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Latim pelo método natural

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Tempo de leitura: 18 minutos.

Apresentamos o texto de Introdução e Apresentação do livro Latim pelo Método Natural (vol. 1) do Padre Willian Most, publicado pela Editora Centro Dom Bosco, 2020. 

Introdução

Em 31 de dezembro de 1939, na encíclica Divini illius Magistri, Sua Santidade o Papa Pio XI escreveu sobre o professor cristão:

... Acolhendo, pois, o que é novo, terá o cuidado de não abandonar facilmente o antigo, demonstrado bom e eficaz pela experiência de muitos séculos, mormente no estudo da latinidade, que vemos, em nossos dias, em progressiva decadência, exatamente pelo inqualificável abandono dos métodos tão frutuosamente usados pelo são humanismo que obteve grande florescência principalmente nas escolas da Igreja [1].

Os séculos XIII e XVI certamente foram épocas em que o humanismo cristão floresceu. Ademais, métodos de ensino são meios para alcançar os objetivos; e os métodos são naturalmente adaptados à medida que os objetivos variam. Consequentemente, as palavras do Santo Padre manifestam claramente o seu desejo de uma volta aos objetivos e métodos de ensino do latim utilizados com sucesso nos séculos XIII e XVI, juntamente com aperfeiçoamentos modernos.

São precisamente esses os métodos e objetivos que se alcançam com os livros didáticos do padre William G. Most para o ensino e aprendizagem do latim pelo "método natural". Eles empregam, não de uma maneira servil, mas com uma sábia adaptação às novas circunstâncias modernas, o objetivo (facilidade no uso do latim como um meio de comunicação) e os métodos (formação de hábito por meio de repetição frequente) utilizados em 1250 ou 1550. Eles levam o aluno a reproduzir os processos naturais da formação de hábito pelos quais as crianças romanas aprendiam o latim como língua materna. Ao fazê-lo, os livros não descartam o valioso treinamento da mente, o conhecimento da gramática e outros benefícios até então buscados pelos professores de latim do século XX, mas simplesmente postergam a conquista desses benefícios até que o aluno consiga usar a língua latina com facilidade. Igualmente, eles aplicam ao ensino do latim muitas das técnicas mais eficazes de ensino das línguas modernas e muito do que se tem aprendido da ciência moderna chamada "linguística descritiva". Eles são os primeiros livros didáticos católicos de latim publicados nos Estados Unidos que fazem isso tudo.

Podemos descrever aqui a grande mudança nos objetivos e procedimentos do ensino de latim entre os séculos XIII e XVI de uma forma muito breve [2].

Nos séculos de Santo Tomás de Aquino (1225-1274) e Santo Inácio de Loyola (1491-1556), praticamente toda a educação era transmitida com base em livros didáticos em latim e explicados verbalmente em latim. A faixa etária dos alunos que aprendiam latim girava quase totalmente em torno de seis a catorze anos de idade. O principal objetivo dos professores era transmitir a arte de ler, escrever e falar em latim com facilidade, de modo que a língua latina pudesse ser usada como meio para comunicar o pensamento, ou, em outras palavras, como uma ferramenta indispensável em todos os estudos superiores e, posteriormente, por toda a vida. Eles utilizavam amplamente conversação em latim e livros didáticos de latim de nível fácil, como, por exemplo, diálogos ou "colloquia" acerca da vida cotidiana, o Pai-Nosso, a Ave-Maria, Salmos e Evangelhos. Então, utilizando materiais fáceis, os professores prodigalizavam aos seus pupilos a prática e a repetição que por si sós desenvolvem uma série de hábitos - e essa é a essência do aprendizado bem-sucedido de um idioma. Os alunos, na verdade, experimentavam um sentimento de conquista ao expressarem seu pensamento em um novo idioma. Aprender latim era divertido, em vez de um trabalho árduo. As palavras em latim evocavam diretamente as ideias, não os equivalentes no vernáculo ou nomenclatura gramatical, que eram utilizados de maneira penosa para captar ideias. Ao dominar a tripla habilidade de ler, escrever e falar em latim os alunos automaticamente adquiriam bastante treinamento da mente e conhecimento cultural. Mas ninguém pensava em estabelecer a disciplina da mente ou o conhecimento cultural como a meta do ensino de latim. Essa meta era o domínio da habilidade de usar o latim com facilidade.

A situação toda começou a mudar gradualmente por volta de 1700. As línguas nativas substituíram o latim nos livros didáticos e como meio de instrução. À medida que, cada vez mais, o latim deixava de ser necessário como meio de adquirir e expressar o conhecimento, as pessoas ficavam cada vez menos motivadas a estudá-lo, e o lugar dele na grade curricular foi diminuindo continuamente. Para defendê-lo, especialmente após as épocas de John Locke (1632-1704) e Christian Wolff (1679-1754), os professores apontavam para o treinamento da mente e o conhecimento cultural que ele proporcionava. O conhecimento do estilo ciceroniano e a análise gramatical receberiam ênfase crescente. Com o tempo, os alunos começavam a estudar latim não aos seis, mas aos catorze anos de idade. Eles aprendiam as declinações, conjugações, regras de sintaxe, listas de vocabulário e nomenclatura gramatical. Então, depois de 1890, nos Estados Unidos, eles decodificavam as longas frases difíceis de César e analisavam as palavras. Repetiam o processo com um ou dois discursos de Cícero e alguns livros de Virgílio. Adquiriam conhecimento sobre latim, mas não a habilidade de usá-lo com facilidade como um meio de expressar o pensamento. (A habilidade de ler de imediato era classificada somente no último lugar dentre os dezenove objetivos do ensino de latim enumerados pelos professores durante a Classical Investigation de 1923). Para a maior parte dos alunos, o aprendizado de latim tornou-se um trabalho árduo, em vez de proporcionar divertimento e senso crescente de conquista. As matrículas caíram. Em 1910, 49,05 % dos alunos americanos de ensino secundário estudavam latim. Até 1954, somente 7 % o estudavam (1,3 % no Alabama, 5,8 % em Wisconsin, 16,4 % em Connecticut) [3].

A maioria dos americanos que haviam estudado latim com os nossos padres, incluindo seminaristas, havia usado esse método, que eles reputavam ser "tradicional". Todavia, como algo totalmente desenvolvido, essa tradição mal remonta a 1880; e, mesmo em seu início, ela dificilmente precede o século XVII.

Em contraste a esse método de análise gramatical, os livros didáticos do padre Most reproduzem bastante o "método natural", pelo qual as crianças aprendem a sua própria língua materna. Por isso, o significado dos livros do padre Most é evidentemente grande para as aulas de latim em quaisquer escolas secundárias ou faculdades católicas. Os conteúdos de nossa doutrina e cultura católicas depositados na língua latina são tantos que desejamos que muitos de nossos católicos instruídos sejam capazes de usar o latim com facilidade.

Porém, os textos do padre Most são particularmente importantes para as aulas de latim em nossos seminários. Aqui os alunos ainda têm basicamente os mesmos motivos convincentes para dominar a habilidade de usar o latim com facilidade, da mesma forma que os alunos do século XIII ou XVI. Eles precisam dele como um meio indispensável de comunicar o pensamento em seus estudos superiores e, posteriormente, ao longo da vida. Os objetivos (conhecimento sobre latim e treinamento da mente) e respectivos métodos (análise gramatical e tradução) "tradicionais" têm predominado em nossos seminários desde 1880; e lá também os alunos têm experimentado uma incapacidade crescente de usar o latim. Os livros didáticos do padre Most podem contribuir bastante no sentido de revolucionar o ensino da língua latina, na medida em que resgatam, como objetivo principal, a habilidade de ler, escrever e (se desejável) falar em latim com fluência. Assim, eles ajudarão não somente a concretizar os desejos do Papa Pio XI mencionados acima, mas também aqueles expressos pelo Papa Pio XII no Congresso Carmelita, em 13 de setembro de 1951:

Infelizmente, a língua latina, a glória dos sacerdotes, tem atualmente poucos devotos, e mesmo estes estão constantemente perdendo a vitalidade [...]. Que não haja padres que não saibam falar e ler em latim com facilidade e rapidez. Além disso, que surjam entre vós alguns que não sejam poucos nem medíocres e que possam escrever nesse idioma com estilo conciso e elegante. [4]

Para alcançar esses objetivos elevados, esperamos e rezamos para que os relevantes livros didáticos do padre Most, que adotam o "método natural", sejam cada vez mais utilizados.

GEORGE E. GANSS, S.J., PH.D. 
Diretor do Departamento de Estudos 
Clássicos da Marquette University, 
20 de janeiro de 1957.



Apresentação

LATIM: A LÍNGUA DOS GIGANTES

William Bottazzini Rezende

Não é exagerado afirmar que, neste primeiro quartel do século XXI, o latim vive um dos seus mais excelsos momentos em terras brasileiras. Há décadas não se assistia a tão grande e genuíno interesse pela língua de Cícero, Virgílio, Horácio, Ovídio, Tito Lívio, Lucrécio e Santo Agostinho. Contrariando todas as expectativas, as trevas da profunda crise educacional em que nos encontramos não foram capazes de impedir que brilhasse a luz libertadora que emana das letras latinas. Com efeito, ela brilha agora com uma intensidade há muito tempo não vista. Portanto, tendo contemplado uma fagulha desse brilho quase que por milagre, esta geração, que por onde olha não vê nada além de ruínas e fragmentos na sua formação intelectual, volta resolutamente os olhos para o passado, não com saudosismo romântico, mas com o senso de responsabilidade que revela que só enxerga mais longe quem se assenta sobre os ombros dos gigantes. E não se chega aos ombros dos gigantes senão pela língua latina.

O retorno do latim ao centro das discussões educacionais trouxe à baila questões sobre fins e métodos: Para que aprender o latim? Como fazê-lo? Poderíamos ocupar páginas e páginas com justificativas para o aprendizado do latim. Ora, sabe-se que o latim contribui para o desenvolvimento do raciocínio lógico, para a ordenação do intelecto, para a formação do senso etimológico, habilidade sem a qual não se alcança a precisão linguística, para a prática de diversas virtudes, como a constância e a paciência, para o aprimoramento dos conhecimentos em língua portuguesa entre incontáveis outros benefícios. Contudo, podemos afirmar que o fim principal do estudo do latim repousa na leitura fluente dos grandes textos. É sobretudo para isso que se estuda o latim.

Estabelecido o fim, deve buscar-se o método, o caminho, que mais facilmente nos conduzirá a ele. Ora, assim como aprendemos a escrever escrevendo e a falar falando, da mesma forma é lendo que aprendemos a ler. Portanto, o método ideal para os que têm como escopo adquirir a habilidade de ler com autonomia os textos latinos é aquele que estimula a leitura em latim desde as primeiras lições, conduzindo o aprendiz por textos que crescem gradativamente em complexidade e aumentando-lhe paulatinamente o vocabulário, sem descuidar, evidentemente, de todas as explanações gramaticais pertinentes. Ademais, não se aprende nada fora de contexto. Portanto, contextualizados o vocabulário e a gramática, aprende-se o latim - e qualquer idioma - com grande naturalidade, donde o nome de natural dado ao método que segue esses preceitos.

Obedecendo às diretrizes do método natural, o reverendo padre William Most produziu uma série de três livros para o ensino do latim, sendo este que o leitor tem em mãos o primeiro. Por meio de dezenas de textos didáticos, instrutivos e divertidos, o padre Most leva os alunos à leitura segura de textos latinos autênticos, fornecendo-lhes vocabulário suficiente para que não necessitem interromper a leitura em cada frase para satisfazer em dicionários e listas de palavras a própria insegurança na compreensão do que se lê, fenômeno comum para quem estuda o latim sob uma óptica estritamente gramatical.

As lições, oitenta e uma no total, possuem a seguinte estrutura:

• Texto principal.
• Vocabulário.
• Exposição gramatical.
• Leitura complementar.
• Exercícios que podem ser de tradução, de estilo latino e de identificação de padrões.

