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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 2

Jan Davidsz de Heem 
Still Life with Books 1625-30
Em um texto passado (disponível nesse link), eu trouxe a parte 1 de uma lista com alguns livros em língua portuguesa sobre educação. Agora trago uma parte 2. O critério daquela lista foi e continua sendo o mesmo: livros sobre educação que não contivessem influências ideológicas e que estivessem preocupados em explanar sobre uma verdadeira educação. Novamente muitos desses livros foram publicados pela primeira vez ou republicados recentemente no Brasil. Obviamente esta parte 2 complementa e amplia a lista anterior. Pode ser que saia uma parte 3 posteriormente.


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Como Ler Livros - O guia clássico para a leitura inteligenteMortimer Adler e Charles Van Doren. Editora É Realizações, 2010.

Sinopse: Neste clássico, Mortimer Adler nos ensina a praticar a leitura em diferentes níveis – elementar, inspecional, analítica e sintópica – e nos ajuda a adequar nossa expectativa e forma de leitura ao tipo de livro que pretendemos ler. Não se lê um romance da mesma forma que se lê ciência. Não se lê ciência da mesma forma que se lê história. Mais que um livro de técnicas de leitura, trata-se de um verdadeiro tratado de filosofia da educação.





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O Trivium - As artes liberais da lógica, da gramática e da retórica. Irmã Miriam Joseph. Editora É Realizações, 2014

Sinopse: O Trivium, da Irmã Miriam Joseph, resgata a abordagem integrada dos componentes da ciência da linguagem praticada na Idade Média e conduz o leitor por uma esclarecedora exposição da lógica, da gramática e da retórica. Mais importante do que o domínio destes assuntos, este livro pretende fornecer as ferramentas necessárias para o aperfeiçoamento da inteligência.






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Quadrivium - As quatro artes liberais clássicas da aritmética, da geometria, da música e da cosmologia. Org. John MartineauEditora É Realizações, 2014.

Sinopse: Um almanaque ilustrado de curiosidades sobre a presença da matemática no mundo à nossa volta. Trata da simbologia dos números, das proporções na natureza, na arte e na arquitetura; mostra a relação entre música e matemática e nos ajuda a compreender o funcionamento do nosso sistema solar.






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Coleção 7 Artes liberais: O Guia da Educação Clássica. Vários AutoresEdições Hugo de São Vitor, 2020-2023.

Sinopse: A Coleção 7 Artes Liberais: o Guia da Educação Clássica. Não é mais um livro, mas uma coleção completa. Não é só um livro que fala sobre Trivium e/ou Quadrivium, mas sim os livros necessários para o estudo pleno, os quais seguem a doutrina clássica sobre o assunto.

E isso faz toda a diferença, pois no mercado vemos muitos livros úteis, mas que falam só de forma teórica ou histórica das Artes Liberais. Agora você terá o material apropriado para realmente aprender e se exercitar nelas; um material que leva em conta o tempo necessário, o rigor dos estudos, bem como os resultados pretendidos.

Pensamos esta Coleção com o fim de que você possa obter todo o material e a orientação necessários para, finalmente, adquirir a formação de base, aquela que prepara e conduz aos estudos superiores e à vida refletida.

Trivium e Quadrivium:

Trivium e Quadrivium é o primeiro volume da Coleção 7 Artes Liberais e trata da doutrina geral das Artes Liberais.

O livro abre com uma introdução que discorre sobre a origem e a função da Coleção. Em seguida vêm as cartas ao aluno escritas pelo Prof. Clístenes Hafner Fernandes, as quais tratam dos diversos aspectos da pedagogia das Artes; na segunda parte do livro, as sete Artes são apresentadas uma a uma em detalhe, preparando o aluno para os livros específicos.

Além desse conteúdo, este primeiro volume traz no apêndice 5 obras clássicas sobre as Artes Liberais traduzidas pelo Prof. Clístenes; são opúsculos dos seguintes autores: Hugo de São Vítor, Rabano Mauro, Santo Alcuíno de Iorque, São Boaventura e Flávio Magno Aurélio Cassiodoro.

Gramática:

No primeiro livro sobre a Gramática, os temas são literatura e gramática do português. Estas disciplinas vêm para suprir o material e para conferir uma ordenação mais fina ao pensamento do estudante que está iniciando sua jornada intelectual pelas Artes Liberais.

Sabe-se bem que existe um déficit nos estudos literários, bem como no de gramática básica do português, no Brasil. Projetamos este volume com vistas a sanar estes problemas, antes de o aluno começar a avançar para águas mais profundas.

Este livro constitui-se num introito. A boa assimilação do seu conteúdo fará toda a diferença no prosseguimento dos estudos.

O terceiro e quarto livro da Coleção são os mais densos; eles reúnem uma gama de estudos que demandará muito tempo e esforço do aluno para dominá-la.

Estamos diante da mais grandiosa e influente obra didática que já existiu.

As Institutições Gramaticais de Manuel Álvares foram expressamente recomendadas na Ratio Studiorum para o ensino de latim em todos os colégios jesuítas. A obra recebeu nada mais, nada menos do que 530 edições em vinte e dois países, sendo a mais comentada e mais referida gramática latina de todos os tempos. Depois de ter caído no esquecimento de brasileiros e portugueses desde os tempos do Marquês do Pombal, chegou a hora de revermos o mais completo e eficaz curso de gramática já publicado na história.

A gramática de Álvares é dividida em três livros. Cada um trata de uma das partes da gramática: a etimologia, a sintaxe e a prosódia. Depois de 270 anos de exílio, a monumental obra de Manuel Álvares está de volta para terror dos pombalinos, e para nossa alegria. Em dois volumes majestosos de quase 900 páginas cada.

Arrematando os estudos de gramaticais, o aluno aprenderá a respeito da crítica dos poetas, uma disciplina que não tem o mesmo significado atualmente, mas é um aprofundamento em todos os aspectos de um texto literário.

Retórica:

No quinto livro da Coleção, apresentamos a doutrina retórica do grande Cipriano Soares, mestre jesuíta e um clássico da disciplina, em uma edição bilíngue.

O livro inicia com um tratado sobre a arte poética como ligação entre a gramática e a retórica, que mostra como as duas artes têm íntima conexão, revelando a transição de uma para outra a fim de que o aluno não fique boiando.

Segue-se a doutrina segura de Cipriano Soares comentada à luz de Aristóteles, Cícero e Quintiliano, os quais foram os autores que estruturaram a retórica no formato que se tornou célebre e aceito durante 2000 anos no Ocidente.

O sexto livro é uma antologia de discurso clássicos, que dá ênfase aos nomes de Demóstenes, Cícero e do Pe. Antônio Vieira, isto é, um grego, um romano e um cristão, perfazendo assim as culturas formativas da nossa civilização.

