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A incrível história do papa matemático

Iluminura do Codex Manesse
mostra a escola da catedral de
Reims, comandada por Gerberto
Por Marcio Antonio Campos

Na virada do primeiro para o segundo milênio, um dos maiores matemáticos e astrônomos do Ocidente cristão, se não o maior deles, não estava em uma das escolas que se tornariam os embriões das universidades medievais: estava sentado no trono de São Pedro. O papa Silvestre II, ou Gerberto de Aurillac, é o tema da biografia The abacus and the cross, de Nancy Marie Brown. Após ler o livro, o retrato que temos da época de Gerberto se mostra bem diferente de muitas das lendas que costumamos ouvir sobre a cristandade medieval – uma delas é justamente a de que havia uma firme crença de que o mundo acabaria na passagem do ano 999 para o ano 1000. Na verdade, provavelmente nossa geração ficou mais estressada com o bug do milênio que os medievais com um eventual fim do mundo, até porque nem todos sabiam exatamente em que ano estavam…

Mas, voltando a Gerberto, é inegável que ele chegou aonde chegou por seu brilhantismo intelectual, mas ter conhecido as pessoas certas nas horas certas também ajudou. Monge beneditino em Aurillac, ele se mostrou genial no trivium, formado por gramática, retórica e dialética. Mas não havia em toda a França quem ensinasse sua continuação, o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Para sorte de Gerberto, um conde catalão passou pelo mosteiro e, a pedido do abade, levou consigo o jovem monge, que passou a estudar em uma cidade próxima a Barcelona.

Na época, a Catalunha era uma das fronteiras entre o Ocidente cristão e a Península Ibérica islâmica. Os três anos que Gerberto passou lá moldaram toda a sua vida, pois o intercâmbio cultural e científico era enorme. O monge absorveu tudo o que podia (não se sabe se ele chegou a conhecer a Espanha árabe ou se ficou apenas na Catalunha) e, acompanhando o conde Borrell e o bispo Ato em uma peregrinação a Roma, em 970, impressionou o papa João XIII com seu conhecimento. O pontífice avisou o imperador Oto I, do Sacro Império Romano-Germânico, que havia encontrado a pessoa perfeita para ser tutor do príncipe que se tornaria Oto II. Gerberto trocou a Catalunha pela corte germânica, mas por pouco tempo. Com o casamento do príncipe, Gerberto ficaria sem emprego, mas foi imediatamente recrutado por Adalbero, arcebispo de Reims, então a principal cidade da França. Começou ensinando o quadrivium na escola da catedral, e depois se tornou diretor da escola. Pelas suas mãos passaram futuros bispos, arcebispos, abades, um futuro rei da França e um futuro papa.

Os anos de Gerberto como chefe da escola da catedral de Reims foram os mais produtivos da vida do religioso, e suas realizações científicas estão descritas na segunda parte do livro. Gerberto introduziu no Ocidente cristão os numerais indo-arábicos e o zero, e reintroduziu o ábaco e a esfera armilar (uma espécie de planetário primitivo), instrumentos que construiu; e pode ter feito um astrolábio (não há registros, mas sabe-se que ele conhecia o objeto). Deixou tratados de matemática, normalmente escritos a pedido de alunos e ex-alunos. Construiu órgãos de tubo e armas de cerco. Na base de toda essa produção e paixão pelos números e pelo conhecimento, estava a convicção de que Deus havia feito tudo “com medida, quantidade e peso”, de acordo com o livro bíblico da Sabedoria: conhecer matemática era ter um vislumbre da mente divina.

Página do tratado “De Geometria”,
um dos diversos livros sobre
matemática escritos por Gerberto.

Mas a carreira de Gerberto como cientista e professor acabaria dando lugar à intensa politicagem em que se meteu, e que de certa forma o acompanhou até o fim da vida, muitas vezes contra a sua vontade. Em 980, ele já tinha passado pela experiência de ser abade em Bobbio, na Itália, o mosteiro com a maior biblioteca da Europa cristã. Mas Gerberto tinha sido enviado para lá por Oto II para ser um administrador, não um erudito. Tudo correu muito mal, e o monge voltou para Reims e sua escola. Anos depois, ele e o arcebispo Adalbero trabalharam pelos interesses do Sacro Império contra o rei Lotário, da França, motivo pelo qual Gerberto quase foi morto por traição. Com a morte de Lotário, a dupla interferiu na sucessão do trono francês, ajudando Hugo Capeto a encerrar a dinastia carolíngia.

Adalbero morreu em 989, e não escondia de ninguém que queria Gerberto como sucessor. Mas Hugo colocou um filho ilegítimo do rei Lotário no posto (sim, era uma época em que a mistura entre Igreja e Estado corria a todo vapor), dando início a uma disputa feroz em que se questionou até a extensão do poder do papa e na qual Gerberto chegou a ser excomungado. Por isso, ele agarrou a chance de ser tutor e conselheiro do imperador Oto III, que em 996 influenciou a ascensão ao papado de seu primo, que se tornou Gregório V. O novo papa não entregou a sé de Reims a Gerberto, mas o nomeou como arcebispo de Ravenna. Em 999, Gregório morreu e Oto forçou a eleição de Gerberto, que se tornou Silvestre II (lembremos que o sistema atual de conclaves só surgiu quase 200 anos depois).

Silvestre II e Oto III compartilhavam da paixão pela ciência e do ideal de um grande império cristão. Juntos, eles seriam como o primeiro papa Silvestre e o imperador Constantino. Mas a realidade foi outra: as tarefas do papado não deram a Gerberto tempo para retomar seus estudos. Ele até conseguiu grandes feitos, trazendo para a Igreja povos na Europa Central, Leste Europeu e Escandinávia, e tentou moralizar o clero. Mas a nobreza romana não gostava nem de ser governada por um imperador estrangeiro, nem que o bispo da cidade não fosse um dos seus – Gregório V teve de lidar com um antipapa promovido pelas famílias romanas. Por isso, em uma de várias revoltas, em 1001, Oto e Silvestre foram postos para correr, refugiando-se em Ravenna. No ano seguinte, Oto morreu tentando reconquistar Roma; Silvestre conseguiu voltar para a sua sé, mas com pouco poder, e morreu em 1003.

A autora conta a história de Gerberto, mas não se limita a ela, fazendo uma série de digressões ao longo do livro: ela explica em detalhes como era o dia a dia de um mosteiro e como se copiavam os livros na época de Gerberto, descreve os avanços científicos-tecnológicos do mundo árabe e como se contava o tempo naquela época, narra desventuras dos imperadores romano-germânicos e a guerra entre carolíngios e capetos, e até conta como um biógrafo de Cristóvão Colombo inventou a lenda de que os cristãos medievais acreditavam que a Terra era plana (talvez o “desvio” que mais se afaste do assunto do livro, mas interessante mesmo assim). Há quem considere que tanta informação adicional distraia o leitor do que mais importa, que é a história de Gerberto; já eu considero que as histórias acrescentam sabor ao livro e ajudam o leitor a se ambientar.

É quando a história de Silvestre II termina que o livro degringola. Menos mal que Nancy Brown reconhece que todas as lendas surgidas em volta de Silvestre II, de que seu conhecimento científico era fruto de um pacto com o demônio (uma “demônia”, para ser mais preciso) e coisas parecidas, não provinham de nenhum preconceito católico contra a ciência, e sim de um ataque pessoal de um cardeal adversário de Gregório VII, pontífice que trabalhou pelo fortalecimento do poder papal. Gregório teria sido educado por discípulos de Gerberto, e foi assim que ele entrou na história. Só com a Reforma, no século 16, é que os protestantes usaram as lendas anti-Silvestre para tentar provar que os católicos eram inimigos da ciência e inventaram histórias para denegrir um grande matemático e astrônomo.

A autora tenta criar uma oposição entre a Idade Média pré-Gerberto, em que ciência e fé eram aliadas, em que os homens da Igreja buscavam o conhecimento – e, apesar de o subtítulo do livro, “O papa que levou a luz da ciência para a Idade das Trevas”, ser uma boa ferramenta de marketing, é desmentido pelo próprio conteúdo da obra –, e uma Idade Média pós-Gerberto, dominada pela superstição e pela intolerância. Vejamos esse trecho: “A Igreja na qual Gerberto cresceu tinha acabado. Clérigos que se opusessem a esse novo tipo de catolicismo, que repudiavam os rituais da veneração das relíquias, o batismo de crianças, a santificação do casamento, a intercessão pelos falecidos, a confissão aos padres e a veneração da cruz (…) eram denunciados como hereges” (p. 238). Ora, todas essas práticas e doutrinas remontam à era dos apóstolos (a única que ainda não tinha se tornado regra universal era a confissão auricular)! Mesmo a noção de que a ciência desaparece da Igreja após a virada do milênio é falsa (o livro cuja leitura interrompi para pegar The abacus and the cross ajuda a demonstrar isso), e historiadores como James Hannam têm trabalhado no tema. A vida de Gerberto é extraordinária por si só; não era preciso rebaixar o que veio depois para ressaltar a fantástica história do papa matemático.

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Texto retirado do link.


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Rábano Mauro e o Significado Místico dos Números

Retrato de Rabano Mauro (falecido em 856),
monge beneditino e teólogo alemão,
gravura de Andre Thevet 1516-1590.

por Jean Lauand. Prof. Titular FEUSP, jeanlaua@usp.br


1. Introdução

Discípulo de Alcuíno, Rábano Mauro (c.784-856) foi abade de Fulda. Pelo seu trabalho de educador e escritor, recebeu o epíteto de Praeceptor Germaniae, o mestre da Germânia. Rábano Mauro não teve a intenção de ser um autor original, mas a de ensinar e formar seus monges.

Uma de suas principais obras é o De universo (em 22 livros) que, como o próprio nome indica, é trabalho amplo e enciclopédico. O subtítulo é: Sobre a natureza das coisas, as propriedades das palavras e o significado místico das realidades.

Nessa obra, Rábano Mauro distingue dois sentidos na Sagrada Escritura: o literal e o figurado. Este divide-se em alegórico (revela verdades sobrenaturais ocultas para os profanos), tropológico (ou moral, move a agir bem) e anagógico (conduz ao fim último e revela a razão de ser da vida).

Rábano Mauro está convencido de que, para decifrar o sentido figurado, é muito útil conhecer a natureza das coisas e as etimologias das palavras. Para ajudar seus leitores a alcançar esse significado místico, presente em tudo, escreveu o De universo, do qual apresento aqui a tradução do Capítulo III do Livro XVIII: De numero (PL CXI, 489-495).


2. A alegoria e o pensamento medieval

Em várias línguas há expressões ou frases feitas para indicar que sobre aquilo que é evidente não se precisa gastar uma palavra: goes without saying, va sans dire, selbstverständlich, per se notum etc. Essa observação tão simples (e, também ela, evidente) explica uma das maiores dificuldades de compreensão [1] de um autor antigo: o que era evidente para ele e para os leitores de sua época (e, precisamente por isso, ficou oculto) freqüentemente não é evidente para nós, que sequer suspeitamos dos "óbvios ululantes" escondidos no autor antigo.