Os textos escritos pelo padre Most para este volume narram parte da história de Roma e diversas histórias bíblicas. Os exercícios, por sua vez, não só reforçam os conteúdos estudados, como também proporcionam ocasiões para que os alunos falem e escrevam em latim, pois a prática ativa do idioma, uma das características mais marcantes do método natural, corrobora os usos passivos, como o da leitura. Caberá ao professor estimular os seus alunos com perguntas e atividades para que memorizem o vocabulário, pensem, falem e escrevam em latim, pois de outra forma não se pode transmitir uma formação sólida e completa no idioma. Um bom professor de latim saberá, seguramente, encontrar neste manual ferramentas e ideias, embora um pouco heterodoxas entre os latinistas, para desempenhar com excelência o seu ofício. Concluído este livro, não temos dúvidas de que o aluno estará apto a ler grande parte dos textos da Vulgata, a versão latina da Bíblia, e a compreender muito dos textos latinos da Santa Missa.

Encerro esta apresentação agradecendo ao Centro Dom Bosco por presentear o público brasileiro com a primeira versão em língua portuguesa do excelente livro do padre William Most, para quem evangelizar e ensinar o latim era uma só coisa. Graças ao empenho do Centro Dom Bosco, agora temos em nossas estantes um texto católico para o ensino do latim concebido no método que acreditamos ser o melhor.

Viva Cristo Rei!

Poços de Caldas - 28 de janeiro de 2019
Memória de Santo Tomás de Aquino.


Notas:

[1] Acta Apostolicae Sedis, 22, 80; America Press Edition, p. 29.

[2] Para obter um relato mais extenso, leia "A Sketch of the History of Latin Teaching," p. 218-258 de Ganss, G.E., S.J., St. Ignatius' Idea of a Jesuit University, Marquette University Press, Milwaukee. 1956.

[3] The FL. Program, Report No. 2 (agosto de 1955), Boston, D.C. Heath Co., p. 5.

[4] Acta Apostolicae Sedis 43, 737

***

Leia mais em A língua latina e a Igreja

Leia mais em O ressurgimento do latim



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Os Objetivos da Educação Matemática, por George Pólya

Alunos de uma escola francesa, no início do século XX. No quadro de ardósia: “O povo que possui as melhores escolas é o primeiro entre todos os povos; se o não é hoje, sê-lo-á amanhã. Buigny-los-Gamaches, Somme. Dezembro”

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Os Objetivos da Educação Matemática, por George Polya (cerca de 1969)

O ensaio que se segue é uma transcrição ligeiramente editada inédita, de uma palestra em vídeo que o professor Polya apresentou em serviço da educação matemática para estudantes PPS no final de 1960. — TC O’Brien – O’Brien TC

PARTE 1

Quero falar com você sobre o ensino de matemática na escola primária. Na verdade minha palestra consistirá de duas partes. Na primeira parte, irei falar sobre os objetivos do ensino de matemática na escola primária.  E na segunda parte, como ensiná-lo. 

Devo confessar que estou falando essas coisas como um outsider. Eu sempre fui interessado em ensinar, mas a maioria do meu tempo, cerca de meio século, eu ensinei na universidade ou em universidades diferentes. E nos últimos quinze anos, eu estava preocupado principalmente com o ensino no nível médio. Assim, eu estou falando com você como um outsider, mas você pode encontrar um ou dois pontos em que eu estou dizendo que pode ser útil na sua profissão. 

Qual é o objetivo do ensino de matemática na escola primária? É melhor considerar a questão mais geral: Qual é o objetivo das escolas?  E a melhor pergunta é: O que as pessoas geralmente pensam que é o objetivo das escolas? Seu vizinho Sr. Smith tem um filho Jimmy. He is against Jimmy being a dropout. Ele é contra Jimmy sendo um abandono. Ele diz que se Jimmy cai fora da escola, ele nunca vai conseguir um emprego certo. Então, o objetivo da escola de acordo com Smith e todos os Mr. Smiths, outro no público em geral, é se preparar para um trabalho, para preparar as crianças para ganhar a vida. É a mesma coisa. A comunidade, o país, o estado e a cidade que todos querem as pessoas para ganhar a vida e pagar impostos e não vive da assistência pública. Assim, a comunidade também quer a escola para preparar os jovens para ter um emprego. 

Se os pais pensam um pouco mais longe, e com a comunidade pensa um pouco mais distante, o objetivo é um pouco alterado.  Pais razoáveis, um razoável Mr. Smith, que quer que seu filho Jimmy deva ter um trabalho para o qual ele está bem equipado. Vai ganhar mais e se sentir mais feliz. Este é também o objetivo da comunidade – que têm empregos de um lado e as pessoas do outro lado têm que atribuir a pessoas tais empregos que eles são os melhores totalmente equipados que produzem a maior saída. Ou melhor ainda, que a soma total da felicidade deve ser uma máxima. O que a escola pode fazer para isso? O ponto é que quando a criança chega à escola, você não sabe ainda o trabalho que virá depois, e você não sabe em que trabalho que ela está bem equipada, ela é a melhor equipada. Devemos preparar os jovens para que eles possam escolher entre todas as tarefas possíveis. Eles devem ter uma visão de todo o mundo ao seu redor para reconhecer que os trabalhos estarão bem equipados. Você pode expressá-lo de muitas maneiras. Eu gosto da seguinte expressão: as escolas devem desenvolver todos os recursos interiores da criança.  

Temos, portanto, dois tipos de objetivos nas escolas. Temos objetivos e pontaria boa. As escolas devem acabar com os adultos de empregabilidade – adultos que podem preencher um emprego.  Mas o maior objetivo é desenvolver todos os recursos da criança em crescimento, a fim de que ela possa preencher o cargo para o qual ela é a melhor equipada. Assim, o objetivo maior, posso exprimi-lo assim, é desenvolver todos os recursos internos da criança.  

E sobre o ensino da matemática?  Matemática nas escolas primárias tem uma boa pontaria estreita e isso é muito claro nas escolas primárias. Um adulto que é totalmente analfabeto não é empregável numa sociedade moderna. Todo mundo deve ser capaz de ler e escrever e fazer um pouco de aritmética, e talvez um pouco mais. Portanto, a boa pontaria estreita da escola primária é ensinar as habilidades aritméticas – adição, subtração, multiplicação, divisão, e talvez um pouco mais, assim como para ensinar frações, porcentagens, taxas, e talvez até um pouco mais. Todo mundo deve ter uma idéia de como medir comprimentos, áreas, volumes.  Esta é uma boa pontaria estreita das escolas primárias – para transmitir esse conhecimento – e não devemos esquecê-lo. 

Queremos desenvolver todos os recursos da criança em crescimento. E a parte que a matemática desempenha é principalmente sobre o pensamento.  A matemática é uma boa escola de pensamento. Mas o que está pensando? O pensamento que você pode aprender em matemática, por exemplo, para lidar com abstrações. A matemática é sobre números. Numbers are an abstraction. Os números são uma abstração. Quando resolver um problema prático, então a partir deste problema prático que deve fazer primeiro um problema abstrato. Matemática se aplica diretamente às abstrações. Alguns matemáticos devem possibilitar à criança, pelo menos, para lidar com abstrações, para lidar com estruturas abstratas. Não é uma má palavra.  

Mas acho que há um ponto que é ainda mais importante. Matemática, você vê, não é um esporte de espectador.  Para entender a matemática significa ser capaz de fazer matemática.  E o que significa fazer matemática? Em primeiro lugar, isso significa ser capaz de resolver problemas matemáticos. Para os objetivos maiores em relação à qual estou falando agora são algumas táticas gerais dos problemas. Para ter a atitude certa para os problemas e ser capaz de atacar todos os tipos de problemas, não só problemas muito simples, que podem ser resolvidos com as habilidades da escola primária, mas os mais complicados problemas de engenharia, física e assim por diante, que serão desenvolvidos no colégio. Mas as fundações devem ser iniciadas na escola primária. E então eu acho que um ponto essencial na escola primária é introduzir as crianças para as táticas de resolução de problemas. Não é para resolver este ou aquele tipo de problema, não apenas de fazer divisões longas ou qualquer coisa assim, mas para desenvolver uma atitude geral para a solução de problemas.

PARTE II

Ensinar não é uma ciência, é uma arte. Se o ensino fosse uma ciência, haveria uma melhor maneira de ensinar e de toda a gente teria de ensinar assim. Como o ensino não é uma ciência, existe uma grande latitude e mais possibilidades para as diferenças pessoais. Em um antigo manual britânico havia a seguinte frase: “Seja qual for o assunto, o que o professor realmente ensina é ele mesmo.” Assim, pois, quando eu estou dizendo a você para ensinar de modo mais ou menos, leve-o no espírito certo. Tome-se como muito de meus conselhos como ele se encaixa pessoalmente. Vocês devem ensinar a si mesmo. 

Existem tantas boas maneiras de ensinar, pois há bons professores.  Mas deixe-me dizer-lhe que a minha idéia de ensinar é talvez o primeiro ponto, que é amplamente aceito, é que o ensino deve ser ativo, ou melhor, a aprendizagem ativa. Essa é a melhor expressão. 

Você não pode aprender apenas lendo. Você não pode aprender apenas ouvindo as palestras. Você não pode aprender só de olhar para os filmes. Você deve adicionar a partir da ação de sua própria mente, a fim de aprender alguma coisa. Você pode chamar esse método socrático desde que Sócrates expressou dois mil anos atrás. Ele disse que a idéia deve ser carregada na conta do aluno e o professor deve apenas agir como uma parteira. A idéia deve fazer nascer no aluno o espírito naturalmente e a parteira não deve interferir muito, muito cedo. Mas se o trabalho de parto é muito longo, a parteira deve intervir. Este é um princípio muito antigo e não é um nome moderno para ele – método de descoberta. O aluno aprende por sua própria ação. A ação mais importante da aprendizagem é descobrir por si mesmo. Esta será a parte mais importante no ensino de tal forma que o que você descobrir por si próprio vai durar mais e será melhor compreendida. 

Existem outros princípios de ensino. Se você não gosta da palavra princípios, as regras de uso das palavras ou do polegar. Aprendizado deve ser ativo. Outro também foi afirmado muitas vezes por todos os famosos grandes educadores – por Sócrates, Platão, Comenius, Montessori – e isso é que existem certas prioridades. Por exemplo, as coisas vêm antes de palavras e assim por diante. Isso tem sido afirmado muitas vezes em muitas formas, mas deixe-me citar Kant, que disse: “Todas as cognições humanas começam com intuições, procedem, portanto, de concepções, e terminam em idéias”. Deixe-me traduzir esta palavra em termos mais simples. Eu diria, “A aprendizagem começa com a ação e percepção, procede, portanto, as palavras e conceitos, e deve terminar em bons hábitos mentais”. 

Este é o objetivo geral do ensino da matemática – desenvolver em cada aluno o máximo possível do mental bons hábitos de combater qualquer tipo de problema.  

Você deve desenvolver a personalidade integral do aluno e o ensino da matemática devem especialmente desenvolver o pensamento. O ensino da Matemática poderia desenvolver também a clareza e poder de permanência. Poderia também desenvolver o caráter, em certa medida, mas mais importante é o desenvolvimento do pensamento. 

Meu ponto de vista é que a parte mais importante de pensar que é desenvolvido em matemática é a atitude certa na resolução de problemas, no tratamento de problemas. Nós temos problemas na vida cotidiana. Temos problemas na ciência. Temos problemas na política. Temos problemas em todos os lugares. A atitude do direito de pensar é talvez um pouco diferente de um domínio para outro, mas temos apenas uma cabeça, e, portanto, é natural que, finalmente, deve haver apenas um método para combater todos os tipos de problemas. Minha opinião pessoal é que o ponto principal no ensino da matemática é desenvolver as táticas de resolução de problemas. 

Os dois princípios de aprendizagem ativa – a prioridade de ação e percepção – são tidos em conta por quase todas as direções no ensino de matemática que são comuns hoje em dia e ter alguma influência.

Mas talvez o melhor desenvolvido na última hora foi na Grã-Bretanha. Existe uma fundação chamada Nuffield Foundation, que propaga a idéia de uma aprendizagem ativa e a prioridade de ação e percepção na aprendizagem. É alegadamente um provérbio chinês que diz: “Eu ouço e esqueço. Vejo e me lembro. Faço e compreendo”. 

Portanto, “Eu ouço e esqueço.” Que você acabou de ouvir você esquece rapidamente. Um bom conselho é rapidamente esquecido. O que você vê com seus próprios olhos é recordado melhor, mas você realmente entende quando você faz isso com suas próprias mãos. Portanto, o lema é “Eu ouço e esqueço. Vejo e lembro-me. Eu faço e compreendo”. 