A seleta de discursos tem como finalidade ser matéria para assinalar e ilustrar os preceitos estudados no livro anterior. Finalizando o volume, há a parte que trata da arte da composição de discursos retóricos, com regras adaptadas ao mundo atual, sem, porém, perder de vista os cânones sempre aceitos.

Dialética:

Os livros sétimo e oitavo da Coleção são dedicados ao estudo da teoria da dialética. Isto se dará principalmente através do famoso tratado de Pedro da Fonseca, o Aristóteles português, que estará na íntegra em edição bilíngue, em latim e português. Caso o aluno ainda tenha problemas em alguma passagem mais difícil, os volumes contarão com aportes explicativos dos autores clássicos na matéria.

Exercitam-se os conceitos aprendidos, mediante a leitura ativa de diálogos de Platão. De maneira guiada, o aluno se imaginará no lugar dos personagens da trama, como se estivesse participando da discussão.

Assim, ele poderá aproximar-se do espírito dialético, que busca a verdade entre as contradições, onde quer que ela possa ser encontrada. Após essa experiência, ele fará o mesmo com as questões disputadas de Santo Tomás de Aquino e Duns Scotus — o que exigirá mais esforço, tanto imaginativo, quanto analítico.

Ao findar este volume, o aluno terá completado o curso do Trivium.

Quadrivium:

Eis os volumes do Quadrivium, o conjunto de disciplinas que tratam dos números aplicados às coisas.

A Aritmética sempre foi considerada a disciplina introdutória do Quadrivium, pois lida com os números enquanto tais. Para embasar este volume, adotamos o livro de Tomás Vicente Tosca, mestre da disciplina do Sec. XVIII, o qual, porém, segue de perto os clássicos do assunto. Aprofundam o texto principal passagens de Cassiodoro, Boécio, Santo Alcuíno de Iorque e Nicômaco de Gerasa. O volume único divide-se em três partes temáticas: a doutrina dos números enquanto quantidades puras, seguida pela exposição de suas qualidades simbólicas (aspecto esquecido ou desprezado, sem razão, nos dias de hoje), terminando com problemas matemáticos confeccionados para desenvolver agudez mental e maior intimidade com o cálculo.

No volume de Geometria o expoente maior, não pode haver qualquer dúvida, é Euclides, cujas lições nos serão trazidas ainda pelo mestre Tomás Vicente Tosca, o qual dará guiamento para que o aluno entenda bem do que se está tratando. Trar-se-ão, contudo, as definições iniciais que constam do livro original de Euclides, as quais fundamentam tudo que se segue, em três línguas, Grego, Latim e Português.

Na segunda parte do livro, o aluno estudará a teoria simbólica das figuras geométricas, com todas as ramificações cosmológicas que possuem e ênfase especial nos sólidos platônicos.

O assunto do décimo primeiro livro é a música. A espinha dorsal é a obra de José Bernardo Alzedo, teórico e compositor de primeira monta. Junto dele, trazem-se passagens de obras clássicas de Boécio, Santo Isidoro de Sevilha e Santo Agostinho de Hipona. Expõe-se, assim, a teoria musical de amplo espectro, isto é, que leva em conta não só a música instrumental, mas também as músicas, ou harmonias, que se encontram na alma e no mundo — esta última, a famosa música das esferas.

O volume de Astronomia está dividido em três partes: primeiramente, trata do aspecto material e visível do céu, a mecânica celeste; a parte intermediária visa a suprir a lacuna com referência aos conceitos da cosmologia e da física clássicas que ainda possam ser aproveitados; por fim, o aluno estudará o simbolismo do céu, que para os antigos era uma súmula do conhecimento, de onde se poderiam colher analogias para ilustrar argumentos, e até para se aproximar da verdade pela via da imaginação.

A primeira parte será aprendida por meio de um tratado que parte da descrição que Camões fez dos Céus para ensinar a antiga visão cosmológica, tratado chamado a Astronomia de Os Lusíadas. A segunda parte será apresentada principalmente por meio do Tratado clássico de Plotino, a segunda Enéada. A terceira parte se embasará de novo em Tomás Vicente Tosca.

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O Trivium Clássico - O lugar de Thomas Nashe no ensino de seu tempo. Marshall McLuhanEditora É Realizações, 2012.

Sinopse: Marshall McLuhan se mostra neste livro um historiador da cultura clássica e o arquiteto de um projeto educacional para as gerações futuras. Trata das disciplinas do trivium (gramática, lógica e retórica) em recortes temporais que vão até S. Agostinho, de S. Agostinho a Abelardo e, depois, de Abelardo a Erasmo. Por fim, dedica uma seção a Thomas Nashe, romancista e dramaturgo britânico contemporâneo de Shakespeare.





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Trivium de Santo Agostinho. Edições Kírion, 2021 e Edições Hugo de São Vitor, 2016 (texto latino)

Sinopse: Na primeira fase de sua vida, Santo Agostinho foi professor de gramática em Tagaste, e de retórica em Cartago, Roma e Milão; e foi Santo Ambrósio, mestre de retórica mais velho e experiente, a principal influência sobre o futuro bispo de Hipona. Portando em si, como excelente humanista, toda a cultura romana, a conversão do jovem retor africano no grande Padre Latino representou a assimilação do saber antigo pelo cristianismo, e a fundação da Idade Média européia.





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A Vida Intelectual: Seu espírito, suas condições, seus métodos. A.-D. Sertillanges. Editora É Realizações, 2010 e Edições Kírion, 2019.

Sinopse: A Vida Intelectual, do padre A.-D. Sertillanges, redigida originalmente em 1920, ainda se mantém atual para os leitores do novo milênio. Para aqueles que desejam não apenas um manual prático que permita esboçar orientações de como entrar na vida dos estudos, o livro vai além e também oferece um exemplo de vida bem-sucedida no mundo intelectual – a do próprio padre Sertillanges, que por meio de dicas preciosas permite e disponibiliza, para qualquer pessoa que tenha abertura e coragem necessárias, uma nova forma de viver que abrange gradualmente a dimensão intelectual e todos os percalços que essa vida traz consigo. Para aqueles que desejam não apenas um manual prático que permita esboçar orientações de como entrar na vida dos estudos, o livro vai além e também oferece um exemplo de vida bem-sucedida no mundo intelectual – a do próprio padre Sertillanges, que por meio de dicas preciosas permite e disponibiliza, para qualquer pessoa que tenha abertura e coragem necessárias, uma nova forma de viver que abrange gradualmente a dimensão intelectual e todos os percalços que essa vida traz consigo. Assim, o espírito de uma vida intelectual está no fato de que se ela transcende a vida prática, deve ser no sentido de propiciar um maior entendimento dela. Suas condições são os valores éticos, como a honestidade intelectual e a sinceridade. Seu método consiste nos exemplos que percorrem toda a escrita do padre Sertillanges. Este livro é dedicado a todos aqueles que desejam uma vida plena – em todas as suas potencialidades, e não há nada mais atual que esse desejo.

