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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 2

Jan Davidsz de Heem 
Still Life with Books 1625-30
Em um texto passado (disponível nesse link), eu trouxe a parte 1 de uma lista com alguns livros em língua portuguesa sobre educação. Agora trago uma parte 2. O critério daquela lista foi e continua sendo o mesmo: livros sobre educação que não contivessem influências ideológicas e que estivessem preocupados em explanar sobre uma verdadeira educação. Novamente muitos desses livros foram publicados pela primeira vez ou republicados recentemente no Brasil. Obviamente esta parte 2 complementa e amplia a lista anterior. Pode ser que saia uma parte 3 posteriormente.


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Como Ler Livros - O guia clássico para a leitura inteligenteMortimer Adler e Charles Van Doren. Editora É Realizações, 2010.

Sinopse: Neste clássico, Mortimer Adler nos ensina a praticar a leitura em diferentes níveis – elementar, inspecional, analítica e sintópica – e nos ajuda a adequar nossa expectativa e forma de leitura ao tipo de livro que pretendemos ler. Não se lê um romance da mesma forma que se lê ciência. Não se lê ciência da mesma forma que se lê história. Mais que um livro de técnicas de leitura, trata-se de um verdadeiro tratado de filosofia da educação.





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O Trivium - As artes liberais da lógica, da gramática e da retórica. Irmã Miriam Joseph. Editora É Realizações, 2014

Sinopse: O Trivium, da Irmã Miriam Joseph, resgata a abordagem integrada dos componentes da ciência da linguagem praticada na Idade Média e conduz o leitor por uma esclarecedora exposição da lógica, da gramática e da retórica. Mais importante do que o domínio destes assuntos, este livro pretende fornecer as ferramentas necessárias para o aperfeiçoamento da inteligência.






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Quadrivium - As quatro artes liberais clássicas da aritmética, da geometria, da música e da cosmologia. Org. John MartineauEditora É Realizações, 2014.

Sinopse: Um almanaque ilustrado de curiosidades sobre a presença da matemática no mundo à nossa volta. Trata da simbologia dos números, das proporções na natureza, na arte e na arquitetura; mostra a relação entre música e matemática e nos ajuda a compreender o funcionamento do nosso sistema solar.






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Coleção 7 Artes liberais: O Guia da Educação Clássica. Vários AutoresEdições Hugo de São Vitor, 2020-2023.

Sinopse: A Coleção 7 Artes Liberais: o Guia da Educação Clássica. Não é mais um livro, mas uma coleção completa. Não é só um livro que fala sobre Trivium e/ou Quadrivium, mas sim os livros necessários para o estudo pleno, os quais seguem a doutrina clássica sobre o assunto.

E isso faz toda a diferença, pois no mercado vemos muitos livros úteis, mas que falam só de forma teórica ou histórica das Artes Liberais. Agora você terá o material apropriado para realmente aprender e se exercitar nelas; um material que leva em conta o tempo necessário, o rigor dos estudos, bem como os resultados pretendidos.

Pensamos esta Coleção com o fim de que você possa obter todo o material e a orientação necessários para, finalmente, adquirir a formação de base, aquela que prepara e conduz aos estudos superiores e à vida refletida.

Trivium e Quadrivium:

Trivium e Quadrivium é o primeiro volume da Coleção 7 Artes Liberais e trata da doutrina geral das Artes Liberais.

O livro abre com uma introdução que discorre sobre a origem e a função da Coleção. Em seguida vêm as cartas ao aluno escritas pelo Prof. Clístenes Hafner Fernandes, as quais tratam dos diversos aspectos da pedagogia das Artes; na segunda parte do livro, as sete Artes são apresentadas uma a uma em detalhe, preparando o aluno para os livros específicos.

Além desse conteúdo, este primeiro volume traz no apêndice 5 obras clássicas sobre as Artes Liberais traduzidas pelo Prof. Clístenes; são opúsculos dos seguintes autores: Hugo de São Vítor, Rabano Mauro, Santo Alcuíno de Iorque, São Boaventura e Flávio Magno Aurélio Cassiodoro.

Gramática:

No primeiro livro sobre a Gramática, os temas são literatura e gramática do português. Estas disciplinas vêm para suprir o material e para conferir uma ordenação mais fina ao pensamento do estudante que está iniciando sua jornada intelectual pelas Artes Liberais.

Sabe-se bem que existe um déficit nos estudos literários, bem como no de gramática básica do português, no Brasil. Projetamos este volume com vistas a sanar estes problemas, antes de o aluno começar a avançar para águas mais profundas.

Este livro constitui-se num introito. A boa assimilação do seu conteúdo fará toda a diferença no prosseguimento dos estudos.

O terceiro e quarto livro da Coleção são os mais densos; eles reúnem uma gama de estudos que demandará muito tempo e esforço do aluno para dominá-la.

Estamos diante da mais grandiosa e influente obra didática que já existiu.

As Institutições Gramaticais de Manuel Álvares foram expressamente recomendadas na Ratio Studiorum para o ensino de latim em todos os colégios jesuítas. A obra recebeu nada mais, nada menos do que 530 edições em vinte e dois países, sendo a mais comentada e mais referida gramática latina de todos os tempos. Depois de ter caído no esquecimento de brasileiros e portugueses desde os tempos do Marquês do Pombal, chegou a hora de revermos o mais completo e eficaz curso de gramática já publicado na história.

A gramática de Álvares é dividida em três livros. Cada um trata de uma das partes da gramática: a etimologia, a sintaxe e a prosódia. Depois de 270 anos de exílio, a monumental obra de Manuel Álvares está de volta para terror dos pombalinos, e para nossa alegria. Em dois volumes majestosos de quase 900 páginas cada.

Arrematando os estudos de gramaticais, o aluno aprenderá a respeito da crítica dos poetas, uma disciplina que não tem o mesmo significado atualmente, mas é um aprofundamento em todos os aspectos de um texto literário.

Retórica:

No quinto livro da Coleção, apresentamos a doutrina retórica do grande Cipriano Soares, mestre jesuíta e um clássico da disciplina, em uma edição bilíngue.

O livro inicia com um tratado sobre a arte poética como ligação entre a gramática e a retórica, que mostra como as duas artes têm íntima conexão, revelando a transição de uma para outra a fim de que o aluno não fique boiando.

Segue-se a doutrina segura de Cipriano Soares comentada à luz de Aristóteles, Cícero e Quintiliano, os quais foram os autores que estruturaram a retórica no formato que se tornou célebre e aceito durante 2000 anos no Ocidente.

O sexto livro é uma antologia de discurso clássicos, que dá ênfase aos nomes de Demóstenes, Cícero e do Pe. Antônio Vieira, isto é, um grego, um romano e um cristão, perfazendo assim as culturas formativas da nossa civilização.

A seleta de discursos tem como finalidade ser matéria para assinalar e ilustrar os preceitos estudados no livro anterior. Finalizando o volume, há a parte que trata da arte da composição de discursos retóricos, com regras adaptadas ao mundo atual, sem, porém, perder de vista os cânones sempre aceitos.

Dialética:

Os livros sétimo e oitavo da Coleção são dedicados ao estudo da teoria da dialética. Isto se dará principalmente através do famoso tratado de Pedro da Fonseca, o Aristóteles português, que estará na íntegra em edição bilíngue, em latim e português. Caso o aluno ainda tenha problemas em alguma passagem mais difícil, os volumes contarão com aportes explicativos dos autores clássicos na matéria.

Exercitam-se os conceitos aprendidos, mediante a leitura ativa de diálogos de Platão. De maneira guiada, o aluno se imaginará no lugar dos personagens da trama, como se estivesse participando da discussão.

Assim, ele poderá aproximar-se do espírito dialético, que busca a verdade entre as contradições, onde quer que ela possa ser encontrada. Após essa experiência, ele fará o mesmo com as questões disputadas de Santo Tomás de Aquino e Duns Scotus — o que exigirá mais esforço, tanto imaginativo, quanto analítico.

Ao findar este volume, o aluno terá completado o curso do Trivium.

Quadrivium:

Eis os volumes do Quadrivium, o conjunto de disciplinas que tratam dos números aplicados às coisas.

A Aritmética sempre foi considerada a disciplina introdutória do Quadrivium, pois lida com os números enquanto tais. Para embasar este volume, adotamos o livro de Tomás Vicente Tosca, mestre da disciplina do Sec. XVIII, o qual, porém, segue de perto os clássicos do assunto. Aprofundam o texto principal passagens de Cassiodoro, Boécio, Santo Alcuíno de Iorque e Nicômaco de Gerasa. O volume único divide-se em três partes temáticas: a doutrina dos números enquanto quantidades puras, seguida pela exposição de suas qualidades simbólicas (aspecto esquecido ou desprezado, sem razão, nos dias de hoje), terminando com problemas matemáticos confeccionados para desenvolver agudez mental e maior intimidade com o cálculo.

No volume de Geometria o expoente maior, não pode haver qualquer dúvida, é Euclides, cujas lições nos serão trazidas ainda pelo mestre Tomás Vicente Tosca, o qual dará guiamento para que o aluno entenda bem do que se está tratando. Trar-se-ão, contudo, as definições iniciais que constam do livro original de Euclides, as quais fundamentam tudo que se segue, em três línguas, Grego, Latim e Português.

Na segunda parte do livro, o aluno estudará a teoria simbólica das figuras geométricas, com todas as ramificações cosmológicas que possuem e ênfase especial nos sólidos platônicos.

O assunto do décimo primeiro livro é a música. A espinha dorsal é a obra de José Bernardo Alzedo, teórico e compositor de primeira monta. Junto dele, trazem-se passagens de obras clássicas de Boécio, Santo Isidoro de Sevilha e Santo Agostinho de Hipona. Expõe-se, assim, a teoria musical de amplo espectro, isto é, que leva em conta não só a música instrumental, mas também as músicas, ou harmonias, que se encontram na alma e no mundo — esta última, a famosa música das esferas.

O volume de Astronomia está dividido em três partes: primeiramente, trata do aspecto material e visível do céu, a mecânica celeste; a parte intermediária visa a suprir a lacuna com referência aos conceitos da cosmologia e da física clássicas que ainda possam ser aproveitados; por fim, o aluno estudará o simbolismo do céu, que para os antigos era uma súmula do conhecimento, de onde se poderiam colher analogias para ilustrar argumentos, e até para se aproximar da verdade pela via da imaginação.

A primeira parte será aprendida por meio de um tratado que parte da descrição que Camões fez dos Céus para ensinar a antiga visão cosmológica, tratado chamado a Astronomia de Os Lusíadas. A segunda parte será apresentada principalmente por meio do Tratado clássico de Plotino, a segunda Enéada. A terceira parte se embasará de novo em Tomás Vicente Tosca.

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O Trivium Clássico - O lugar de Thomas Nashe no ensino de seu tempo. Marshall McLuhanEditora É Realizações, 2012.

Sinopse: Marshall McLuhan se mostra neste livro um historiador da cultura clássica e o arquiteto de um projeto educacional para as gerações futuras. Trata das disciplinas do trivium (gramática, lógica e retórica) em recortes temporais que vão até S. Agostinho, de S. Agostinho a Abelardo e, depois, de Abelardo a Erasmo. Por fim, dedica uma seção a Thomas Nashe, romancista e dramaturgo britânico contemporâneo de Shakespeare.





