia foram introduzidas para suprir a deficiência. O material sobre essas disciplinas era farto, e por isso elas foram muito cultivadas. A maioria dos vinte livros das Etymologiae, de Isidoro de Sevilha, diziam respeito à Naturkunde [6]. De universo, de Rábano Mauro, foi outra compilação do mesmo tipo [7]. Compêndios baseados na geografia de Plínio, entre outros, foram muito numerosos no período, e as referências ao estudo desses obras como parte do quadrivium são bastante comuns [8].

SEGUNDO PERÍODO

Passando ao tempo de Gerberto, deparamos um aumento pequeno, embora relativamente significativo, na quantidade de conhecimento em geometria. Graças à “descoberta” de uma cópia das obras boecianas sobre a geometria, e também do Codex arcerius, um bocado da geometria de Euclides e alguns fragmentos dos gromatici vieram parar nas escolas da cristandade [9]. Todavia, o novo aporte geométrico não teve lá muito valor, nem pela quantidade, nem pela qualidade. As supostas obras de Boécio, as quais Gerberto encontrara [10], consistiam em dois livros: o primeiro, todo ele baseado em Euclides, continha basicamente os enunciados dos livros I e III, inclusive definições, axiomas e scholia; algumas das proposições dos livros III e IV; e as demonstrações completas das três primeiras proposições do livro I, dadas, nas palavras do autor, “ut animus lectoris ad enodatioris intelligentiae accessum quasi quibusdam graditus perducatur”. A segunda obra trazia os cálculos das áreas de figuras geométricas. Esses, segundo Chasles, baseiam-se quase que inteiramente nas obras do gromaticus Frontino [11].

Comparando esse corpo de conhecimento ao texto de Euclides transmitido por Téon, vemos que a geometria de Boécio consiste nas definições euclidianas, na teoria dos triângulos e quadriláteros e em algumas teorias dos círculos e polígonos. Além disso, encontramos as suas próprias demonstrações dos seguintes problemas: (1) a construção de triângulo equilátero, dado o lado; (2) traçar-se, de um ponto dado, uma linha reta de determinado comprimento; e (3) segmentar uma linha menor numa linha maior.

Gerberto, aparentemente, tomou posse de todas as pecinhas de conhecimento geométrico disponíveis, tanto teóricas como práticas, e fez do conjunto delas a base mesma da sua obra [12]. O seu livro-texto não impressionou os estudiosos pela originalidade, e pode-se considerar que ele representa a totalidade da instrução em geometria oferecidas nas escolas até o final do século do século XIII. Em grande medida, esse livro e outras obras de caráter similar logo substituíram a geograԂa e a cosmografia, que, graças à escassez de verdadeira geometria, passaram por esse nome até os dias de Gerberto [13].

TERCEIRO PERÍODO

Como no caso da aritmética, os séculos XII e XIII formam um período de transição. A geometria de Euclides, como é de supor, foi uma das muitas obras matemáticas que alcançaram a Europa Ocidental por meio de traduções de fontes árabes. Naturalmente, esse incremento do conhecimento em geometria logo foi apropriado pelas universidades, que o integraram ao novo curso, ampliado.

Depois dos trabalhos de Adelardo de Bath, que traduziu Euclides do árabe em 1120, e de Geraldo de Cremona, autor de outra tradução [14], datada de 1188, pode-se dizer que a Europa Ocidental fora devidamente apresentada à geometria euclidiana. Foi então que as obras de Boécio e de Gerberto acabaram descartadas pelas universidades, e assim restou, como disciplina do currículo, o lado puramente teórico da ciência.