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De Magistro, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, Edições Kírion, 2017.

Sinopse: Esta edição bilíngue reúne dois livros de mesmo título: o De magistro de Santo Agostinho e a questão 11 do De veritate, o De magistro de Santo Tomás de Aquino. Separados por quase um milênio, esses dois textos carregam, compactamente, todo o problema do ensino no nível dos princípios, mirando o ponto central da atividade do magistério: é possível que um homem ensine outro? O De magistro de Agostinho é a transcrição de um diálogo com seu filho Adeodato, então com 15 anos, que veio a falecer no ano seguinte. O de Santo Tomás, por sua vez, é uma questão disputada, procedimento característico da escolástica Embora curtos, ambos merecem leitura repetida e constante meditação, a fim de que possamos captar as idéias de pedagogia e de verdade subjacentes a ambos, e descobrir, na profundidade e no alcance que têm em cada detalhe, tesouros de valor inestimável.


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As Sete Artes Liberais: Um Estudo sobre a Cultura Medieval. Paul Abelson. Edições Kírion, 2019

Sinopse: Este é um exame detalhado do material didático usado nas escolas medievais, com o intuito de compreender os objetivos, os limites e os traços característicos do ensino de cada uma das sete artes liberais. O autor parte do princípio de que a educação liberal da Idade Média foi um desdobramento do sistema grego e romano, alterado em vista dos ideais cristãos até atingir a forma estável que perdurou por séculos. Ele acaba por revelar, assim, a relação entre a concepção pedagógica e a riqueza da cosmovisão medieval. Serve ao estudioso como introdução à história e à concepção das artes liberais e como excelente base para mapear um estudo aprofundado de cada uma delas.




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Sobre O Modo de Aprender. Gilberto de Tournai. Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Gilberto de Tournai nasceu no início do século XIII, que foi, sob muitos aspectos, o apogeu da civilização medieval, no qual traçou-se o destino intelectual da Europa. Foi frade franciscano, grande pregador e diretor espiritual, amigo e conselheiro do Rei São Luís IX e sucessor de São Boaventura como mestre regente dos franciscanos na Universidade de Paris. O tratado “Sobre o modo de aprender” é um retrato perfeito da educação medieval. Ele é a terceira parte de uma obra mais ampla, o “Rudimentum doctrinae”, a primeira tentativa sólida de compor uma enciclopédia pedagógica que abarcasse, sistematicamente, toda a teoria da educação. Fiel à tradição filosófica que vigorava na escola franciscana e aos ensinamentos dos mestres monásticos do século XII, como Hugo e Ricardo de São Vítor, frei Gilberto descreveu técnicas de estudo e traçou um plano de trabalho inteiramente voltados para o seu elevado ideal de aperfeiçoamento espiritual e impregnados do anseio de alcançar, através do estudo, a meta final de união com o próprio Deus.

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Meditar e aprender. Hugo de São Vítor. Edição bilíngue Latim-Português. Tradução: Roger Campanhari. Edições Kírion, 2024

Sinopse: Hugo de São Vítor foi certamente um dos homens mais célebres de seu tempo por suas virtudes e por sua ciência, o mais renomado de todos os vitorinos. Nascido na Saxônia em 1096, foi professor e diretor da escola do Mosteiro de São Vítor, além de prior deste mesmo mosteiro e bispo. Baseada na tradição cristã e nas Escrituras, toda a sua pedagogia visava formar os estudantes para alcançarem a contemplação, o último grau da Sabedoria — com a qual “tem-se um antegosto nesta vida do que será a recompensa futura” —, uma formação integral que proporcionasse a união com Deus.

Nos dois escritos aqui reunidos, o pequeno tratado Sobre o modo de aprender e meditar e o Opúsculo áureo sobre a arte de meditar, o mestre de São Vítor tratou propriamente da meditação. Se o princípio do conhecimento reside na leitura, que estimula o pensamento, a sua consumação está na meditação, na atenta e assídua recondução do pensamento com vistas a esclarecer o que é obscuro e penetrar o que está oculto. Hugo explica os diferentes gêneros de meditação e que frutos se podem tirar deles, e expõe, com uma descrição precisa e exemplos muito concretos, como devem operar nossas faculdades e como devemos proceder nesse labor, de tal modo que, “avançando sem desanimar, alcemos, no tempo devido, aquilo que vem depois”.

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A Instrução Dos Principiantes. Hugo de São Vítor. Edições Kírion, 2021.

Sinopse: Na Instrução dos principiantes, Hugo apresenta o treinamento em que eram conduzidos, sob a guia do mestre de noviços, os recém-chegados à escola, cujo objetivo era aprender “o bom termo e a medida adequada em todas as palavras e ações”, isto é, a disciplina: como se comportar e governar o corpo — no caminhar, nos gestos, na fala, no tratamento dos outros e nos modos à mesa. Esse aprendizado de autodomínio corporal era anterior ao estudo das letras descrito no Didascalicon, pois, segundo o mestre, “os movimentos desordenados do corpo refletem a corrupção e a dissolução da mente”, e, para ingressar no caminho da sabedoria, é preciso antes imprimir na mente, pela disciplina do corpo, a forma da virtude.



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Institutiones. Introdução às Letras Divinas e Seculares. Cassiodoro. Edições Kírion, 2018.

Sinopse: Com a queda do Império Romano, a transmissão de todo o saber antigo à Idade Média teve de ser operada por meio da laboriosa cópia dos manuscritos conservados nos mosteiros e nas igrejas e da elaboração de manuais e coletâneas. Ao lado de Marciano Capela, Boécio e Isidoro de Sevilha, Cassiodoro foi um dos próceres da cultura cristã. Conselheiro dos reis ostrogodos, fundou em 555 o mosteiro do Vivarium, embrião dos centros culturais medievais. Ali desenvolveu métodos e estabeleceu preceitos para a produção de códices fidedignos, agrupando em sua biblioteca tudo o que pôde colher do tesouro literário greco-romano. Foi Cassiodoro quem imprimiu à vida monástica do Ocidente o culto apaixonado dos livros.

Suas Institutiones, uma introdução ao estudo das letras, possuíam o objetivo primeiro de instruir os monges do Vivarium, mas acabaram como uma das obras mais influentes e difundidas na Idade Média. No primeiro livro, a Introdução às letras divinas, o pedagogo disserta sobre os textos da Sagrada Escritura, sobre seu estudo e seus comentadores; no segundo, Introdução às letras seculares, trata das sete artes liberais, fixadas mais tarde como o trivium e o quadrivium, a base mesma da educação oferecida nas escolas monásticas e catedrais e, posteriormente, em todas as universidades medievais.