Nesse sentido, há no Tratado de Rábano Mauro diversas passagens lacônicas e enigmáticas para o leitor contemporâneo, que não está nem um pouco preocupado em saber o que significa o número 153 (se é que tem algum significado...) quando o Evangelho diz que os apóstolos, na pesca milagrosa após a ressurreição de Cristo, apanharam justamente 153 peixes. S. Agostinho, por exemplo, teólogo e pregador genial, de perene atualidade, tratava do significado dos números em vários sermões, pois considerava o simbolismo numérico um elemento a mais para a compreensão da Revelação:

"Estes 153 são 17. 10 por quê? 7 por quê? 10 por causa da lei, 7 por causa do Espírito. A forma septenária é por causa da perfeição que se celebra nos dons do Espírito Santo. Descansará - diz o santo profeta Isaías - sobre ele, o Espírito Santo (Is 11, 23) com seus 7 dons. Já a lei tem 10 mandamentos (...). Se ao 10 ajuntarmos o 7, temos 17. E este é o número em que está toda a multidão dos bem-aventurados. Como se chega, porém, aos 153? Como já vos expliquei outras vezes, já muitos me tomam a dianteira. Mas não posso deixar de vos expor cada ano este ponto. Muitos já o esqueceram, alguns nunca o ouviram. Os que já o ouviram e não o esqueceram tenham paciência para que os outros, ou reavivem a memória, ou recebam o ensino. Quando dois são companheiros no mesmo caminho, e um anda mais depressa e o outro mais devagar, está no poder do mais rápido não deixar o companheiro para trás (...). Conta 17, começando por 1 até 17, de modo que faças a soma de todos os números, e chegarás ao 153. Por que estais à espera que o faça eu? Fazei vós a conta" [2] .


O cristão de hoje sorri ao ver o autor medieval, munido de calçadeira, explicar que o número 120 é soma da progressão aritmética: $1+2+3+\cdots+14+15$, e que isto representa misticamente aquelas passagens dos Atos dos Apóstolos em que se descreve a vinda do Espírito Santo (cfr. 2, 1) quando estava reunida a assembléia de 120 pessoas (cfr. 1, 15), "todos num mesmo lugar" (a soma simboliza essa reunião).

Precisamente nessas diferenças é que se capta a mentalidade da época. O homem medieval está seriamente convencido de que não há palavra ociosa na Sagrada Escritura e que tudo o que está revelado "é inspirado por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça" (II Tim 3, 16). E o próprio apóstolo Paulo afirma o caráter alegórico de algumas passagens bíblicas: "Na lei de Moisés está escrito: ‘Não atarás a boca ao boi que debulha’ (Deut 25, 4). Mas, acaso Deus se ocupa dos bois? Não é, na realidade, em atenção a nós que Ele diz isto?" (I Cor 9, 9-10). Ou, em outro momento, ao considerar alegórico (cfr. Gál 4, 24) o fato de que Abraão teve dois filhos: um da escrava e outro da livre.

O mestre S. Isidoro de Sevilha, pouco anterior a Rábano Mauro, tinha escrito um capítulo das Etimologias (III, 4) dedicado à importância dos números: "Não se deve desprezar os números. Pois em muitas passagens da Sagrada Escritura se manifesta o grande mistério que encerram. Não foi em vão que se escreveu o louvor de Deus no livro da Sabedoria (11, 20): ‘Dispusestes tudo com medida, número e peso’".

Daí que, ao contrário da Teologia contemporânea, Rábano Mauro dê, por exemplo, extraordinária importância simbólica aos números indicados por Deus para a construção do tabernáculo [3] . Também neste ponto ele segue Agostinho: "Grande é o mistério simbolizado nas ordens dadas para a instalação do tabernáculo. Muitos mistérios estão nelas representadas" [4] .

A própria fala de Cristo apresenta alguns simbolismos numéricos próprios das tradições semitas, como o 7, que indica plenitude. Naquela pergunta de Pedro (cfr. Mt 18, 22), "quantas vezes devo perdoar a meu irmão? Até 7 vezes?", o 7 é claramente simbólico; como também o "setenta vezes sete" da resposta de Cristo. Tomás de Aquino, bem mais próximo de nossa mentalidade, na Suma Teológica (I, 1, 10) põe as coisas no devido lugar [5]: após reconhecer a legitimidade dos sentidos tropológico e anagógico, diz: "Não se segue daí nenhuma confusão na Sagrada Escritura, pois todos os sentidos se apoiam sobre um, o literal, que é o único a proporcionar argumentos, como diz Agostinho. Por isso, nada se perde da Escritura, pois não há nada que seja dito em sentido espiritual que não seja dito em sentido literal em alguma passagem".


O Significado Místico dos Números

Rábano Mauro (c.784-856)

(trad. e notas: Jean Lauand)

Os números, através de alegorias, mostram-nos muitos aspectos do mistério que devemos venerar.

O número 1

Já o primeiro número, o um, indica a unidade da divindade. Dele se escreveu no Deuteronômio (6, 4): "Ouve, ó Israel! O Senhor teu Deus, é o único [6] Senhor" [7] . O um expressa também a unidade da Igreja e da fé. Daí que nos Atos dos Apóstolos (4, 32) se tenha escrito: "Eram um só coração e uma só alma" [8] . E o número um diz respeito ainda à unidade da fé e à perfeição de uma obra. Por isso se diz no livro do Gênesis (6, 16) sobre a arca de Noé: "Farás no cimo [9] da arca uma abertura com a dimensão de um côvado". E até a unidade dos maus é expressa pelo um, como se lê em Mateus (22, 11): "E viu ali um homem que não trazia a veste nupcial" [10] .

O número 2

Já o dois diz respeito aos dois testamentos. Daí que em I Reis (6, 23) esteja escrito: "E fez dois querubins que tinham dez côvados de altura". Dois também são os mandamentos da caridade [11]: "Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas" (Mt 22, 40). O dois expressa ainda as duas dignidades: a régia e a sacerdotal, figuradas por aqueles dois peixes que acompanhavam os cinco pães naquela passagem do Evangelho [12]. O dois significa ainda os dois povos: os judeus e os gentios. Daí que em Zacarias (6, 13) se diga: "E haverá paz entre eles dois". Também o dois significa a união da alma e do corpo. Daí que o Senhor diga no Evangelho (Mt 18, 19): "Se dois de vós estiverem reunidos sobre a terra...". Sobre isso também fala o profeta Amós (3, 3): "Acaso podem dois [13] andar juntos se não estão em união?" O dois prefigura também a separação entre os eleitos e os condenados, como diz o Senhor no Evangelho (Mt 24, 40): "Estarão dois no campo: um será tomado; o outro, deixado" [14] .

O número 3

O número três é próprio do mistério da Santíssima Trindade, tal como se diz na Epístola de João (I Jo 5, 7): "Três são os que dão testemunho". O três também representa o mistério da Paixão, Sepultamento e Ressurreição do Senhor [15] . Daí que Oséias (6, 2) diga: "Dar-nos-á de novo a vida em dois dias; ao terceiro dia ressuscitar-nos-á e viveremos". O três exprime ainda a fé, a esperança e a caridade [16] , figuradas também por aquelas três cidades do Deuteronômio (cap. 19) nas quais o involuntário homicida encontrava refúgio [17] . O três significa ainda os três tempos: o primeiro, antes da lei; o segundo, sob a Antiga Lei, e o terceiro, sob a graça. É por isso que se lê na parábola evangélica (Lc 13, 7): "Eis que já são três anos que venho buscar fruto da figueira e não o encontro". O três representa também as três formas do agir humano para o bem ou para o mal: pensamentos, palavras e obras. Como diz o Apóstolo (I Cor 3, 12): "Se alguém edifica sobre este fundamento: com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas; com madeira, ou com feno, ou com palha" [18] . O três mostra ainda o tríplice modo de os fiéis professarem sua fé: como clérigos, monges ou no casamento. Dessa tríplice profissão na Igreja fala o Senhor por Ezequiel (14, 20), dizendo: "Se estes três homens, Noé, Daniel e Jó, estivessem no meio deles não poderiam salvar por sua justiça nem seus filhos nem suas filhas, mas somente a si próprios" [19] .

O número 4

O número quatro é próprio dos quatro Evangelhos, como diz Ezequiel (1, 4): "E no centro havia a semelhança de quatro animais" [20] . O quatro também significa misticamente as quatro virtudes dos santos: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança [21] ; que, pela liberalidade de Deus, revigoram as almas dos santos. Daí que o Evangelho (Mc 8, 9) diga: "E os que comeram eram cerca de quatro mil pessoas. Em seguida, Jesus os despediu" [22] . Quatro também diz respeito às quatro partes do mundo [23] a partir das quais a Santa Igreja se reunirá. Daí que afirme o profeta (Is 43, 5): "Do Oriente conduzirei a tua descendência e do Ocidente eu te reunirei. Direi ao setentrião: ‘Devolve-os!’ e ao meio-dia: ‘Não impeças!’". Do mesmo modo, o quatro pode simbolizar os quatro elementos [24] dos quais é formado o corpo humano, pois principalmente deles depende a força e a subsistência do corpo. Com efeito, no Evangelho está escrito que o paralítico no leito era transportado por quatro [25] .

O número 5

O cinco traz o significado dos cinco livros da lei de Moisés, dos quais diz o Apóstolo (I Cor 14, 19): "Quero dizer cinco palavras de sentido"; ou para os cinco sentidos do corpo: visão, audição, paladar, olfato e tato [26] . Daí que esteja escrito no Evangelho (Mt 25, 1): "O reino dos céus é semelhante a dez virgens, cinco das quais eram fátuas e cinco prudentes" [27] . E também (Mt 25, 15): "E deu a um cinco talentos". E diz o Senhor à samaritana (Jo 4, 18): "Cinco maridos tiveste".

O número 6

O número seis significa os seis dias nos quais Deus criou as criaturas, como diz o Êxodo (20, 11): "Em seis dias criou Deus o céu e a terra". Significa também as etapas do tempo deste mundo, que comporta seis eras [28] . Daí que Deus, que perfaz [29] todas as suas obras, tenha vindo a este mundo na sexta era, tenha padecido na sexta-feira, no sábado tenha repousado no sepulcro, e no domingo ressuscitado dos mortos.

O número 7

O número sete é um número de múltiplos significados. Pode significar o sétimo dia, no qual, concluída sua obra, Deus repousou. Daí que também as almas dos santos, após as fadigas das boas obras, repousem de todas as suas obras na felicidade eterna do Céu. Pode significar também a septiforme graça do Espírito Santo [30] , do qual diz o Apocalipse (5,6): "Tinha ele sete chifres e sete olhos, sete são os espíritos enviados por Deus por toda a terra". Também sete são as Igrejas de que fala o Apocalipse (cfr. cap. 1), simbolizadas por sete candelabros e por sete estrelas. Nelas se representa a totalidade dos santos [31] , como ali mesmo se declara: que os sete candelabros são as sete Igrejas e, do mesmo modo, as sete estrelas. Também por sete se designa todo o tempo presente deste mundo, que se desenvolve em ciclos de sete dias [32] . Também os males se representam pelo sete; sete é o número da plenitude do pecado, isto é, o sete representa todos os principais [33] vícios. Daí que o Senhor, no Evangelho (Lc 11, 26), diga do espírito imundo: "Então ele vai e toma consigo outros sete piores do que ele e entram e estabelecem-se lá e a última situação do homem é pior do que a anterior". Por isso também Salomão (Prov 26, 25) diz: "Não te fies nele, pois há sete abominações (isto é, diabos) na alma dele". Sete é também a plenitude dos flagelos de Deus, como diz o Levítico (26, 24): "Castigar-vos-ei sete vezes pelos vossos pecados". E, além disso, sete e oito simbolizam a Antiga Lei e o Evangelho. Por isso diz o Eclesiastes (11, 2): "Faze sete partes e também oito". Do mesmo modo o sete e o oito representam o repouso definitivo e a ressurreição.