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Trivium de Santo Agostinho. Edições Kírion, 2021 e Edições Hugo de São Vitor, 2016 (texto latino)

Sinopse: Na primeira fase de sua vida, Santo Agostinho foi professor de gramática em Tagaste, e de retórica em Cartago, Roma e Milão; e foi Santo Ambrósio, mestre de retórica mais velho e experiente, a principal influência sobre o futuro bispo de Hipona. Portando em si, como excelente humanista, toda a cultura romana, a conversão do jovem retor africano no grande Padre Latino representou a assimilação do saber antigo pelo cristianismo, e a fundação da Idade Média européia.





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A Vida Intelectual: Seu espírito, suas condições, seus métodos. A.-D. Sertillanges. Editora É Realizações, 2010 e Edições Kírion, 2019.

Sinopse: A Vida Intelectual, do padre A.-D. Sertillanges, redigida originalmente em 1920, ainda se mantém atual para os leitores do novo milênio. Para aqueles que desejam não apenas um manual prático que permita esboçar orientações de como entrar na vida dos estudos, o livro vai além e também oferece um exemplo de vida bem-sucedida no mundo intelectual – a do próprio padre Sertillanges, que por meio de dicas preciosas permite e disponibiliza, para qualquer pessoa que tenha abertura e coragem necessárias, uma nova forma de viver que abrange gradualmente a dimensão intelectual e todos os percalços que essa vida traz consigo. Para aqueles que desejam não apenas um manual prático que permita esboçar orientações de como entrar na vida dos estudos, o livro vai além e também oferece um exemplo de vida bem-sucedida no mundo intelectual – a do próprio padre Sertillanges, que por meio de dicas preciosas permite e disponibiliza, para qualquer pessoa que tenha abertura e coragem necessárias, uma nova forma de viver que abrange gradualmente a dimensão intelectual e todos os percalços que essa vida traz consigo. Assim, o espírito de uma vida intelectual está no fato de que se ela transcende a vida prática, deve ser no sentido de propiciar um maior entendimento dela. Suas condições são os valores éticos, como a honestidade intelectual e a sinceridade. Seu método consiste nos exemplos que percorrem toda a escrita do padre Sertillanges. Este livro é dedicado a todos aqueles que desejam uma vida plena – em todas as suas potencialidades, e não há nada mais atual que esse desejo.

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De Magistro, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, Edições Kírion, 2017.

Sinopse: Esta edição bilíngue reúne dois livros de mesmo título: o De magistro de Santo Agostinho e a questão 11 do De veritate, o De magistro de Santo Tomás de Aquino. Separados por quase um milênio, esses dois textos carregam, compactamente, todo o problema do ensino no nível dos princípios, mirando o ponto central da atividade do magistério: é possível que um homem ensine outro? O De magistro de Agostinho é a transcrição de um diálogo com seu filho Adeodato, então com 15 anos, que veio a falecer no ano seguinte. O de Santo Tomás, por sua vez, é uma questão disputada, procedimento característico da escolástica Embora curtos, ambos merecem leitura repetida e constante meditação, a fim de que possamos captar as idéias de pedagogia e de verdade subjacentes a ambos, e descobrir, na profundidade e no alcance que têm em cada detalhe, tesouros de valor inestimável.


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As Sete Artes Liberais: Um Estudo sobre a Cultura Medieval. Paul Abelson. Edições Kírion, 2019

Sinopse: Este é um exame detalhado do material didático usado nas escolas medievais, com o intuito de compreender os objetivos, os limites e os traços característicos do ensino de cada uma das sete artes liberais. O autor parte do princípio de que a educação liberal da Idade Média foi um desdobramento do sistema grego e romano, alterado em vista dos ideais cristãos até atingir a forma estável que perdurou por séculos. Ele acaba por revelar, assim, a relação entre a concepção pedagógica e a riqueza da cosmovisão medieval. Serve ao estudioso como introdução à história e à concepção das artes liberais e como excelente base para mapear um estudo aprofundado de cada uma delas.




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Sobre O Modo de Aprender. Gilberto de Tournai. Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Gilberto de Tournai nasceu no início do século XIII, que foi, sob muitos aspectos, o apogeu da civilização medieval, no qual traçou-se o destino intelectual da Europa. Foi frade franciscano, grande pregador e diretor espiritual, amigo e conselheiro do Rei São Luís IX e sucessor de São Boaventura como mestre regente dos franciscanos na Universidade de Paris. O tratado “Sobre o modo de aprender” é um retrato perfeito da educação medieval. Ele é a terceira parte de uma obra mais ampla, o “Rudimentum doctrinae”, a primeira tentativa sólida de compor uma enciclopédia pedagógica que abarcasse, sistematicamente, toda a teoria da educação. Fiel à tradição filosófica que vigorava na escola franciscana e aos ensinamentos dos mestres monásticos do século XII, como Hugo e Ricardo de São Vítor, frei Gilberto descreveu técnicas de estudo e traçou um plano de trabalho inteiramente voltados para o seu elevado ideal de aperfeiçoamento espiritual e impregnados do anseio de alcançar, através do estudo, a meta final de união com o próprio Deus.

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Meditar e aprender. Hugo de São Vítor. Edição bilíngue Latim-Português. Tradução: Roger Campanhari. Edições Kírion, 2024

Sinopse: Hugo de São Vítor foi certamente um dos homens mais célebres de seu tempo por suas virtudes e por sua ciência, o mais renomado de todos os vitorinos. Nascido na Saxônia em 1096, foi professor e diretor da escola do Mosteiro de São Vítor, além de prior deste mesmo mosteiro e bispo. Baseada na tradição cristã e nas Escrituras, toda a sua pedagogia visava formar os estudantes para alcançarem a contemplação, o último grau da Sabedoria — com a qual “tem-se um antegosto nesta vida do que será a recompensa futura” —, uma formação integral que proporcionasse a união com Deus.

Nos dois escritos aqui reunidos, o pequeno tratado Sobre o modo de aprender e meditar e o Opúsculo áureo sobre a arte de meditar, o mestre de São Vítor tratou propriamente da meditação. Se o princípio do conhecimento reside na leitura, que estimula o pensamento, a sua consumação está na meditação, na atenta e assídua recondução do pensamento com vistas a esclarecer o que é obscuro e penetrar o que está oculto. Hugo explica os diferentes gêneros de meditação e que frutos se podem tirar deles, e expõe, com uma descrição precisa e exemplos muito concretos, como devem operar nossas faculdades e como devemos proceder nesse labor, de tal modo que, “avançando sem desanimar, alcemos, no tempo devido, aquilo que vem depois”.

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A Instrução Dos Principiantes. Hugo de São Vítor. Edições Kírion, 2021.

Sinopse: Na Instrução dos principiantes, Hugo apresenta o treinamento em que eram conduzidos, sob a guia do mestre de noviços, os recém-chegados à escola, cujo objetivo era aprender “o bom termo e a medida adequada em todas as palavras e ações”, isto é, a disciplina: como se comportar e governar o corpo — no caminhar, nos gestos, na fala, no tratamento dos outros e nos modos à mesa. Esse aprendizado de autodomínio corporal era anterior ao estudo das letras descrito no Didascalicon, pois, segundo o mestre, “os movimentos desordenados do corpo refletem a corrupção e a dissolução da mente”, e, para ingressar no caminho da sabedoria, é preciso antes imprimir na mente, pela disciplina do corpo, a forma da virtude.



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Institutiones. Introdução às Letras Divinas e Seculares. Cassiodoro. Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Com a queda do Império Romano, a transmissão de todo o saber antigo à Idade Média teve de ser operada por meio da laboriosa cópia dos manuscritos conservados nos mosteiros e nas igrejas e da elaboração de manuais e coletâneas. Ao lado de Marciano Capela, Boécio e Isidoro de Sevilha, Cassiodoro foi um dos próceres da cultura cristã. Conselheiro dos reis ostrogodos, fundou em 555 o mosteiro do Vivarium, embrião dos centros culturais medievais. Ali desenvolveu métodos e estabeleceu preceitos para a produção de códices fidedignos, agrupando em sua biblioteca tudo o que pôde colher do tesouro literário greco-romano. Foi Cassiodoro quem imprimiu à vida monástica do Ocidente o culto apaixonado dos livros.

Suas Institutiones, uma introdução ao estudo das letras, possuíam o objetivo primeiro de instruir os monges do Vivarium, mas acabaram como uma das obras mais influentes e difundidas na Idade Média. No primeiro livro, a Introdução às letras divinas, o pedagogo disserta sobre os textos da Sagrada Escritura, sobre seu estudo e seus comentadores; no segundo, Introdução às letras seculares, trata das sete artes liberais, fixadas mais tarde como o trivium e o quadrivium, a base mesma da educação oferecida nas escolas monásticas e catedrais e, posteriormente, em todas as universidades medievais.

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Proposta Paideia. Mortimer J. Adler. Edições Kírion, 2021.

Sinopse: A proposta Paidéia o projeto de Mortimer Adler para uma reforma radical do ensino público dos Estados Unidos. O filósofo partia do princípio de que uma sociedade democrática deve fornecer oportunidades educacionais iguais, não apenas proporcionando a mesma quantidade de ensino básico — isto é, o mesmo número de anos na escola —, mas também deve garantir a todos, sem exceção, uma educação da mesma qualidade. O programa Paidéia pretende estabelecer um plano de estudos que seja geral, e não especializado; liberal, e não vocacional; humanista, e não técnico. Apenas desse modo é possível atingir o significado das palavras paidéia e humanitas, ou seja, a erudição geral que todo ser humano deve possuir. Dividindo o ensino e o aprendizado em três modalidades — a instrução didática, expositiva; o treinamento, que se dá pela repetição; e o seminário, uma discussão à moda socrática —, o programa abrange o ensino de língua e literatura, matemática e ciências naturais, história e estudos sociais, educação física e artes manuais, e uma introdução geral ao mundo do trabalho; enfim, uma escolarização básica capaz de preparar toda criança para ser um eleitor instruído da democracia, ganhar a vida e viver bem. Publicado em 1982, o manifesto explicava e defendia a proposta, que depois foi completada, nos dois anos subseqüentes, pela discussão de suas questões práticas e dos problemas de sua implementação, e por ensaios complementares dos membros do Grupo Paidéia — além do próprio Adler, Charles van Doren, James O’Toole, Jacques Barzun e muitos outros — esclarecendo pontos específicos do programa. Este volume o leitor tem nas mãos traz, juntos, os três livros que delinearam a teora pedagógica de Mortimer Adler.

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As ferramentas perdidas da aprendizagemDorothy L. Sayers. Edições Kírion, 2023.