Portanto, as escolas, especialmente as escolas primárias, hoje estão em uma evolução. Uma fração considerável, de dez a vinte por cento, já tem o novo método de ensino que pode ser caracterizado da seguinte forma em comparação com o antigo método de ensino. O método antigo é autoritário e professor. O novo método é permissivo e centrado no aluno. Nos tempos antigos o professor estava no centro da classe, ou na frente da classe. Todo mundo olhava para ele e ele falava. Hoje os estudantes indivíduos devem estar no centro da classe, e eles devem ser autorizados a fazer o que boa idéia vem à sua mente. Eles devem ser autorizados a praticá-la em sua própria maneira, cada um por si ou em pequenos grupos. Se um aluno tem uma boa idéia em discussão em classe, em seguida, o professor muda os planos e entra na boa idéia e agora a classe segue essa idéia. 

Devo dizer-lhe um nome. Esta é a pessoa que é particularmente ativa neste sentido e que é muito inteligente, muito boa. Ela é uma talentosa professora particular que fica no com grande entusiasmo e talento para isso permissiva e centrada no aluno de ensino. 

Em tal permissivo e centrado no aluno uma classe, cada grupo de miúdos fazem outra coisa. Jogam (vamos apenas dizer que eles pensam que eles jogam, mas realmente eles aprendem). O professor dá-lhes mais diversos materiais. A aula consiste em o professor dar às crianças diversos materiais. Eles brincam e desenvolvem suas próprias idéias em jogo. Por exemplo, um dos materiais é de papel quadrado. E uma boa oferta de cubos, os cubos de uma polegada e meia de várias dezenas deles, talvez até uma centena. Então as crianças brincam com isso. É a atividade docente – ensino pela ação e percepção. 

Deixe-me dar um exemplo desta atividade. A classe discute pequenos retângulos.  Deve vir – esse é o ponto principal – a partir de ação e percepção. Deve vir de coisas que os miúdos têm visto com freqüência suficiente e tocou. Então todo mundo tem visto uma sala, e as paredes de um quarto ordinário são retângulos, retângulos ou quase.  Assim você aprenderá o que é um retângulo.  O piso da sala comum é um retângulo.  E toda a parede é um retângulo. O teto é um retângulo. Um dos objetivos do ensino bom, então, é entender o comprimento e a área. Então você medir o comprimento dos retângulos e vem com a idéia do perímetro dos retângulos. Então, você lida com a área do retângulo. Você constrói o retângulo de casas iguais, de praças da unidade, e vir para a noção de área. Enfim, estamos agora em uma classe que está pouco familiarizada com a área e o perímetro de retângulos. Na mesma folha de papel, desenhar retângulos, com o mesmo perímetro – um perímetro de vinte anos. Acontece que há nove retângulos tais.

Há muitas coisas para observar – ação e percepção. Algumas das crianças serão atingidas pela observação de que todos os cantos desses retângulos estão em uma linha reta. Então eles vão perceber que um desses retângulos tem lados iguais e você pode fazer muitas perguntas sobre isso. Um dos pontos interessantes é que o professor não deve fazer a pergunta, mas as crianças devem fazer as perguntas. Todos têm o mesmo perímetro. Será que eles têm a mesma área? Qual deles tem a maior área?  

Aqui é outra atividade com retângulos? Novamente tomar papéis quadrados e cortar retângulos diferentes com as mesmas áreas, digamos área de 24 unidades quadradas. Sobrepõem-los no mesmo papel.  Agora, os cantos opostos de um canto em que se sobrepõem não estão em uma linha reta. Existe algum tipo engraçado de linha curva.

Crianças com uma imaginação se juntam a estas para fazer linhas curvas. Então isso é uma outra consideração. Este é um exemplo de uma atividade com retângulos onde as crianças têm a sua própria escolha. Eles fazem suas próprias observações e o professor apenas ajuda um pouco agora e depois, com algumas dicas. Se as crianças não têm idéias de todos, em seguida, bem instruído o professor, que é usada para este aluno de ensino centrado, pode dar uma boa dica.  

Talvez um ponto que Miss Biggs e da Fundação Nuffield não enfatizam suficientemente é a regra de adivinhação. Adivinhar nos vem naturalmente. Todo mundo tenta adivinhar e não tem de ser ensinado. O que tem de ser ensinado é razoável supor. E, especialmente, o que tem de ser ensinada é a de não acreditar os seus palpites, mas para testá-los. E as atividade os alunos irão começar muito melhor se você iniciá-los por adivinhar.  

Aqui está um exemplo. Uma atividade é medir o comprimento e a largura da sala de aula. Agora, para algumas crianças pode ser “furada” se elas já fizeram isso com um antigo professor. Você pode começar com um pouco mais de atenção se você começar com um palpite. Você pode dizer: “Parece-me que esta sala de aula é o dobro do tempo que é grande. É mesmo?” Eu espero que algumas das crianças irão dizer: “Não, é mais do que duas vezes.” Outros dirão: “Não, ele é mais curto.” Muito poucos dirão: “Exatamente.” Depois de ter adivinhado, que fará a medição com mais interesse muito, porque todo mundo está interessado se o seu palpite virá verdadeiro ou não. Este é um caso muito especial em táticas de resolução de problemas. Se você for mais longe, você vai notar que adivinhando desempenha um papel importante. A solução para um problema, naturalmente, começa sempre com um palpite – nem sempre com um bom palpite. Ao contrário, geralmente o palpite é nunca completamente bom. É apenas um pouco fora do centro e da arte de resolver problemas consiste em grande parte, para corrigir os seus palpites. 

Eu lhe dei as minhas idéias sobre como você deve ensinar matemática. Não são as idéias de uma aprendizagem ativa, a prioridade de ação e percepção, e pela atividade de ensino das crianças para iniciá-los, deixando-os adivinhar. Espero que num desses pontos encontra-se a simpatia com alguns de vocês. Obrigado.

***

Esta palestra gravada foi transcrita por Thomas C. O’Brien, só possível graças ao técnico meticuloso trabalho de John Ruiz e Steve Berkemeier.  Ele apareceu pela primeira vez o comunicador, a revista do Conselho de Matemática da Califórnia . Parte I apareceu em setembro de 2001, e Parte II apareceu em Dezembro de 2001.

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Leia mais em Dez mandamentos para professores

Leia mais em Ensinar é uma Arte



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A educação medieval segundo o Diário de um estudante

Gravura do século XVII de Hugo de São Vitor, detalhe do livro.

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A educação medieval segundo o Diário de um estudante, escrito por Walafried Strabo (806-849)

Não são poucas as vezes que podemos nos deparar com a declaração “A igreja privou o conhecimento na idade média”, essa postura quase orquestrada é bastante comum tanto em sala de aula do ensino fundamental e médio, quanto dentro de uma universidade. E o pior, a curiosa afirmação é dita constantemente por professores que ocupam a cadeira de medieval na academia. Não tenho a intenção com o presente trabalho de ser um advogado da igreja, porém busco defender o homem medieval das acusações injustas que vem sendo levantadas. Visto que a maioria destes docentes ao serem indagados por algum aluno sobre a posição da Igreja como aquela que privava a educação afim de obter poder, não realizam nenhuma intervenção corretiva e acabam por reforçar essa ideia obscurantista.

A primeiro questionamento necessário é saber o que representava a educação em um mosteiro para um cidadão comum na idade média. Cesário de Arles (c. 470-542), nascido em Chalon-sur-Saône, filho de burgúndios pobres, ao recordar da educação que recebeu na infância diz:

“Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braços de seu afeto. Como uma mãe ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens, ela se esforçou para me educar e me alimentar.”

Essa obra é analisada no artigo Valorización y educación del Niño en la Edad Media, op. cit., p.22. Pode-se perceber que o mosteiro é considerado por Cesário como uma mãe que se esforçou para educá-lo e alimentá-lo. O carinho e a felicidade que são apresentados por estas palavras não é de nos surpreender visto que na Idade Média, a Educação era vista como um instrumento para se alcançar a Sabedoria, que consequentemente, levaria o homem à Felicidade, um bem desejado por si mesmo e mais perfeito que todos os outros bens (al-Farabi, 2002: 43-44).  Tal sabedoria ao contrário do que é alegado estende-se a um vasto campo de conhecimento, evitando limitar-se apenas ao conhecimento religioso, afinal dentro dos mosteiros os estudantes eram orientados a considerar importante todo o conhecimento científico [1]. A base do currículo educacional medieval foi dada pela obra O casamento da Filologia e Mercúrio, do cartaginês Marciano Capela, escrita por volta de 410-427. Nela, o autor, influenciado pela enciclopédia de Varrão (Sobre as Nove Disciplinas), tratou das Sete Artes Liberais, damas de honra daquele casamento: 1) Gramática, 2) Retórica, 3) Dialética, 4) Aritmética, 5) Geometria, 6) Astronomia e 7) Harmonia. Marciano Capela deixou de lado a Medicina e a Arquitetura, por tratarem de coisas terrestres que “…não têm nada em comum com o céu.” (Citado em Nunes, 1979: 75). Então, fica claro e evidente que na idade média não se aprendia nos mosteiros apenas a repetir orações, rezar salmos e ler a bíblia, embora todas essas atividades fossem fundamentais para a vida dos homens desse período.

Gostaria de analisar neste momento a obra Diário de um estudante de Walafried Strabo que é o objeto deste trabalho. É necessário se ater ao que está escrito e perceber cada palavra respeitando seus significados afim de entender o que de fato o autor quer nos transmitir sobre a sua vida estudantil, suas expectativas, desafios e conquistas:

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifícios do convento (…) fiquei muito contente pelo grande número de companheiros de vida e de jogo, que me acolheram amigavelmente. Depois de alguns dias, senti-me mais à vontade (…) quando o escolástico Grimaldo me confiou a um mestre, com o qual devia aprender a ler. Eu não estava sozinho com ele, mas havia muitos outros meninos da minha idade, de origem ilustre ou modesta, que, porém, estavam mais adiantados que eu. A bondosa ajuda do mestre e o orgulho, juntos, levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas, tanto que após algumas semanas conseguia ler bastante corretamente (…) Depois recebi um livrinho em alemão, que me custou muito sacrifício para ler mas, em troca, deu-me uma grande alegria…”

Os grifos são meus, tenho a intenção de deixar em evidencia alguns trechos que chamam a atenção e por si respondem a algumas questões que insistentemente são apresentadas. Strabo reconhece que ao chegar ao mosteiro era completamente ignorante e ficou admirado com toda a estrutura que havia encontrado, foi bem recebido por um grande número de companheiros. Importante é a afirmação de que ele não estava sozinho, que havia muitos outros estudantes da mesma idade que ele, alguns de origem nobre e outros de procedência humilde. Por isso a afirmação de que a entrada no mosteiro era para poucos e principalmente apenas para os nobres deve ser colocada em dúvida diante deste relato. Aquilo que o jovem Strabo conquistou – aprender a ler – é uma realidade possível de se alcançar por “muitos” e sobretudo, pelos mais pobres dessa sociedade, segundo o autor, a admissão nesse ambiente pedagógico era amplo e sem descriminação de condição social. Outro dado que é possível notar é a eficácia deste sistema que fez com que o menino aprendesse a ler em um curto espaço de tempo. Logo, o latim que é tão impossível e difícil de aprender como dizem alguns, se tornou muito fácil para o menino, ou seja, deve-se assumir uma entre estas duas coisas: ou o modelo pedagógico dos mosteiros era muito eficiente, ou o latim não é um bicho de sete cabeças e os que afirmam isso no fundo só querem colocar obstáculos afim de conseguir dizer que os homens na idade média eram verdadeiramente ignorantes e não conseguiam ler devido à dificuldade do idioma. Seja qual for a alternativa escolhida outra questão que devemos observar é que não se ensinava apenas latim dentro de um mosteiro, e fica demonstrado que embora o aprendizado do idioma latino possa ter sido verificado, havia também o incentivo à leitura do alemão e, podemos considerar que provavelmente também, de outros idiomas. Deste modo, é possível verificar que as pessoas não deixaram de aprender a ler por seus livros serem em latim ou somente em latim. Conforme relata em seu diário o estudante Strabo, o aprendizado e o acesso à leitura era possível e motivo de grande alegria.