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Proposta Paideia. Mortimer J. Adler. Edições Kírion, 2021.

Sinopse: A proposta Paidéia o projeto de Mortimer Adler para uma reforma radical do ensino público dos Estados Unidos. O filósofo partia do princípio de que uma sociedade democrática deve fornecer oportunidades educacionais iguais, não apenas proporcionando a mesma quantidade de ensino básico — isto é, o mesmo número de anos na escola —, mas também deve garantir a todos, sem exceção, uma educação da mesma qualidade. O programa Paidéia pretende estabelecer um plano de estudos que seja geral, e não especializado; liberal, e não vocacional; humanista, e não técnico. Apenas desse modo é possível atingir o significado das palavras paidéia e humanitas, ou seja, a erudição geral que todo ser humano deve possuir. Dividindo o ensino e o aprendizado em três modalidades — a instrução didática, expositiva; o treinamento, que se dá pela repetição; e o seminário, uma discussão à moda socrática —, o programa abrange o ensino de língua e literatura, matemática e ciências naturais, história e estudos sociais, educação física e artes manuais, e uma introdução geral ao mundo do trabalho; enfim, uma escolarização básica capaz de preparar toda criança para ser um eleitor instruído da democracia, ganhar a vida e viver bem. Publicado em 1982, o manifesto explicava e defendia a proposta, que depois foi completada, nos dois anos subseqüentes, pela discussão de suas questões práticas e dos problemas de sua implementação, e por ensaios complementares dos membros do Grupo Paidéia — além do próprio Adler, Charles van Doren, James O’Toole, Jacques Barzun e muitos outros — esclarecendo pontos específicos do programa. Este volume o leitor tem nas mãos traz, juntos, os três livros que delinearam a teora pedagógica de Mortimer Adler.

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As ferramentas perdidas da aprendizagemDorothy L. Sayers. Edições Kírion, 2023.

Sinopse“Vivemos por aí soltando frases sobre a importância da educação — soltando frases e, quando muito, uma graninha ou outra; adiamos a idade de saída da escola, planejamos a construção de instalações maiores, em melhores condições; os professores se acabam feito escravos, com toda a diligência do mundo, por horas e horas de trabalho extra, até que a responsabilidade se torna um fardo insuportável, um pesadelo; e mesmo assim, creio eu, todo esse esforço é jogado no lixo, porque nós perdemos as ferramentas da aprendizagem; e, na ausência delas, só o que podemos fabricar é uma versão estragada e em frangalhos daquilo que um dia foi a educação.” — Dorothy Sayers

“O diagnóstico de Dorothy Sayers é demolidor — e, como é evidente, aplica-se de modo preciso à situação da educação no Brasil: repetimos frases sobre a importância da educação, gastamos dinheiro, sobrecarregamos os professores, sem percebermos que deixamos de lado o mais importante: o ensino das ferramentas de aprendizagem. Aquilo a que chamamos ‘educação’ não passa de escolarização — uma educação imperfeita, e muitas vezes uma verdadeira deseducação.” — Gustavo Bertoche, na introdução

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Carlos Magno e a restauração da educaçãoJames Bass Mullinger. Edições Kírion, 2022.

Sinopse: Pode-se afirmar com tranqüilidade que a história do imperador Carlos Magno, cujo gênio penetrante soube reconhecer num jovem clérigo inglês, Alcuíno de York, a promessa de uma ajuda eficaz para um gigantesco renascimento cultural, se confunde com a própria história da Europa, e que a história de suas escolas não difere da própria história da nossa civilização.

O período histórico que este livro retrata é aquele em que se encontra a verdadeira fronteira entre a história antiga e a moderna, e que encerra a chave de compreensão para aquelas tradições que, desde então, prevaleceram na educação ocidental, e que não podem, ainda hoje, ser menosprezadas ou consideradas ultrapassadas.



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A Inveja dos Anjos — as Escolas Catedrais e os Ideais Sociais na Europa Medieval (950 – 1200)C. Stephen Jaeger. Edições Kírion, 2019.

Sinopse: Antes do surgimento das universidades, a máxima das escolas catedrais do século XI era formar os alunos nas “letras e costumes”, ou seja, aperfeiçoar neles não só o conhecimento teórico, mas sobretudo a postura, os modos e a eloquência. Muitos foram os jovens que ingressaram nessas escolas para de lá ressurgirem como grandes bispos, conselheiros reais, santos e beatos. Com frequência referiam-se a esses centros de ensino como “uma segunda Atenas”, “uma segunda Roma”; os mestres eram chamados de “nosso Platão”, “nosso Sócrates”, “um segundo Cícero”. Seu princípio fundamental era que a verdade se expressa na personalidade humana, em sua conduta, em seu porte, e sua pedagogia se baseava na irradiação, a partir da presença física do mestre, de uma virtude transformadora. Tão maravilhosa é essa força que os próprios anjos poderiam invejar dos homens esse magnífico dom. Neste livro, Jaeger explora esse intrigante capítulo da história da educação e inaugura uma nova visão sobre a vida intelectual e social dos séculos XI e XII na Europa. “visitaremos aqui as escolas catedrais do século XI. Nós as tomaremos desde o ponto de vista dos seus objetivos, valores e ideais. Essas instituições foram humanistas em diversos sentidos da palavra: miravam o desenvolvimento do indivíduo como um todo, sua integração à sociedade, seu papel na política e na administração; buscavam humanizar o indivíduo, e por meio do ser humano individual, a sociedade. Baseadas em modelos clássicos, cultivavam a poesia, a oratória e a conduta”.

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A falácia socioconstrutivista: Por que os alunos brasileiros deixaram de aprender a ler e escreverKátia Simone Benedetti. Edições Kírion, 2020.

Sinopse: Os dois grandes flagelos da educação brasileira, seja pública ou privada, são a indisciplina e a incapacidade de leitura e escrita dos alunos, que chegam aos anos finais do ensino fundamental sem as noções mais básicas do processo de alfabetização. Isso é resultado da maneira como foram alfabetizados, e de como o ensino da língua foi abordado pelos currículos do ensino fundamental. São seqüelas decorrentes da metodologia global socioconstrutivista e da abordagem sociointeracionista do ensino de língua portuguesa, ambas inteiramente contrárias à natureza neurobiológica do aprendizado da escrita e da compreensão leitora. Nesta obra, procuro trazer para a educação o que as ciências do cérebro, em especial a psicologia cognitiva e as neurociências da aprendizagem, têm descoberto sobre a natureza do aprendizado da leitura e da escrita, e esclarecer por que os alunos acabam chegando à universidade sem saber ler e escrever.