Temos evidências bastantes de que Euclides, tal como adaptado no De triangulis de Jordano de Nemi, por exemplo, foi ensinado durante toda a Idade Média, até o Renascimento [15]. Quase todas as listas de pré-requisitos para o mestrado incluem cinco ou seis dos seus livros — Bolonha, Praga, Viena, Leipzig, Pádua, Pisa e Colônia, invariavelmente [16]. Mesmo a Universidade de Paris, notoriamente desinteressada da matemática, requereu, na alta Idade Média, os seis livros completos de Euclides — e não apenas os três primeiros, como geralmente se supõe [17]. É certo, por conseguinte, que o candidato a universitário, mirando um diploma nas artes, tivesse o mínimo de conhecimento sobre o texto euclidiano: a teoria dos triângulos e quadriláteros; as várias aplicações da teoria de Pitágoras a um grande número de construções; os teoremas do círculo; os teoremas dos polígonos inscritos e circunscritos; as proporções geométricas; e a similaridade das figuras. Acresça-se a isso tudo a teoria dos números — contida nos livros VII, VIII, IX e X —, que era estudada como parte da aritmética teórica, e então nos veremos forçados a concluir que, como parte quadrivium, transmitia-se um tanto muito mais que considerável da geometria.

Cursos adicionais sobre a teoria das coordenadas foram ministrados nas universidades dos séculos XIV e XV [18]. O ensino avançado da geometria abriu o caminho para geometria analítica de Descartes, no século XVI [19]. Pode-se dizer o mesmo do estudo da perspectiva, que, em algumas universidades, foi tema de cursos ministrados como parte do quadrivium [20].

Que os gregos apresentados à Europa Ocidental por influência dos árabes estimularam inclusive especulações originais, isso vê-se pelas obras de Leonardo de Pisa (Practica geometria, 1220), Jordano de Nemi (De triangulis, c. 1237), ӷomas Bradwardinus (Geometria speculativa, c. 1327) e Nicolau Oresme (Tractatus de latitudine forarum), às quais ainda hoje atribui-se mérito científico [21]. É decerto verdade que essas obras, por marcantes que sejam de um afastamento em relação aos gregos, não encontraram o seu caminho até o currículo medieval [22]. Mas essa falta de assimilação, esse deixar passar novas idéias, se presta a evidência do interesse superԂcial pela instrução matemática [23].

Mesmo nos nossos dias, depois de cinco séculos de fenomenal desenvolvimento nos estudos da geometria, o valor exato da obra de Euclides como livro-texto continua a ser uma questão em aberto [24]. Com isso em mente, não parece razoável esperar que as universidades medievais — instituições de uma era que louvava a tradição — estivessem mais dispostas a se desfazer de Euclides do que hoje estão as nossas escolas.


Notas:

CAPÍTULO VII

[1] Rashdall, Universities in the Middle Ages, vol. I, p. 35. Laurie, Rise and Constitution of the Early Universities, pp. 61 e ss. Ambos partilham dessa visão tradicional.

[2] Hankel, Geschichte der Mathematik, pp. 304–59, esp. pp. 334, 358.

[3] Por exemplo: vida de São Cristóvão, por Walter de Speyer; vida de São Wolfgang, por Otlo de Saint-Emmeran; vida de Santo Adalberto, por Bruno de Querfurt. Cf. Specht, op. cit., pp. 89–149, esp. 127 e ss.

[4] Günther, Geschichte des mathematischen Unterrichts im deutschen Mittelalter, p. 14.

[5] Specht, op. cit., pp. 297–394; Wattenbach, Deutschlands Geschichtsquellen im M. A., 7ª ed., pp. 241–487, passim. V. Ziegelbauer, Historia Rei. Lit. O. S. B., I, passim.

[6] Cantor, Vorlesungen über Gcschichte der Mathematik, vol. I, pp. 771–97; Günther, op. cit., pp. 39–61, onde há referências especíԂcas à atividade matemática de cada uma das escolas e pessoas mencionadas. Para listas de obras congêneres, v. Ziegelbauer, op. cit., vol. IV, 304-411.

[7] O Codex Vaticanus 3896 contém nada menos que 26 tratados sobre aritmética em manuscritos; cf. Günther, op. cit., p. 67.

[8] V. Hankel, op. cit., p. 334.

[9] Günther, op. cit., pp. 81–121, 146–207.