O número 8

O oito representa o dia da ressurreição do Senhor e também a futura ressurreição de todos os santos [34] . Daí que nas indicações junto ao título do salmo 6 conste: "Para o oitavo".

O número 9

O número nove representa misticamente a Paixão do Senhor: porque o próprio Senhor, na hora nona, tendo dado um forte brado, expirou. Lê-se também que nove são as categorias dos anjos: anjos, arcanjos, tronos, dominações, virtudes, principados, potestades, querubins e serafins. E o nove está presente nas noventa e nove ovelhas [35] que, na parábola evangélica, são deixadas no deserto ou nos montes. Nove pode indicar ainda imperfeição em relação aos mandamentos de Deus, ou a insuficiência dos bens: como está escrito no Deuteronômio a respeito do leito de Og - rei de Basan e tipo do diabo - que media nove côvados de comprimento [36] .

O número 10

O dez é o número do Decálogo. Por isso o Salmista (Sl 32, 2) diz: "Entoar-Te-ei hinos na harpa de dez cordas". É também o número da perfeição das obras e da plenitude dos santos, o que é simbolizado por aquelas dez cortinas que, por ordem do Senhor [37] , foram feitas no tabernáculo do testemunho [38] .

O número 11 [39]

O número onze é figura da transgressão [40] da lei e também dos pecadores, tal como mostra o salmo 11 (cujo número de per si já é símbolo) quando diz: "Salvai-me Senhor, pois desaparecem os homens santos". Daí que também Deus tenha ordenado [41] que se instalassem no tabernáculo da Aliança esse mesmo número de cortinas de peles de cabra para representar os que pecam.

O número 12

O número doze é próprio dos apóstolos, como se evidencia no Evangelho: "Os nomes dos doze apóstolos são..." (Mt 10, 2) e o próprio Senhor diz a seus discípulos: "Não vos escolhi eu doze?" (Jo 6, 70). O número doze também representa a totalidade dos santos que, eleitos das quatro partes do mundo pela fé na Santíssima Trindade, formam uma só Igreja. Esses eleitos são figurados por aquelas doze pedras preciosas com as quais, no Apocalipse [42] , se descreve a construção da cidade do grande Rei. São as doze tribos de Israel, que vêem a Deus.

O número 13

Já o número treze diz respeito à plenitude da lei [43] junto com a fé na Santíssima Trindade, como se lê em Ezequiel (40, 11): "E mediu a extensão do pórtico: treze côvados" [44] .

O número 14

O número quatorze simboliza misticamente as gerações que antecederam o Senhor, como suficientemente se mostra no início do Evangelho de Mateus: "De Abraão a David, quatorze gerações". O número quatorze também diz respeito ao tempo presente e futuro, tal como se mostra no Levítico (cfr. 12,5), onde se indica que a mulher que der à luz uma menina será impura por duas semanas, isto é, o presente e o futuro.

O número 15

O número quinze representa misticamente o repouso e a ressurreição, a Antiga Lei e o Evangelho, tal como se lê nos Atos dos Apóstolos [45] , que Paulo passou quinze dias com Pedro [46] .

O número 17

O número dezessete [47] representa misticamente a totalidade dos profetas [48], pois os dez mandamentos da lei operam pela septiforme graça do Espírito Santo.

O número 20

O número vinte diz respeito à perfeição das obras que se realizam pela caridade, pois o decálogo, multiplicado pelos dois mandamentos da caridade, totaliza vinte. Daí que se tenha escrito que a medida da altura dos dois querubins [49], isto é, a plenitude da ciência, dá esse número.

O número 22

O número vinte e dois representa misticamente os livros divinos, correspondentes às letras dos hebreus [50] .

O número 24

O número vinte e quatro representa os vinte e quatro livros do Antigo Testamento, segundo a tradição dos hebreus. Outros, por este número, entenderam os patriarcas do Antigo e do Novo testamento: "E, sentados sobre os tronos, vinte e quatro anciãos" (Apoc 4, 4).

O número 25

O número vinte e cinco é um símbolo místico derivado da multiplicação do cinco (dos 5 sentidos) por si mesmo evidente em Ezequiel [51] .

O número 28

O número vinte e oito representa misticamente a Antiga Lei e o Evangelho: esse número de côvados de extensão deveriam ter [52] as cortinas do tabernáculo.

O número 30

O número trinta é o número dos frutos dos fiéis casados [53] , como diz o Evangelho: "E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um" (Mt 13, 23).

O número 32

O número trinta e dois refere-se misticamente à idade que Nosso Senhor cumpriu na carne, daí que (como parece a alguns) diga o Apóstolo (Ef 4, 13): "Até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos a idade de homem feito, na medida da idade da maturidade de Cristo".

O número 40

O quarenta é número que representa misticamente a Antiga Lei e o Evangelho. Daí que no Evangelho (Mt 4, 1) [54] se escreva do Senhor: "E foi conduzido pelo Espírito ao deserto por quarenta dias". Representa misticamente também a Ressurreição do Senhor, pois está escrito em Atos (1, 3): "E apareceu-lhes durante quarenta dias". E, além disso, o número quarenta figura ainda o tempo deste mundo. Pois quatro são as partes do mundo e quatro são também os elementos de que está constituída toda criatura visível; já o dez indica plenitude: tanto a do bem como a do mal. E dez por quatro dá quarenta. Daí que o salmista (Sl 94, 10) diga: "Durante quarenta anos desgostou-me aquela geração"; e no dilúvio foi por esse número de dias e de noites que Deus fez chover sobre a terra. E no livro de Jonas (3, 4) está escrito: "Daqui a quarenta dias Nínive será destruída", o que não chegou a ocorrer com aquela cidade, mas ocorrerá com o mundo por ela figurado. Quarenta é o número da permanência no deserto [55] e o das gerações de Abraão a Jesus Cristo.

O número 50

O número cinqüenta é Pentecostes [56] , o do advento do Espírito Santo. Daí que se diga em Atos (2, 1): "Chegando o dia de Pentecostes..." É também o número da penitência dos pecadores: esse é o número do salmo penitencial por excelência.

O número 60

Sessenta é o número que representa misticamente todos os perfeitos. Por isso se diz no Cântico dos Cânticos (3,7): "É a liteira de Salomão - isto é, a Igreja de Cristo - escoltada por sessenta guerreiros, sessenta valentes de Israel". Também sessenta é o fruto dado pelas viúvas e continentes. Daí que se leia no Evangelho (Mt 13, 23): "E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um".

O número 70

O número 70 é o que representa misticamente os antigos pais, figurados pelos setenta mil operários carregadores [57] que Salomão escolheu para edificar o templo. Pois setenta e oitenta são figura da Antiga Lei e do Evangelho, conforme diz o salmo (Sl 89, 10): "Setenta anos é o total de nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta". O setenta [58] é também o número dos presbíteros de Moisés. E setenta e dois são os discípulos enviados pelo Senhor [59] para pregar o Evangelho. Setenta é o número das almas que desceram com Jacó ao Egito como se narra no Gênesis (46, 27) [60] .

O número 80

Oitenta são certas almas cristãs que estão unidas ao Senhor somente pela fé, mas não pelas obras. Delas se escreve no Cântico dos Cânticos (6, 8): "Há sessenta [61] rainhas - isto é, as almas dos perfeitos - e oitenta concubinas".

O número 100

O cem refere-se ao fruto dos mártires ou das virgens como diz o Evangelho (Mt 13, 23): "E produzirão fruto: cem por um..."

O número 120

Cento e vinte é o número que figura a perfeição da Antiga Lei e do Evangelho. Daí que Moisés, legislador, tenha vivido cento e vinte anos e que o Espírito Santo, no dia de Pentecostes, tenha descido sobre as almas de cento e vinte fiéis que estavam congregados no Cenáculo. Pois lê-se que antes do dilúvio foi decretado cento e vinte anos de penitência para os homens [62] . E a altura do templo de Salomão era de cento e vinte côvados, o que tem o mesmo significado místico que o recebimento do Espírito Santo por cento e vinte homens da primitiva Igreja em Jerusalém, em virtude da Paixão, Ressurreição e Ascensão do Senhor aos céus. E, também, estabelecendo a seqüência natural de números e somando-os de 1 a 15 [63] , o que equivale a "reuni-los no mesmo lugar", obtém-se 120. Pois o 15 é composto pelo 7 e pelo 8, que costumam significar a vida futura que é incoada nesta vida pelo Batismo nas almas dos fiéis, mas que atingirá sua plenitude na ressurreição e imortalidade no final dos séculos.

O número 153 [64]

O cento e cinqüenta e três é representação mística do número dos que se salvam, pois é o número de peixes apanhados pelos Apóstolos após a ressurreição do Senhor (Jo 21,11).

O número 300

Trezentos representa o número dos perfeitos que, pela cruz de Jesus, obtêm vitória sobre o mundo, e que foram prefigurados por aqueles trezentos soldados escolhidos para combater ao lado de Gedeão (Jz,7).

O número 600 [65]

Quinhentos diz respeito às 6 idades do mundo (como alguns consideram) que precisam passar para que o Salvador se digne visitar o mundo. Em prefiguração disso, Noé, com a idade de seiscentos anos [66] , por inspiração divina construiu a arca para a salvação de sua família.

O número 1.000

O número mil é o da plenitude da bem-aventurança. Daí que se leia no Cântico dos Cânticos (8,11): "Pacífico [67] tinha uma vinha e confiou-a aos guardas. Cada um recebeu mil moedas de prata pelos frutos colhidos". A vinha é a Igreja, abundante em frutos da fé; o Senhor Jesus [68] entregou-a aos guardas, isto é, aos profetas, aos apóstolos e às dignidades angélicas; pelos frutos colhidos o homem recebe mil moedas de prata, isto é, a plenitude da retribuição.

O número 1.200

Mil e duzentos é figura dos doutores apostólicos que, espalhados pelo mundo, se dedicam a pregar a palavra. Estes recebem remuneração dupla, o que é representado pelo duzentos: "Mil siclos para ti, Pacífico, e duzentos para esses que velam pela colheita" (Cânt 8, 12).

O número 7.000

O sete mil representa misticamente o número de todos os eleitos que, repletos do Espírito Santo, pela semana deste mundo reúnem-se no Reino dos Céus. Daí que diga I Reis (19,18): "Reservarei em Israel sete mil homens que não dobraram o joelho diante de Baal".

Já seiscentos mil é o número dos filhos de Israel que saíram do Egito, como diz o Êxodo [69] .

O número 10.000

Dez mil é o número para o decálogo da Lei, como se lê no Evangelho (Mt 18, 24): "Trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos".