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Sobre alguns autores:

Flávio Aurélio Cassiodoro nasceu em 490 d.C. em Squillace, na Itália. Figura importante no fim do Império Romano, substituiu Boécio como conselheiro do rei ostrogodo Teodorico, o Grande. Em 555 fundou o mosteiro do Vivarium, embrião dos centros culturais medievais. Ali desenvolveu métodos e estabeleceu preceitos para a produção de códices fidedignos, agrupando em sua biblioteca tudo o que pôde colher do tesouro literário greco-romano, permitindo que todo o saber antigo passasse em herança à Idade Média por meio da laboriosa cópia dos manuscritos conservados nos mosteiros e nas igrejas. Foi ele quem imprimiu à vida monástica do Ocidente a marca do estudo das letras, sagradas e profanas. Faleceu em 591 d.C.

A.-D. Sertillanges, Filósofo, teólogo e padre dominicano, foi um dos maiores expoentes do neotomismo na primeira metade do século XX, exercendo grande influência sobre Étienne Gilson e Jacques Maritain. Também estudou Aristóteles e Blaise Pascal. Foi membro da Académie des Sciences Morales et Politiques e grande amigo de Henri Bergson.

Irmã Miriam Joseph

Interessada desde muito nova pelas letras e pela arte da comunicação, graduou-se em Jornalismo, mestrou-se em Inglês pela Universidade de Notre Dame e doutorou-se em Inglês e Literatura Comparada, com uma tese sobre William Shakespeare, pela Universidade de Columbia. Também estudou na Universidade de Chicago, sob os auspícios de Mortimer Adler. Pertenceu à Congregação das Irmãs da Santa Cruz e escreveu inúmeros artigos sobre Shakespeare e o trivium.

Santo Agostinho, Religioso e teólogo cristão. Doutor da Igreja, sistematizou a doutrina cristã com enfoque neoplatônico.

"O último dos antigos" e o "primeiro dos modernos", santo Agostinho foi o primeiro filósofo a refletir sobre o sentido da história, mas tornou-se acima de tudo o arquiteto do projeto intelectual da Igreja. Católica.

Aurélio Agostinho, em latim Aurelius Augustinus, nasceu em Tagaste, atualmente Suk Ahras, na Argélia, em 13 de novembro de 354, filho de Patrício, homem pagão e de posses, que no final da vida se converteu, e da cristã Mônica, mais tarde canonizada. Agostinho estudou retórica em Cartago, onde aos 17 anos passou a viver com uma concubina, da qual teve um filho, Adeodato. A leitura do Hortensius, de Cícero, despertou-o para a filosofia. Aderiu, nessa época, ao maniqueísmo, doutrina de que logo se afastou. Em 384 começou a ensinar retórica em Milão, onde conheceu Santo Ambrósio, bispo da cidade.

Cada vez mais interessado pelo cristianismo, Agostinho viveu longo conflito interior, voltou-se para o estudo dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos prazeres físicos e em 387 foi batizado por Santo Ambrósio, junto com o filho Adeodato. Tomado pelo ideal da ascese, decidiu fundar um mosteiro em Tagasta, onde nascera. Nessa época perdeu a mãe e, pouco depois, o filho. Ordenado padre em Hipona (391), pequeno porto do Mediterrâneo, também na atual Argélia, em 395 tornou-se bispo-coadjutor de Hipona, passando a titular com a morte do bispo diocesano Valério. Não tardou para que fundasse uma comunidade ascética nas dependências da catedral.

Em sua vida e em sua obra, Santo Agostinho testemunha acontecimentos decisivos da história universal, com o fim do Império Romano e da antiguidade clássica. O poderoso estado que durante meio milênio dominara a Europa estava a esfacelar-se em lutas internas e sob o ataque dos bárbaros. Em 410 santo Agostinho viu a invasão de Roma pelos visigodos e, pouco antes de morrer, presenciou o cerco de Hipona pelo rei dos vândalos, Genserico. Nesse clima, em que os cismas e as heresias eram das poucas coisas a prosperar, ele estudou, ensinou e escreveu suas obras.

Pensamento. As obras mais importantes de Santo Agostinho são De Trinitate (Da Trindade), sistematização da teologia e filosofia cristãs, divulgada de 400 a 416 em 15 volumes; De civitate Dei (Da cidade de Deus), divulgada de 413 a 426, em que são discutidas as questões do bem e do mal, da vida espiritual e material, e a teologia da história; Confessiones (Confissões), sua autobiografia, divulgada por volta de 400; e muitos trabalhos de polêmica (contra as heresias de seu tempo), de catequese e de uso didático, além dos sermões e cartas, em que interpreta minuciosamente passagens das Escrituras.

No pensamento de Santo Agostinho, o ponto de partida é a defesa dos dogmas (pontos de fé indiscutíveis) do cristianismo, principalmente na luta contra os pagãos, com as armas intelectuais disponíveis que provêm da filosofia helenístico-romana, em especial dos neoplatônicos como Plotino. Para pregar o novo Evangelho, é indispensável conhecer a fundo as Escrituras, que só podem ser bem interpretadas através da fé, pois apenas esta sabe ver ali a revelação de verdades divinas. Compreender para crer e crer para compreender, tal é a regra a seguir.

Baseado em Plotino, Santo Agostinho acha que o homem é uma alma que faz uso de um corpo. Até naquele conhecimento que se adquire pelos sentidos, a alma se mantém em atividade e ultrapassa o corpo. Os sentidos só mostram o imediato e particular, enquanto a alma chega ao universal e ao que é de pura compreensão, como os enunciados matemáticos. Mas se não é através dos sentidos, por qual via a alma consegue alcançar as verdades eternas? Será através do sujeito particular e contingente, ou seja, o homem que muda, adoece e morre?

Tudo indica que, se o homem mutável, destrutível, é capaz de atingir verdades eternas, sua razão deve ter algo que vai além dela mesma, não se origina no homem nem no mundo externo, mas em Deus. Portanto, Deus faz parte do pensamento e o supera o tempo todo. Desse modo só pode ser achado e conhecido no fundo de cada um, no percurso que se faz de fora para dentro e das coisas inferiores para as coisas superiores. Ele não pode ser dito ou definido: é o que é, em todos os tempos e em qualquer lugar (é clara, nessa concepção, a influência de Platão, que Santo Agostinho assume em vários pontos de sua obra).

Outra contribuição decisiva é sua doutrina sobre a Santíssima Trindade. Para Agostinho a unidade das três pessoas é perfeita: não se podem separar, nem uma se subordina à outra, como defenderam Orígenes e Tertuliano, mas a natureza divina seria anterior ao aparecimento das três pessoas; estas se apresentam como os três modos de se revelar o mistério de Deus. A alma, para Santo Agostinho, se confunde com o pensamento, e sua expressão, sua manifestação é o conhecimento: por meio deste a alma -- ou o pensamento -- se ama a si mesma. Assim, o homem recompõe nele próprio o mistério da Trindade e se vê feito à imagem e semelhança de Deus: se ele ama e se conhece dessa maneira, ele conhece e ama a Deus, conseqüentemente mais interior ao ser humano do que este mesmo.