Sinopse“Vivemos por aí soltando frases sobre a importância da educação — soltando frases e, quando muito, uma graninha ou outra; adiamos a idade de saída da escola, planejamos a construção de instalações maiores, em melhores condições; os professores se acabam feito escravos, com toda a diligência do mundo, por horas e horas de trabalho extra, até que a responsabilidade se torna um fardo insuportável, um pesadelo; e mesmo assim, creio eu, todo esse esforço é jogado no lixo, porque nós perdemos as ferramentas da aprendizagem; e, na ausência delas, só o que podemos fabricar é uma versão estragada e em frangalhos daquilo que um dia foi a educação.” — Dorothy Sayers

“O diagnóstico de Dorothy Sayers é demolidor — e, como é evidente, aplica-se de modo preciso à situação da educação no Brasil: repetimos frases sobre a importância da educação, gastamos dinheiro, sobrecarregamos os professores, sem percebermos que deixamos de lado o mais importante: o ensino das ferramentas de aprendizagem. Aquilo a que chamamos ‘educação’ não passa de escolarização — uma educação imperfeita, e muitas vezes uma verdadeira deseducação.” — Gustavo Bertoche, na introdução

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Carlos Magno e a restauração da educaçãoJames Bass Mullinger. Edições Kírion, 2022.

Sinopse: Pode-se afirmar com tranqüilidade que a história do imperador Carlos Magno, cujo gênio penetrante soube reconhecer num jovem clérigo inglês, Alcuíno de York, a promessa de uma ajuda eficaz para um gigantesco renascimento cultural, se confunde com a própria história da Europa, e que a história de suas escolas não difere da própria história da nossa civilização.

O período histórico que este livro retrata é aquele em que se encontra a verdadeira fronteira entre a história antiga e a moderna, e que encerra a chave de compreensão para aquelas tradições que, desde então, prevaleceram na educação ocidental, e que não podem, ainda hoje, ser menosprezadas ou consideradas ultrapassadas.



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A Inveja dos Anjos — as Escolas Catedrais e os Ideais Sociais na Europa Medieval (950 – 1200)C. Stephen Jaeger. Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Antes do surgimento das universidades, a máxima das escolas catedrais do século XI era formar os alunos nas “letras e costumes”, ou seja, aperfeiçoar neles não só o conhecimento teórico, mas sobretudo a postura, os modos e a eloquência. Muitos foram os jovens que ingressaram nessas escolas para de lá ressurgirem como grandes bispos, conselheiros reais, santos e beatos. Com frequência referiam-se a esses centros de ensino como “uma segunda Atenas”, “uma segunda Roma”; os mestres eram chamados de “nosso Platão”, “nosso Sócrates”, “um segundo Cícero”. Seu princípio fundamental era que a verdade se expressa na personalidade humana, em sua conduta, em seu porte, e sua pedagogia se baseava na irradiação, a partir da presença física do mestre, de uma virtude transformadora. Tão maravilhosa é essa força que os próprios anjos poderiam invejar dos homens esse magnífico dom. Neste livro, Jaeger explora esse intrigante capítulo da história da educação e inaugura uma nova visão sobre a vida intelectual e social dos séculos XI e XII na Europa. “visitaremos aqui as escolas catedrais do século XI. Nós as tomaremos desde o ponto de vista dos seus objetivos, valores e ideais. Essas instituições foram humanistas em diversos sentidos da palavra: miravam o desenvolvimento do indivíduo como um todo, sua integração à sociedade, seu papel na política e na administração; buscavam humanizar o indivíduo, e por meio do ser humano individual, a sociedade. Baseadas em modelos clássicos, cultivavam a poesia, a oratória e a conduta”.

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A falácia socioconstrutivista: Por que os alunos brasileiros deixaram de aprender a ler e escreverKátia Simone Benedetti. Edições Kírion, 2020.

Sinopse: Os dois grandes flagelos da educação brasileira, seja pública ou privada, são a indisciplina e a incapacidade de leitura e escrita dos alunos, que chegam aos anos finais do ensino fundamental sem as noções mais básicas do processo de alfabetização. Isso é resultado da maneira como foram alfabetizados, e de como o ensino da língua foi abordado pelos currículos do ensino fundamental. São seqüelas decorrentes da metodologia global socioconstrutivista e da abordagem sociointeracionista do ensino de língua portuguesa, ambas inteiramente contrárias à natureza neurobiológica do aprendizado da escrita e da compreensão leitora. Nesta obra, procuro trazer para a educação o que as ciências do cérebro, em especial a psicologia cognitiva e as neurociências da aprendizagem, têm descoberto sobre a natureza do aprendizado da leitura e da escrita, e esclarecer por que os alunos acabam chegando à universidade sem saber ler e escrever.

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Sobre alguns autores:

Flávio Aurélio Cassiodoro nasceu em 490 d.C. em Squillace, na Itália. Figura importante no fim do Império Romano, substituiu Boécio como conselheiro do rei ostrogodo Teodorico, o Grande. Em 555 fundou o mosteiro do Vivarium, embrião dos centros culturais medievais. Ali desenvolveu métodos e estabeleceu preceitos para a produção de códices fidedignos, agrupando em sua biblioteca tudo o que pôde colher do tesouro literário greco-romano, permitindo que todo o saber antigo passasse em herança à Idade Média por meio da laboriosa cópia dos manuscritos conservados nos mosteiros e nas igrejas. Foi ele quem imprimiu à vida monástica do Ocidente a marca do estudo das letras, sagradas e profanas. Faleceu em 591 d.C.

A.-D. Sertillanges, Filósofo, teólogo e padre dominicano, foi um dos maiores expoentes do neotomismo na primeira metade do século XX, exercendo grande influência sobre Étienne Gilson e Jacques Maritain. Também estudou Aristóteles e Blaise Pascal. Foi membro da Académie des Sciences Morales et Politiques e grande amigo de Henri Bergson.

Irmã Miriam Joseph

Interessada desde muito nova pelas letras e pela arte da comunicação, graduou-se em Jornalismo, mestrou-se em Inglês pela Universidade de Notre Dame e doutorou-se em Inglês e Literatura Comparada, com uma tese sobre William Shakespeare, pela Universidade de Columbia. Também estudou na Universidade de Chicago, sob os auspícios de Mortimer Adler. Pertenceu à Congregação das Irmãs da Santa Cruz e escreveu inúmeros artigos sobre Shakespeare e o trivium.

Santo Agostinho, Religioso e teólogo cristão. Doutor da Igreja, sistematizou a doutrina cristã com enfoque neoplatônico.

"O último dos antigos" e o "primeiro dos modernos", santo Agostinho foi o primeiro filósofo a refletir sobre o sentido da história, mas tornou-se acima de tudo o arquiteto do projeto intelectual da Igreja. Católica.

Aurélio Agostinho, em latim Aurelius Augustinus, nasceu em Tagaste, atualmente Suk Ahras, na Argélia, em 13 de novembro de 354, filho de Patrício, homem pagão e de posses, que no final da vida se converteu, e da cristã Mônica, mais tarde canonizada. Agostinho estudou retórica em Cartago, onde aos 17 anos passou a viver com uma concubina, da qual teve um filho, Adeodato. A leitura do Hortensius, de Cícero, despertou-o para a filosofia. Aderiu, nessa época, ao maniqueísmo, doutrina de que logo se afastou. Em 384 começou a ensinar retórica em Milão, onde conheceu Santo Ambrósio, bispo da cidade.

Cada vez mais interessado pelo cristianismo, Agostinho viveu longo conflito interior, voltou-se para o estudo dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos prazeres físicos e em 387 foi batizado por Santo Ambrósio, junto com o filho Adeodato. Tomado pelo ideal da ascese, decidiu fundar um mosteiro em Tagasta, onde nascera. Nessa época perdeu a mãe e, pouco depois, o filho. Ordenado padre em Hipona (391), pequeno porto do Mediterrâneo, também na atual Argélia, em 395 tornou-se bispo-coadjutor de Hipona, passando a titular com a morte do bispo diocesano Valério. Não tardou para que fundasse uma comunidade ascética nas dependências da catedral.

Em sua vida e em sua obra, Santo Agostinho testemunha acontecimentos decisivos da história universal, com o fim do Império Romano e da antiguidade clássica. O poderoso estado que durante meio milênio dominara a Europa estava a esfacelar-se em lutas internas e sob o ataque dos bárbaros. Em 410 santo Agostinho viu a invasão de Roma pelos visigodos e, pouco antes de morrer, presenciou o cerco de Hipona pelo rei dos vândalos, Genserico. Nesse clima, em que os cismas e as heresias eram das poucas coisas a prosperar, ele estudou, ensinou e escreveu suas obras.

Pensamento. As obras mais importantes de Santo Agostinho são De Trinitate (Da Trindade), sistematização da teologia e filosofia cristãs, divulgada de 400 a 416 em 15 volumes; De civitate Dei (Da cidade de Deus), divulgada de 413 a 426, em que são discutidas as questões do bem e do mal, da vida espiritual e material, e a teologia da história; Confessiones (Confissões), sua autobiografia, divulgada por volta de 400; e muitos trabalhos de polêmica (contra as heresias de seu tempo), de catequese e de uso didático, além dos sermões e cartas, em que interpreta minuciosamente passagens das Escrituras.

No pensamento de Santo Agostinho, o ponto de partida é a defesa dos dogmas (pontos de fé indiscutíveis) do cristianismo, principalmente na luta contra os pagãos, com as armas intelectuais disponíveis que provêm da filosofia helenístico-romana, em especial dos neoplatônicos como Plotino. Para pregar o novo Evangelho, é indispensável conhecer a fundo as Escrituras, que só podem ser bem interpretadas através da fé, pois apenas esta sabe ver ali a revelação de verdades divinas. Compreender para crer e crer para compreender, tal é a regra a seguir.

Baseado em Plotino, Santo Agostinho acha que o homem é uma alma que faz uso de um corpo. Até naquele conhecimento que se adquire pelos sentidos, a alma se mantém em atividade e ultrapassa o corpo. Os sentidos só mostram o imediato e particular, enquanto a alma chega ao universal e ao que é de pura compreensão, como os enunciados matemáticos. Mas se não é através dos sentidos, por qual via a alma consegue alcançar as verdades eternas? Será através do sujeito particular e contingente, ou seja, o homem que muda, adoece e morre?

Tudo indica que, se o homem mutável, destrutível, é capaz de atingir verdades eternas, sua razão deve ter algo que vai além dela mesma, não se origina no homem nem no mundo externo, mas em Deus. Portanto, Deus faz parte do pensamento e o supera o tempo todo. Desse modo só pode ser achado e conhecido no fundo de cada um, no percurso que se faz de fora para dentro e das coisas inferiores para as coisas superiores. Ele não pode ser dito ou definido: é o que é, em todos os tempos e em qualquer lugar (é clara, nessa concepção, a influência de Platão, que Santo Agostinho assume em vários pontos de sua obra).

Outra contribuição decisiva é sua doutrina sobre a Santíssima Trindade. Para Agostinho a unidade das três pessoas é perfeita: não se podem separar, nem uma se subordina à outra, como defenderam Orígenes e Tertuliano, mas a natureza divina seria anterior ao aparecimento das três pessoas; estas se apresentam como os três modos de se revelar o mistério de Deus. A alma, para Santo Agostinho, se confunde com o pensamento, e sua expressão, sua manifestação é o conhecimento: por meio deste a alma -- ou o pensamento -- se ama a si mesma. Assim, o homem recompõe nele próprio o mistério da Trindade e se vê feito à imagem e semelhança de Deus: se ele ama e se conhece dessa maneira, ele conhece e ama a Deus, conseqüentemente mais interior ao ser humano do que este mesmo.