O número 144.000

O cento e quarenta e quatro mil é representação mística dos eleitos, judeus que no fim do mundo hão de crer em Cristo (como afirmam alguns). É também, como diz o Apocalipse (cap. 14), o número dos que não se corromperam: "Cantavam como que um cântico novo diante do trono. E ninguém podia cantar aquele cântico, a não ser os cento e quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra, os quais não se contaminaram e em cuja boca não se achou mentira, pois são irrepreensíveis".


Notas:

[1] Cfr. a respeito, p. ex., PIEPER, J., Unaustrinkbares Licht, p. 13 e ss.

[2] Sermão 250, em Agostinho, Sermões para a Páscoa, trad. de António Fazenda, Lisboa, Verbo, 1974.

[3] Cfr. Êx 26.

[4] Agostinho, Sermão 83, 7.

[5] Veja-se também I, 1, 9.

[6] Unus, em latim, pode significar: um, um só, único ou uno. Assim, traduzimos: Dominus unus, que literalmente seria "Senhor um", por único Senhor.

[7] O original, em Migne, diz, provavelmente equivocado, Deus unus e Êxodo, em vez de Dominus unus e Deuteronômio.

[8] O livro dos Atos dos Apóstolos, que na Bíblia se segue aos quatro Evangelhos, foi escrito pelo evangelista S. Lucas e narra o que fizeram os apóstolos após a Ressurreição de Cristo e a vinda do Espírito Santo. Descreve também a vida dos primeiros cristãos. O conhecido versículo citado diz que a multidão dos fiéis era cor unum et anima una, literalmente, um coração e uma alma. Cabe aqui a mesma observação da nota 6.

[9] Uma das instruções de Deus a Noé sobre o modo de construir a arca. No original latino até a forma das palavras deixa transparecer a relação entre fazer "o cimo" (summitatem) e a perfeição, consumar (consummabis) uma obra.

[10] Trata-se da parábola em que Cristo compara o Reino dos Céus a um banquete que um rei oferece a várias pessoas que se recusam a comparecer. O rei ordena então a seus servos que convidem a todos que acharem pelos caminhos: "e a sala do banquete ficou repleta de homens maus e bons". Rábano Mauro pretende explicar o enigmático singular, "um homem que não trazia veste nupcial" pela unidade dos maus.

[11] Ao doutor da lei que lhe pergunta qual é o maior mandamento, Jesus responde: "<<Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito>>. Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: <<Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas>>."

[12] A multiplicação dos pães e dos peixes, cfr. Jo 6, 9; Mt 14, 17 ou Mc 6, 41. Nesta interpretação dos dois peixes representando os dois poderes, Rábano Mauro segue Agostinho (cfr. Sermão 130, 1).

[13] O caráter elíptico do latim, que prefere dizer "dois" ao invés de explicitar os "dois homens",,,, dá margem ao pensamento alegórico: o "dois" passa a representar corpo e alma.

[14] Sentença proferida por Cristo ao descrever o fim do mundo.

[15] A Ressurreição de Cristo deu-se no terceiro dia.

[16] Fé, esperança e caridade são as três virtudes teologais, isto é, aquelas que têm por objeto a Deus e são infundidas no homem por Deus.

[17] Deus ordenou que se reservassem três cidades como asilo onde quem tivesse matado o próximo por inadvertência e sem ódio prévio pudesse refugiar-se e escapar à injusta vingança.

[18] Rábano Mauro associa respectivamente ouro, prata e pedras preciosas/madeira, feno e palha, aos bons/maus pensamentos, palavras e obras.

[19] O texto de Migne equivocadamente diz Ezequiel, cap. 1. Trata-se, porém, do cap. 14 de Ezequiel, dedicado à responsabilidade individual. Rábano Mauro está mais interessado em encontrar nessa passagem uma confirmação (no mínimo, obscura) da tríplice divisão que estabeleceu para os fiéis: como clérigos, monges ou no casamento.

[20] O paralelismo entre as visões dos quatro seres vivos de Ezequiel e do Apocalipse (cfr. 4, 7) é tomado como símbolo dos quatro Evangelhos.

[21] Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança são as virtudes indicadas classicamente como as quatro virtudes cardeais. A relação com a passagem do Evangelho é, como tantas outras de Rábano Mauro, muito forçada.

[22] Esta interpretação de Rábano Mauro é especialmente forçada.

[23] Os quatro pontos cardeais.

[24] Os quatro elementos que compõem tudo que há no mundo e, particularmente, o corpo humano. No tratado de Isidoro de Sevilha sobre o homem lê-se: "O corpo vivo é integrado pelos quatro elementos: a terra está na carne; o ar, no hálito; o líquido, no sangue; e o fogo, no calor vital" (Etym. XI, 16).

[25] Cfr. Mc 2,3. O latim diz quatro e subentende quatro homens.

[26] Tal como nossa palavra "sentido", sensus em latim tanto pode ser aplicada a um discurso dotado de "sentido", como para os cinco "sentidos" corporais.

[27] Esta interpretação e as seguintes parecem-nos especialmente forçadas.

[28] Isidoro dedica um dos livros de suas Etimologias (o livro V) às leis e aos tempos. No cap. 39, Sobre a divisão dos tempos, afirma que há seis eras: 1) A que vai da criação do mundo até o dilúvio; 2) Do dilúvio até Abraão; 3) De Abraão a Davi; 4) De Davi ao cativeiro na Babilônia; 5) Do cativeiro da Babilônia a Júlo César e 6) Do nascimento de Cristo a... - "quanto tempo resta nesta era, só Deus sabe".

[29] Deus, Perfector, escolhe o número 6 que, como se sabe, é, já desde a Matemática grega, um número perfeito (é igual à soma de seus divisores: $6 = 1 + 2 + 3$).

[30] Os dons do Espírito Santo são: Sabedoria, Ciência, Entendimento, Conselho, Fortaleza, Temor de Deus e Piedade (cfr. Isaías 12, 2).

[31] Rábano Mauro às vezes utiliza a palavra "santos" como sinônimo de "fiéis", como também é freqüente nas epístolas de S. Paulo.

[32] "O número sete costuma simbolizar a totalidade, pois o tempo se desenvolve em ciclos de sete dias, e, completados esses sete dias, começa de novo etc." (Agostinho, Sermão 83, 7).

[33] . Os 7 vícios capitais (soberba, avareza, luxúria, inveja, gula, acídia e ira), fonte de todo o mal.

[34] O número oito - ensina Agostinho - simboliza o mundo futuro. Pois o oito sucede o sete, número que representa o tempo. Após a mutabilidade desta vida (simbolizada pelo sete) o oitavo dia é o do juízo. Daí, conclui Agostinho, o título do salmo 6: "Para o oitavo", onde se diz: "Não me repreendas, Senhor, em tua indignação; em teu furor não me castigues" (Agostinho, Sermão 260 C, 3).

[35] É a parábola da ovelha perdida em que Jesus quer mostrar a solicitude de Deus pelo pecador: "Quem de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu até encontrá-la?" (Lc 15, 3 e ss.)

[36] Deuteronômio (3, 11). O cubitum, côvado como unidade de medida, é a distância do cotovelo (cubitum) até a ponta do dedo médio (algo em torno de 50 cm.). Por aí se vê o gigantesco porte de Og; o que nada lhe valeu na batalha contra o povo eleito, a quem Deus diz: "Não vos assusteis; não tenhais medo deles (os povos de estatura mais alta). O Senhor, vosso Deus, que marcha diante de vós, combaterá Ele mesmo em vosso lugar etc." (Deut 1, 29).

[37] Êxodo 26, 1 e ss.: "Farás o tabernáculo com dez cortinas etc."

[38] O testemunho é o texto do Decálogo (cfr. Êx 25, 16).

[39] Curiosamente não é mencionada passagem do Gênesis (37, 9), em que José suscita a inveja e o ódio de seus irmãos ao narrar-lhes o sonho no qual via simbolicamente o pai, a mãe e os 11 irmãos prostarem-se diante dele: "o sol, a lua e onze estrelas prostravam-se diante de mim".

[40] Trans-gredir, etimologicamente, é ultra-passar, dar um passo além da lei, que é figurada pelo número dez. "A lei é o número dez; o pecado, o onze. Mal ultrapassas o dez, cais no onze. Portanto, grande é o mistério simbolizado nas ordens dadas para a instalação do tabernáculo. Muitos mistérios estão nelas representadas. Entre outras coisas foi mandado que se fizessem não dez, mas onze cortinas de pele de cabra, pois no pêlo de cabra se simboliza a confissão dos pecados" (Agostinho, Sermão 83, 7).

[41] Cfr. Êx 26, 7.

[42] Cfr. Apoc 21, 19 e ss.

[43] A Antiga Lei (10) + a Trindade (3) = 13.

[44] Esta interpretação de Rábano Mauro é especialmente forçada.

[45] Na verdade, Gál 1, 18.

[46] Como diz o próprio Paulo (cfr. Gál 2, 8), Pedro é o apóstolo da lei e ele, Paulo, o dos gentios. Em todo caso, a interpretação de Rábano Mauro é muito forçada.

[47] Em Migne, este parágrafo é precedido da sentença: "Sedecim ad numerum sedecim prophetarum".

[48] Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

[49] Mencionados no capítulo referente ao número 2.

[50] Diz Isidoro: "Os hebreus se valeram das 22 letras (de seu alfabeto) para indicar os livros do Antigo Testamento" (Etym. I, 3, 4).

[51] Provavelmente em Ez 11, 1 e ss. Em todo caso, a interpretação de Rábano Mauro é muito forçada.

[52] Cfr. Êx 26, 2.

[53] Como se verá adiante, para Rábano Mauro o fruto de sessenta por um é dado pelos viúvos, e o de cem por um, pelos mártires e pelas virgens.

[54] E Mc 1, 9.

[55] O povo escolhido passou 40 anos no deserto.

[56] Pentecostes em grego significa qüinquagésimo.

[57] Cfr. I Re 5, 15.

[58] Cfr. Núm 11, 16. O texto de Migne equivocadamente diz setenta e dois.

[59] Cfr. Lc 10, 1.

[60] O texto de Migne equivocadamente diz 75, em vez de 70, e refere-se ao livro dos Atos dos Apóstolos, ao invés do Gênesis.

[61] O texto de Migne equivocadamente diz setenta.

[62] Rábano Mauro interpreta Gên 6, 3 ("e serão os seus dias cento e vinte anos") como tempo de penitência.

[63] Passagem ininteligível em Migne que, erradamente, diz doze. Na verdade, Rábano Mauro propõe que a soma $1 + 2 + 3 + \cdots + 14 + 15 = 120$ simbolize (Atos 2, 1) a "reunião num mesmo lugar" (soma) dos 120 fiéis.

[64] Migne equivocadamente diz 154.

[65] Migne equivocadamente diz 500 e 5, ao invés de 600 e 6.

[66] Cfr. Êx 7, 6.

[67] Pacífico, o rei Salomão, figura de Cristo. Segundo os etimologistas da época, Salomão significa pacífico. "Pois - diz por exemplo Agostinho -, o nome Salomão significa em latim Pacífico" (Sermão 10,4).

[68] Prefigurado em Salomão.

[69] Cfr. Êx 12, 37.

Texto retiro do link.