O famoso cogito de Descartes ("Penso, logo existo"), em que a evidência do eu resiste a toda dúvida, é genialmente antecipado por santo Agostinho em seu "Se me engano, sou; quem não é não pode enganar-se". Ele valoriza, pois, a pessoa humana individual até quando erra (o que, neste aspecto, não a torna diferente da que acerta). Talvez por isso dê o mesmo peso à parte humana e à parte divina no que diz respeito à encarnação do Cristo.

A salvação do homem, na teologia agostiniana, é algo completamente imerecido e que depende tão só da graça de Deus; graça que, no entanto, se manifesta aos homens por meio dos sacramentos da Igreja visível, católica. Importantes para a salvação, esses sacramentos compreendem todos os símbolos sagrados, como o exorcismo e o incenso, embora a eucaristia e o batismo sejam os principais para ele.

Da mesma forma que concebe a natureza divina, Santo Agostinho concebe a criação, idéia pouco tratada pelos gregos e característica dos cristãos. As coisas se originaram em Deus, que a partir do nada as criou. Pois o que muda e se move, o que é relativo e passa ou desaparece requer o imutável e o absoluto, essência do próprio Deus, que criou as coisas segundo modelos eternos como ele mesmo. Assim, o que o platonismo chamava de lugar do céu passa a ser, no pensamento agostiniano, a presença de Deus. Tudo o que existe no mundo foi criado ao mesmo tempo, em estado de germe e de semente. Como estes existem desde o início, a história do mundo evolui continuamente, mas nada de novo se cria. Entre os seres da criação existe uma hierarquia, em que o homem ocupa o segundo lugar, depois dos anjos.

Santo Agostinho afirma-se incapaz de solucionar a questão da origem da alma e, embora tão influenciado por Platão, não acha a matéria por si mesma condenável, assim como não encara como castigo a união da alma com o corpo. Não seria este, como se disse tanto, a prisão da alma: o que faz do homem prisioneiro da matéria é o pecado, do qual deve libertar-se pela vida moral, pelas virtudes cristãs. O pecado leva o corpo a dominar a alma; a religião, porém, é o contrário do pecado, é a dominação do corpo pela alma, que se orienta livremente para Deus, assistida pela graça.

Uma das mais belas concepções de Santo Agostinho é a da cidade de Deus. Amando-se uns aos outros no amor a Deus, os cristãos, embora vivam nas cidades temporais, constituem os habitantes da eterna cidade de Deus. Na aparência, ela se confunde com as outras, como o povo cristão com os outros povos, mas o sentido da história e sua razão de ser é a construção da cidade de Deus, em toda parte e todo tempo. A obra de santo Agostinho, em si mesma imensa, de extraordinária riqueza, antecipa, além disso, o cartesianismo e a filosofia da existência; funda a filosofia da história e domina todo o pensamento ocidental até o século XIII, quando dá lugar ao tomismo e à influência aristotélica. Voltando à cena com os teólogos protestantes (Lutero e, sobretudo, Calvino), hoje é um dos alicerces da teologia dialética. Santo Agostinho morreu em Hipona, em 28 de agosto de 430. E nessa data, 28 de agosto, é festejado como doutor da Igreja.

(retirado de http://www.veritatis.com.br/patristica/biografias/8477-biografia-de-santo-agostinho) [link atual: https://www.veritatis.com.br/biografia-de-santo-agostinho/]

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Sobre Rabano Mauro

Rabano Mauro (à direita) apresenta uma
obra a Gregório IV, sentado 
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 3 de Junho de 2009

 

Rabano Mauro

Caros irmãos e irmãs

Hoje gostaria de falar de uma personagem do Ocidente latino verdadeiramente extraordinário: o monge Rabano Mauro. Juntamente com homens como Isidoro de Sevilha, Beda o Venerável e Ambrósio Autperto, de quem já falei em catequeses precedentes, ao longo dos séculos da chamada Alta Idade Média ele soube manter o contato com as grandes culturas dos antigos sábios e dos Padres cristãos. Recordado frequentemente como "praeceptor Germaniae", Rabano Mauro teve uma fecundidade extraordinária. Com a sua capacidade de trabalho absolutamente excepcional, talvez tenha contribuído mais do que todos para manter viva a cultura teológica, exegética e espiritual, da qual teriam haurido os séculos sucessivos. Nele inspiram-se quer grandes personagens pertencentes ao mundo dos monges, como Pier Damiani, Pedro o Venerável e Bernardo de Claraval, quer também um número cada vez mais consistente de "clérigos" do clero secular, que durante os séculos XII-XIII deram vida a um dos florescimentos mais bonitos e fecundos do pensamento humano.

Tendo nascido em Mainz por volta de 760, Rabano entrara no mosteiro extremamente jovem: foi-lhe acrescentado o nome de Mauro precisamente com referência ao jovem Mauro que, segundo o Livro ii dos Diálogos de São Gregório Magno, fora confiado quando era ainda criança pelos seus pais, nobres romanos, ao abade Bento de Núrsia. Esta inserção precoce de Rabano como "puer oblatus" no mundo monástico beneditino, e os frutos que obteve para o seu crescimento humano, cultural e espiritual, abririam sozinhos uma espiral interessantíssima não só sobre a vida dos monges e da Igreja, mas também sobre toda a sociedade da sua época, habitualmente qualificada como "carolíngia". Deles, ou talvez de si mesmo, Rabano Mauro escreve: "Há alguns que têm a sorte de ser introduzidos no conhecimento das Escrituras desde a tenra infância" ("a cunabulis suis") e foram tão bem nutridos com o alimento oferecido pela Santa Igreja que, com a educação apropriada, puderam ser promovidos às ordens sagradas mais altas" (pl 107, col. 419bc).