O famoso cogito de Descartes ("Penso, logo existo"), em que a evidência do eu resiste a toda dúvida, é genialmente antecipado por santo Agostinho em seu "Se me engano, sou; quem não é não pode enganar-se". Ele valoriza, pois, a pessoa humana individual até quando erra (o que, neste aspecto, não a torna diferente da que acerta). Talvez por isso dê o mesmo peso à parte humana e à parte divina no que diz respeito à encarnação do Cristo.

A salvação do homem, na teologia agostiniana, é algo completamente imerecido e que depende tão só da graça de Deus; graça que, no entanto, se manifesta aos homens por meio dos sacramentos da Igreja visível, católica. Importantes para a salvação, esses sacramentos compreendem todos os símbolos sagrados, como o exorcismo e o incenso, embora a eucaristia e o batismo sejam os principais para ele.

Da mesma forma que concebe a natureza divina, Santo Agostinho concebe a criação, idéia pouco tratada pelos gregos e característica dos cristãos. As coisas se originaram em Deus, que a partir do nada as criou. Pois o que muda e se move, o que é relativo e passa ou desaparece requer o imutável e o absoluto, essência do próprio Deus, que criou as coisas segundo modelos eternos como ele mesmo. Assim, o que o platonismo chamava de lugar do céu passa a ser, no pensamento agostiniano, a presença de Deus. Tudo o que existe no mundo foi criado ao mesmo tempo, em estado de germe e de semente. Como estes existem desde o início, a história do mundo evolui continuamente, mas nada de novo se cria. Entre os seres da criação existe uma hierarquia, em que o homem ocupa o segundo lugar, depois dos anjos.

Santo Agostinho afirma-se incapaz de solucionar a questão da origem da alma e, embora tão influenciado por Platão, não acha a matéria por si mesma condenável, assim como não encara como castigo a união da alma com o corpo. Não seria este, como se disse tanto, a prisão da alma: o que faz do homem prisioneiro da matéria é o pecado, do qual deve libertar-se pela vida moral, pelas virtudes cristãs. O pecado leva o corpo a dominar a alma; a religião, porém, é o contrário do pecado, é a dominação do corpo pela alma, que se orienta livremente para Deus, assistida pela graça.

Uma das mais belas concepções de Santo Agostinho é a da cidade de Deus. Amando-se uns aos outros no amor a Deus, os cristãos, embora vivam nas cidades temporais, constituem os habitantes da eterna cidade de Deus. Na aparência, ela se confunde com as outras, como o povo cristão com os outros povos, mas o sentido da história e sua razão de ser é a construção da cidade de Deus, em toda parte e todo tempo. A obra de santo Agostinho, em si mesma imensa, de extraordinária riqueza, antecipa, além disso, o cartesianismo e a filosofia da existência; funda a filosofia da história e domina todo o pensamento ocidental até o século XIII, quando dá lugar ao tomismo e à influência aristotélica. Voltando à cena com os teólogos protestantes (Lutero e, sobretudo, Calvino), hoje é um dos alicerces da teologia dialética. Santo Agostinho morreu em Hipona, em 28 de agosto de 430. E nessa data, 28 de agosto, é festejado como doutor da Igreja.

(retirado de http://www.veritatis.com.br/patristica/biografias/8477-biografia-de-santo-agostinho) [link atual: https://www.veritatis.com.br/biografia-de-santo-agostinho/]

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Sobre Rabano Mauro

Rabano Mauro (à direita) apresenta uma
obra a Gregório IV, sentado 
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 3 de Junho de 2009

 

Rabano Mauro

Caros irmãos e irmãs

Hoje gostaria de falar de uma personagem do Ocidente latino verdadeiramente extraordinário: o monge Rabano Mauro. Juntamente com homens como Isidoro de Sevilha, Beda o Venerável e Ambrósio Autperto, de quem já falei em catequeses precedentes, ao longo dos séculos da chamada Alta Idade Média ele soube manter o contato com as grandes culturas dos antigos sábios e dos Padres cristãos. Recordado frequentemente como "praeceptor Germaniae", Rabano Mauro teve uma fecundidade extraordinária. Com a sua capacidade de trabalho absolutamente excepcional, talvez tenha contribuído mais do que todos para manter viva a cultura teológica, exegética e espiritual, da qual teriam haurido os séculos sucessivos. Nele inspiram-se quer grandes personagens pertencentes ao mundo dos monges, como Pier Damiani, Pedro o Venerável e Bernardo de Claraval, quer também um número cada vez mais consistente de "clérigos" do clero secular, que durante os séculos XII-XIII deram vida a um dos florescimentos mais bonitos e fecundos do pensamento humano.

Tendo nascido em Mainz por volta de 760, Rabano entrara no mosteiro extremamente jovem: foi-lhe acrescentado o nome de Mauro precisamente com referência ao jovem Mauro que, segundo o Livro ii dos Diálogos de São Gregório Magno, fora confiado quando era ainda criança pelos seus pais, nobres romanos, ao abade Bento de Núrsia. Esta inserção precoce de Rabano como "puer oblatus" no mundo monástico beneditino, e os frutos que obteve para o seu crescimento humano, cultural e espiritual, abririam sozinhos uma espiral interessantíssima não só sobre a vida dos monges e da Igreja, mas também sobre toda a sociedade da sua época, habitualmente qualificada como "carolíngia". Deles, ou talvez de si mesmo, Rabano Mauro escreve: "Há alguns que têm a sorte de ser introduzidos no conhecimento das Escrituras desde a tenra infância" ("a cunabulis suis") e foram tão bem nutridos com o alimento oferecido pela Santa Igreja que, com a educação apropriada, puderam ser promovidos às ordens sagradas mais altas" (pl 107, col. 419bc).

A cultura extraordinária, pela qual Rabano Mauro se distinguia, chamou depressa a atenção dos grandes do seu tempo. Tornou-se conselheiro de príncipes. Empenhou-se para garantir a unidade do império e, a nível cultural mais amplo, nunca deixou de oferecer a quem o interrogava uma resposta ponderada, que tirava preferivelmente da Bíblia e dos textos dos santos Padres. Eleito primeiro Abade do famoso mosteiro de Fulda e depois Arcebispo da cidade natal, Mainz, não cessou por isso de continuar os seus estudos, demonstrando com o exemplo da sua vida que se pode estar simultaneamente à disposição dos outros, sem se privar por isso de um tempo côngruo para a reflexão, o estudo e a meditação. Assim Rabano Mauro foi exegeta, filósofo, poeta, pastor e homem de Deus. As dioceses de Fulda, Mainz, Limbourg e Wroclaw veneram-no como Santo ou Beato. As suas obras completam seis volumes da Patrologia Latina do Migne. É a ele que se deve, provavelmente, um dos hinos mais bonitos e conhecidos da Igreja latina, o "Veni Creator Spiritus", síntese extraordinária de pneumatologia cristã. O primeiro compromisso teológico de Rabano manifestou-se, com efeito, sob a forma de poesia e teve como objeto o mistério da Santa Cruz, numa obra intitulada: "De laudibus Sanctae Crucis", concebida de maneira a propor não somente conteúdos de conceito, mas também estímulos mais requintadamente artísticos, utilizando tanto a forma poética como a pictórica no interior do mesmo códice manuscrito. Propondo iconograficamente nas entrelinhas do seu escrito a imagem de Cristo crucificado, ele por exemplo escreve: "Eis a imagem do Salvador que, com a posição dos seus membros, torna sagrada para nós a salubérrima, dulcíssima e amadíssima forma da Cruz, a fim de que, acreditando no seu nome e obedecendo aos seus mandamentos, possamos obter a vida eterna graças à sua Paixão. Por isso, cada vez que elevarmos o olhar para a Cruz, recordemo-nos daquele que padeceu por nós para nos tirar do poder das trevas, aceitando a morte para nos tornar herdeiros da vida eterna" (Lib. 1, Fig. 1, pl 107 col. 151c).

Este método de combinar todas as artes, o intelecto, o coração e os sentidos, que vinha do Oriente, teria tido um desenvolvimento enorme no Ocidente, atingindo níveis inigualáveis nos códices miniaturados da Bíblia e em outras obras de fé e de arte, que floresceram na Europa até à invenção da imprensa e além dela também. De qualquer modo, isto demonstra que Rabano Mauro tem uma consciência extraordinária da necessidade de empenhar, na experiência da fé, não apenas a mente e o coração, mas também os sentidos mediante aqueles outros aspectos do gosto estético e da sensibilidade humana que levam o homem a fruir da verdade com a totalidade do seu ser, "espírito, alma e corpo". Isto é importante: a fé não é só pensamento, mas refere-se a todo o nosso ser. Dado que Deus se fez homem em carne e osso, entrando no mundo sensível, nós em todas as dimensões do nosso ser temos que procurar e encontrar Deus. Assim a realidade de Deus, mediante a fé, penetra no nosso ser transformando-o. Por isso Rabano Mauro concentrou a sua atenção sobretudo na Liturgia, como síntese de todas as dimensões da nossa percepção da realidade. Esta intuição de Rabano Mauro torna-o extraordinariamente atual. Dele permaneceram inclusive os famosos "Carmina", propostos para ser utilizados principalmente nas celebrações litúrgicas. Com efeito, dado que Rabano era acima de tudo um monge, era totalmente evidente o seu interesse pela celebração litúrgica. Porém, ele não se dedicava à arte poética como fim em si mesma, mas subordinava a arte e qualquer outro tipo de saber ao aprofundamento da Palavra de Deus. Por isso, com compromisso e rigor extremos, procurou introduzir os seus contemporâneos, mas em primeiro lugar os ministros (bispos, presbíteros e diáconos), na compreensão do significado profundamente teológico e espiritual de todos os elementos da celebração litúrgica.

Assim, tentou compreender e propor aos outros os significados teológicos escondidos nos ritos, inspirando-se na Bíblia e na tradição dos Padres. Não hesitava em declarar, por honestidade mas também para dar maior importância às suas explicações, as fontes patrísticas às quais devia o seu saber. Todavia, servia-se das mesmas com liberdade e discernimento atento, dando continuidade ao desenvolvimento do pensamento patrístico. Por exemplo, no final da "Epistola prima", dirigida a um "corepiscopo" da diocese de Mainz, depois de ter respondido aos pedidos de esclarecimento a respeito do comportamento que se devia ter no exercício da responsabilidade pastoral, prossegue: "Escrevemos-te tudo isto do modo como o deduzimos das Sagradas Escrituras e dos cânones dos Padres. Tu porém, santíssimo homem, toma as tuas decisões como melhor te parecer, caso por caso, procurando moderar a tua avaliação de forma a garantir em tudo a discrição, porque esta é a mãe de todas as virtudes" (Epistulae, I, PL 112, col. 1510c). Assim, vê-se a continuidade da fé cristã, que tem os seus primórdios na Palavra de Deus; porém, ela é sempre viva, desenvolve-se e exprime-se de modos novos, sempre em coerência com toda a construção, com todo o edifício da fé.