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Breve Introdução às Disciplinas Matemáticas

Capa do Livro Compedio Mathematico
de Tomás Vicente Tosca

Trecho retirado do livro Compendio Mathematico, en Que Se Contienen Todas las Materias Mas Principales de las Ciencias, Que Tratan de la Cantidad, Vol. 1, Tomás Vicente Tosca, tradução feita pelo Instituto Hugo de São Vitor na Coleção de Artes Liberais Vol. 9: Aritmética.

O desejo e o apetite pelo conhecimento são naturais nos homens, disse Aristóteles no livro I, capítulo I, da Metafísica, e entre todas as outras ciências naturais a que mais o satisfaz é a matemática: pois as excede sem comparação na pureza de suas verdades, na energia de suas provas, na clareza de suas demonstrações e no contínuo fio de suas consequências. Com isso, recebeu o nome de Matemática, que segundo sua derivação do grego, é o mesmo que doutrina, e disciplina, tornando-se seu este nobre título, que todos poderiam reivindicar como comum, pois carece de dúvidas e opiniões, tão frequente e comuns nas outras ciências, Essas névoas que tendem a obscurecer o esplendor de outras faculdades não atingem a região exaltada da Matemática; ao contrário, tais luzes descem de sua esfera elevada, descobrindo os caminhos para as outras artes naturais, para encontrar a verdade justamente desejada.

Com ela são descobertos os segredos mais escondidos da natureza. É ela quem descobre as forças do ímpeto, as condições do movimento, as causas, efeitos e diferenças dos sons: a admirável natureza da luz, as leis de sua propagação: ela ergue edifícios com beleza, torna quase inexpugnáveis as cidades, ordena admiravelmente os exércitos; e entre as ondas confusas e inconstantes do mar, abre estradas e caminhos a quem navega. Ultimamente a matemática se volta ao Céu, para descobrir a grandeza das estrelas, e o conceito e a harmonia de seus movimentos; e com várias invenções de telescópios, tornou comum o comércio da terra com o céu, tão desejado pelos séculos antigos. O tempo não será mal usado, então, se ele se consumir em seu estudo; nem será em vão o suor, se for usado em solo tão fértil, que retorna em frutos tão multiplicados.

I. Objetos, natureza e divisão da matemática

O objeto da matemática é a quantidade, não tomada como enquanto impenetrabilidade de um corpo com outro, que é a consideração própria da Física; mas apenas na medida em que é extensão ou número: e geralmente é objeto da matemática aquilo pelo qual uma coisa se diz maior, menor ou igual a outra; e a razão é porque todo o seu emprego consiste em descobrir e demonstrar as propriedade e atributos da referida quantidade. Com isso, a matemática nada mais é do que a ciência que lida com a quantidade enquanto mensurável ou contável.

Quase todos o matemáticos antigos, seguindo os pitagóricos, dividiram a matemática em quatro partes principais: aritmética, geometria, música e astronomia. Mas procedendo com melhor ordem, eu a divido em matemática pura e não pura. A primeira lida com a quantidade de tal maneira que não considera nela nenhum acidente ou afecção sensível: tais são a geometria e a aritmética; porque aquela fala do triângulo, independentemente de ser branco ou preto; de madeira, ou de ferro, etc. E a outra fala dos números, sem se envolver em descobrir se o que numera são homens, ou pedras, etc. As matemáticas não puras são aquelas que consideram a quantidade vestida e acompanhada de algum acidente ou condição sensível; e porque os afetos sensíveis são próprios da filosofia natural, ou física, elas são chamadas de físico-matemáticas: tais são a música, que trata da quantidade sonora; a óptica, da quantidade visível, etc. Estes subdividem-se em muitos outros, aos quais quero referir-me brevemente aqui, antes de entrar nesta obra; para que, vendo o estudioso reduzida a um breve mapa a agradável província que ele tem de caminhar, obterá um novo encorajamento a sua disposição.

II. As partes nas quais a matemática é dividida são declaradas

A primeiras delas é a geometria, que, tratando da extensão, mede linhas, ângulos, superfícies e sólidos: descobre suas proporções e abre as base sobre as quais se ergue a construção de toda a matemática. Segue-se a aritmética, que se vale dos números, especula sobre suas propriedades e realiza operações infalíveis com eles. Em terceiro lugar entra a Álgebra, que com incrível sagacidade, segue por vários e ocultos caminhos a verdade até encontrá-la; dissolve as equações mais difíceis e abre caminho nos labirintos mais intricados. Acompanha-lhe a trigonometria, cujo negócio é resolver triângulos: todo o sucesso da astronomia se deve a ela. A logarítmica aumenta a facilidade das operações, trata da nobre invenção dos logaritmos, números artificiais, que não pouco enriqueceram o muno literário. Todas as mencionadas são ciências puramente matemáticas.

Na ordem da físico-matemática, ocupa o primeiro lugar a música, que trata da quantidade sonora: descobre a razão das consonâncias e dissonâncias; expõe o sistema musical em diferentes gêneros: arranja os órgãos, fístulas, cravos etc., compõe diversas melodias, ajustando nelas o que está de acordo com o que está em desacordo, para o tranquilo entretenimento do ouvido. Segue a mecânica, que com máquinas artificiais aumenta muito as forças de qualquer potência: é incrível o quanto ela auxilia para se filosofar com sucesso sobre as coisas da natureza.

A estática, mesmo com o peso de seu objeto, eleva seu voo às regiões mais remotas da física, descobre as proporções e as causas da gravidade dos corpos, examina seus movimentos, esquadrinha a proporção deles ao longo de qualquer linha: seu aumento e diminuição: a balística e arte da artilharia dependem desta faculdade, de modo que sem ela nada se pode determinar corretamente. A hidrostática segue a estática, que trata das correntes das águas; descobre seus movimentos, compõe fontes artificiais deles, determina a origem e a causa dos seus movimentos naturais: examina os pesos dos metais e outros corpos no líquido e abre uma grande porte para o conhecimento das coisas naturais.

A arquitetura civil eleva os edifícios com firmeza, bela proporção e simetria, segundo as cinco ordens comuns. Isso foi conseguido pela arte chamada montea, que, usando regras geométricas, corta e ajusta as pedras, levantando com elas vários tipos de arcos e abóbodas nas fábricas. Segue-se a arquitetura militar, que ensina a fortalecer as praças, com tal arranjo de muralhas, baluartes, fossos e outras defesas, que podem poucos lutar e se defender de muitos. A artilharia trata das máquinas de fogo, arranja e examina os canhões; regula a forma de lançar as balas e outras invenções do fogo para um determinado local, por diversas linhas.

A óptica considera a quantidade enquanto é visível, e assim alarga sua consideração para os campos mais agradáveis da natureza, usando-se na especulação do movimento da luz e dos raios visuais: ela ensina a formação e a deformação das imagens, em tão diversas projeção e reduções que se formam a partir de um único ponto, que com desordem ordenada vai deformando muitos. Perspectiva, catóptrica e dióptrica nascem dela. Aquela com diferentes trajetórias, projeções e decussação dos raios, finge longe o que está perto, e avoluma o que não tem corpo. A dióptrica, ou arte anaclástica, trata dos raios de luz refratados, seus ângulos, competições e desvios: é usada na fabricação de todos os tipos de telescópios e microscópios, com os quais faz o que está longe, parecer próximo e perto; grande o que é pequeno e pequeno o que é grande: com isso ela deu a esses séculos novas notícias dos céus: novo conhecimento do artifício que a natureza escondeu por tanto tempo. A arte catóptrica, ou anacamptica, trata dos raios refletidos e, de acordo com suas leis, fabrica uma grande variedade de espelhos planos, côncavos e convexos, que, reunindo ou espalhando os raios, causam efeitos admiráveis.

A geografia considera o globo terrestre, e nos oferece, nos mapas que faz, uma ideia perfeita de seu traçado, apresentado a nossa vista em um curto espaço suas extensas regiões e províncias. A astronomia vai mais alto, sobe às regiões celestes, descobre as distâncias, grandezas e disposições dos astros, e num sistema nos esclarece a grande máquina de seus movimentos. A astronomia é seguida pela gnomômica, que com a sombra de um estilo nos mostra os movimentos dos céus; e com a variedade de relógios que fabrica, determina em diferentes planos os passos que o sol dá no curso luminoso de sua eclíptica. E ultimamente a cronografia usa na ordenação dos tempos, ajustando seus períodos aos movimentos do céu. Estas são as principais disciplinas da matemática.

III. Origem, progresso e utilidade da matemática

Não há dúvida de que com as outras ciências Deus incutiu em nosso primeiro pai Adão a notícia da matemática, que foi continuada por seus descendentes até Abraão, que a comunicou aos caldeus e aos egípcios: e destes passou sem dúvida para os gregos, porque Tales Milésio no ano 584 antes do Nascimento de Nosso Salvador passou da Grécia para o Egito, para aprender geometria, e depois comunicá-la aos seus: ele foi seguido por homens ilustres em matemática, como Pitágoras Sâmio, Anaxágoras Clazomênio, Enópides Quio, Anaximandro Milésio, Hipócrates Quio, Demócrito, Teodoro e seu discípulo Platão, Arquitas Tarentino, Teoteto, Euclides, Erastóstenes, Arquimedes, Gemino, Menelau, de cujos escritos Teodósio compôs os elementos esféricos na época de Pompeu, o Grande; estes foram seguidos por Ptolomeu Alexandrino, Proclo, Teão, Campano, João de Regiomonte, e muitos outros até nosso século, em que a matemática foi muito avançada por muitos e ilustres, especialmente São Basílio, que é elogiado por seu discípulo São Gregório Nazareno, por ter avançado muito em astronomia, geometria, aritmética e outras matemáticas; aos quais se acrescentam Santo Agostinho e Beda, o venerável, como se vê no que deixaram escrito sobre estes assuntos.

E não espanta se apreciaram tanto seu estudo, porque além de sua nobreza, ele é de imponderável proveito. Eles, disse Platão, animam o engenho e, usando a fala, a tornam apta para aprender melhor as outras ciências: por isso ele excluiu de sua Academia aqueles que eram ignorantes em geometria. Sem a matemática não é possível abrir caminho na filosofia natural com sucesso. Porque sem a estática, como explicar os movimentos dos corpos pesados, sua aceleração e suas proporções? Como a restituição do comprimido e tenso, no qual está indubitavelmente a maior parte dos efeitos da natureza? Sem a óptica, dióptrica, o que acontecerá em matéria de cores e luz, senão a escuridão? Que conceito pode ser feito da formação da íris, coroas e outros meteoros? Quanto aproveitam também para Teologia, Santo Agostinho o declara muito bem no livro 2 do Sobre a Doutrina Cristã, nos capítulo 16, 19 e 37; e São Jerônimo, no volume I, epístola I. E especialmente são necessários para o perfeito entendimento da Sagrada Escrituram, geometria, aritmética e geografia, pois são quase inumeráveis os texto que requerem estas notícias para sua inteligência.

IV. Explicação de alguns termos que são frequentes na Matemática

Autores, antigos e modernos, tendem a usar os seguintes termos em seus tratados de matemática: definições, axiomas, postulados, proposições, teoremas, problemas e lemas; que será bem explicado no início deste trabalho.