A cultura extraordinária, pela qual Rabano Mauro se distinguia, chamou depressa a atenção dos grandes do seu tempo. Tornou-se conselheiro de príncipes. Empenhou-se para garantir a unidade do império e, a nível cultural mais amplo, nunca deixou de oferecer a quem o interrogava uma resposta ponderada, que tirava preferivelmente da Bíblia e dos textos dos santos Padres. Eleito primeiro Abade do famoso mosteiro de Fulda e depois Arcebispo da cidade natal, Mainz, não cessou por isso de continuar os seus estudos, demonstrando com o exemplo da sua vida que se pode estar simultaneamente à disposição dos outros, sem se privar por isso de um tempo côngruo para a reflexão, o estudo e a meditação. Assim Rabano Mauro foi exegeta, filósofo, poeta, pastor e homem de Deus. As dioceses de Fulda, Mainz, Limbourg e Wroclaw veneram-no como Santo ou Beato. As suas obras completam seis volumes da Patrologia Latina do Migne. É a ele que se deve, provavelmente, um dos hinos mais bonitos e conhecidos da Igreja latina, o "Veni Creator Spiritus", síntese extraordinária de pneumatologia cristã. O primeiro compromisso teológico de Rabano manifestou-se, com efeito, sob a forma de poesia e teve como objeto o mistério da Santa Cruz, numa obra intitulada: "De laudibus Sanctae Crucis", concebida de maneira a propor não somente conteúdos de conceito, mas também estímulos mais requintadamente artísticos, utilizando tanto a forma poética como a pictórica no interior do mesmo códice manuscrito. Propondo iconograficamente nas entrelinhas do seu escrito a imagem de Cristo crucificado, ele por exemplo escreve: "Eis a imagem do Salvador que, com a posição dos seus membros, torna sagrada para nós a salubérrima, dulcíssima e amadíssima forma da Cruz, a fim de que, acreditando no seu nome e obedecendo aos seus mandamentos, possamos obter a vida eterna graças à sua Paixão. Por isso, cada vez que elevarmos o olhar para a Cruz, recordemo-nos daquele que padeceu por nós para nos tirar do poder das trevas, aceitando a morte para nos tornar herdeiros da vida eterna" (Lib. 1, Fig. 1, pl 107 col. 151c).

Este método de combinar todas as artes, o intelecto, o coração e os sentidos, que vinha do Oriente, teria tido um desenvolvimento enorme no Ocidente, atingindo níveis inigualáveis nos códices miniaturados da Bíblia e em outras obras de fé e de arte, que floresceram na Europa até à invenção da imprensa e além dela também. De qualquer modo, isto demonstra que Rabano Mauro tem uma consciência extraordinária da necessidade de empenhar, na experiência da fé, não apenas a mente e o coração, mas também os sentidos mediante aqueles outros aspectos do gosto estético e da sensibilidade humana que levam o homem a fruir da verdade com a totalidade do seu ser, "espírito, alma e corpo". Isto é importante: a fé não é só pensamento, mas refere-se a todo o nosso ser. Dado que Deus se fez homem em carne e osso, entrando no mundo sensível, nós em todas as dimensões do nosso ser temos que procurar e encontrar Deus. Assim a realidade de Deus, mediante a fé, penetra no nosso ser transformando-o. Por isso Rabano Mauro concentrou a sua atenção sobretudo na Liturgia, como síntese de todas as dimensões da nossa percepção da realidade. Esta intuição de Rabano Mauro torna-o extraordinariamente atual. Dele permaneceram inclusive os famosos "Carmina", propostos para ser utilizados principalmente nas celebrações litúrgicas. Com efeito, dado que Rabano era acima de tudo um monge, era totalmente evidente o seu interesse pela celebração litúrgica. Porém, ele não se dedicava à arte poética como fim em si mesma, mas subordinava a arte e qualquer outro tipo de saber ao aprofundamento da Palavra de Deus. Por isso, com compromisso e rigor extremos, procurou introduzir os seus contemporâneos, mas em primeiro lugar os ministros (bispos, presbíteros e diáconos), na compreensão do significado profundamente teológico e espiritual de todos os elementos da celebração litúrgica.

Assim, tentou compreender e propor aos outros os significados teológicos escondidos nos ritos, inspirando-se na Bíblia e na tradição dos Padres. Não hesitava em declarar, por honestidade mas também para dar maior importância às suas explicações, as fontes patrísticas às quais devia o seu saber. Todavia, servia-se das mesmas com liberdade e discernimento atento, dando continuidade ao desenvolvimento do pensamento patrístico. Por exemplo, no final da "Epistola prima", dirigida a um "corepiscopo" da diocese de Mainz, depois de ter respondido aos pedidos de esclarecimento a respeito do comportamento que se devia ter no exercício da responsabilidade pastoral, prossegue: "Escrevemos-te tudo isto do modo como o deduzimos das Sagradas Escrituras e dos cânones dos Padres. Tu porém, santíssimo homem, toma as tuas decisões como melhor te parecer, caso por caso, procurando moderar a tua avaliação de forma a garantir em tudo a discrição, porque esta é a mãe de todas as virtudes" (Epistulae, I, PL 112, col. 1510c). Assim, vê-se a continuidade da fé cristã, que tem os seus primórdios na Palavra de Deus; porém, ela é sempre viva, desenvolve-se e exprime-se de modos novos, sempre em coerência com toda a construção, com todo o edifício da fé.

Dado que uma parte integrante da celebração litúrgica é a Palavra de Deus, a ela se dedicou Rabano Mauro com o máximo empenhamento durante toda a sua existência. Ofereceu explicações exegéticas apropriadas praticamente para todos os livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamento com uma intenção claramente pastoral, que justificava com palavras como estas: "Escrevi estas coisas... resumindo explicações e propostas de muitos outros para oferecer um serviço ao leitor pobre que não pode ter à disposição muitos livros, mas também para ajudar aqueles que em muitas coisas não conseguem entrar em profundidade na compreensão dos significados descobertos pelos Padres" (Commentariorum in Matthaeum praefatio, PL 107, col. 727d). Com efeito, quando comentava os textos bíblicos, hauria a mãos-cheias dos Padres antigos, com especial predileção por Jerónimo, Ambrósio, Agostinho e Gregório Magno.

Depois, a acentuada sensibilidade pastoral levou-o a enfrentar sobretudo um dos problemas mais sentidos pelos fiéis e pelos ministros sagrados do seu tempo: o da Penitência. Efetivamente, foi compilador de "Penintenciários" — assim eram chamados — nos quais, segundo a sensibilidade dessa época, eram enumerados pecados e penas correspondentes, utilizando na medida do possível motivações tiradas da Bíblia, das decisões dos Concílios e das Decretais dos Papas. De tais textos serviram-se inclusive os "Carolíngios" na sua tentativa de reforma da Igreja e da sociedade. A esta mesma intenção pastoral correspondiam obras como "De disciplina ecclesiastica" e "De institutione clericorum", nos quais, inspirando-se principalmente em Agostinho, Rabano explicava aos simples e ao clero da sua diocese os rudimentos fundamentais da fé cristã: tratava-se de uma espécie de pequenos catecismos.