Dado que uma parte integrante da celebração litúrgica é a Palavra de Deus, a ela se dedicou Rabano Mauro com o máximo empenhamento durante toda a sua existência. Ofereceu explicações exegéticas apropriadas praticamente para todos os livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamento com uma intenção claramente pastoral, que justificava com palavras como estas: "Escrevi estas coisas... resumindo explicações e propostas de muitos outros para oferecer um serviço ao leitor pobre que não pode ter à disposição muitos livros, mas também para ajudar aqueles que em muitas coisas não conseguem entrar em profundidade na compreensão dos significados descobertos pelos Padres" (Commentariorum in Matthaeum praefatio, PL 107, col. 727d). Com efeito, quando comentava os textos bíblicos, hauria a mãos-cheias dos Padres antigos, com especial predileção por Jerónimo, Ambrósio, Agostinho e Gregório Magno.

Depois, a acentuada sensibilidade pastoral levou-o a enfrentar sobretudo um dos problemas mais sentidos pelos fiéis e pelos ministros sagrados do seu tempo: o da Penitência. Efetivamente, foi compilador de "Penintenciários" — assim eram chamados — nos quais, segundo a sensibilidade dessa época, eram enumerados pecados e penas correspondentes, utilizando na medida do possível motivações tiradas da Bíblia, das decisões dos Concílios e das Decretais dos Papas. De tais textos serviram-se inclusive os "Carolíngios" na sua tentativa de reforma da Igreja e da sociedade. A esta mesma intenção pastoral correspondiam obras como "De disciplina ecclesiastica" e "De institutione clericorum", nos quais, inspirando-se principalmente em Agostinho, Rabano explicava aos simples e ao clero da sua diocese os rudimentos fundamentais da fé cristã: tratava-se de uma espécie de pequenos catecismos.

Gostaria de concluir a apresentação deste grande "homem de Igreja", citando algumas das suas palavras em que se refletem a sua convicção de base: "Quem é negligente na contemplação ("qui vacare Deo negligit"), priva-se sozinho da visão da luz de Deus; além disso, quem se deixa surpreender de modo indiscreto pelas preocupações e permite que os seus pensamentos sejam alterados pelo tumulto das coisas do mundo, condena-se à absoluta impossibilidade de penetrar os segredos do Deus invisível" (Lib. I, PL 112, col. 1263a). Penso que Rabano Mauro dirige estas palavras também a nós, hoje: nas horas de trabalho, com os seus ritmos frenéticos, e nos períodos de férias, temos que reservar momentos para Deus, abrir-lhe a nossa vida, dirigindo-lhe um pensamento, uma reflexão, uma breve oração e principalmente não podemos esquecer que o domingo é o dia do Senhor, o dia da liturgia, para vislumbrar na beleza das nossas igrejas, da música sacra e da Palavra de Deus, a própria beleza de Deus, deixando-O entrar no nosso ser. Somente assim a nossa vida se tornará grande, verdadeira.


Texto disponível no link.


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Sobre as artes e as disciplinas das letras liberais - Cassiodoro

Trechos retirado do livro Institutiones: Introdução às letras divinas e seculares, Cassiodoro, também publicado pelo Instituto Hugo de São Vitor na Coleção de Artes Liberais Vol. 1: Trivium e Quadrivium.

Por Flávio Magno Aurélio Cassiodoro Senador

PREFÁCIO

O livro anterior, acabado graças ao Deus poderoso, contém o ensinamento sobre as leituras divinas. Ele compreende trinta e três títulos, número que se comprova acomodado à idade do Senhor quando assegurou a vida eterna ao mundo tomado de pecados e quando premiou os crentes com bens infinitos. Agora, com o presente livro, é o momento de desenvolver outros sete títulos que tratam das leituras profanas. Mas este número comporta a existência do universo em sua totalidade, pois retrocede continuamente sobre si mesmo pelas semanas que sucedem umas às outras.

II.

É preciso saber isto porque frequentemente tudo o que, contínua e perpetuamente, a Sagrada Escritura quer que seja compreendido está contido neste número. Tal como disse Davi: Sete vezes ao dia, eu Te louvei (Salmos 118, 164), e em outra parte declara: Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo, Seu louvor estará sempre em minha boca. (Sl. 33, 2); e Salomão: A Sabedoria construiu a sua casa sobre sete colunas (Pr. 9, 1). No Êxodo, também disse o Senhor a Moisés: farás sete lâmpadas, as quais se acenderão para iluminar diante dele (Ex. 25, 37). O Apocalipse menciona também este número em diversos momentos. Contudo, este número nos leva à eternidade, que não pode desaparecer; por isso é mencionado sempre onde se manifesta o tempo perpétuo.

III.

Por isso a aritmética adquiriu grande renome, já que Deus, artífice de todas as coisas, estabeleceu tudo com número, peso e medida. Salomão diz: dispusestes tudo com medida, quantidade e peso (Sb. 11, 20); reconhece-se a criação de Deus feita em razão do número, quando Ele mesmo diz no Evangelho: os cabelos da vossa cabeça estão todos contados (Mt. 10, 30). A criação de Deus está fixada com medida, como Ele mesmo atesta no Evangelho: E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? (Mt. 6, 27). Também o profeta Isaías disse: Quem mediu as águas na concha da mão, ou com o palmo definiu os limites dos céus? (Is. 40, 12). Mais uma vez se reconhece a criação de Deus feita em razão do peso, quando diz Salomão nos Provérbios: enquanto determinou as fronteiras do mar para que as águas não ultrapassassem seu ordenamento, quando assinalou as balizas dos alicerces da terra, eu estava com Ele (Pr. 8, 28). Sendo assim, as obras singulares e magníficas de Deus foram concluídas com precisão e bem determinadas, para que, ao passo que temos fé de que Ele criou todas as coisas, também possamos aprender, até certo ponto, como elas foram criadas.

IV.

Sendo assim, podemos concluir que as obras más do diabo não estão sujeitas nem ao peso, nem à medida, nem ao número, porque tudo que leva iniquidade é sempre contrário à retidão. Como nos lembra o Salmo 13, que diz: Contrição e infelicidade nos caminhos daqueles, e não reconheceram o caminho da paz; não há temor de Deus nos olhos deles (Sl. 13, 3). Isaías também diz: Abandonaram o Deus dos Exércitos totalmente e percorreram caminhos equivocados (Is. 5, 24). Em verdade, Deus é sumamente admirável e sábio, pois diferenciou todas suas criaturas com moderação singular para que uma confusão mortal não se apoderasse delas. Sobre isso, o Padre Agostinho em seu livro sobre o Gênesis comentou minuciosamente palavra por palavra.

V.

Mas tratemos já dos fundamentos do segundo volume bem atentamente. O nosso intento é escrever brevemente sobre a gramática ou sobre a retórica e sobre as outras disciplinas, das quais precisamos conhecer os princípios. Antes de tudo, é preciso falar da Gramática que evidentemente é a origem e o fundamento das letras liberais.

VI.

“Liber” vem de “libro”, ou seja, do corte de árvore cortada e “liberada”, sobre a qual, antes da invenção do papel, os antigos escreviam suas canções. Precisamos saber também, como diz Varrão, que os fundamentos de todas as artes passaram a existir por causa de alguma utilidade.

VII.

Diz-se, porém, “arte” porque nos limita e encerra com suas regras. Outros dizem que este nome foi criado pelos gregos, ἀπό τῆς ἀρεῆς, isto é, pelo talento com que os homens eloquentes são chamados ao conhecimento de cada coisa.

VIII.

Em segundo lugar, o livro sobre a Retórica, que por seu brilho e riqueza de sua eloqüência é considerada tão necessária e honrável em questões civis.

IX.

Em terceiro lugar, sobre a Lógica, que trata da Dialética, que, como dizem os mestres seculares, separa as verdades das falsidades através de disputas muito sutis e breves.

X.

Em quarto lugar a Matemática, que abarca quatro disciplinas: Aritmética, Geometria, Música e Astronomia. Em latim, podemos chamar ciência à Matemática. Mas mesmo que possamos dar este nome a qualquer ensinamento que instrua, este exige uma denominação comum própria para si por causa de sua superioridade. Sabemos que entre os gregos é considerado o poeta Homero e entre os latinos Virgílio; os gregos consideram Demóstenes como orador, e os latinos, Cícero, mesmo que se saiba que há muitos outros poetas em ambas as línguas.

XI.

Mas a Matemática é a ciência que considera a quantidade abstrata. Chamamos quantidade abstrata àquela que tratamos unicamente com a inteligência e o raciocínio ao separarmos (a substância) da matéria e mesmo dos acidentes. Com isso, a ordem está assegurada.

XII.

Agora, com ajuda de Deus, cumprirei o que prometi, sabendo cada uma de suas divisões e definições. De certo modo, esta é uma via dupla de aprendizado, pois, primeiro, a definição linear ilustra sob um aspecto, e depois, com atenção, penetra no entendimento. Não deixarei de citar autores tanto gregos como latinos que tenham esclarecido o que exponho para que aqueles que se sentirem atraídos por meus resumos tenham vontade de lê-los e saborear as palavras de seus antepassados mais ilustres.


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Rábano Mauro e o Significado Místico dos Números

Retrato de Rabano Mauro (falecido em 856),
monge beneditino e teólogo alemão,
gravura de Andre Thevet 1516-1590.

por Jean Lauand. Prof. Titular FEUSP, jeanlaua@usp.br


1. Introdução

Discípulo de Alcuíno, Rábano Mauro (c.784-856) foi abade de Fulda. Pelo seu trabalho de educador e escritor, recebeu o epíteto de Praeceptor Germaniae, o mestre da Germânia. Rábano Mauro não teve a intenção de ser um autor original, mas a de ensinar e formar seus monges.

Uma de suas principais obras é o De universo (em 22 livros) que, como o próprio nome indica, é trabalho amplo e enciclopédico. O subtítulo é: Sobre a natureza das coisas, as propriedades das palavras e o significado místico das realidades.

Nessa obra, Rábano Mauro distingue dois sentidos na Sagrada Escritura: o literal e o figurado. Este divide-se em alegórico (revela verdades sobrenaturais ocultas para os profanos), tropológico (ou moral, move a agir bem) e anagógico (conduz ao fim último e revela a razão de ser da vida).

Rábano Mauro está convencido de que, para decifrar o sentido figurado, é muito útil conhecer a natureza das coisas e as etimologias das palavras. Para ajudar seus leitores a alcançar esse significado místico, presente em tudo, escreveu o De universo, do qual apresento aqui a tradução do Capítulo III do Livro XVIII: De numero (PL CXI, 489-495).


2. A alegoria e o pensamento medieval

Em várias línguas há expressões ou frases feitas para indicar que sobre aquilo que é evidente não se precisa gastar uma palavra: goes without saying, va sans dire, selbstverständlich, per se notum etc. Essa observação tão simples (e, também ela, evidente) explica uma das maiores dificuldades de compreensão [1] de um autor antigo: o que era evidente para ele e para os leitores de sua época (e, precisamente por isso, ficou oculto) freqüentemente não é evidente para nós, que sequer suspeitamos dos "óbvios ululantes" escondidos no autor antigo.