[10] O descaso tradicionalmente atribuído à Idade Média com relação à matemática baseia-se numa suposição equivocada: que o desinteresse de Paris, mãe das universidades, fosse partilhado pelo período como um todo. Objete-se, no entanto, que a Universidade de Viena deu muitíssimo valor às disciplinas matemáticas. Na verdade, o que se dava na maioria das universidades medievais era justamente um meio-termo entre os extremos — Paris e Viena —, de maneira que elas ofereciam uma carga razoável de instrução matemática. Cf. Rashdall, op. cit., vol. I, pp. 440–43; Günther, op. cit., pp. 2017 e ss.

[11] Foi por meio de Boécio, tradutor e adaptador do texto, que essa forma particular de aritmética tornou-se conhecida como boeciana. Texto de Nicômaco na edição R. Hoche, Leipzig (1866). Para uma análise de Nicômaco, v. Gow, Short History of Greek Mathematics, pp. 89–95.

[12] Cf. Ball, History of Mathematics, p. 137.

[13] H. Weissenborn, Gerbert-Beiträge zur Keniniss der Mathematik des Mittelalters (Berlim, 1888), pp. 208–51. Cajori, History of Mathematics, pp. 114 e ss.

[14] Günther, op. cit., vol. I, pp. 797–809. A palavra “algoritmo” é derivada de Al-Khwarizmi, nome do primeiro e mais importante matemático árabe conhecido na Europa.

[15] Existe ainda um Computus datado de 1395. Trata-se de uma interessante coleção de textos medievais sobre aritmética, pertencente ao Sr. George Plimpton, de Nova York.

[16] Hankel, op. cit., pp. 309 e ss.

[17] Cf. Günther, op. cit., pp. 64–78.

[18] Na obra de Alcuíno sobre o cômputo, De cursu et saltu lunae ac bissexto (PL 101, cols. 979 e ss.), multiplica-se CCXXXV por IV:

        CC             x IV — DCC

        XXX         x IV — CXX

        V               x IV — XX

                          DCCCCXL

Para um exemplo similar (6144: 15), v. Pseudo-Beda, De argumentis lunae, PL 90, col. 719.

[19] Eyssenhardt (ed.), livro VII, pp. 254–96. Para um exemplo mais completo das interpretações metafísicas de Capela, v. Gow. op. cit., pp. 69. e ss.

[20] V. Morgan, Arithmetical Books, pp. 3, 4, 10, 11, 13. Referências aos livros de Boécio impressos em Paris e em Viena, o último datado de 1521. De arithmetica libri duo (PL 63, cols. 1079–1168).

[21] Cf. Günther, op. cit., pp. 82 e ss. Texto em PL 63, cols. 1079–1166 (ed. Friedlein, 1867). Para um caso divertido de interpretação dos números, v. Rábano Mauro, De institutione clericorum, PL 107, col. 400, onde se explica o sentido místico no número 40.

[22] De artibus, PL 70, cols. 1204–8.

[23] “Tolle numerum rebus omnibus et omnia pereunt. Adime saeculo computum et cuncta ignorantia caeca complectitur nee differi potest a ceteris animalibus qui calculi nesciunt rationem” (Etymol. lib. XX, livro II, cap. 4). Texto completo em PL, 82, cols. 154–63.

[24] PL 90, cols. 294–578. À parte glosas e scholia, restam cerca de 80 colunas de texto — tamanho moderado.

[25] Ibid., cols. 579–606.

[26] PL 101, cols. 679–1002.