Fontes Primárias

AL-FARABI. El camino de la felicidad (trad., introd. y notas de Rafael Ramón Guerrero). Madrid: Editorial Trotta, 2002.


Bibliografia

[1] COSTA, Ricardo da. “A Educação Infantil na Idade Média”. In: LAUAND, Luiz Jean (coord.). VIDETUR 17. Porto: Universidade do Porto / USP, 2002, p. 13-20.

DE CASSAGNE, Irene (PUC – Buenos Aires – Argentina). Valorización y educación del Niño en la Edad Media, p. 20 (artigo consultado no site http://www.uca.edu.ar)

MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação – da Antigüidade aos nossos dias, op. cit., p. 135.

NUNES, Rui Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média, op. cit., p. 157-159 (SÖHNGEN, C. J. De medii aevi puerorum institutione in occidente. Diss. Amsterdam 1900).

Robson Oliveira

Fonte: humanitatis.net

***

Leia mais em A Educação Infantil na Idade Média - por Ricardo da Costa

Leia mais em A Pedagogia Medieval



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Sobre Euclides, sua Geometria e seus Elementos - parte 3

Manuscrito do século XV mostrando Ocidental
e pensador Árabe praticando geometria juntos.


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Tempo de leitura: 70 minutos.

Concluímos com a apresentação da Introdução do livro Os Elementos de Euclides, traduzido por Irineu Bicudo, Editora Unesp, 2009.

A parte I pode ser encontrada AQUI e a parte II aqui.


Os comentaristas gregos dos Elementos

Na Antiguidade e na Idade Média, o modo de abordagem de uma obra e do seu ensino era o Comentário. De fato, um comentário ou exposição do pensamento de algum autor era um dos métodos básicos de ensino nas escolas medievais. E o comentário como instrumento pedagógico por excelência foi herdado tanto dos padres da Igreja quanto dos escritores árabes, e essas duas fontes têm a mesma origem: os escritos literários e científicos do último período do pensamento grego. Duas bicas, mas uma só água. Era esse, também, o modo de enriquecer o conhecimento pela confluência de vários saberes.

No Ocidente, o comentário tomou várias formas. A maneira especial, empregada, por exemplo, por Boécio nas suas exposições das Categorias e do De interpretatione de Aristóteles consiste em proceder sistematicamente por partes, tomando, de cada vez, uma pequena porção do texto original em tradução (latina, no caso) e explicando-lhe o conteúdo de modo mais simples. É, aproximadamente, como o faz Proclus no seu Comentário ao livro I dos elementos. Depois de um longo Prólogo em duas partes, trata pormenorizada e separadamente das “Definições”, dos “Postulados”, dos “Axiomas” (“Noções Comuns”, como está nos Elementos) e das “Proposições”, uma a uma. Proclus é o grande escoliasta dessa obra de Euclides. Poder-se-ia dizer que ele está para este como Alexandre de Aphrodisia, para Aristóteles. Alexandre era conhecido como “o Comentarista” entre os escoliastas gregos do estagirita; Proclus bem poderia ter esse epíteto no tocante a Euclides.

Antes dele, no entanto, houve outros tantos. Ele próprio diz (p.84, 11-18) que não procederá no seu texto como muitos deles, dando lemas, casos etc.,

pois estamos saciados dessas coisas e raramente trataremos delas.
Mas, quantas têm teorias mais importantes e contribuem para a filosofia como um todo, dessas faremos a menção guiadora, emulando os pitagóricos para os quais estava à mão também esta alegoria “uma figura e um passo, não uma figura e três óbulos”, mostrando, portanto, como é preciso perseguir aquela geometria... [77]

Em um outro lugar (p.200.10):

Voltemos à explicação das coisas demonstradas pelo autor dos Elementos, coletando, por um lado, as mais exatas das escritas sobre elas pelos antigos, cortando-lhes a ilimitada loquacidade, dando, por outro lado, as mais sistemáticas e portadoras dos métodos científicos [78].

Proclus não nomeia os seus predecessores nessa lida, mas parece certo que os mais importantes tenham sido Herão, Porfírio e Pappus. Posterior a Proclus, aparece também Simplício.

Herão de Alexandria

Proclus faz alusão a esse comentarista em seis passagens. A primeira delas a propósito da Mechanica que Herão escrevera, e as cinco restantes por conta dos Elementos de Euclides. Ei-las:

41.8-10:
(...)
[a arte que faz instrumentos] (...), como então também Arquimedes é dito ter construído instrumentos aptos a repelir ataque dos que se fazem hostis a Siracusa, e arte de fazer prodígios, umas executadas habilmente pelos ventos, como elaboraram tanto Ctesibius quanto Herão, outras, pelos pesos (...) [79]

196.15-17:
E certamente também nem é preciso reduzir o número deles [isto é, dos axiomas/noções comuns] ao menor, como faz Herão que expõe somente três (...) [80]

305.21-25:
[Falando sobre o enunciado da “Proposição XVI” do Livro I dos Elementos.]
Os que fabricaram antes, de modo negligente, esse enunciado, sem o “tendo sido prolongado um lado”, forneceram ocasião igualmente tanto a alguns outros, mas também a Felipe, diz o mecânico/engenheiro Herão, para acusação [81].

323.5-9:
Mas é preciso também descrever as outras demonstrações do proposto teorema, quantas os à volta [isto é, os discípulos] de Herão e de Porfírio expuseram da reta não prolongada, a qual fez o autor dos Elementos [82].

346.12-15:
A demonstração que tal é a de Menelau, ao passo que Herão, o mecânico/engenheiro, do mesmo modo prova a mesma coisa não por impossível [83].

429.9-15:
Mas, sendo a demonstração do autor dos Elementos evidente, penso nada supérfluo ser necessário acrescentar, mas serem suficientes as coisas escritas, mesmo porque quantos acrescentarem algo mais, como os discípulos de Herão e de Pappus, foram forçados a tomar além disso alguma coisa das mostradas no sexto [livro], em razão de nada importante [84].

As datas tocantes a Herão são motivo de controvérsia. Indiretamente, tem sido posto no século I.

Que tenha escrito um comentário sobre os Elementos pode ser inferido do que aparece nas passagens citadas de Proclus, mas mostra-se bem certo pelas referências a ele feitas por escritores árabes. No Kitab al – Fihrist (lista das ciências) está que “Herão escreveu um comentário sobre esse livro [Os elementos], a fim de explicar os pontos obscuros”.

O comentário propriamente dito não parece conter muitas coisas que possam ser consideradas de relevância. Há algumas notas gerais, como a que indica o fato de ele não aceitar mais do que três axiomas/noções comuns, já vista acima. Há a exploração de casos particulares de certas proposições euclidianas, motivados por diferentes maneiras de desenhar as figuras. Há demonstrações alternativas, umas dadas sem figura, de modo “puramente algébrico”, outras para “sanar” o motivo de uma objeção a alguma construção de Euclides, e ainda outras tentando evitar a redução ao absurdo usada na prova original. Há o acréscimo de certas recíprocas de proposições dos Elementos e igualmente umas adições e algumas extensões de proposições. E não há nada mais.

Eis o que foi Herão como comentarista dos Elementos

Porfírio

O neoplatônico Porfírio, discípulo de Plotino, revisor e editor da obra deste, parece ter escrito um comentário sobre os Elementos. Isso é deduzido do que se acha em Proclus, que o dá como fazendo observações a respeito das proposições I.14 e I.16 e sobre demonstrações alternativas às proposições I.18 e I.20.

Aqui, a possibilidade é que o trabalho de Porfírio tenha sido usado por Pappus ao escrever o seu próprio comentário, e deste tenha se valido Proclus para as suas referências.

Seja como for, dada a evidente vocação pedagógica demonstrada por Porfírio – basta ver a sua Εἰσαγωγή (Introdução), epístola dirigida ao seu discípulo Chrisaorius e que, tendo sido traduzida para o latim por Boécio, serviu por toda a Idade Média e na Renascença como a mais importante introdução à Lógica de Aristóteles – pode-se concluir que o seu interesse pelos Elementos tinha apoio menos em um desejo de contribuir com novos resultados e mais no de manter a precisão da linguagem matemática, levando os seus leitores a entendê-la.

Pappus

Existem em Proclus poucas alusões a Pappus. Há, no entanto, outra evidência de ter ele escrito um comentário sobre os Elementos. Um escoliasta sobre as definições dos Data escreve: “como diz Pappus no começo do seu comentário do Livro X de Euclides” (conforme a edição dos Data por Menge, p.262).

Assevera-se também no Fihrist que Pappus compusera um comentário sobre o Livro X dos Elementos em duas partes. De fato, restam-nos fragmentos do seu trabalho em um manuscrito – Paris n.952.2 – descrito por Woepcke nas Mémoires présentés à L’Academie des Sciences [85], 1856, v.XIV, p.658-719.

Ainda Eutocius, na sua nota sobre o Περὶ σφαίρας καὶ κυλίνδρου, I.13, (Sobre a esfera e o cilindro), de Arquimedes, afirma:

Como, de fato, inscrever no círculo dado um polígono semelhante ao inscrito em um outro é evidente, e foi mencionado também por Pappus no comentário dos Elementos [86].

O objeto da observação estaria, provavelmente, no comentário do Livro XII.

Passemos aos extratos de Proclus em que Pappus figura:

Sobre o quarto postulado [87] (“e serem todos os ângulos retos iguais entre si”) lê-se:

189.12-15:
Pappus estabeleceu-nos corretamente que a recíproca não mais é verdadeira, o ser, de todo ângulo, o ângulo igual ao reto, reto [88].

E ao tratar dos axiomas/noções comuns:

197.6-10:
E, com esses axiomas, Pappus diz registrar ao mesmo tempo que também, se desiguais sejam adicionados a iguais, o excesso entre os totais é igual ao entre os adicionados, e inversamente, caso iguais sejam adicionados a desiguais, o excesso entre os totais é igual ao entre os do princípio [89].

Mas Proclus prossegue:

198.3-15:
Essas coisas, de fato, seguem dos axiomas mencionados antes e, com razão, são omitidas na maioria das cópias, e quantas outras dessas ele [isto é, Pappus] acrescenta são antecipadas pelas definições e seguem daquelas; por exemplo, que todas as porções do plano e da reta ajustam-se umas às outras – pois as coisas estendidas ao extremo têm uma natureza que tal – e que um ponto divide uma linha, e uma linha, uma superfície, e uma superfície, um sólido – pois todas são divididas por essas, pelas quais são limitadas imediatamente – e que o ilimitado nas magnitudes existe tanto pelo acréscimo quanto pela destruição, mas cada uma em potência; pois toda coisa contínua é divisível e pode crescer ilimitadamente [90].

249.20-21:
[A propósito da “Proposição I.5”]
E ainda Pappus demonstra de modo curto, tendo necessitado de nenhuma adição, assim: (...) [91]

E a referência em 429.9-15, já posta acima sob a rubrica Herão de Alexandria.

Além dessas menções, Heath propõe ser razoável concordar com Van Pesch (De Procli fontibus, p.134 e ss.) que afiança Proclus valer-se, sem mencionar a autoridade, do comentário de Pappus em vários outros passos do seu próprio comentário.

Proclus

Como já foi mencionado, o Comentário de Proclus sobre o Livro I dos Elementos é uma das duas principais fontes de informação sobre a história da geometria grega que possuímos, a outra sendo a Coleção de Pappus. O Comentário visa mais à geometria elementar, a da régua e do compasso, ao passo que a Coleção volta-se para a geometria avançada. A importância dessas duas obras repousa no fato de não terem sobrevivido os trabalhos originais dos predecessores de Euclides, Arquimedes e Apolônio.

Proclus viveu no século V (410 a 485), tendo assim escoado um tempo suficiente para que a tradição relativa aos geômetras pré-euclidianos se tornasse obscura e falha. Daí fazer muito sentido a investigação, realizada por alguns pioneiros da história da matemática nos últimos cem anos, das fontes utilizadas no seu trabalho; pois são menos confiáveis aquelas que mais se afastam do tempo dos fatos relatados.