Definições são explicações de nomes e termos. E assim dizemos que por este nome Triângulo não entenderemos nada além de uma figura, que consiste em três ângulos. Estas explicações dos termos devem estar no início de qualquer Tratado, porque grande para das questões e também dos Paralogismos que se cometem, decorrem da ambiguidade e das diferentes inteligências dos nomes.

Os postulados são princípios tão claros e evidentes que não precisam de prova ou demonstração; e por serem frequentes no curso da ciência, podem que sejam concedidas no início, para que depois não haja tropeço nas demonstrações: como de um ponto a outro, pode-se traçar uma linha reta.

Axiomas, ou noções comuns, são os princípios gerais comuns a todas as ciências: tão evidentes e claros que, por si mesmo, apenas com a declaração dos termos, eles manifestam, como é "O todo é maior que sua parte"; porque sabendo que a coisa é todo e parte, a dita verdade é evidente.

Proposição é um nome geral e significa aqui qualquer conclusão da ciência que propomos provar por seus princípios. Das proposições, algumas são teoremas e outros problemas.

Teoremas, é uma proposição especulativa, que diz alguma propriedade ou paixão do sujeito, como é "Os três ângulos de qualquer triângulo junto são iguais a dois ângulos retos".

Problema é um Proposição prática, que propõe a maneira de fazer algo; como aquela que ensina a dividir uma linha em duas partes iguais.

Há também frequentemente uma proposição, que eles chamam de lema. Este é aquele que apenas é colocado, e é assumido para provar a proposição, ou as proposições seguintes, de modo que, se não fosse para este fim, nenhum menção seria feita.

Além do acima mencionado, o seguinte será encontrado neste tratado.

Corolário, ou consectário, é uma proposição, que por consequência legítima se infere do que já foi demonstrado.

Escólio é uma anotação, que às vezes é adicionada ao final de uma proposição, para sua explicação posterior, ou para uma maior extensão do que é ensinado nela.

***

Os 9 tomos originais do Padre Tomás Vicente Tosca em espanhol se encontram aqui: drive.


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Matemática: Ciência da Quantidade - Prof. Pedro Miranda

Criação do Cosmos - Cristo criando
o cosmos Gênesis 1 No princípio
- por Ted, 4 de março de 2011

Transcrevemos abaixo trechos da aula do prof. Pedro Miranda sobre Matemática: Ciência da Quantidade

O vídeo pode ser encontrado aqui: Link.

Interlocutor Pablo Cânovas: Sejam muito bem-vindos a mais um podcast da Contra Errores. Estamos aqui novamente com o professor Pedro. Dessa vez, como nós falamos no final do nosso último podcast, para falar sobre matemática. O professor Pedro também é professor de Matemática. O que o nosso professor vai fazer hoje é apresentar o desenvolvimento da Matemática de Aristóteles até hoje.

Professor Pedro Miranda: Bom dia, boa tarde, boa noite a todos os ouvintes. Agradeço mais uma vez ao Pablo por essa oportunidade de falar com vocês e de tratar desse assunto tão interessante, e que poucos falam nos dias de hoje. As Matemáticas são já bem desenvolvidas em diversas civilizações. Podem notar isso pelas descobertas arqueológicas. Como se observa os egípcios, os povos mesopotâmicos e os povos que formaram a civilização chinesa. Isso é algo que é cosmopolita esse trato com essas Matemáticas. No entanto, as Matemáticas, que são duas, estiveram sempre em torno de sua aplicabilidade. A Geometria deveu muito à agrimensura para delimitar o terreno para o plantio. A Aritmética deveu muito à contagem de quantidades de material para comercialização, quantidade de unidades de rebanho ou com unidades fixas de quantidade de grãos, por exemplo. 

A primeira coisa que deve-se salientar é que as técnicas matemáticas se desenvolveram primeiro que sua conceituação. Na Índia antiga tiveram algoritmos que permitem a técnica da divisão, para o mesmo cálculo de áreas de polígonos ou a determinação dos poliedros. Tudo isso é bem cosmopolita. O que eu farei hoje em pouco tempo, pelo menos no meu ponto de vista, é investigar como Aristóteles considera a Matemática. Nós estamos com o pressuposto de que as Matemáticas têm como sujeito de sua ciência o ens quantum em latim ou το ποσό em grego. [ente quantidade]

Em Aristóteles, evidentemente, no seu Tratado dos Complexos nas Categorias, a primeira categoria que nós estudamos é a substância. Não vamos adentrar na substância. A segunda categoria na listagem de Aristóteles, nesta obra, é a quantidade. No entanto, é importante que nós saibamos de antemão que na Metafísica, Aristóteles coloca quantidade em segundo plano enquanto acidente. Acidente é aquilo que acontece na substância, é aquilo que acontece em outro. Ele coloca em primeiro lugar a qualidade. Por quê? Porque já na altura de sua vida ele escreve Metafísica e já estabelece a doutrina de forma e matéria. De onde a qualidade flui imediatamente da forma, enquanto a quantidade flui imediatamente da matéria. Então uma substância, quando possui a categoria quantidade, podemos chamá-la de certo aspecto de corpo. Um exemplo: os anjos não são exatamente corpóreos. Eles não estão restritos à categoria quantidade. Por isso que dizemos que são substâncias separadas. Quando um anjo age, ele não age com base na localidade, pois ele intensifica sua ação no lugar que ele deseja. Ou às vezes ele pode aparecer em forma corpórea, não por necessidade corpórea, mas para se apresentar de uma forma racionalizado para nós.

O que é quantidade? Para Aristóteles, a quantidade é o acidente, cuja característica central é ter parte, pode ser divisível. Vamos fazer uma comparação para podermos enxergar essa afirmação. Quando eu pego uma qualidade, por exemplo, o branco que está na parede. Vou ter uma parede branca diante de mim. A qualidade branca pode ser separada? Ela não tem parte para ser separada. A parede é branca. Mas existe uma tendência linguística de que se diz que essa parede é muito branca, quer dizer que há uma amplitude. A superfície em que ela que é branca é grande. Então, no fundo, muitas vezes a gente diz que é muito branca, porque ela é extensa. A superfície da parede é extensa. É nesse sentido e isso também faz sentido na sintaxe grega. Os gregos falavam que isso aqui é muito branco, no sentido de que a superfície, que tem a qualidade branca, é muito extensa. Notem que a superfície é uma quantidade.

A quantidade é o acidente que têm partes e pode ser dividida em discreta e contínua. E também de acordo com suas partes a quantidade pode ter posição entre as partes ou não. O que é essa posição? Pode haver ordem entre as partes. Pode ser primeira, segunda, terceira, quarta ou não.

Pois bem, então vamos aqui tratar de alguns exemplos de quantidades discretas. Aristóteles chama a atenção para dois tipos de quantidades, que são caracteristicamente discretas que são os números e o discurso. O discurso que ele está se referindo é ao texto mesmo. O número vai quantificar certas unidades. Quando Aristóteles fala [unidade], entenda aqui um número natural: um dois, três, quatro, cinco... Não têm $0,7$. Não temos números reais aqui em Aristóteles. Quando ele fala números, ele está se referindo aos naturais que são aqueles que nós podemos contar. Por outro lado, temos os números contínuos que são os nossos lugares geométricos. A linha, a superfície, o corpo, o tempo e os ciclos. Os ciclos porque tem aspecto de quantidade, a localização, posição dentro do espaço. Que podemos discernir quantidade discreta de quantidade contínua? Quando eu escrevo $5$. Isso aqui é um algarismo que indica um número. O símbolo é o algarismo. (Em algarismo romanos V). O símbolo pode mudar, pois o símbolo corresponde ao número.  O número, no sentido aristotélico, é aquilo que se obtém a partir de uma contagem. [o professor desenha cinco pontos no quadro] O que significa? Indica que alguém contou cinco unidades de alguma coisa, de pessoas, objetos, qualquer coisa que você quiser.

Recapitulando: uma coisa é o algarismo que simboliza o número, são algarismos arábicos e romanos ($5$ e V). Esses algarismos são símbolos que indicam o número. Do ponto de vista aristotélico, o número é o resultado de uma contagem. O que é uma contagem? Uma contagem é quando eu escolho uma unidade de critério de contagem. Por exemplo, aqui na minha mesa eu tenho diversos objetos. Eu crio um critério: o critério de contagem é o objeto individual. Eu vou começar a contar os objetos individuais que estão sob minha mesa: um celular, uma caneta, mouse, uma garrafa d'água. Toda vez que eu identifico uma das unidades, eu apreço uma unidade no meu número.

Notem uma coisa: quando eu desenho assim um “bifurcamento discreto” [há cinco pontos no quadro no formato da letra W], que é um exemplo de representação de uma contagem discreta. É possível notar que cada parte [ponto] não tem um limite em comum. Elas não tem um limite em comum. No entanto, quando estou considerando elas juntas, isso para mim é quantidade. Qual é a característica da quantidade discreta? As partes dessa quantidade não tem um limite em comum.

No caso do discurso, o discurso é composto por letras, por sílabas ou fonemas. O discurso falado são fonemas. Eu posso dividir? Posso tranquilamente. Qualquer palavra pode ser dividida em partes. Essas partes são discretas. Por que são discretas? As sílabas não têm um limite em comum entre elas. Então, por exemplo, a palavra: Nú-me-ro. Não existe nada que a separa, não existe algo que separa essas sílabas ou mesmo esse fonema: Nú-me-ro. É claro que quando eu falo rapidamente, vai diminuindo o intervalo entre os sons para formar a palavra articulada “Número”. Esses são os dois exemplos que Aristóteles traz de quantidades discretas. Hoje em dia a gente tem uma disciplina chamada Matemática Discreta, cujo princípio não mudou. O princípio é o mesmo. É claro que vamos ter teoremas, corolários, proposições acerca do que nós podemos fazer com as quantidades discretas.

Agora vamos para as quantidade contínuas. Temos caracteristicamente exemplos importante. Aqui nós damos o nome de lugares geométricos. A primeira delas é a linha. A linha é potencialmente infinita. O infinito aqui é matemático. Cuidado com isso. Já vou explicar. Agora temos aqui as quantidades contínuas. Nas quantidades contínuas, nós temos três elementos importantes a serem aprendidos. Aqui eu representei uma linha ou reta. Cuidado com isso [o professor desenha uma reta no quadro]. Na Matemática, a linha reta é potencialmente infinita. Significa que ela continua para um lado e para outro lado indefinidamente. É claro que não é possível que eu desenhe uma reta ou linha [por completa]. Eu posso representar um segmento de reta, representando a reta. Eu desenhei um pedaço dela, mas eu quero dizer que ela continua de um lado e continua do outro lado. A linha ou reta é uma quantidade contínua. Se ela é uma quantidade, por definição, ela possui partes, quer dizer, que eu posso dividir ela quantas vezes eu quiser. Quantas partes eu posso potencialmente dividir uma reta ou linha? Infinitas. Não tem limite para isso. Isso vai ser de fato infinito? Não. Em Matemática, dizemos que tende indefinidamente a crescer.

Interlocutor: Eu me lembrei de uma aula de Química que eu tive no Ensino Médio. Nessa aula de química, ele compara a teoria do átomo com uma suposta teoria de Aristóteles, que era justamente quanto a infinitude das divisões da quantidade contínua. Ele dizia que, quando se descobriu o átomo, refutou Aristóteles, porque se descobriu que tinha um limite na divisão.