[27] PL 107, cols. 669–727. Como essa era a parte essencial de todos os livros-texto do período, cabe fazer uma breve exposição do problema implicado no cômputo eclesiástico. O objetivo do cômputo era determinar a data do primeiro domingo seguido à primeira meia-lua depois do equinócio da primavera. Resolvia-se o problema encontrando o chamado “número áureo” e as “letras dominicais”, indicações, com o que se determinavam as posições e relações nas tábuas do ciclo metônico. Ser capaz de fazê-lo implicava conhecer: (1) o equinócio da primavera; (2) o dia da primeira lua cheia; e (3) o ajuste necessário às tábuas do ciclo metônico. Desde os tempos do abade Dionísio Exíguo (c. 525), resolveram-se os problemas astronômicos e elaboraram-se sucessivas tábuas entre o mesmo Dionísio, o abade Félix de Cyrilla, Isidoro de Sevilha e o Venerável Beda. Com o auxílio de duas regras para as operações e o uso das tábuas referidas, a data da Páscoa podia ser prontamente determinada. As regras eram: (1) para encontrar o número áureo, some-se 1 ao numeral do ano — na tábua — e divida-se a somatória por 19; o resto será o número áureo, e, não havendo resto, o número áureo é 19. (2) “Para encontrar a letra dominical, some-se ao numeral do ano o quociente da sua própria divisão por 4; some-se a isso mais 4; divida-se por 7 a somatória, e o seu resto, subtraia-o de 7. O resto determinará o lugar das letras na tábua”. A partir dessas respostas, determinava-se a data da Páscoa com facilidade. As exigências de conhecimento aritmético aos alunos que intentavam simplesmente resolver esse problema não eram lá muito grandes, mas é certo que, depois do renascimento carolíngio, todo e cada sacerdote que estudasse as artes liberais seria capaz de entender não somente os métodos, mas também os princípios por trás dessas operações, o que implica, além de bom raciocínio matemático, um tanto não desconsiderável conhecimento aritmético e a astronômico. V. Smith & Chietham, Dictionary of Christian Antiquities, entrada “Páscoa”; F. J. Brockman, “Die Christliche Oesterrechnung”, em Systeme der Chronologie, pp. 53–83. Para uma versão modernamente simplificada do cômputo da Páscoa, v. Ball, Mathematical Recreations and Problems, p. 238; Cantor, op. cit., vol. I, pp. 532 e ss; p. 780.

[28] Günther, op. cit., p. 66. Entre os professores medievais que basearam as suas obras sobre o cômputo inteiramente em Rábano Mauro, são dignos de nota, porque demonstram a amplitude da sua influência: Heilpric, monge de São Galo; Hermano Contracto, Guilherme de Hirsau, Notquero Labéu e João de Garlandia. Note-se, porém, que as suas obras, conquanto escritas antes de Gerberto, e por isso mesmo pertencentes, em princípio, ao segundo período da nossa classiԂcação, não podem ser tomadas como índices dos métodos que então se utilizavam. Quando foram compostas, o estudo do cômputo já se havia tornado simplesmente o estudo técnico para o cálculo da Páscoa; já não signiԂcava, como no tempo de Rábano Mauro, o estudo da aritmética.

[29] Assim, “Prepositiones (arithmeticae) Alcuini ad acuendos juvenis”, coleção de problemas difíceis corretamente atribuída ao famoso professor, se é de especial interesse sob certos pontos de vista, não pode, entretanto, ser tomada como indicativo de que comumente se estudassem tais problemas naquela época. O fato de Gerberto os conhecer ao final do século X é igualmente inconclusivo no que diz respeito à sua aplicação em sala de aula, haja vista que Gerberto foi o gênio matemático do seu tempo. Esses problemas pertencem à mesma classe dos jogos matemáticos que eram conhecidos de tão poucos. Texto em PL 101, col. 1143. Cf. Hankel, op. cit., p. 310, nota. Referências completas aos jogos matemáticos medievais em Günther, op. cit., p. 88, nota 1.

[30] PL 90, cols. 682–709. V. Karl Werner, Beda der Ehrwilrdige und seine Zeit (Viena, 1875), pp. 107 e ss., citado em Günther, op. cit., p. 5.

[31] Hankel, op. cit., pp. 307–10.