Proclus iniciou a sua educação em Alexandria, sendo orientado na filosofia de Aristóteles por Olympiodorus, este também um escoliasta do estagirita, e na matemática por um tal Herão, que não deve ser confundido com o mechanicus Herão. Vai depois para Atenas, onde é instruído por Plutarco e por Syrianus na filosofia neoplatônica, à qual se dedicou profundamente, a ponto de, sendo um discípulo de rápida aprendizagem, tornar-se-lhe um dos máximos expoentes e ser alçado, depois da morte do seu mestre Syrianus, a chefe da escola neoplatônica de Atenas. Proeminente no alcance do seu saber, foi chamado por Zeller na sua Die Philosophie der Griechen, “Der Gelehrte, dem kein Feld damaligen Wissens verschlossen ist” (“o erudito, para quem nenhum campo de conhecimento daquele tempo está fechado”). Foi matemático e poeta, devoto adorador de divindades gregas e orientais, mente tranquila em um mundo de grandes convulsões.

Na qualidade de neoplatônico, uma das suas doutrinas fundamentais sustentava que um nível mais baixo da realidade é, de algum modo, uma “imagem” [92] do mais alto. Uma aplicação dessa ideia encontra abrigo no Comentário e, pode-se dizer, constitui a base da sua filosofia da matemática. Para ele, a matemática reflete a natureza do mundo espiritual, e este pode ser compreendido estudando-se as figuras geométricas. Em poucas palavras, entendia a matemática como via de acesso às mais altas regiões do espírito, representadas pela filosofia; daí, ser inferior a esta. Isso está expresso no seguinte excerto, em que Proclus se refere a Platão:

31.11-22:
E dividindo, por sua vez, essa ciência, que distinguimos das artes, ele quer uma ser não hipotética, a outra partida de hipótese, e a não hipotética estar apta a conhecer a universalidade das coisas, subindo até o Bem e a causa mais alta de todas as coisas, e fazendo do Bem o fim da ascensão, enquanto a que tendo se colocado à frente princípios determinados, valendo-se desses demonstrar as suas consequências, indo não para um princípio mas para um fim. E assim, então, ele diz a matemática, como a que se serve de hipóteses, ser deixada para trás pela ciência não hipotética e acabada [vale dizer, a dialética platônica] [93].

Sabemos que na escola neoplatônica, segundo o preceito exposto na República, os jovens estudantes deveriam ser instruídos na matemática e era missão do chefe da escola ensiná-la. Eis a origem do seu comentário – o ensino dessa ciência. Além disso, em um ponto da obra torna-se evidente que os seus ouvintes são principiantes, pois mantém que:

272.7-14:
E outros fizeram a mesma coisa com as quadratrizes de Hippias e Nicomedes, também esses servindo-se de linhas mistas, as quadratrizes. E outros, partindo das hélices arquimedianas cortaram o ângulo retilíneo dado na razão dada; os conceitos das quais coisas sendo difíceis de entender para os iniciantes, deixamo-las presentemente de lado [94].

Há, por outro lado, passagens sobre hélice cilíndrica (104.26-105.2) e sobre concoides e cissoides (113.3-6).

104.26-105.2:
E alguns disputam a respeito dessa divisão e dizem existir não somente duas linhas simples, mas também uma outra, terceira, a traçada em torno da hélice de um cilindro... [95]

113.3-6:
E deve-se submeter as demonstrações das (afirmações) daquele [Geminus] aos amantes do conhecimento, porque ele dá as gerações tanto das linhas espirais quanto das concoides como das cissoides [96].

Por essas e outras, somos levados a concluir que Proclus também tinha em mira um público mais amplo, ou, antes, produzir uma obra de referência.

Ao comentar as proposições euclidianas, o escoliasta segue um plano bem estabelecido:
(i) explica as demonstrações dadas pelo geômetra;
(ii) dá alguns casos diferentes, por questões práticas;
(iii) refuta objeções provenientes de detratores de Euclides a certas proposições. Este item encontra a seguinte justificativa:

375.8-12:
Adicionei explicações relativas a essas coisas pelas importunações sofistas e pelo estado de espírito natural da juventude dos ouvintes. A maioria rejubila-se encontrando paralogismos que tais e introduzindo dificuldades supérfluas aos possuidores do perfeito conhecimento [97].

Uma questão tão natural quanto o respirar para viver é a de saber se o Comentário ao livro I não se estendeu aos demais livros dos Elementos. Alusões ali encontradas mostram que Proclus intentava prosseguir e possuiria notas nesse sentido. No entanto, o último trecho do trabalho parece indicar não ter havido a desejada continuidade:

432.9-19:
E nós, por um lado, caso possamos ir do mesmo modo aos restantes, renderíamos graça aos deuses, caso, por outro lado, outros cuidados nos desviem, demandamos aos amantes da contemplação deste estudo fazer, segundo o mesmo método, também a exegese dos livros seguintes, investigando o absolutamente importante e facilmente divisível, porque ao menos os comentários que agora circulam têm a confusão muita e variada que leva ao mesmo tempo nenhuma explicação às causas nem ao julgamento dialético nem ao estudo filosófico [98].

Ian Mueller (Mathematics and Philosophy in Proclus’ Commentary on Book I of Euclid’s Elements in Proclus, lecteur et interprète des anciens, 310) [99] propõe, o que é evidente, a seguinte divisão do Comentário e uma interessante classificação do seu conteúdo:

A Divisão:
I. Prólogo:
A. Parte I (Matemática em geral);
B. Parte II (Geometria).

II. As definições do Livro I dos Elementos.
III. As asserções do Livro I:
A. Os postulados e axiomas;
B. As proposições.

A Classificação:

(1) Especulação neoplatônico-neopitagórica: os principais exemplos disso são interpretações de conceitos e proposições como imagens de coisas mais elevadas [como já apontamos anteriormente]; um outro exemplo seria a tentativa de relacionar a matemática com os princípios Limitado–Ilimitado.

(2) Discussão menos especulativa, mais analítico-filosófica: a distinção entre a discussão filosófica e a especulação fica, algumas vezes, obscurecida quando tal discussão é feita por causa da especulação ou no contexto de ideias especulativas.

(3) Classificações e pontos semânticos, lógicos ou metodológicos: incluídas nesse item estão explicações de termos ou proposições, aplicações de pontos da lógica, usualmente do trabalho de Aristóteles, análises da estrutura da argumentação euclidiana, definições alternativas, e classificações, usualmente por gênero e espécie, de objetos geométricos.

(4) Raciocínio mais estritamente matemático: isso é usualmente encontrado em demonstrações alternativas, demonstrações de casos não considerados por Euclides, ou em respostas a objeções; em geral, o raciocínio é bem elementar.

(5) Observações históricas; incluo aqui somente observações que parecem não ter outro propósito exceto o de prover informação histórica, em geral, que Oinopides foi o primeiro a provar certa proposição; outras afirmações com um conteúdo histórico, na maioria, apresentações.

Ian Mueller assevera:

(...) há um tipo de divisão óbvia entre (1)-(2) e (3)-(4), e particularmente entre (1), que poderia ser chamado de jambricano e (3)-(4) que poderiam ser chamados porfirianos. Não surpreendentemente, historiadores da filosofia têm se concentrado no material que cai nos itens (1)-(2), ao passo que historiadores da matemática negligenciam-nos amplamente, concentrando-se nas categorias (3)-(4).

Como Simplício em relação à obra de Aristóteles, Proclus também usou, na elaboração do seu Comentário, tudo o que de útil encontrara no que escreveram aqueles que o precederam. Mas vale, com certeza, para ele o que alguém já disse: “Nós nada somos sem o trabalho dos nossos predecessores. (...) E, no entanto, somos mais do que isso.” O escoliasta fez uma compilação, porém uma “no melhor sentido”. Pois achou um enorme bloco de pedra, “tosco, bruto, informe, e depois de desbastar o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão” e começa a dar-lhe vida. Seleciona passos antes desconexos, apara expressões inapropriadas, recorta o que lhe parece bom, e veste-lhes o manto da harmoniosa coerência; “aqui desprega, ali arruga, acolá recama” e, “naquele movimento hierático da clara língua” grega “majestosa, naquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive”, fica pronta a obra que, ao explicar Euclides, preserva-nos muito do que podemos afirmar das conquistas gregas no fecundo campo da matemática.

Simplício

O neoplatônico Simplício (século VI) foi, por longo tempo, considerado importante sobretudo como fonte de fragmentos de outros filósofos. No conjunto das suas obras, de proporção considerável, consistindo exclusivamente em comentários, cita as opiniões de um grande número dos que vieram antes, como anota Michael Chase, na Introdução da sua tradução inglesa do Comentário de Simplício às Categorias de Aristóteles, p.1-4. E tais menções são, com frequência, as únicas coisas que sobreviveram de muitos desses antepassados. O seu papel de preservador dos fragmentos dos pré-socráticos é inestimável e ele deve ser sempre altissimamente tido pela existência de fragmentos de Parmênides, Empédocles, Anaxágoras e Diógenes Apolônio. O seu valor como fonte de peripatéticos como Eudemo de Rodes, Andrônico e Boécio é inexcedível, sendo igualmente o guardião do que se conhece de certos autores pitagóricos e pseudopitagóricos, como Moderatus de Gades e Árquitas, bem como de membros da Academia Tardia e dos chamados platônicos médios. Muito dos comentários perdidos às Categorias, escritos por Porfírio e Jâmbrico, pode ser reconstruído somente pelo uso de Simplício como intermediário.

Um Colóquio Internacional, “Simplicius – Sa vie, son œuvre, sa survie” [100], foi organizado em Paris, de 28 de setembro a 1o de outubro de 1985, tendo a sua ata editada por Ilsetraut Hadot.

Sobre a obra do comentarista, I. Hadot, na sua primeira contribuição àquela publicação, faz saber:

Como o observa H. Gätje no artigo que acabo de citar [H. Gätje, Simplikios in Der Arabischen Überlieferung [101], in Der Islan, 59 (1982)], a literatura árabe guardou os traços da personalidade sábia de Simplício que nos permaneceriam desconhecidos se levássemos em consideração apenas as obras gregas que os acasos da transmissão manuscrita nos conservaram.

Mais uma vez apoiada no trabalho de Gätje, observa (p.36):

O mesmo Fihrist de Al-Nadim, do qual já falamos no tangente ao resumo sobre o comentário de Simplício ao De anima [de Aristóteles], atesta igualmente a existência do comentário às Categorias, como mais tarde Al-Qifti, que retoma em regra geral o material que se encontra em Al-Nadim com alguns acréscimos, omissões e variantes. Mas sobre os outros comentários de Simplício sobre Aristóteles, as fontes bibliográficas árabes calam-se. Em compensação [e eis o que nos interessa], nos dois autores árabes, Simplício é nomeado, na qualidade de matemático e astrônomo, como tendo escrito um comentário sobre o primeiro livro dos Elementos de Euclides. Al-Qifti ajunta nesse contexto (...) que Simplício fundara uma escola e que teve alunos que foram chamados segundo o seu nome. A. I. Sabra, no seu artigo “Simplicius’ Proof of Euclid’s Parallels Postulate [Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, 32 (1969), p.1-24], reuniu, além dos extratos citados desse comentário por al-Nayriz[matemático que viveu no século IX] em árabe, no seu próprio comentário sobre os Elementos de Euclides, um extrato contido em uma carta de Alam al-Din Qaysar ibn Abi ’L-Qasim a Nasir al-Din al-Tusi e, além disso, um texto contido no manuscrito árabe, Bodleianus Thurston 3, fol. 148. O comentário de al-Nayrizi será conhecido no Ocidente pela tradução de Geraldo de Cremona. Simplício é aí citado sob o nome de Sambelichos. A tradição grega não nos permite, senão indiretamente, concluir sobre as qualidades de matemático de Simplício. (...) Em primeiro lugar, o Fahrist faz indiscutivelmente a ligação entre o filósofo e o matemático, e, por outro lado, sabemos que cada filósofo neoplatônico era matemático ao mesmo tempo que filósofo. (...)
Acrescentemos, nesse contexto, ainda um pormenor interessante. Em um dos fragmentos textuais do comentário de Simplício sobre o primeiro livro dos Elementos de Euclides, relatados por al-Nayrizi, Simplício fala do seu “sahib”, nomeado Aghanis e cita uma demonstração matemática dele. Qual pode ser o termo grego subjacente? A. I. Sabra traduz por “our associate”, o que pode eventualmente fazer pensar em um professor associado na escola que, segundo al-Nadim, Simplício havia dirigido. Pode tratar-se talvez também de uma tradução árabe do termo grego ἑταῖρος que, no uso que dele fazem os neoplatônicos, designa um companheiro de estudos admitido no estreito círculo dos verdadeiros adeptos da filosofia neoplatônica.