Nesse sentido, há no Tratado de Rábano Mauro diversas passagens lacônicas e enigmáticas para o leitor contemporâneo, que não está nem um pouco preocupado em saber o que significa o número 153 (se é que tem algum significado...) quando o Evangelho diz que os apóstolos, na pesca milagrosa após a ressurreição de Cristo, apanharam justamente 153 peixes. S. Agostinho, por exemplo, teólogo e pregador genial, de perene atualidade, tratava do significado dos números em vários sermões, pois considerava o simbolismo numérico um elemento a mais para a compreensão da Revelação:

"Estes 153 são 17. 10 por quê? 7 por quê? 10 por causa da lei, 7 por causa do Espírito. A forma septenária é por causa da perfeição que se celebra nos dons do Espírito Santo. Descansará - diz o santo profeta Isaías - sobre ele, o Espírito Santo (Is 11, 23) com seus 7 dons. Já a lei tem 10 mandamentos (...). Se ao 10 ajuntarmos o 7, temos 17. E este é o número em que está toda a multidão dos bem-aventurados. Como se chega, porém, aos 153? Como já vos expliquei outras vezes, já muitos me tomam a dianteira. Mas não posso deixar de vos expor cada ano este ponto. Muitos já o esqueceram, alguns nunca o ouviram. Os que já o ouviram e não o esqueceram tenham paciência para que os outros, ou reavivem a memória, ou recebam o ensino. Quando dois são companheiros no mesmo caminho, e um anda mais depressa e o outro mais devagar, está no poder do mais rápido não deixar o companheiro para trás (...). Conta 17, começando por 1 até 17, de modo que faças a soma de todos os números, e chegarás ao 153. Por que estais à espera que o faça eu? Fazei vós a conta" [2] .


O cristão de hoje sorri ao ver o autor medieval, munido de calçadeira, explicar que o número 120 é soma da progressão aritmética: $1+2+3+\cdots+14+15$, e que isto representa misticamente aquelas passagens dos Atos dos Apóstolos em que se descreve a vinda do Espírito Santo (cfr. 2, 1) quando estava reunida a assembléia de 120 pessoas (cfr. 1, 15), "todos num mesmo lugar" (a soma simboliza essa reunião).

Precisamente nessas diferenças é que se capta a mentalidade da época. O homem medieval está seriamente convencido de que não há palavra ociosa na Sagrada Escritura e que tudo o que está revelado "é inspirado por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça" (II Tim 3, 16). E o próprio apóstolo Paulo afirma o caráter alegórico de algumas passagens bíblicas: "Na lei de Moisés está escrito: ‘Não atarás a boca ao boi que debulha’ (Deut 25, 4). Mas, acaso Deus se ocupa dos bois? Não é, na realidade, em atenção a nós que Ele diz isto?" (I Cor 9, 9-10). Ou, em outro momento, ao considerar alegórico (cfr. Gál 4, 24) o fato de que Abraão teve dois filhos: um da escrava e outro da livre.

O mestre S. Isidoro de Sevilha, pouco anterior a Rábano Mauro, tinha escrito um capítulo das Etimologias (III, 4) dedicado à importância dos números: "Não se deve desprezar os números. Pois em muitas passagens da Sagrada Escritura se manifesta o grande mistério que encerram. Não foi em vão que se escreveu o louvor de Deus no livro da Sabedoria (11, 20): ‘Dispusestes tudo com medida, número e peso’".

Daí que, ao contrário da Teologia contemporânea, Rábano Mauro dê, por exemplo, extraordinária importância simbólica aos números indicados por Deus para a construção do tabernáculo [3] . Também neste ponto ele segue Agostinho: "Grande é o mistério simbolizado nas ordens dadas para a instalação do tabernáculo. Muitos mistérios estão nelas representadas" [4] .

A própria fala de Cristo apresenta alguns simbolismos numéricos próprios das tradições semitas, como o 7, que indica plenitude. Naquela pergunta de Pedro (cfr. Mt 18, 22), "quantas vezes devo perdoar a meu irmão? Até 7 vezes?", o 7 é claramente simbólico; como também o "setenta vezes sete" da resposta de Cristo. Tomás de Aquino, bem mais próximo de nossa mentalidade, na Suma Teológica (I, 1, 10) põe as coisas no devido lugar [5]: após reconhecer a legitimidade dos sentidos tropológico e anagógico, diz: "Não se segue daí nenhuma confusão na Sagrada Escritura, pois todos os sentidos se apoiam sobre um, o literal, que é o único a proporcionar argumentos, como diz Agostinho. Por isso, nada se perde da Escritura, pois não há nada que seja dito em sentido espiritual que não seja dito em sentido literal em alguma passagem".


O Significado Místico dos Números

Rábano Mauro (c.784-856)

(trad. e notas: Jean Lauand)

Os números, através de alegorias, mostram-nos muitos aspectos do mistério que devemos venerar.

O número 1

Já o primeiro número, o um, indica a unidade da divindade. Dele se escreveu no Deuteronômio (6, 4): "Ouve, ó Israel! O Senhor teu Deus, é o único [6] Senhor" [7] . O um expressa também a unidade da Igreja e da fé. Daí que nos Atos dos Apóstolos (4, 32) se tenha escrito: "Eram um só coração e uma só alma" [8] . E o número um diz respeito ainda à unidade da fé e à perfeição de uma obra. Por isso se diz no livro do Gênesis (6, 16) sobre a arca de Noé: "Farás no cimo [9] da arca uma abertura com a dimensão de um côvado". E até a unidade dos maus é expressa pelo um, como se lê em Mateus (22, 11): "E viu ali um homem que não trazia a veste nupcial" [10] .

O número 2

Já o dois diz respeito aos dois testamentos. Daí que em I Reis (6, 23) esteja escrito: "E fez dois querubins que tinham dez côvados de altura". Dois também são os mandamentos da caridade [11]: "Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas" (Mt 22, 40). O dois expressa ainda as duas dignidades: a régia e a sacerdotal, figuradas por aqueles dois peixes que acompanhavam os cinco pães naquela passagem do Evangelho [12]. O dois significa ainda os dois povos: os judeus e os gentios. Daí que em Zacarias (6, 13) se diga: "E haverá paz entre eles dois". Também o dois significa a união da alma e do corpo. Daí que o Senhor diga no Evangelho (Mt 18, 19): "Se dois de vós estiverem reunidos sobre a terra...". Sobre isso também fala o profeta Amós (3, 3): "Acaso podem dois [13] andar juntos se não estão em união?" O dois prefigura também a separação entre os eleitos e os condenados, como diz o Senhor no Evangelho (Mt 24, 40): "Estarão dois no campo: um será tomado; o outro, deixado" [14] .

O número 3

O número três é próprio do mistério da Santíssima Trindade, tal como se diz na Epístola de João (I Jo 5, 7): "Três são os que dão testemunho". O três também representa o mistério da Paixão, Sepultamento e Ressurreição do Senhor [15] . Daí que Oséias (6, 2) diga: "Dar-nos-á de novo a vida em dois dias; ao terceiro dia ressuscitar-nos-á e viveremos". O três exprime ainda a fé, a esperança e a caridade [16] , figuradas também por aquelas três cidades do Deuteronômio (cap. 19) nas quais o involuntário homicida encontrava refúgio [17] . O três significa ainda os três tempos: o primeiro, antes da lei; o segundo, sob a Antiga Lei, e o terceiro, sob a graça. É por isso que se lê na parábola evangélica (Lc 13, 7): "Eis que já são três anos que venho buscar fruto da figueira e não o encontro". O três representa também as três formas do agir humano para o bem ou para o mal: pensamentos, palavras e obras. Como diz o Apóstolo (I Cor 3, 12): "Se alguém edifica sobre este fundamento: com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas; com madeira, ou com feno, ou com palha" [18] . O três mostra ainda o tríplice modo de os fiéis professarem sua fé: como clérigos, monges ou no casamento. Dessa tríplice profissão na Igreja fala o Senhor por Ezequiel (14, 20), dizendo: "Se estes três homens, Noé, Daniel e Jó, estivessem no meio deles não poderiam salvar por sua justiça nem seus filhos nem suas filhas, mas somente a si próprios" [19] .

O número 4

O número quatro é próprio dos quatro Evangelhos, como diz Ezequiel (1, 4): "E no centro havia a semelhança de quatro animais" [20] . O quatro também significa misticamente as quatro virtudes dos santos: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança [21] ; que, pela liberalidade de Deus, revigoram as almas dos santos. Daí que o Evangelho (Mc 8, 9) diga: "E os que comeram eram cerca de quatro mil pessoas. Em seguida, Jesus os despediu" [22] . Quatro também diz respeito às quatro partes do mundo [23] a partir das quais a Santa Igreja se reunirá. Daí que afirme o profeta (Is 43, 5): "Do Oriente conduzirei a tua descendência e do Ocidente eu te reunirei. Direi ao setentrião: ‘Devolve-os!’ e ao meio-dia: ‘Não impeças!’". Do mesmo modo, o quatro pode simbolizar os quatro elementos [24] dos quais é formado o corpo humano, pois principalmente deles depende a força e a subsistência do corpo. Com efeito, no Evangelho está escrito que o paralítico no leito era transportado por quatro [25] .

O número 5

O cinco traz o significado dos cinco livros da lei de Moisés, dos quais diz o Apóstolo (I Cor 14, 19): "Quero dizer cinco palavras de sentido"; ou para os cinco sentidos do corpo: visão, audição, paladar, olfato e tato [26] . Daí que esteja escrito no Evangelho (Mt 25, 1): "O reino dos céus é semelhante a dez virgens, cinco das quais eram fátuas e cinco prudentes" [27] . E também (Mt 25, 15): "E deu a um cinco talentos". E diz o Senhor à samaritana (Jo 4, 18): "Cinco maridos tiveste".

O número 6

O número seis significa os seis dias nos quais Deus criou as criaturas, como diz o Êxodo (20, 11): "Em seis dias criou Deus o céu e a terra". Significa também as etapas do tempo deste mundo, que comporta seis eras [28] . Daí que Deus, que perfaz [29] todas as suas obras, tenha vindo a este mundo na sexta era, tenha padecido na sexta-feira, no sábado tenha repousado no sepulcro, e no domingo ressuscitado dos mortos.

O número 7

O número sete é um número de múltiplos significados. Pode significar o sétimo dia, no qual, concluída sua obra, Deus repousou. Daí que também as almas dos santos, após as fadigas das boas obras, repousem de todas as suas obras na felicidade eterna do Céu. Pode significar também a septiforme graça do Espírito Santo [30] , do qual diz o Apocalipse (5,6): "Tinha ele sete chifres e sete olhos, sete são os espíritos enviados por Deus por toda a terra". Também sete são as Igrejas de que fala o Apocalipse (cfr. cap. 1), simbolizadas por sete candelabros e por sete estrelas. Nelas se representa a totalidade dos santos [31] , como ali mesmo se declara: que os sete candelabros são as sete Igrejas e, do mesmo modo, as sete estrelas. Também por sete se designa todo o tempo presente deste mundo, que se desenvolve em ciclos de sete dias [32] . Também os males se representam pelo sete; sete é o número da plenitude do pecado, isto é, o sete representa todos os principais [33] vícios. Daí que o Senhor, no Evangelho (Lc 11, 26), diga do espírito imundo: "Então ele vai e toma consigo outros sete piores do que ele e entram e estabelecem-se lá e a última situação do homem é pior do que a anterior". Por isso também Salomão (Prov 26, 25) diz: "Não te fies nele, pois há sete abominações (isto é, diabos) na alma dele". Sete é também a plenitude dos flagelos de Deus, como diz o Levítico (26, 24): "Castigar-vos-ei sete vezes pelos vossos pecados". E, além disso, sete e oito simbolizam a Antiga Lei e o Evangelho. Por isso diz o Eclesiastes (11, 2): "Faze sete partes e também oito". Do mesmo modo o sete e o oito representam o repouso definitivo e a ressurreição.