[32] Nagl, “Gerbert und die Rechenkunst des 10 ten Jahrhunderts”, em Sitzungsberichte der Hist. Philol. Class, der Kais. Akad. der Wiss, vol. CXVI, pp. 861–922; Friedlein, “Das Rechnen mit Columnen vor dem 10 tem Jahrhundert”, em Zeitschrijt fur Math. u. Phys., vol. IX, pp. 297–330, esp. pp. 320 e ss.

[33] Weissenborn, Gerbert-Beiträge sur Kenntniss der Maihematik des Mittelalters, pp. 209–239, esp. 233.

[34] Cantor, Vorlesungen, vol. I, pp. 797 e ss, onde resumem-se os pontos históricos da controvérsia.

[35] Richer, Hist. Lib., MGH-SS 3, pp. 618 e ss.

[36] Últimas edições críticas em Bubnov, Gerberti opera Mathematica (Berlim, 1899). Pode-se inferir a extensão da influência dessas obras pela vasto número de manuscritos ainda existentes, os quais são enumerados pelo editor (op. cit., pp. 17–111, passim).

[37] Cajori, History of Mathematics, p. 117. O seu caráter mecânico revela-se em algumas regras que Gerberto nos oferece: (1) o uso da multiplicação restringia-se o quanto possível, e jamais deveria pedir a multiplicação de um número de dois dígitos por outro; (2) tinha-se de evitar a subtração e, na medida do possível, substituí-la pela adição; (3) as operações tinham todas de proceder mecanicamente, sem espaço para juízos. V. Hankel, op. cit., pp. 319 e ss, onde há exemplos concretos de divisão por esse método. A ilustração mais complicada é dada em Friedlein, Die Zahlzeichen und das elementar Rechenen der Griechen und Römer und des Christlichen Abendlandes nom 7 ten bis 13 ten Jahrhundert, pp. 109–34.

[38] Cajori, op. cit., p. 119.

[39] Cf. Günther, op. cit., pp. 99–110. Cantor, Mathematische Beiträge zum Kulturleben der Völker, pp. 330–40.

[40] Boncompagni, Bulletino di Bibliografia e di storia delle scienze matematiche e fisiche, vol. X, pp. 643–47. Parte de uma coleção de sete textos sobre o ábaco (loc. cit., 595–647). Dois textos similares, do século XII, constam em op. cit., vol. XV, 135–62. Sobre outros abacistas do período, v. Cantor, op, cit., vol. I, pp. 831–36.

[41] Hist. lit. de la France, VII, pp. 89 e ss. Texto e crítica em Nagl, Suplemento a Zeit. für Math. u. Phys., vol. XXXIV, pp. 129–46, 161–70.

[42] Boncompagni, X, 593–607. Sobre outros abacistas do século XII, v. Cantor, op. cit., pp. 843–48; Günther, op. cit., pp. 92–106.

[43] Cantor, Beiträge, p. 338; Cajori, op. cit., p. 119.

[44] Textos, Boncompagni, Bullettino, vol. XIV, pp. 91–134; Boncompagni, Trattati di aritmetica, pp. 1–23. Fragmento da sua obra sobre multiplicação e divisão em Zeit. für. Math. u. Phys., XXV, Suplemento, pp. 132–39.

[45] Crítica da obra em Steinschneider, Zeit. für. Math., vol. XXV, suplemento, pp. 59–128.

[46] Boncompagni, Trattati d’aritmetica pp. 25–136.

[47] Cantor, op. cit., vol. I, p. 853.

[48] Texto e crítica em Cantor, Zeitsch. f. Math. u. Phys., X, pp. 1–16. Encontra-se um texto similar, composto no mesmo século e procedente de monastério próximo de Ratisbona, em Curtze (ed.), Zeitsch., XLIII, Suplemento, pp. 1–23. A existência desses manuscritos mostra que, mesmo nos dias de declínio, algumas escolas monásticas mantiveram-se atualizadas com o estado da arte em aritmética.

[49] Wüstenfeld, “Die Übersetzungen arabischer Werke in das Lateinische seit dem 11 ten J. H”. Abhand. König. Gesel. d. Wiss. zu Göttingen, vol. XXI, passim., esp. pp. 20–38; 50–96.