De fato, Simplício dá, verbatim, em uma longa passagem colocada por al-Nayrizi depois da “Proposição XXIX” do Livro I dos Elementos, uma tentativa de Aghanis, que virá erroneamente a ser confundido com Geminus, de demonstrar o postulado das paralelas. Começa, realmente, com uma definição de paralela que concorda com a versão de Geminus sobre elas, como está em Proclus:

177.21-23:
E das [linhas] que se mantêm separadas por distância sempre igual, as retas que nunca tornam menor a entre elas em um plano são paralelas [102].

E está intimamente conectada com a definição dada por Posidonius em Proclus:

176.6-10:
E Posidonius diz: paralelas são as que nem convergem nem divergem em um plano, mas as que têm iguais todas as perpendiculares traçadas dos pontos de uma até a outra [103].

Fiquemos com as considerações acima, no que tange aos comentaristas, aditando:

Do Comentário

Quando os deuses, do Olimpo, poderosos
Enviam a cristalina chuva
Que caudalosos faz os rios
E viva a terra agradecida,
As gotas dágua suspensas no horizonte
Revelam o mistério da cor branca:
Combinação perfeita, harmoniosa
Das outras sete do arco-íris.
Assim o comentário dos antigos,
Como as gotas da chuva cristalina,
Mostram que os Elementos de Euclides,
Obra hercúlea, valorosa,
São a, dos trabalhos de Eudoxo e Teeteto,
De Teodoro e outros grandes gregos,
Com a pitada de sal
Que faz a vida mais gostosa,
Combinação ousada, majestosa.


A Geometria Grega e os Elementos

Pode-se dizer, parece que sem qualquer sombra de dúvida, que o conhecimento matemático tanto egípcio quanto o babilônico – este, sabemos hoje graças ao trabalho de Otto Neugebauer, bem mais refinado do que aquele – tinha a experiência como critério de verdade.

Os gregos herdaram, assim nos diz a tradição, tal conhecimento. Mas, o que satisfazia egípcios e babilônios não bastou para contentar a exigência grega. Com os matemáticos da Grécia, a razão suplanta a empeiria como critério de verdade e a matemática ganha características de uma ciência dedutiva.

Como sucede com inúmeros fenômenos culturais, as causas dessa transformação por que passou essa área de conhecimento jazem ocultas nas

brumas de um passado remoto. Cada tentativa de reencontrá-las tece-se de conjecturas mais ou menos consubstanciadas nos testemunhos, quase sempre duvidosos, de épocas menos recuadas. No que nos interessa, o historiador assemelha-se a um equilibrista a andar em um fio de aço suspenso entre dois distantes pontos, a uma altura estonteante, sem a rede protetora que lhe amorteça uma possível malfadada queda. Porém, com o desafio lançado, a adrenalina agita o sangue, esporeia os rins, enrijece os músculos, faz pulsar acelerado o coração, incitando a audácia humana: é preciso ousar!

É o que faz Szabó quando explica a referida mudança pelo impacto, na matemática, da filosofia eleática, ou, mais precisamente, da dialética de Zenão.

Ora, se a dialética de Zenão, sendo uma técnica retórica, pode ter sido a causa do princípio da axiomatização, não parece ser o bastante para firmar a axiomatização como um programa a ser levado a cabo. Julgamos lídimo afirmar que para tanto foram necessárias a influência de Platão e a extensão que faz da dialética eleática.

Platão elege a dialética [104], já o vimos, como a mais importante das ciências, a única não-hipotética. Enquanto a matemática tem hipóteses como pontos de partida, indo dessas, em movimento descendente (κάτω), à dedução das suas consequências, a dialética, em movimento ascendente (ἂνω) caminha para o alto, ainda mais alto, até alcançar, se possível, o fundamento incondicional (República, 510.b6-7: “[a alma] indo da hipótese ao princípio não hipotético.” 511.b5 [105]: “fazendo as hipóteses não princípios mas realmente hipóteses” [106]).

Na ordenação das realidades, a trajetória (ascendente e depois descendente, isto é, uma espécie de análise e síntese dos geômetras gregos) não ficaria facilitada, se feita com base em uma axiomatização dessa ciência intermediária entre o sensível e o inteligível? Isso não imporia tal axiomatização como um projeto da Academia, sob a influente autoridade de Platão?

Platão, matemático?

Quem pretenda enfrentar as questões acima terá antes que se haver com esta outra: À parte o estudioso da matemática, o entusiasta por essa ciência, Platão foi também um efetivo matemático, como arrolado entre outros no Sumário de Eudemo? Descobriu ele resultados matemáticos, resolveu complexos problemas, vislumbrou novas teorias, imprimiu, em suma, a sua pegada no fértil solo dessa disciplina?

Aqui a resposta de duas eminentes autoridades:

G. J. Allman (Greek Geometry: from Thales to Euclid [107], p.124):

Deve-se recordar que Platão – que em matemática parece ter sido mais diligente que inventivo (...) De fato, temos somente que comparar a solução atribuída a Platão, para o problema de achar duas médias proporcionais (...) com as soluções altamente racionais para o mesmo problema de Arquitas e Menaechmus, para ver o amplo intervalo entre estes e aquele, de um ponto de vista matemático. (...) É, então, provável que Platão, que, tanto quanto sabemos, nunca resolveu uma questão geométrica (...)

N. Bourbaki (Éléments d’histoire des mathématiques [108], p.12): “Pode-se dizer que Platão era quase obcecado pela matemática; sem ser ele mesmo um inventor nesse domínio (...)”

A próxima questão: Pôde Platão, sem ter sido propriamente um matemático, ter dado uma contribuição importante ao estabelecimento e à estruturação da matemática grega?

Isso abre um amplo campo de debate.

A tradição, concretizada no Sumário de Eudemo, assim como alguns historiadores modernos consideram decisivo o seu papel para o desenvolvimento dessa ciência, mormente no que respeita ao método, à sistematização e aos fundamentos desta, tanto quanto à sua emancipação da experiência. Outros negam-lhe a influência significativa.

Aos exemplos!

B. L. Van der Waerden (Science Awakening [109], p.148):

O período [século de Platão] começa com a morte de Sócrates (399 a.C.) e encerra-se no momento em que Alexandre, o Grande, espalha a semente da cultura helenista sobre o mundo todo da Antiguidade.

Esse período é de decadência política; mas para a filosofia e para as ciências exatas é uma era de florescimento sem precedente. No centro da vida científica encontra-se a personalidade de Platão. Ele guiou e inspirou o trabalho científico dentro e fora da sua Academia. Os grandes matemáticos Teeteto e Eudoxo, e todos os outros enumerados no Catálogo de Proclus, foram seus amigos, seus mestres em matemática e seus discípulos em filosofia. O seu grande aluno, Aristóteles, o professor de Alexandre, o Grande, passou vinte anos da sua vida no glorioso mundo da Academia.

J. A. Gow (A Short History of Greek Mathematics [110], p.175-6):

… Platão foi mais um forjador de matemáticos do que um matemático distinguido por descobertas originais, e as suas contribuições à geometria estão mais na melhora do seu método do que em adições ao seu conteúdo. Foi ele que transformou a lógica intuitiva dos antigos geômetras em um método a ser considerado conscientemente e sem receio. Com ele, aparentemente, começaram aquelas definições dos termos geométricos, aquele enunciado distinto de postulado e axiomas que Euclides adotou. (grifo nosso)

Gino Loria (Storia delle Matematiche [111], p.78): “Mais direta e visível foi a benéfica influência de Platão sobre a Ciência Exata”.

Por outro lado,

Otto Neugebauer (The Exact Sciences in Antiquity [112], p.152):

Parece-me igualmente impossível dar qualquer “explicação” conclusiva para a origem da matemática superior nos séculos V e IV, em Atenas e nas colônias gregas. Do lado negativo, entretanto, penso que é evidente que o papel de Platão foi amplamente exagerado. A sua contribuição direta para o conhecimento matemático foi obviamente nula. Que por um certo período matemáticos da estatura de Eudoxo tenham pertencido ao seu círculo não é prova da influência de Platão na pesquisa matemática. O caráter excessivamente elementar dos exemplos de procedimentos matemáticos citados por Platão e por Aristóteles não dão suporte à hipótese de que Teeteto ou Eudoxo tenham aprendido qualquer coisa com Platão.

Cabe invocar agora o testemunho de Eudemo, no Catálogo dos geômetras, sobre o impulso que o filósofo dera à ciência matemática e, em particular, à geometria, despertando a admiração por esse estudo e orientando discípulos na pesquisa geométrica.

Como Eudemo é um dos observadores mais próximos do tempo de Platão, é razoável darmos-lhe crédito. É possível que ele seja o inspirador das seguintes palavras de J. Cajori, p.26 [113]:

Com Platão como chefe da Escola não nos devemos surpreender que a escola platônica tenha produzido um tão grande número de matemáticos. Platão realizou pouco trabalho realmente original, mas fez aperfeiçoamentos valiosos na lógica e nos métodos empregados. (grifo nosso)

Aceitamos, pois, que, mesmo não sendo efetivamente um “working mathematician”, o filósofo, até pela sua missão de filósofo, contribuiu para o desenvolvimento da matemática grega, em especial da geometria, como esta aparece nos Elementos de Euclides.

Como se organiza a matemática

Comecemos descrevendo, sucintamente, em que consiste, depois de Cauchy, Weierstrass, Bolzano, Dedekind, Cantor, Frege, Hilbert, Bourbaki, e outros grandes do século XIX e XX, uma teoria matemática.

No seu trabalho, o que compete ao matemático é definir os conceitos de que se servirá e demonstrar as propriedades desses conceitos.

Ora, definir um conceito significa explicá-lo em termos de outros conceitos já definidos, e demonstrar uma proposição equivale a argumentar pela sua veracidade, usando as regras de inferência válidas fornecidas pela lógica, com base em proposições anteriormente demonstradas. Assim, um certo conceito $c_0$ é definido recorrendo-se aos conceitos $c_1, c_2, ..., c_k$, todos eles já definidos, tendo tais definições dos $c_1, c_2, ..., c_k$ ocorrido em função de outros conceitos, anteriores na estrutura, “e assim por diante”. De modo análogo, para provarmos uma proposição, utilizamo-nos de proposições anteriormente provadas e que foram provadas com o auxílio de outras já provadas que as antecedem na ordenação da teoria, “e assim por diante”.

Quer na definição de conceitos quer nas demonstrações de propriedades, o problema jaz na frase “e assim por diante”. Como não há, dada a nossa finitude, possibilidade de um retrocesso ad infinitum, é preciso dar uma solução ao “e assim por diante”.

No caso da definição, os dicionários oferecem a solução do “círculo vicioso”: um termo é definido em função de um outro e este outro, em função daquele. É evidente que o matemático não pode aceitar essa situação. A sua solução (de conveniência, é verdade) consiste em tomar alguns conceitos sem definição. Como lembra J. M. C. Duhamel (Des méthodes dans les sciences de raisonnement [114], p.16-7): “É por entendê-lo desse modo que diremos que a definição de uma coisa é a expressão das suas relações com coisas conhecidas. E, por consequência, nem todas as coisas podem ser definidas, pois que, para isso, seria necessário conhecer já as outras.” Assim procedendo, o matemático assume o compromisso de, valendo-se desses conceitos não definidos, que devem ser escolhidos no menor número possível, definir todos os demais conceitos de que deva lançar mão.

No caso da demonstração de propriedades/proposições, uma conduta similar leva-o a acolher umas tantas proposições, no menor número exequível, sem demonstração e procurar provar todas as outras afirmações que venha a fazer a partir daquelas.

Os conceitos não definidos são chamados conceitos ou termos primitivos e todos os outros, conceitos ou termos derivados. As proposições admitidas sem

demonstração são ditas axiomas (hoje não se faz qualquer distinção entre
postulado e axioma), e as demais, demonstradas, teoremas.