Professor: Eu vou falar sobre isso. Esse assunto será a cereja do nosso bolo hoje. De fato, nós podemos potencialmente dividir uma reta e infinitas partes. Potencialmente, isso pode ser atualizado, isso pode ser feito? Não. Por que falta tempo e falta ato para isso. Bom, eu tenho infinitas partes, quando eu divido uma reta, quando eu corto* uma reta. Vamos supor que eu pegue uma faca e passe a faca [numa reta]. Eu vou ter quantas partes se eu cortar aqui? Eu vou ter duas partes. Uma de um lado, outra do outro lado. Note uma coisa: se eu cortei eu tenho um ponto. O ponto é uma intersecção da parte à esquerda e da parte da direita. Esse ponto pertence tanto à parte à esquerda quanto à parte direita. Então, qual é a característica essencial da quantidade contínua? Eu sempre terei um limite entre as partes. Existe um limite. Na quantidade discreta, não existe um limite. No caso de entes de uma dimensão que é a reta, (a reta é um ente de uma dimensão) o limite de entes de uma dimensão são entes de dimensão zero que são pontos.

De modo completamente análogo, quando eu tenho uma superfície como plano ou superfície [o professor desenha uma plano no quadro]. A superfície continua é indefinidamente para lá e para cá, mesma coisa (todas as direções). Ela é infinita também e eu desenho ela como um pedaço dela, um fragmento da nossa superfície. Se eu estabelecer uma divisão em nossa superfície, vamos supor agora que eu passe uma reta aqui cortando [o professor desenha no plano uma reta o intersectando diagonalmente]. Portanto, superfície ou área é um ente geométrico de duas dimensões. Enquanto que o limite que eu coloquei na superfície é um ente de uma dimensão. Porque agora o limite das partes que contém essa superfície, (tenho duas partes: a parte de cá [à esquerda] e a parte de cá [à direta]) o limite entre as partes é uma reta.

Eu tenho um sólido, [o professor desenha um cubo no quadro] um cubo torto, um paralelepípedo, agora um tijolo. O sólido é um lugar geométrico de três dimensões. Como é que eu corto* um sólido de modo a produzir partes? Eu tenho que vir aqui agora e traçar um plano no meu sólido [o professor desenha plano intersectando o sólido]. O plano é um ente geométrico de dimensão dois. Se eu quiser, eu posso continuar em todas os lados, mas pode ser do tamanho que eu quiser. Potencialmente infinito. Infinito quantitativamente. Cuidado com isso. Uma coisa é o infinito na Teologia e na Metafísica, outra coisa é o infinito usado na Matemática. Aproveitando para falar sobre o infinito, tem uma pergunta sobre o infinito que daqui a pouco vou responder. 

Interlocutor: Uma pergunta: quando você divide uma quantidade contínua, ela já pode ser considerada como quantidade discreta, enquanto duas partes discretas?

Professor: Não. A quantidade contínua [quando dividida] continua sempre sendo contínua, por que ela continua tendo partes cujos limites existem. Eu não separei o sólido. Eu só identifiquei um limite entre duas partes do sólido aqui. Ele não se tornou discreto.

O que mais que Aristóteles considera como contínuo? O tempo é contínuo para Aristóteles. O tempo pode ser visto de certo ângulo, como uma quantidade. Cuidado com isso. Quais são as partes do tempo? Os instantes. Só que eu posso ter instantes intermediários. Qual é o limite entre passado e futuro? É o instante presente e esse instante presente está sempre caminhando adiante em direção ao futuro. Se eu imaginar o instante presente como um ponto, ele vai caminhando e vai se unindo simultaneamente. Ele vai conectar passado e futuro. Então, nesse sentido, eu posso considerar o tempo como uma quantidade contínua. O que mais é quantidade? O situs, o lugar também é quantidade continua, porque eu posso localizar corpos ou coisas usando pontos dentro do espaço. O espaço é contínuo porque o espaço, as partes do espaço possuem o limite em comum. Quando é uma reta, o limite em comum são pontos. Quando é uma superfície, o limite em comum é uma reta. O que quer dizer limite em comum? Significa que essa reta pertence tanto a esta parte [à esquerda] quanto a esta parte [à direita] (o professor se refere ao plano interceptado por uma reta). No sólido, esse plano vermelho aqui [na lousa] pertence tanto à parte de trás quanto à parte da frente. Então, existe um limite em comum entre as partes da quantidade contínua.

Além disso, existem quantidades cujas partes têm posição recíproca entre si. O que é posição recíproca? Eu tenho uma ordem. Eu posso associar uma reta ou uma direcionalidade, por exemplo, a reta dos números reais. Nós [a] simbolizamos assim [o professor desenha a reta real no quadro]. Hoje se coloca uma direção aqui no meio, o zero. Então, do zero adiante [à direita], eu tenho os números que são positivos e aumentam indefinidamente. Do zero à esquerda, eu tenho os números negativos, que também "aumentam". Na verdade, diminui indefinidamente. Aqui vai para menos infinito ($-\infty$) [lado esquerdo] e mais infinito ($+\infty$) [lado direito]. Quando um matemático e um físico usam esse símbolo ($\infty$), não estão se referindo ao infinito da Metafísica e da Filosofia. [Isso] está querendo dizer que para cá, [esquerda da reta real] os números decrescem indefinidamente. Ou seja, potencialmente tem um potencial infinito para crescer para cá [direita da reta real] para aumentar. Então aqui temos os números grandes [positivos] e para cá, os números pequenos, menores [negativos].

Tudo o que nós falamos até agora, pelo menos para Aristóteles, são quantidades em sentido próprio, per si. Mas nós usamos a quantidade de modo incorreto como, por exemplo, isso aqui é mais branco, ou é mais rápido ou o movimento é mais longo. Então, linguisticamente falamos certas coisas, pronunciamos certas coisas como se fossem quantidades, mas não são. É um recurso linguístico, mas do ponto de vista lógico é incorreto usá-los. 

Agora vamos às três propriedades da quantidade. A primeira propriedade da quantidade é que a quantidade não admite o contrário. Por exemplo, se eu tenho uma quantidade de dois metros, qual é o contrário de dois metros? Não tem sentido lógico. Não é $-2$! O $-2$ também é uma quantidade diferente de dois metros. Na verdade, $-2$ metros não existe. Não existe comprimento negativo. Usamos os números negativos na Matemática, porque são entes de razão, devido a necessidade algébrica. Mas os números negativos não representam coisas. Eles representam a ausência de coisas. Quando eu tiver um saldo negativo no meu banco, vai aparecer um número negativo, mas ele não corresponde a uma concretude, em grego, σύνολον. Ele não representa um σύνολον. Ele é um ente de razão, assim como a privação que vemos na filosofia. A privação também é um ente de razão.

Segunda propriedade da quantidade: a quantidade não admite mais ou menos. Esses são os termos de Aristóteles. O que significa mais ou menos? Se eu tenho a quantidade dois, eu contei dois feijões e depois contei duas vacas. Sobre os dois feijões, o número dois que eu abstraí dessa contagem é mais dois do que as duas vacas que eu contei? Não, são o mesmo. Uma vez que eu tenho uma quantidade igual a outra, não é mais do que a outra. Então não cabe, não faz sentido lógico, dar intensidade às quantidades.

Propriedade três da quantidade. É característico da quantidade (dizemos que é um τόπος, é o modo característico de usar linguisticamente e logicamente a quantidade) a seguinte coisa: é o mais próprio poder ser igual ou desigual. Eu posso comparar duas quantidades ou elas são iguais ou desiguais. Em Matemática, nós desenvolvemos sinais para isso. Nós temos o sinal de igualdade ($=$). Quando uma relação matemática possui um sinal de igualdade, nós damos o nome a essa expressão matemática de equação. Eu tenho sinais de desigualdade, menor ($<$) e maior ($>$). Quando uma relação matemática possui esses sinais, nós damos o nome a essa expressão de inequação, porque expressam desigualdades. Uma desigualdade implica que os números comparados ou um é menor do que outro, ou um é maior do que o outro. Acho que isso é uma das coisas mais importantes a serem ditas a partir das Categorias de Aristóteles. 

É sempre importante relembrar que, quando Aristóteles escreve as Categorias (na verdade, são notas de aula, por isso que a tradução é difícil). Existem diversas interpretações das Categorias e os materiais que nós temos traduzidos e vertido ao português não são muito bons. Eu estou sendo sincero com vocês. O ideal é que vocês aprendam grego e leiam direto para não ter que fazer esse esforço de ter que interpretar a visão do tradutor. Nas Categorias, Aristóteles coloca a quantidade como a segunda categoria. Primeiro a substância, depois a quantidade e depois a qualidade. No entanto, na altura de sua vida, quando ele está escrevendo a Metafísica, ele coloca a qualidade em primazia, porque a qualidade é informada pela forma do ente (do σύνολον), enquanto que a quantidade pela matéria. Aristóteles dá primazia quase sempre para a forma que é o princípio de comunicação do ato daquele ente. Por que isso? Em Aristóteles, temos a quantidade discreta e contínua, mas entre as duas, qual é mais quantidade, caracteristicamente quantidade? É a quantidade continua. A quantidade contínua é mais quantidade do que a quantidade discreta, mas no sentido (é claro que isso é uma figura de linguagem) mais caracteristicamente quantidade.

A nossa realidade física é fundamentalmente contínua. No entanto, como havia colocado o Pablo anteriormente, nós temos unidades que são os átomos. Até hoje em dia, nós imaginamos que os átomos são coisas discretas, mas isso não faz o menor sentido. Na visão de Demócrito e Leucipo, que foram os primeiros a propor a teoria atômica, eles imaginavam que realmente era uma unidade indivisível. Átomos (ἄτομος) . O prefixo “a” é negação e “tomos” vem de parte: sem parte, indivisível. Isso foi encontrado alguma vez, de verdade? Verificamos isso experimentalmente? Não. O que dá a entender, de acordo com os estudos mais avançados, é que cada vez mais há mais partes, que há mais subpartículas. Cada vez mais se estuda, cada vez mais que se divide os átomos, encontramos mais e mais partes. Isso deixa os físicos doidos. Porque daí não conseguem compor o modelo padrão do átomo, da teoria atômica. A realidade, pelo menos, o espaço, nós sabemos que ele é contínuo. Todos os entes contidos no espaço também são contínuos, caracteristicamente contínuos. Os entes contados, as quantidades discretas são arbitrárias. Quem define a unidade é uma arbitrariedade humana. Eu tenho que escolher uma unidade de contagem. A quantidade discreta é mais artificial, por assim dizer, do que a quantidade contínua. Por isso que se dá primazia à caracterização da quantidade, pela quantidade contínua.

Agora vamos à pergunta que foi nos passada. A pergunta é seguinte: o conjunto dos naturais e dos reais possui infinitos elementos, mas a cardinalidade dos naturais é menor que a dos reais, porque não é possível preencher o corpo dos reais com uma bijeção do domínio dos naturais, dando certa ideia de que aquele ser “menos denso” que esse?