[50] Günther, op. cit., pp. 131–41; Cantor, Vorlesungen, vol. II, pp. 110, 216 e ss.; F. Unger, Die Methodik der practischen Arithmetik, pp. 1–33.

[51] Cantor, op. cit., vol. II, pp. 3–35.

[52] Ibid., 167, 205.

[53] Cantor, op. cit., vol. II, p. 86, localizou manuscritos de Jordano em Basiléia, Cambridge, Dresden, Erfurt, Munique, Oxford, Paris, Roma, Thorn, Veneza, Viena e em diversos pontos no Sul da Alemanha.

[54] Impresso em 1534. Por muito tempo essa obra foi erroneamente atribuída a Regiomantus. Cf. Cantor, op. cit., vol. II, pp. 49–61; Morgan, op. cit., p. 16.

[55] Impresso em 1514. Cf. Morgan, op. cit., p. 10; Cantor, loc. cit. 

[56] A melhor edição é a de Treutlein, em Zeit. für Math. u. Phys. XXXVI, Suplemento, pp. 127–66.

[57] A primeira obra mencionada é um breve tratado de aritmética prática. Em cerca de 57 páginas, explica o sistema arábico de notação e os métodos de operação, entre os quais o autor inclui nove: numeratio, additio, subtractio, duplicatio, multiplicatio, mediatio, divisio, progressio e radicum extractio. O caráter representativo desse livro ajudou na sua classificação, que tantas vezes observamos em livros populares de aritmética por toda a Europa. Espaço considerável, algo em torno de dois quintos da obra, é dedicado ao tratamento de dois tipos de frações, as “minutiae philosophicae” ou “minutiae physicae”, isto é, as frações astronômicas, e as “minutiae vulgares”, ou frações comuns. No que toca às primeiras, o texto é bastante completo; há inclusive algumas páginas sobre proporção. A segunda obra é de um caráter todo outro. Os 10 primeiros livros tratam sucessivamente de propriedades numéricas, relações, números primos e perfeitos, números poligonais, sólidos, redundantes, proporções e outras classiԂcações igualmente reԂnadas. Aqui, mais uma vez, os números são tratados da mesma forma que na obra de Boécio. Todavia, como observado por Cantor (op. cit., vol. II, pp. 61 e ss), a obra tem um valor cientíԂco diferenciado, na medida em que é o primeiro livro a empregar, em vez de números concretos, letras como símbolos gerais. A terceira obra consiste em quatro livros de problemas algébricos e aritméticos, cujas resoluções envolvem, além do estudo das proporções, equações simples e quadráticas com uma ou mais variáveis.

[58] Rashdall, op. cit., vol. I, p. 437, nota 1.

[59] Rashdall, op. cit., p. 249.

[60] Cantor, op. cit., vol. II, p. 140.

[61] Mon. Uni. Prag., I, 1, pp. 56, 77 (citado Rashdall, p. 442, nota 3).

[62] Compilado por Günther, op. cit., p. 209, de Aschbach, Geschichte der Wiener Universität im ersten Jahrhundert ihres Bestehens. V. ibid., I, pp. 137–68, passim.

[63] Günther, op. cit., pp. 210–11; Cantor, op. cit., vol. II, pp. 140, 174 e ss.

[64] Günther, op. cit., p. 215. Cf. Hankel, op. cit., p. 357. Em Leipzig, podia-se “ouvir” o algorismo de qualquer bacharelando, mas o mesmo não se dava com nenhuma outra matéria. V. “Tabula pro gradu Baccalauriatus”, em Zarncke “Die Urkündlichen Quellen zur Geschichte der Univ. Leipzig”, Abhandl. der Kön. Sachs. Gesell. der Wiss. Phil. Hist. Class., vol. II, p. 862. Esse fato reforça o argumento de que a instrução no algorismus fosse apenas uma disciplina elementar.