O número 8

O oito representa o dia da ressurreição do Senhor e também a futura ressurreição de todos os santos [34] . Daí que nas indicações junto ao título do salmo 6 conste: "Para o oitavo".

O número 9

O número nove representa misticamente a Paixão do Senhor: porque o próprio Senhor, na hora nona, tendo dado um forte brado, expirou. Lê-se também que nove são as categorias dos anjos: anjos, arcanjos, tronos, dominações, virtudes, principados, potestades, querubins e serafins. E o nove está presente nas noventa e nove ovelhas [35] que, na parábola evangélica, são deixadas no deserto ou nos montes. Nove pode indicar ainda imperfeição em relação aos mandamentos de Deus, ou a insuficiência dos bens: como está escrito no Deuteronômio a respeito do leito de Og - rei de Basan e tipo do diabo - que media nove côvados de comprimento [36] .

O número 10

O dez é o número do Decálogo. Por isso o Salmista (Sl 32, 2) diz: "Entoar-Te-ei hinos na harpa de dez cordas". É também o número da perfeição das obras e da plenitude dos santos, o que é simbolizado por aquelas dez cortinas que, por ordem do Senhor [37] , foram feitas no tabernáculo do testemunho [38] .

O número 11 [39]

O número onze é figura da transgressão [40] da lei e também dos pecadores, tal como mostra o salmo 11 (cujo número de per si já é símbolo) quando diz: "Salvai-me Senhor, pois desaparecem os homens santos". Daí que também Deus tenha ordenado [41] que se instalassem no tabernáculo da Aliança esse mesmo número de cortinas de peles de cabra para representar os que pecam.

O número 12

O número doze é próprio dos apóstolos, como se evidencia no Evangelho: "Os nomes dos doze apóstolos são..." (Mt 10, 2) e o próprio Senhor diz a seus discípulos: "Não vos escolhi eu doze?" (Jo 6, 70). O número doze também representa a totalidade dos santos que, eleitos das quatro partes do mundo pela fé na Santíssima Trindade, formam uma só Igreja. Esses eleitos são figurados por aquelas doze pedras preciosas com as quais, no Apocalipse [42] , se descreve a construção da cidade do grande Rei. São as doze tribos de Israel, que vêem a Deus.

O número 13

Já o número treze diz respeito à plenitude da lei [43] junto com a fé na Santíssima Trindade, como se lê em Ezequiel (40, 11): "E mediu a extensão do pórtico: treze côvados" [44] .

O número 14

O número quatorze simboliza misticamente as gerações que antecederam o Senhor, como suficientemente se mostra no início do Evangelho de Mateus: "De Abraão a David, quatorze gerações". O número quatorze também diz respeito ao tempo presente e futuro, tal como se mostra no Levítico (cfr. 12,5), onde se indica que a mulher que der à luz uma menina será impura por duas semanas, isto é, o presente e o futuro.

O número 15

O número quinze representa misticamente o repouso e a ressurreição, a Antiga Lei e o Evangelho, tal como se lê nos Atos dos Apóstolos [45] , que Paulo passou quinze dias com Pedro [46] .

O número 17

O número dezessete [47] representa misticamente a totalidade dos profetas [48], pois os dez mandamentos da lei operam pela septiforme graça do Espírito Santo.

O número 20

O número vinte diz respeito à perfeição das obras que se realizam pela caridade, pois o decálogo, multiplicado pelos dois mandamentos da caridade, totaliza vinte. Daí que se tenha escrito que a medida da altura dos dois querubins [49], isto é, a plenitude da ciência, dá esse número.

O número 22

O número vinte e dois representa misticamente os livros divinos, correspondentes às letras dos hebreus [50] .

O número 24

O número vinte e quatro representa os vinte e quatro livros do Antigo Testamento, segundo a tradição dos hebreus. Outros, por este número, entenderam os patriarcas do Antigo e do Novo testamento: "E, sentados sobre os tronos, vinte e quatro anciãos" (Apoc 4, 4).

O número 25

O número vinte e cinco é um símbolo místico derivado da multiplicação do cinco (dos 5 sentidos) por si mesmo evidente em Ezequiel [51] .

O número 28

O número vinte e oito representa misticamente a Antiga Lei e o Evangelho: esse número de côvados de extensão deveriam ter [52] as cortinas do tabernáculo.

O número 30

O número trinta é o número dos frutos dos fiéis casados [53] , como diz o Evangelho: "E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um" (Mt 13, 23).

O número 32

O número trinta e dois refere-se misticamente à idade que Nosso Senhor cumpriu na carne, daí que (como parece a alguns) diga o Apóstolo (Ef 4, 13): "Até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos a idade de homem feito, na medida da idade da maturidade de Cristo".

O número 40

O quarenta é número que representa misticamente a Antiga Lei e o Evangelho. Daí que no Evangelho (Mt 4, 1) [54] se escreva do Senhor: "E foi conduzido pelo Espírito ao deserto por quarenta dias". Representa misticamente também a Ressurreição do Senhor, pois está escrito em Atos (1, 3): "E apareceu-lhes durante quarenta dias". E, além disso, o número quarenta figura ainda o tempo deste mundo. Pois quatro são as partes do mundo e quatro são também os elementos de que está constituída toda criatura visível; já o dez indica plenitude: tanto a do bem como a do mal. E dez por quatro dá quarenta. Daí que o salmista (Sl 94, 10) diga: "Durante quarenta anos desgostou-me aquela geração"; e no dilúvio foi por esse número de dias e de noites que Deus fez chover sobre a terra. E no livro de Jonas (3, 4) está escrito: "Daqui a quarenta dias Nínive será destruída", o que não chegou a ocorrer com aquela cidade, mas ocorrerá com o mundo por ela figurado. Quarenta é o número da permanência no deserto [55] e o das gerações de Abraão a Jesus Cristo.

O número 50

O número cinqüenta é Pentecostes [56] , o do advento do Espírito Santo. Daí que se diga em Atos (2, 1): "Chegando o dia de Pentecostes..." É também o número da penitência dos pecadores: esse é o número do salmo penitencial por excelência.

O número 60

Sessenta é o número que representa misticamente todos os perfeitos. Por isso se diz no Cântico dos Cânticos (3,7): "É a liteira de Salomão - isto é, a Igreja de Cristo - escoltada por sessenta guerreiros, sessenta valentes de Israel". Também sessenta é o fruto dado pelas viúvas e continentes. Daí que se leia no Evangelho (Mt 13, 23): "E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um".

O número 70

O número 70 é o que representa misticamente os antigos pais, figurados pelos setenta mil operários carregadores [57] que Salomão escolheu para edificar o templo. Pois setenta e oitenta são figura da Antiga Lei e do Evangelho, conforme diz o salmo (Sl 89, 10): "Setenta anos é o total de nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta". O setenta [58] é também o número dos presbíteros de Moisés. E setenta e dois são os discípulos enviados pelo Senhor [59] para pregar o Evangelho. Setenta é o número das almas que desceram com Jacó ao Egito como se narra no Gênesis (46, 27) [60] .

O número 80

Oitenta são certas almas cristãs que estão unidas ao Senhor somente pela fé, mas não pelas obras. Delas se escreve no Cântico dos Cânticos (6, 8): "Há sessenta [61] rainhas - isto é, as almas dos perfeitos - e oitenta concubinas".

O número 100

O cem refere-se ao fruto dos mártires ou das virgens como diz o Evangelho (Mt 13, 23): "E produzirão fruto: cem por um..."

O número 120

Cento e vinte é o número que figura a perfeição da Antiga Lei e do Evangelho. Daí que Moisés, legislador, tenha vivido cento e vinte anos e que o Espírito Santo, no dia de Pentecostes, tenha descido sobre as almas de cento e vinte fiéis que estavam congregados no Cenáculo. Pois lê-se que antes do dilúvio foi decretado cento e vinte anos de penitência para os homens [62] . E a altura do templo de Salomão era de cento e vinte côvados, o que tem o mesmo significado místico que o recebimento do Espírito Santo por cento e vinte homens da primitiva Igreja em Jerusalém, em virtude da Paixão, Ressurreição e Ascensão do Senhor aos céus. E, também, estabelecendo a seqüência natural de números e somando-os de 1 a 15 [63] , o que equivale a "reuni-los no mesmo lugar", obtém-se 120. Pois o 15 é composto pelo 7 e pelo 8, que costumam significar a vida futura que é incoada nesta vida pelo Batismo nas almas dos fiéis, mas que atingirá sua plenitude na ressurreição e imortalidade no final dos séculos.

O número 153 [64]

O cento e cinqüenta e três é representação mística do número dos que se salvam, pois é o número de peixes apanhados pelos Apóstolos após a ressurreição do Senhor (Jo 21,11).

O número 300

Trezentos representa o número dos perfeitos que, pela cruz de Jesus, obtêm vitória sobre o mundo, e que foram prefigurados por aqueles trezentos soldados escolhidos para combater ao lado de Gedeão (Jz,7).

O número 600 [65]

Quinhentos diz respeito às 6 idades do mundo (como alguns consideram) que precisam passar para que o Salvador se digne visitar o mundo. Em prefiguração disso, Noé, com a idade de seiscentos anos [66] , por inspiração divina construiu a arca para a salvação de sua família.

O número 1.000

O número mil é o da plenitude da bem-aventurança. Daí que se leia no Cântico dos Cânticos (8,11): "Pacífico [67] tinha uma vinha e confiou-a aos guardas. Cada um recebeu mil moedas de prata pelos frutos colhidos". A vinha é a Igreja, abundante em frutos da fé; o Senhor Jesus [68] entregou-a aos guardas, isto é, aos profetas, aos apóstolos e às dignidades angélicas; pelos frutos colhidos o homem recebe mil moedas de prata, isto é, a plenitude da retribuição.

O número 1.200

Mil e duzentos é figura dos doutores apostólicos que, espalhados pelo mundo, se dedicam a pregar a palavra. Estes recebem remuneração dupla, o que é representado pelo duzentos: "Mil siclos para ti, Pacífico, e duzentos para esses que velam pela colheita" (Cânt 8, 12).

O número 7.000

O sete mil representa misticamente o número de todos os eleitos que, repletos do Espírito Santo, pela semana deste mundo reúnem-se no Reino dos Céus. Daí que diga I Reis (19,18): "Reservarei em Israel sete mil homens que não dobraram o joelho diante de Baal".

Já seiscentos mil é o número dos filhos de Israel que saíram do Egito, como diz o Êxodo [69] .

O número 10.000

Dez mil é o número para o decálogo da Lei, como se lê no Evangelho (Mt 18, 24): "Trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos".