Essa estruturação das disciplinas matemáticas em conceitos primitivos e derivados, axiomas e teoremas fornece “a arquitetura” da nossa ciência. E isso é “com pouca corrupção” herança grega. Conforme sustenta Bourbaki (op. cit., p.10): “a noção de demonstração nesses autores [Euclides, Arquimedes, Apolônio] não difere em nada da nossa”.

A matemática grega

Um dos capítulos mais importantes da história cultural, embora pouco conhecido, é a transformação do primitivo conhecimento matemático empírico de egípcios e babilônios na ciência matemática grega, dedutiva, sistemática, baseada em definições e axiomas.

Quem se achegue descuidadamente a essa história terá a impressão de a geometria ter nascido inteiramente radiante da cabeça de Euclides, como Atenas da de Zeus. Tal foi o êxito dos seus Elementos no resumir, corrigir, dar base sólida e ampliar os resultados até então conhecidos que apagou, quase que completamente, os rastros dos que o precederam.

“Não há, hoje, qualquer dúvida”, salienta Bourbaki (op. cit., p.9), “de que existiu uma matemática pré-helênica bem desenvolvida. Não somente são as noções (já mais abstratas) de número inteiro e de medida de quantidade comumente usadas nos documentos mais antigos que nos chegaram do Egito e da Caldeia, mas a álgebra babilônia, por causa da elegância e segurança dos seus métodos, não deve ser concebida como uma simples coleção de problemas resolvidos por um tatear empírico.”

No entanto, não encontramos, seja nos documentos egípcios seja nos babilônios, que nos chegaram aos milhares, qualquer esboço do que se assemelhe a uma “demonstração”, no sentido formal do conceito. A noção de ciência dedutiva era desconhecida dos povos orientais da Antiguidade. Os seus textos matemáticos mostram-se, em que pese o afirmado por Bourbaki, como uma coletânea de problemas, mais ou menos interessantes, e as suas soluções, em forma de uma receita prescrita, como as indicações das etapas de um ritual oferecido a uma deidade. Nada de definições, nada de axiomas, nada de teoremas! Sobre tais coisas repousa a sombra!

Agora, a questão fundamental.

Ao herdarem esse conhecimento – Heródoto, Aristóteles e Eudemo afiançam-nos ter a geometria sido importada do Egito – por que os gregos não se contentaram com o seu fundamento empírico? Por que substituíram a coleção existente das receitas matemáticas por uma ciência dedutiva sistemática? O que os levou a confiar mais no que podiam demonstrar do que naquilo que podiam “ver” como correto? Por que a transformação no critério de verdade ali usado, trocando a justificativa baseada na experiência por aquela sustentada por razões teóricas?

É na moldagem dessa nova configuração da matemática, julgamos, que foi decisiva a influência de Platão.

A mudança

Tanto no Egito quanto na Mesopotâmia, era a classe sacerdotal a detentora do conhecimento. Ora, os sacerdotes punham-se de intermediários entre a deidade e o povo. Os desígnios da divindade não carecem de explicações; seus desejos devem ser satisfeitos com os rituais que, aplacando-lhe a ira, lhe atrai o beneplácito. É função dos sacerdotes interpretar a vontade dos deuses, guiando o povo nos passos do rito apaziguador.

Procedem do mesmo modo, enunciando as passadas, sem lhes dar justificação, nos seus documentos matemáticos!

Quando tal conhecimento chega à Grécia, por volta do século VI a.C., não encontra ali uma classe sacerdotal. “Foi provavelmente graças aos aqueus”, pondera J. Burnet (Early Greek Philosophy, p.4) [115], “que os gregos nunca tiveram uma classe sacerdotal, e isso pode bem ter tido algo a ver com o aparecimento da ciência livre entre eles.” Além disso, “a visão tradicional de mundo e as costumeiras regras de vida tinham colapsado” (idem, ibidem, p.1), e os mais antigos filósofos especulavam sobre o mundo à sua volta. Essa pesquisa cosmológica deu origem “à ampla divergência entre ciência e senso comum que era, por si só, um problema que demandava solução, e, além disso, forçava os filósofos ao estudo dos meios de defender os seus paradoxos contra os preconceitos da (visão) não científica” (idem, ibidem, p.1). Há, então, que se acrescentar que “a impressão geral que parece resultar dos textos (muitos fragmentários) que possuímos sobre o pensamento filosófico grego do século V a.C. é ser ele dominado por um esforço mais e mais consciente para estender, a todo o campo do pensamento, os procedimentos de articulação do discurso empregados com tanto sucesso pelas retórica e matemática contemporâneas – em outras palavras, para criar a Lógica, no sentido mais geral dessa palavra. O tom dos escritos filosóficos sofrem, nessa época, uma mudança básica: ao passo que, nos séculos VII e VI, os filósofos afirmam ou vaticinam (ou ao menos esboçam vagos raciocínios, fundados sobre igualmente vagas analogias), a partir de Parmênides e, sobretudo, de Zenão, argumentam e procuram resgatar princípios gerais que possam servir de base à sua dialética” (Bourbaki, op. cit., p.11), cuja invenção Aristóteles atribui a Zenão; “é em Parmênides que se encontra a primeira afirmação do princípio do terceiro excluído, e as demonstrações ‘por absurdo’ de Zenão de Elea permaneceram famosas” (idem, ibidem, p.11).

Pois bem, a solução proposta por Sazbó para a origem da matemática dedutiva sistemática grega consiste no impacto, sofrido pela ciência, da filosofia eleática ou, mais precisamente, da sua dialética.

A filosofia eleática, falando perfunctoriamente, foi preparada por Xenófanes, estabelecida por Parmênides, seguida e defendida por Zenão e Melisso, e tem como fundamentos:

(i) a unidade, a imutabilidade e a necessidade do ser – em Teeteto 181 a 6-7, Platão refere-se aos eleatas como οἱ τοῦ ὃλου στασιῶται “os partidários do todo”, e Aristóteles, Metafísica 986b 24, escreve

“[Xenófanes], tendo contemplado o céu todo, disse o um ser deus.” [116].

(ii) a acessibilidade do ser somente ao pensamento racional e a condenação do mundo sensível e do conhecimento sensível como aparência.

Claro está que a aceitação do pressuposto (ii) vai ao encontro da nova visão da matemática.

A conjectura de Szabó

Euclides abre os Elementos arrolando três tipos de princípios matemáticos: definições (ὃροι), postulados (αἰτήματα) e noções comuns (κοιναὶ ἒννοιαι) ou axiomas.

Proclus examina os princípios não provados nos seguintes termos:

75.5-18:
Explicaremos o arranjo todo das proposições nele [o livro dos Elementos] por esta maneira. Por essa ciência, a geometria, ser de hipótese, dizemos, e demonstrar as coisas na sequência a partir dos princípios de partida – pois uma única é a não hipotética, e as outras recebem de junto daquela os princípios – é necessário, de algum modo, o organizador dos elementos na geometria transmitir, por um lado, separadamente os princípios da ciência, e, por outro lado, separadamente as conclusões a partir dos princípios, e não dar uma razão para os princípios, mas para as consequências pelos princípios. Pois, nenhuma ciência demonstra os princípios dela própria, nem faz discurso sobre eles, mas tem-nos como autoconfiáveis, e, para ela, são mais evidentes do que os na sequência. E sabe-os por causa deles próprios, ao passo que as coisas depois dessas, por causa daqueles [117].

As palavras acima são a caixa de ressonância do seguinte trecho da República de Platão.

510. c2-d3:
Penso, pois, saberes que os que se esforçam com a geometria e também com a aritmética e com coisas que tais, tendo suposto tanto o ímpar quanto o par, quanto as figuras e as três espécies de ângulos, e as outras coisas afins a essas, segundo cada pesquisa, como sabedores dessas coisas, tendo-as feito hipóteses, nenhuma razão nem a si próprios nem a outros julgam, então, conveniente dar sobre elas, como evidentes a todos, e, partindo dessas coisas, passando daí através das restantes, terminam, de modo conforme, nisso, no exame do qual começaram [118].

Tais considerações mostram que os matemáticos daquela época, dos quais os maiores estavam, de algum modo, associados à Academia, tinham já uma nova concepção da matemática como uma ciência dedutiva e entendiam a não necessidade de demonstrarem os seus princípios. Deixam igualmente claro que os conceitos arrolados – o ímpar e o par, as figuras e os três tipos de ângulos – são hipóteses dessa ciência, que, por contê-las, é uma ciência hipotética.

Ora, a palavra ὑπόθεσις, “hipótese”, deriva do verbo ὑποτίθημι, “pôr embaixo, supor (sub-pôr)”, e significa aquilo que os participantes de um debate (retórico) concordam em aceitar por base e ponto de partida da argumentação de cada um. Assim, ὑπόθεσις, quer na dialética (retórica) quer na matemática, é um fundamento, um princípio, um ponto de partida aceito e sobre cuja veracidade não se cogita.

Então, segundo Szabó, os matemáticos chegaram à conclusão de que não precisavam (e não podiam) demonstrar os princípios da sua ciência pela prática da dialética. Estariam habituados com o fato de que, quando um dos debatedores queria provar algo para os outros, limitava-se a começar a partir do que tinha sido convencionado verdadeiro por todos os participantes.

Ainda Platão

A mudança resultante de paradigma está intimamente associada ao caráter idealista, antiempírico da filosofia eleática, mas sobretudo da filosofia platônica. Como nota Van der Waerden (op. cit., p.148) a respeito desta:

Verdade que significa as ideias. São as ideias que têm Ser verdadeiro, não as coisas que são observadas pelos sentidos. As ideias podem às vezes ser contempladas, em momentos de Graça, através da reminiscência do tempo em que a alma vivia mais perto de Deus, no reino da verdade; mas isso pode acontecer somente depois de os erros dos sentidos terem sido conquistados pelo pensamento concentrado. O caminho que leva a esse estado é aquele da dialética (...)

Platão incentiva a estruturação dedutiva sistemática da ciência que ele considera propedêutica a mais alta ciência, a dialética.

L. Brunschvicg (Les étapes de la Philosophie Mathématique [119], p.56) pondera:

Separando-se, ao mesmo tempo, dos pitagóricos, que mantinham no mesmo plano ciência e filosofia, e de Sócrates, cuja investigação prudente parece ter-se detido na determinação da hipótese, Platão conduz a filosofia matemática a um caminho todo novo. A matemática situada na região da διάνοια é apenas uma ciência intermediária (Aristóteles, Metafísica 997b2: “as coisas intermediárias, acerca das quais dizem ser a ciência matemática” [120]). A sua verdade reside em uma ciência superior, que está em relação a ela como ela própria em relação à percepção do concreto. A dialética tem por função retomar as hipóteses das técnicas particulares e conduzi-las até o seu princípio (República VII, 533.c6-7: “a investigação dialética só é conduzida por esse modo, eliminando as hipóteses, em direção ao próprio princípio” [121]), toma posse do incondicional; e daí, por uma marcha que é inversa à da análise, forja uma cadeia ininterrupta de ideias (República VI, 511.b3-c2: “Dizendo eu: compreende então a outra seção de inteligível, isso a que a própria razão alcança pelo poder da dialética, fazendo das hipóteses não princípios, mas realmente hipóteses, do mesmo modo que degraus e também trampolins, a fim de que, indo até o não-hipotético no princípio de tudo, tendo-o alcançado, de novo, obtendo as coisas que são obtidas daquele, desça assim para um fim, servindo-se absolutamente de nada sensível, mas das próprias ideias/formas, através delas para elas, e acaba em ideias/formas”.) que, suspensa no princípio absoluto, constituirá um mundo completamente independente do sensível, o mundo da νόησις. A filosofia da matemática de Platão, no seu grau mais alto e sob a sua forma definitiva será então a dialética [122].

Cotejemos o que acabamos de citar com a seguinte passagem do livro Introduction to Mathematical Philosophy, p.1, de Bertrand Russell [123]:

A matemática é um estudo que, quando começamos a partir das suas porções mais familiares, pode ser perseguido em uma de duas direções opostas. A direção mais familiar é construtiva, para complexidade gradualmente crescente: dos inteiros para as frações, números reais, números complexos; da adição e multiplicação para a diferenciação e a integração e para a matemática superior. A outra direção, que é menos familiar, procede, por análise, para a abstração e a simplicidade lógica cada vez maiores; em vez de perguntar o que pode ser definido e deduzido do que é suposto no princípio, perguntamos que ideias e princípios mais gerais podem ser encontrados, em termos dos quais o nosso ponto de partida possa ser definido ou deduzido. É o fato de perseguir essa direção oposta que caracteriza a filosofia matemática como oposta à matemática usual.