[65] V. De Bianco, “Statua Facultatis Artium”, em Die Alte Uni. Köln, anexo II, pp. 438–43. Cf. Hankel, op. cit., p. 357; Cantor, op. cit., vol. II, p. 442.

[66] Impresso pela primeira vez em Paris, 1496. Entre outros títulos, passou também por Opusculum de praxi numerorum quod algorismum vocant (Paris, 1511) e Algorismus domini Joannes de Sacrobosco (Veneza, 1523). Cf. Morgan, op. cit., pp. 13–4; Günther, op. cit., pp. 176 e ss. Manuscrito-cópia X510 H74, pp. 211–22, Library of Columbia University, Nova York.

[67] Tal se evidencia na existência de comentários a obra de Sacrobosco, dentre os quais um da autoria de Petrus de Dacia é descrito por Cantor (op. cit., vol. II, p. 90) e Günther (op. cit., p. 167, nota 2).

[68] Impressão em Paris e Viena em 1495 e 1502, respectivamente. Cf. Cantor, vol. II, p. 113; Morgan, op. cit., p. 11. O tratado sobre proporções, resumido por Alberto da Saxônia no final do século XIV, foi usado como livro-texto na maioria das universidades. A obra de Jordano era muito difícil, por causa da sua notação simbólica. Cf. Rashdall, op. cit., vol. I, p. 442, nota 3.

[69] Edição crítica em Zeitsch. für Math. u. Phys., XIII, Suplemento, pp. 65–73. Breve resumo das obras de Oresme Curtze, Die mathematischen Schriften des Nicolas Oresmus. O grande número de manuscritos ainda existentes comprova a sua ampla utilização. Como a obra de Bradwardinus, foi certamente livro-texto nas universidades germânicas.

[70] Os três livros da obra são organizados logicamente: o primeiro trata das definições de frações em que todas as regras se apresentam em termos simbólicos; o segundo oferece exemplos concretos e problemas para a aplicação das regras; e o terceiro lida com proporções geométricas. A similaridade essencial entre essa obra o Tractatus de proportionibus de Bradwardinus revela que ambos os autores se utilizaram, e de maneira idêntica, da mesma fonte: Jordano. Cf. Cantor, op. cit., vol. II, p. 137.

[71] Günther, op. cit., p. 183, nota 1. Cf. Morgan, op. cit., pp. 3, 11.

[72] Impresso em 1515. Cf. Morgan, op. cit., p. 11. Cantor, Vorlesungen, vol. II, p. 177; Günther, pp. 232 e ss.

[73] Impresso em 1492 como Opus algorithms jucundissimum. Sobre outras edições, v. Günther, op. cit., p. 237; Morgan, op. cit., p. 11.

[74] Publicada em 1483 e 1540, em Pádua. V. Favaro, em Bulletino, Boncompagni, t. XII, p. 60.

[75] Citado em Rashdall, op. cit., vol. I, p. 440, nota 3.

[76] No começo do século XVI, era costume publicar tratados aritméticos que reunissem todos esses textos. Para uma descrição de alguns desses, v. Morgan, op. cit., pp. 10–1.

CAPÍTULO VIII

[1] Cantor, Vorlesungen, vol. I, p. 522. Mais detalhes em Cantor, Die römischen Agrimensoren und ihre Stellung in der Geschichte der Feldmesskunst. Leipzig, 1875.

[2] De nuptiis, Eyssenhardt (ed.), pp. 194–254.

[3] PL 70, 1212–16.

[4] PL 82, 161–3.

[5] Cf. Hankel, op. cit., pp. 312 e ss; Günther, op. cit., p. 14.

[6] Günther, loc. cit.

[7] De universo libri vigintiduo, PL 111, cols. 9–612 passim, esp. livros VI–X.

[8] V. Pez, Thes. 3, III, 630; Specht, 143–49.

[9] Cf. Specht, loc. cit.; Günther, op. cit., pp. 73 e ss., 115 e ss.