É uma excelente pergunta. Estudamos essa questão em Análise. O conjunto dos naturais, que são os números que naturalmente são produzidos pela contagem, é potencialmente infinito. Então eu posso contar, em matemática, indefinidamente. No entanto, na reta real entre o número $1$ e o número $2$, por ser o número real, eu tenho infinitos números. Melhor colocado: tenho potencialmente infinitos números. Significa, como [colocado] nessa pergunta, parece que o [conjunto dos] números reais é mais denso devido a bijeção. Eu posso estabelecer uma bijeção entre reais, entre intervalos dentro dos números reais, mas nenhum entre [intervalos de números] reais e naturais. Isso acontece porque existem em Matemática diferentes tipos de infinitos. Para isso, usamos a primeira letra do alfabeto hebraico. Para os números naturais, usa-se $\aleph_1$ [álefe 1], para os números reais, usa-se $\aleph_3$ [álefe 3]. Esse álefe é o conceito que nós atribuímos a esses conjuntos numéricos, para “estabelecer” quão infinitos eles são, que tipo de infinitude estamos tratando. Aqui é a infinitude matemática. Cuidado com isso. Acho que está respondida a pergunta.

Interlocutor: Importante falar que na Suma Teológica, São Tomás se pergunta se mesmo um corpo infinitamente extenso seria comparável à infinitude de Deus. É óbvio que não, porque mesmo se existisse um corpo infinitamente extenso, ele só pode ser infinitamente extenso se houver uma contagem de suas partes. Em certo momento, para algo ser três, precisou ser um e adicionou um e chegou a dois, adicionou outro e chegou a três. Enquanto Deus é simultaneamente todas suas partes, simultaneamente todas suas qualidades, melhor dizendo. Então essa é a maior diferença entre o infinito da Matemática, das quantidades e o infinito da Teologia: Deus é simultaneamente as perfeições, enquanto na quantidade há sucessão das perfeições. 

Professor: Exatamente. Essa questão também nos induz a falar sobre a questão do universo. O universo não pode ser infinito, do ponto de vista espacial. Isso é impossível pela Física moderna e é conhecido astronomicamente, porque as galáxias estão se afastando. Nós temos notícia experimental de que o universo está se expandindo. Se o universo é infinito, ele não aumenta: é uma contradição lógica. Se você olhar para o céu e ver o espaço, o universo físico está se expandindo e ao mesmo tempo você afirma que ele é infinito, tem que escolher [entre as duas condições]. Muitos físicos caem nisso, porque não pensaram direito sobre isso. O universo que é todo o espaço é finito. No entanto, [o universo] é imenso. O que significa imenso? Analisando a palavra imenso é não mensurado, “menso” é mensuração e “i” negação no português, imenso é sem medida. Porque todas as medidas são feitas dentro do universo. Não tem como sair fora do universo para medir ele. Isso implica em duas coisas: que o universo não pode ser medido de fora e que o universo não tem formato. Não tem formato geométrico, ele não é um cubo, ele não é uma esfera.

Interlocutor: Como diz o professor Nougué: a figura do universo é não ter figura.

Professor: Exatamente porque ele é imenso. Não faz sentido atribuir mensidão ao universo. Isso implica em uma terceira coisa que quase não é falada. O universo é auto-contido espacialmente. O que é auto-contido? Ele não tem um limite, tipo uma parede. Daqui para cá é o nada, daqui pra lá é o universo. Não dá pra fazer isso. O universo é auto-contido. Ele não tem um limite, no sentido de fora dele. Isso é um conceito difícil de ver e difícil de enxergar.

Esses são os três atributos fundamentais do universo. O universo é finito quantitativamente. Ele se apresenta para nós como infinito potencial. Parece que é potencialmente infinito, mas não é. Ele é finito de fato, e tem uma extensão dada. Tem o número que representa a sua extensão. Esse é o ponto. Existe esse número. Nós conhecemos ele? Não, mas ele existe. Então ele é finito.  Ele é imenso, não tem medida e não tem formato ou figura. O termo também usado é figura, como o Carlos Nougué usa. Em consequência de não ter figura e não ter formato, ele é auto-contido. As suas localizações são todas conectadas. 

Uma coisa importante de notar sobre essa questão das quantidades, é que o próprio espaço, visto como conjunto de τοποσ, de τοποι, é contínuo. Ele não é discreto. Então a natureza quantitativa das coisas é fundamentalmente contínua, como havia dito anteriormente.

É sempre importante ressaltar que Aristóteles diz que a Matemática não serve como ferramenta para a Física. A Física tem que usar outros métodos. Por que ele faz isso? Por que ele considera a Matemática uma ciência, um conhecimento que trabalha com quantidades bem conhecidas. Por que ele exclui a questão, por exemplo, da probabilidade. A probabilidade é uma quantidade também. Ela se caracteriza por ser uma quantidade. Como ele desconsidera a probabilidade, a questão de usar a Matemática dentro da Física é excluída.

No entanto, com a Física moderna, com a ciência moderna, tem a exclusão das outras categorias. Não importa mais a qualidade. Todas as qualidades que nós temos são reflexos da quantidade. Todas as relações, todo o tempo, espaço, lugar, posse. Então, dentro da mentalidade moderna, nós temos só quantidade. Essa é uma das pedras fundamentais do materialismo filosófico. Nem a substância eles consideram. 

Interlocutor: Já começa com Descartes, ele que dividiu as coisas entre res extensa e res cogitans, como se o seu mundo concreto fosse só extensidão, só quantidade contínua, do ponto de vista do Descartes.

Professor: É claro que isso é uma loucura. Você tem a substância que existe em si. Os predicamentos ocorrem sobre a substância. Então isso é uma inversão. É claro que a ciência moderna permitiu certos conhecimentos. Só que eles são metafisicamente limitados. Quando ouvimos aquela frase: “o ser humano é poeira estelar”. Você está vendo o ser humano em termos de sua extensão. Compare a minha massa com a massa de uma estrela. Claro que vai ver uma diferença gigantesca. Mas por que eles pensam assim? Porque eles estão considerando, às vezes sem saber, que o tudo o que existe é a quantidade. É claro que vai sair uma afirmação dessa. “O ser humano é poeira de estrelas”. Claro, você está reduzindo o ser humano às suas quantidades e às suas extensões mensuráveis ainda.

Essa é a mentalidade que nós devemos primeiro entender e como é que ela funciona para saber responder essa gente. O Carl Sagan tem uma visão materialista das coisas. Mas se nós pudéssemos falar com ele: “Escuta, por que o senhor afirmou isso? O senhor afirmou isso porque o senhor pegou o ser humano e reduziu ele a suas quantidades. O Senhor pegou as estrelas e reduziu elas a suas quantidades. Aí você comparou essas quantidades. A massa do ser humano é muito menor que a massa da estrela. E disso, você tira esse bordão que nós somos poeira estelar”. Ele não nota quando ele faz isso, ele não sabe disso. 

Interlocutor: É algo poeticamente algo tão pobre. Se for comparar isso com nosso próprio linguajar cristão: “o homem é o pó da terra”. Tem uma mística, um valor poético muito diferente. 

Professor: É porque ele usa a palavra estrela. Nessa tentativa de ser humilde, na verdade, ele está colocando que ele conhece as estrelas. É isso que está por detrás dessa mentalidade materialista quando se arrisca a produzir esses adágios. Só sai coisa ridícula e totalmente desvirtuosa, fora do padrão, desequilibrado. 

Então é importante que conheçamos bem a quantidade, porque a nossa formação escolar é muito fraca nisso. Os professores só ensinam as técnicas de resolução de problemas matemáticos. Nunca nenhum professor me falou que há uma quantidade. Uma vez eu perguntei para um matemático: “o que é a quantidade?” Ele falou que nunca viu isso em nenhum livro. “Que teoria é essa?” Não é nenhuma teoria. Isso é uma coisa com uma categoria muito básica. E aquilo nunca tinha passado pela cabeça dele.

Interlocutor: É o fundamento do que ele faz.

Professor: Eu pensei: “isso é a Matemática, é o ens quantum, é o sujeito da ciência matemática!” O pessoal da universidade, de exatas, têm boa formação porque eles têm boas técnicas nesse sentido. Técnicas, computacionais, teoréticas, lógicas, mas eles mesmos não sabem muito da natureza daquilo que eles estão tratando. Esse é o ponto. Nós devemos estar formados, preparados para isso, para quando encontrarmos um desse, podermos fazer as perguntas certas e darmos as respostas certas também. Eu sei que entre nós, que temos uma formação um pouco mais tomista, tem pouca gente que trabalha com o conhecimento da categoria quantidade e com a própria Matemática. 

Hoje a Matemática está muito desenvolvida. Só que é uma Matemática descolada no seu fundamento. Ela tem a sua conexão com o fundamento que é o ens quantum, mas cada vez mais ela se tornou descolada desse fundamento. Em Matemática, nós temos os constructos, por exemplo, estudamos em álgebra: anéis, grupos, corpos, álgebra mesmo, que são conjuntos estruturados como operações. 

Interlocutor: Professor, antes de entrar em álgebra, eu gostaria de fazer uma pergunta que cai em meus interesses. Eu não sei exatamente qual seria o conceito estrito de álgebra, mas o fato é que mesmo eu trabalhando em pesquisa linguística, tenho de usar algo que eles chamam de álgebra. Tenho de fazer cálculos, seja para mexer em programa de computador, para ele ficar rodando ou para demonstrar alguma coisa. Eles chamam isso de álgebra. O que me parece mesmo eu não tendo nenhum conhecimento técnico aprofundado nisso, é que a álgebra é só uma técnica que pode ser usada em várias ciências. Não é exatamente algo, uma parte da Matemática, mas é uma técnica. Pode ser usado pela Linguística, pela Computação ou pela Matemática. Para o senhor, o que é a álgebra?

Professor: Bom, primeiramente, a Álgebra é uma palavra de origem árabe al-jabr. Que significa a recuperação no sentido de repor um equilíbrio. Esse é o conceito original de Álgebra. A Matemática é dividida em Geometria que vai se aprofundar em Topologia; é dividida em Álgebra, que é um aprofundamento da Aritmética. Primeiro a noção de Álgebra é um aprofundamento da Aritmética. Temos a Análise e temos a Matemática Aplicada. A Álgebra trata de conjuntos estruturados. Esse é o sujeito da ciência Álgebra. E a Álgebra tem suas técnicas.

A palavra álgebra hoje tem conotações que não é a álgebra matemática. Por exemplo, quando você tem que fazer um processo de decisão e você tem um algoritmo. Você pode chamar isso de modo muito aproximado de álgebra. Mas é uma espécie de figura de linguagem. Não é um termo técnico bem definido. Eu vou fazer algo que é uma álgebra dos lugares comuns ou uma álgebra dos topoi. Isso é uma figura de linguagem, porque a álgebra mesmo é a álgebra matemática.

É aquela coisa que falamos na reunião passada da palavra emergência. Hoje em dia, a palavra emergência é usada em diversos contextos que não cabe a ela, porque é um termo bem definido. Isso faz parte de uma língua viva. Esses usos não ortodoxos do conceito principal da palavra. Nesse caso, emergência, e noutro caso, álgebra. Não sei se respondi [sua pergunta].

Por hoje, é isso. É suficiente. Tem bastante coisa.

Obs.: Os grifos e as partes entre colchetes são nossos.

* Quando o professor se refere a corta a reta, ele está se referindo a intersecção desta reta com uma outra, no caso aquela reta pertencente a referida faca. De modo análogo, com o sólido.


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