Enquanto Zenão toma uma hipótese como uma suposição que se faz para um presente propósito, Platão no Fédon e nos Livros VI e VII da República, como aponta J. Lucas (Plato and the Axiomatic Method [124], p.13),

tenta tornar as suas suposições aquelas que não têm que ser tomadas como certas para o presente caso particular; tenta torná-las aquelas que devem ser aceitas por todos. Essa é a procura do ἀνυπόθετον ἀρχή (“princípio não-hipotético”), o axioma fundamental que não tem que pedir a alguém para aceitá-lo; é algo que deve ser aceito por qualquer um (...) É por essa razão que Platão sugere à consideração o ideal axiomático: que deveríamos tentar e desenvolver o todo da nossa matemática por raciocínio dedutivo, διάνοια, com base em alguns princípios que (erradamente) pensou poderiam ser estabelecidos além de toda questão possível. Platão apresentou o seu programa. Os seus discípulos realizaram-no em grande parte. Temos o resultado final codificado por Euclides.

Desse modo, sob a influência de Platão, o que nos mostram os Elementos de Euclides é, na expressão de Wordsworth,

An independent world,
Created out of pure intelligence [125].

Feitas tais ponderações, damos o trabalho por findo. Não que tenhamos esgotado tudo. Mas o sol se pôs, e esta é, depois do dia todo de labuta, a hora dos cansaços. Recolhemos as ferramentas como os homens se recolhem na tristeza do moribundo dia, como as flores fecham-se nos campos, e as aves voltam céleres ao ninho.

(Mas quando imergiu a radiante luz do sol
Os que vão descansar vão, cada um, para a sua casa,
Onde para cada um u’a mansão o famoso manco
Hefaístos fez com hábil entendimento.) [126]
(Ilíada, I, 605-8)


Há temas que ficaram intratados; é infinita a arqueologia dos dizeres, mas lembremos aqueles que Camões põe na boca de Vasco da Gama dirigindo-se ao Rei de Melinde (Lusíadas, III, 3-4):

Mandas-me, ó Rei, que conte declarando
De minha gente a grão genealogia;
Não me mandas contar estranha história
Mas mandas-me louvar dos meus a glória.
Que outrem possa louvar esforço alheio,
Coisa é que se costuma e se deseja;
Mas louvar os próprios, arreceio
Que louvor tão suspeito mal me esteja;
E, para dizer tudo, temo e creio
Que qualquer longo tempo curto seja;
Mas, pois o mandas, tudo se te deve;
Irei contra o que devo, e serei breve. (grifo nosso)

Na brevidade das nossas observações, de modo pessoal, abordamos as dificuldades da rememoração do passado, espiamos por cima do muro da filologia, esboçamos o personagem, comentamos-lhe a obra. Subimos ao pico das certezas, poucas, marchamos pela planície das suposições, muitas, pois, afinal, de certezas e suposições é que se tece a história, speculum vitae. É possível que onde viramos à esquerda, outros dobrassem à direita; é possível que gritassem, onde mantivemos obsequioso silêncio; corressem, onde paramos; estacionassem, quem sabe à beira do abismo, quando avançamos; quisessem paz, quando clamamos por guerra; ficassem a pregar, quando saímos a divulgar a boa nova, eles nos paços, nós com os nossos passos – porque pode-se ser tudo isso sem ser nada disso – e, por fim, é possível, diante de tantos contrastes, estarmos falando as mesmas coisas.

Providenciamos mesas, cadeiras, cabides para casacos, recipientes para guarda-chuvas, porcelana, copos, talheres, toalhas de mesa, guardanapos, travessas, réchauds, cafeteiras com torneira. Encomendamos o gelo, colocamos as toalhas e os guardanapos nas mesas, arranjando-os para o jantar. Preparamos o bar, organizamos as bandejas de licores e café, acertamos a disposição dos móveis, dispusemos os descansos para copos onde necessários e arrumamos as flores, tudo conforme O livro completo de etiqueta.

Que quantos são os convidados tantos sejam os convivas e que o que passamos a lhes servir agora lhes agrade o paladar e a alma, assim os deuses nos concedam, do Olimpo, poderosos, ao som da lira de Apolo, acompanhando das Musas o harmonioso canto.

Irineu Bicudo

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Notas:

[77] τούτων μὲν γὰρ διακορεῖς ἐσμὲν καὶ σπανίως αὐτῶν ἐφαψόμεθα.
ὅσα δὲ πραγματειωδεστέραν ἔχει θεωρίαν καὶ συντελεῖ πρὸς τὴν ὅλην φιλοσοφίαν, τούτων προηγου μένην ποιησόμεθα τὴν ὑπόμνησιν
ζηλοῦντες τοὺς Πυθαγορείους, οἷς πρόχειρον ἦν καὶ τοῦτο σύμβολον “σχᾶμα καὶ βᾶμα, ἀλλ᾽ οὔ σχᾶμα καὶ τριώβολον" ἐνδεικμένων ὡς ἄρα δεῖ τὴν γεω- μετρίαν ἐκείνην μεταδιώκειν...

[78] ἐπὶ τὴν ἐξήγησιν τραπόμεθα τῶν δεικνυμένων ὑπὸ τοῦ στοιχειωτου
τὰ μὲν γλαφυρώτερα τῶν εἴς αὐτὰ γεγραμμένων τοῖς παλοῖς ἀναλεγόμενοι καὶ τὴν ἀπέραντον αὐτῶν πολυλογίαν συντέμνοντες τὰ δὲ τεχνικώτερα καὶ μεθόδων ἐπιστημονικῶν ἐχόμενα παραδιδόντες.

[79] ...οἷα δὴ καὶ ᾿Αρχιμήδης λέγεται κατασκευάσαι τῶν πολεμούντων τὴν Συράκουσαν ἀμυντικὰ ὄργανα, καὶ ἡ θαυματοποιϊκὴ τὰ μὲν διὰ πνῶν φιλοτεχνοῦσα, ὥσπερ καὶ Κτησίβιος Koi” ρων πραγματεύονται, τὰ δε ῥοπῶν.

[80] Καὶ μὴν καὶ τὸν ἀριθμὸν αὐτῶν οὔτε εἰς ἐλάχιστον δεῖ συναιρεῖν, ὡς “ρων ποιεῖ τρία µόνον ἐκθέ μενος...

[81] Ταύτην τὴν πρότασιν οἱ μὲν ἐλλειπῶς προενεγκάµενοι χωρὶς τοῦμιᾶς πλευρᾶς προσεκβληθείσης ἀφο ρμὴν παρέσχον ἴσως μὲν καὶ ἄλλοις τισίν, αὐτὰρ καὶ Φιλίππῳ, καθάπερ φησὶν ὁ μηχανικὸς Ἣρων, διαβολῆς.

[82] δεῖ δὲ καὶ τὰς ἄλλας ἀποδείξεις τοῦ προκειµένου θεωρήματος ἱστορῆσαι, ὅσας οἱ περὶ " Ἡρωνα καὶ Πορφύριον ἀνέγραψαν τῆς εὐθείας μὴ προσεκβαλλομένης, O πεποίηκεν ὁ στοιχειωτής.

[83] Τοιαύτη μὲν ἡ ἀπόδειξις ἡ Μενελάου, “ρων δὲ ὁ μεχανικὸς οὑτωσὶ οὐ δι᾿ ἀδυνάτου τὸ αὐτὸ δείκ νυσιν.

[84] τῆς δὲ τοῦ στοιχειωτοῦ ἀποδείξεως οὔσης φανερᾶς οὐδὲν ἡγοῦμαι δεῖν προσθεῖναι περιττόν, ἀλλὰ ἀρκεῖσθαι τοῖς γεγραμμένοις, ἐπεὶ καὶ ὅσοι προσέθεσάν τι πλέον, ὡς οἱ περὶ ” Πάππον καὶ Πάππον ἠναγκάσθησαν προσλαβεῖν τι τῶν ἐν τῷ ἕκτῳ δεδειγµένων, οὐδενὸς ἕνεκα πραγματειώδους.

[85] [Memórias apresentadas Academia de Ciências].

[86] Ὅπως μὲν οὖν ἔστιν εἰς τὸν δοθέντα κύκλον πολύγωνον ἐγγράψαι ὅμοιον τῷ ἐν ἑτέρῳ ἐγγραμμένῳ δῆλον, εἴρηται δὲ καὶ Πάππῳ εἰς τὸ ὑπόμνημα τῶν Στοχείων.

[87] καὶ πάσας τὰς ὀρθὰς γωνίας ἴσας ἀλλήλαις εἶναι.

[88] ὁ δὲ Πάππος ἐπέστησεν ἡμᾶς ὀρθῶς ὅτι τὸ ἀντίστροφον οὐκέτι ἀληθές, τὸ τὴν ἴσην τῇ ὀρθῇ γωνίαν ἐκ παντὸς εἶναι ὀρθήν.

[89] Τούτοις δὲ τοῖς ἀξιώμασιν ὁ Πάππος συναναγράφεσθοή φησιν ὅτι καὶ ἂν ἴσοις ἄνισα προστεθῇ, ἡ τῶν ὅλων ὑπεροχὴ ἴση ἐστὶν τῇ τῶν προστεθέντων, καὶ ἀνάπαλιν, ἐὰν ἀνίσοις ἴσα προστεθῇ, ἡ τῶν ὅλων ὑπεροχὴ ἴση ἐστὶ τῇ τῶν ἐξ ἀρχῆς.

[90] Ταῦτα οὖν ἕπεται τοῖς προειρημένοις ἀξιώμασι καὶ εἰκοτως ἐν τοῖς πλείστοις ἀντιγράφοις παραλεί πεται, ὅσα δὲ ἄλλα τούτοις προστίθησιν, προείληπται διὰ τῶν ὅρων καὶ ἐκείνοις ἀκόλουθα, οἷον ὅτι πάντα τοῦ ἐπιπέδου τὰ μόρια καὶ τῆς εὐθείας ἀλλήλοις ἐφαρμόττει - τὰ γὰρ εἰς ἄκρον τεταμένα τοι αὕτην ἔχει φύσινκαὶ ὅτι γραμμὴν μὲν διαιρεῖ σημεῖον, ἐπιφάνειαν δὲ γραμμή, στερεὸν δὲ ἐπιφάνει απάντα γὰρ διαιρεῖται τούτοις, ὑφ᾽ ὧν καὶ περατοῦται προσεχῶς - καὶ ὅτι ἄπειρον ἐν τοῖς μεγέθε σίν ἐστιν κοὶ τῇ προσθέσει καὶ ἐπικαθαιρέσει, δυνόμει δὲ ἑκάτερον: πᾶν γὰρ συνεχὲς ἐπ᾿ἄπειρον διαιρετόν ἐστι καὶ αὐξητόν.

[91] "Em δὲ συντομώτερον ἀποδείκνυσιν ὁ Πάππος μηδεμίας προσθήκης δεηθεὶς οὕτως.

[92] εἰκών.

[93] ταύτην δ᾽ αὖ τὴν ἐπιστήμην, ἣν τῶν τεχνῶν ἀφορίζομεν, διαιρῶν τὴν μὲν ἀνυπόθετον εἶναι βούλεται, τὴν δὲ ἐξ ὑποθέσεως ὠρμημένην, καὶ τὴν μὲν ἀνυπόθετον τῶν ὅλων εἶναι γνωστικῆν µέχρι τοῦ ἀγαθοῦ καὶ τῆς ἀνωτάτω τῶν πάντων αἰτίας ἀναβαίνουσαν καὶ τῆς ἀναγωγῆς τέλος ποιουμένην τὸ ἀγαθόν, τῆν δὲ ὡρισμένας ἀρχὰς προστησαμένην ἀπὸ τούτων δεικνύναι τὰ ἑπόμενα αὐτοῖς οὐκ ἐπ᾿ ἀρχὴν ἀλλ'ἐπὶ τελευτὴν ἰοῦσαν. καὶ οὕτως δὴ τὴν μαθηματικὴν ἅτε ὑποθέ-σεσιν χρωμένην τῆς ἀνυποθέτου καὶ τελείας ἐπιστήμης ἀπολείπεσθαί φησιν.



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