[10] A geometria de Boécio por anos constituiu uma Streitfrage entre os historiadores da matemática. O fato de o uso de apices, do ábaco e da multiplicação por colunas ser explicado entre o primeiro e o segundo livros no manuscrito mais antigo, que data do século XI, principiou a controvérsia em torno da origem do ábaco e da introdução do que podemos chamar notação hindu-arábica. Nessa controvérsia, os principais historiadores da matemática, Kastner, Chasles, Martin, Friedlein, Weissenborn e Cantor, entre outros, tomaram lados diferentes — alguns chegando ao ponto de negar a Boécio a autoria dos livros sobre geometria. O peso da autoridade (Cantor, Vorlesungen, vol. I, 540–51) parece confirmar que Boécio foi o autor da geometria contida nesses manuscritos. Naquilo que diz respeito a todos, porém, todos concordam: sendo ou não sendo de Boécio a autoria dos originais, é certo que esses livros-texto não foram usados nos dias de Gerberto. Texto de Boécio em PL 63, cols. 1037–64.

[11] Chasles, Geschichte der Geometrie, trad. Sohncke, p. 524. O último cotejo das fontes de Boécio consta em Weissenborn, Zeit. f. Math,u. Phys. vol. XXIV (1879), e sustenta a opinião de que Boécio lançara mão de um excerto de Euclides, e não do original.

[12] Bubnov, Gerberti opera mathematica, pp. 48–97.

[13] Cf. Günther, op. cit., pp. 115 e ss; Cantor, op. cit., I, 809–824; Gow, op. cit., pp. 205–6.

[14] Cf. Jourdain, Recherches sur les traductions latines d’Aristote, 1ª ed. (Paris: 1819), p. 100; Hankel, op. cit., p. 335. Cf. Weissenbom, in Zeit. f. Math. u. Phys. vol. XXV, suplemento, pp. 141–66. Essa obra passou pelo século como uma tradução original de Campano, e foi a primeira das edições latinas de Euclides, publicada em 1482. Referências a Geraldo em Ball, op. cit., p. 172.

[15] Sobre o texto de Jordano de Nemi, v. Curtze (ed.), ӷorn: 1887. Cf. Cantor, op. cit., I, pp. 670, 852, notas 1 e 2.

[16] Cf. Rashdall, op. cit., I, pp. 250, 442; Hankel, op. cit., pp. 356 e ss.; Günther, op. cit., pp. 199, 209 e ss., 215, 217, 281. É incorreta a aԂrmação de Compayré (Abelard and the Origin, and Early History of Universities, p. 182), de que apenas o Euclides de Boécio foi ensinado nas universidades. Os estatutos de Viena para o ano de 1389, aos quais nos referimos e citamos, dizem claramente: “cinco livros de Euclides”. É óbvio que isso não pode significar a geometria de Boécio, que tinha apenas dois livros. V. Kollar, Statua Universitatis, Vieniensis, I, p. 237, citado em Mullinger, The University of Cambridge, p. 351.

[17] Kastner, Geschichte der Mathematik, I, p. 260.

[18] Essa disciplina foi desenvolvida por Nicolau Oresme em Tractatus de latitudinibus formarum e Tractatus de uniformitate et deformitate intensionum.

[19] Cf. Tropfke, Geschichte der Elementar-Mathematik, II, pp. 407 e ss. Günther, op. cit., pp. 181, 199, 210, 211.

[20] Günther, loc. cit.

[21] Cantor, Vorlesungen, vol. II, pp. 35–40, 73–86, 113–118, 128–137. Cf. Curtze em Zeitsch. f. Math. u. Phys. XIII, suplemento pp. 79–104.

[22] Günther, op. cit., p. 162; Cajori, op. cit., p. 134.

[23] Isso é contestado por Hankel, op. cit., p. 349; e Compayré, op. cit., p. 182.

[24] Cf. Smith, Teaching of Elementary Mathematics, p. 229, nota 1 e 2; Ball, History of Mathematics, pp. 56–64

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