O número 144.000

O cento e quarenta e quatro mil é representação mística dos eleitos, judeus que no fim do mundo hão de crer em Cristo (como afirmam alguns). É também, como diz o Apocalipse (cap. 14), o número dos que não se corromperam: "Cantavam como que um cântico novo diante do trono. E ninguém podia cantar aquele cântico, a não ser os cento e quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra, os quais não se contaminaram e em cuja boca não se achou mentira, pois são irrepreensíveis".


Notas:

[1] Cfr. a respeito, p. ex., PIEPER, J., Unaustrinkbares Licht, p. 13 e ss.

[2] Sermão 250, em Agostinho, Sermões para a Páscoa, trad. de António Fazenda, Lisboa, Verbo, 1974.

[3] Cfr. Êx 26.

[4] Agostinho, Sermão 83, 7.

[5] Veja-se também I, 1, 9.

[6] Unus, em latim, pode significar: um, um só, único ou uno. Assim, traduzimos: Dominus unus, que literalmente seria "Senhor um", por único Senhor.

[7] O original, em Migne, diz, provavelmente equivocado, Deus unus e Êxodo, em vez de Dominus unus e Deuteronômio.

[8] O livro dos Atos dos Apóstolos, que na Bíblia se segue aos quatro Evangelhos, foi escrito pelo evangelista S. Lucas e narra o que fizeram os apóstolos após a Ressurreição de Cristo e a vinda do Espírito Santo. Descreve também a vida dos primeiros cristãos. O conhecido versículo citado diz que a multidão dos fiéis era cor unum et anima una, literalmente, um coração e uma alma. Cabe aqui a mesma observação da nota 6.

[9] Uma das instruções de Deus a Noé sobre o modo de construir a arca. No original latino até a forma das palavras deixa transparecer a relação entre fazer "o cimo" (summitatem) e a perfeição, consumar (consummabis) uma obra.

[10] Trata-se da parábola em que Cristo compara o Reino dos Céus a um banquete que um rei oferece a várias pessoas que se recusam a comparecer. O rei ordena então a seus servos que convidem a todos que acharem pelos caminhos: "e a sala do banquete ficou repleta de homens maus e bons". Rábano Mauro pretende explicar o enigmático singular, "um homem que não trazia veste nupcial" pela unidade dos maus.

[11] Ao doutor da lei que lhe pergunta qual é o maior mandamento, Jesus responde: "<<Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito>>. Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: <<Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas>>."

[12] A multiplicação dos pães e dos peixes, cfr. Jo 6, 9; Mt 14, 17 ou Mc 6, 41. Nesta interpretação dos dois peixes representando os dois poderes, Rábano Mauro segue Agostinho (cfr. Sermão 130, 1).

[13] O caráter elíptico do latim, que prefere dizer "dois" ao invés de explicitar os "dois homens",,,, dá margem ao pensamento alegórico: o "dois" passa a representar corpo e alma.

[14] Sentença proferida por Cristo ao descrever o fim do mundo.

[15] A Ressurreição de Cristo deu-se no terceiro dia.

[16] Fé, esperança e caridade são as três virtudes teologais, isto é, aquelas que têm por objeto a Deus e são infundidas no homem por Deus.

[17] Deus ordenou que se reservassem três cidades como asilo onde quem tivesse matado o próximo por inadvertência e sem ódio prévio pudesse refugiar-se e escapar à injusta vingança.

[18] Rábano Mauro associa respectivamente ouro, prata e pedras preciosas/madeira, feno e palha, aos bons/maus pensamentos, palavras e obras.

[19] O texto de Migne equivocadamente diz Ezequiel, cap. 1. Trata-se, porém, do cap. 14 de Ezequiel, dedicado à responsabilidade individual. Rábano Mauro está mais interessado em encontrar nessa passagem uma confirmação (no mínimo, obscura) da tríplice divisão que estabeleceu para os fiéis: como clérigos, monges ou no casamento.

[20] O paralelismo entre as visões dos quatro seres vivos de Ezequiel e do Apocalipse (cfr. 4, 7) é tomado como símbolo dos quatro Evangelhos.

[21] Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança são as virtudes indicadas classicamente como as quatro virtudes cardeais. A relação com a passagem do Evangelho é, como tantas outras de Rábano Mauro, muito forçada.

[22] Esta interpretação de Rábano Mauro é especialmente forçada.

[23] Os quatro pontos cardeais.

[24] Os quatro elementos que compõem tudo que há no mundo e, particularmente, o corpo humano. No tratado de Isidoro de Sevilha sobre o homem lê-se: "O corpo vivo é integrado pelos quatro elementos: a terra está na carne; o ar, no hálito; o líquido, no sangue; e o fogo, no calor vital" (Etym. XI, 16).

[25] Cfr. Mc 2,3. O latim diz quatro e subentende quatro homens.

[26] Tal como nossa palavra "sentido", sensus em latim tanto pode ser aplicada a um discurso dotado de "sentido", como para os cinco "sentidos" corporais.

[27] Esta interpretação e as seguintes parecem-nos especialmente forçadas.

[28] Isidoro dedica um dos livros de suas Etimologias (o livro V) às leis e aos tempos. No cap. 39, Sobre a divisão dos tempos, afirma que há seis eras: 1) A que vai da criação do mundo até o dilúvio; 2) Do dilúvio até Abraão; 3) De Abraão a Davi; 4) De Davi ao cativeiro na Babilônia; 5) Do cativeiro da Babilônia a Júlo César e 6) Do nascimento de Cristo a... - "quanto tempo resta nesta era, só Deus sabe".

[29] Deus, Perfector, escolhe o número 6 que, como se sabe, é, já desde a Matemática grega, um número perfeito (é igual à soma de seus divisores: $6 = 1 + 2 + 3$).

[30] Os dons do Espírito Santo são: Sabedoria, Ciência, Entendimento, Conselho, Fortaleza, Temor de Deus e Piedade (cfr. Isaías 12, 2).

[31] Rábano Mauro às vezes utiliza a palavra "santos" como sinônimo de "fiéis", como também é freqüente nas epístolas de S. Paulo.

[32] "O número sete costuma simbolizar a totalidade, pois o tempo se desenvolve em ciclos de sete dias, e, completados esses sete dias, começa de novo etc." (Agostinho, Sermão 83, 7).

[33] . Os 7 vícios capitais (soberba, avareza, luxúria, inveja, gula, acídia e ira), fonte de todo o mal.

[34] O número oito - ensina Agostinho - simboliza o mundo futuro. Pois o oito sucede o sete, número que representa o tempo. Após a mutabilidade desta vida (simbolizada pelo sete) o oitavo dia é o do juízo. Daí, conclui Agostinho, o título do salmo 6: "Para o oitavo", onde se diz: "Não me repreendas, Senhor, em tua indignação; em teu furor não me castigues" (Agostinho, Sermão 260 C, 3).

[35] É a parábola da ovelha perdida em que Jesus quer mostrar a solicitude de Deus pelo pecador: "Quem de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu até encontrá-la?" (Lc 15, 3 e ss.)

[36] Deuteronômio (3, 11). O cubitum, côvado como unidade de medida, é a distância do cotovelo (cubitum) até a ponta do dedo médio (algo em torno de 50 cm.). Por aí se vê o gigantesco porte de Og; o que nada lhe valeu na batalha contra o povo eleito, a quem Deus diz: "Não vos assusteis; não tenhais medo deles (os povos de estatura mais alta). O Senhor, vosso Deus, que marcha diante de vós, combaterá Ele mesmo em vosso lugar etc." (Deut 1, 29).

[37] Êxodo 26, 1 e ss.: "Farás o tabernáculo com dez cortinas etc."

[38] O testemunho é o texto do Decálogo (cfr. Êx 25, 16).

[39] Curiosamente não é mencionada passagem do Gênesis (37, 9), em que José suscita a inveja e o ódio de seus irmãos ao narrar-lhes o sonho no qual via simbolicamente o pai, a mãe e os 11 irmãos prostarem-se diante dele: "o sol, a lua e onze estrelas prostravam-se diante de mim".

[40] Trans-gredir, etimologicamente, é ultra-passar, dar um passo além da lei, que é figurada pelo número dez. "A lei é o número dez; o pecado, o onze. Mal ultrapassas o dez, cais no onze. Portanto, grande é o mistério simbolizado nas ordens dadas para a instalação do tabernáculo. Muitos mistérios estão nelas representadas. Entre outras coisas foi mandado que se fizessem não dez, mas onze cortinas de pele de cabra, pois no pêlo de cabra se simboliza a confissão dos pecados" (Agostinho, Sermão 83, 7).

[41] Cfr. Êx 26, 7.

[42] Cfr. Apoc 21, 19 e ss.

[43] A Antiga Lei (10) + a Trindade (3) = 13.

[44] Esta interpretação de Rábano Mauro é especialmente forçada.

[45] Na verdade, Gál 1, 18.

[46] Como diz o próprio Paulo (cfr. Gál 2, 8), Pedro é o apóstolo da lei e ele, Paulo, o dos gentios. Em todo caso, a interpretação de Rábano Mauro é muito forçada.

[47] Em Migne, este parágrafo é precedido da sentença: "Sedecim ad numerum sedecim prophetarum".

[48] Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

[49] Mencionados no capítulo referente ao número 2.

[50] Diz Isidoro: "Os hebreus se valeram das 22 letras (de seu alfabeto) para indicar os livros do Antigo Testamento" (Etym. I, 3, 4).

[51] Provavelmente em Ez 11, 1 e ss. Em todo caso, a interpretação de Rábano Mauro é muito forçada.

[52] Cfr. Êx 26, 2.

[53] Como se verá adiante, para Rábano Mauro o fruto de sessenta por um é dado pelos viúvos, e o de cem por um, pelos mártires e pelas virgens.

[54] E Mc 1, 9.

[55] O povo escolhido passou 40 anos no deserto.

[56] Pentecostes em grego significa qüinquagésimo.

[57] Cfr. I Re 5, 15.

[58] Cfr. Núm 11, 16. O texto de Migne equivocadamente diz setenta e dois.

[59] Cfr. Lc 10, 1.

[60] O texto de Migne equivocadamente diz 75, em vez de 70, e refere-se ao livro dos Atos dos Apóstolos, ao invés do Gênesis.

[61] O texto de Migne equivocadamente diz setenta.

[62] Rábano Mauro interpreta Gên 6, 3 ("e serão os seus dias cento e vinte anos") como tempo de penitência.

[63] Passagem ininteligível em Migne que, erradamente, diz doze. Na verdade, Rábano Mauro propõe que a soma $1 + 2 + 3 + \cdots + 14 + 15 = 120$ simbolize (Atos 2, 1) a "reunião num mesmo lugar" (soma) dos 120 fiéis.

[64] Migne equivocadamente diz 154.

[65] Migne equivocadamente diz 500 e 5, ao invés de 600 e 6.

[66] Cfr. Êx 7, 6.

[67] Pacífico, o rei Salomão, figura de Cristo. Segundo os etimologistas da época, Salomão significa pacífico. "Pois - diz por exemplo Agostinho -, o nome Salomão significa em latim Pacífico" (Sermão 10,4).

[68] Prefigurado em Salomão.

[69] Cfr. Êx 12, 37.

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