Gostaria de concluir a apresentação deste grande "homem de Igreja", citando algumas das suas palavras em que se refletem a sua convicção de base: "Quem é negligente na contemplação ("qui vacare Deo negligit"), priva-se sozinho da visão da luz de Deus; além disso, quem se deixa surpreender de modo indiscreto pelas preocupações e permite que os seus pensamentos sejam alterados pelo tumulto das coisas do mundo, condena-se à absoluta impossibilidade de penetrar os segredos do Deus invisível" (Lib. I, PL 112, col. 1263a). Penso que Rabano Mauro dirige estas palavras também a nós, hoje: nas horas de trabalho, com os seus ritmos frenéticos, e nos períodos de férias, temos que reservar momentos para Deus, abrir-lhe a nossa vida, dirigindo-lhe um pensamento, uma reflexão, uma breve oração e principalmente não podemos esquecer que o domingo é o dia do Senhor, o dia da liturgia, para vislumbrar na beleza das nossas igrejas, da música sacra e da Palavra de Deus, a própria beleza de Deus, deixando-O entrar no nosso ser. Somente assim a nossa vida se tornará grande, verdadeira.


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A Escola sem Deus

Da Revolução Francesa à Revolução Comunista

O naturalismo pedagógico sedimentou caminho rumo a escola sem Deus [1]. Trata-se nada mais do que de um “individualismo exagerado” [2] e que possui “um ânimo ferozmente hostil ao catolicismo” [3]. Esse ânimo ferozmente hostil se dá não só pelas raízes calvinistas e revolucionárias de Rousseau [4], mas por opor-se veementemente ao Antigo Regime [5] que foi plasmado pela cultura católica.

Destarte às considerações feitas ao inspirador das chamadas pedagogias modernas ou novas, consideremos, ainda que brevemente, a natureza da verdadeira educação e o quanto o naturalismo pedagógico e tudo quanto dele deriva contém erros [6] e se torna um desastre para a própria sociedade [7].

A educação não pode prescindir de uma correta e plena concepção acerca da natureza e condição humana. Primeiramente, deve partir da consideração do homem em si mesmo, constituído de natureza composta de corpo e alma; deve, portanto, compreender inclusive as diversas faculdades interiores, sem confundi-las com o organismo físico, e tampouco negá-lo, de modo a poder intervir pedagogicamente de modo adequado.

O ser humano é criado perfeito, mas é um ser perfectível [8], isto é, necessita de ser formado para alcançar seu fim. Com essa consideração faz-se ver nitidamente o caráter também social da educação, começando pelo papel fundamental da família e da Igreja [9], mas também do mestre e da escola, bem como do contato com o patrimônio literário e cultural deixado pelas gerações passadas [10].

Todavia, esse mesmo ser humano a ser educado, deve ser considerado na condição em que se encontra, isto é, de queda [11], mas também de redenção [12]. Todo que se põe a trabalhar pela educação tão logo se dará conta de que “a educação de um menino é a triste revelação da decadência da humanidade” [13], pois este é inclinado para o mal e necessitado de ser formado no caminho da virtude. A Religião tem, portanto, um papel lapidar, considerados estas realidades, especialmente a de queda, pois se torna um princípio poderoso para a educação “dirigir uma natureza rebelde, combater inclinações ingratas, impor deveres difíceis e inspirar formosas virtudes nascentes" [14]. Tudo isso com o apoio da divina graça. Ora, é tudo que desconsidera a escola sem Deus.

O título desse artigo parte da obra de mesmo nome [15], cujo autor Mons. de Segur (Paris 1820-1871), embora tenha perdido por causa de uma doença a visão, todavia enxergou com profundidade o drama de banir a Religião da escola e suas consequências terríveis. A escola sem Deus é produto a crítica iluminista e revolucionária e sua ampla difusão, especialmente através dos clubes e da imprensa [16], particularmente entre a elite francesa, décadas antes do estouro da Revolução de 1789. Mons. de Segur escreve no ano de 1873, quase cem anos depois, certamente, já enxergando os resultados da catástrofe.

A revolução precedente eclodira com o brado protestante: “Cristo, sim! Igreja, não!” [17] e sedimentava a estrada para a próxima convulsão [18]. Ora, o que foi o brado da revolução sucessiva, senão, “Deus sim! Cristo não!” A “religião” oriunda da revolução francesa não é outra coisa senão uma religião natural e racionalista, ou seja, nega a possibilidade da Revelação Divina e, claro o Divino Revelador, Jesus Cristo e, por consequência nega que a Igreja seja depositária dessa mesma revelação. Logo, segundo essa concepção errônea, de que serve a educação religiosa? Mas, às pessoas, mesmo as mais simples, tal pergunta causaria horror assim à queima-roupas. Era necessário um linguajar mais sutil e que pudesse ser “engolido” lenta e suavemente [19]. Fala-se assim da escola leiga, obrigatória e gratuita.

Começou-se por advogar uma escola neutra em matéria de instrução religiosa. Ora, essa escola não existe, pois nessa matéria não há neutralidade. Tão logo a escola neutra tornar-se ia indiferente à religião e, sucessivamente, adversa a mesma [20]. Mons. de Segur começa por constatar o tempo que as crianças passam na escola [21] sem qualquer referência à religião, o que, de per si, já introjeta na cabecinha delas que a religião seja algo secundário e de menor importância, erro que vão acabar levando pela vida afora. E lembra que a formação nas verdades da fé demanda tempo e, inclusive o trabalho intelectual. Mas, como realizar tal instrução em uma hora de catecismo durante toda a semana? E, acrescentemos, mandando a Igreja para casa, quem ou o que assumirá o seu lugar na escola? Além disso, aquela “única” hora ainda pode competir com o descanso e o lazer da criança, se, por exemplo, a missa e a catequese acontecem no fim de semana, no domingo pela manhã. Se não há uma intervenção correta da família, a instrução e a vida religiosa além de um apêndice podem se passar até mesmo por um estorvo.

A escola leiga corrobora com tudo isso e muito mais. Antes, uma distinção deve ser feita: a palavra ‘leigo’ quer dizer ‘o que não é sacerdote’, de modo que uma mãe e um pai de família profundamente católicos são leigos. Porém, o uso ‘escola leiga’ não serve para outra coisa se não para negar a religião e, por consequência, a aversão ao que é próprio da religião. Mons. de Segur faz recordar que em 1789 dava-se a separação entre Igreja e Estado, e, dois anos após, a supressão da Igreja pelo Estado – qualquer livro idôneo de História apresenta esse fato.

A Religião, por sua vez, garante a felicidade neste mundo e no outro através de seus ensinamentos infalíveis. E isso gera uma série de efeitos formidáveis: inspira obediência e respeito, forma inteligência e coração e vela sobre a instrução, conforme o espírito cristão [22]. A Religião ensina a conhecer o verdadeiro bem, a amá-lo e praticá-lo. Ensina satisfatoriamente o que somos, porque existimos e para onde vamos. Tudo isso é negado a princípio e depois combatido por detrás da concepção da “escola leiga” [23]. Portanto, a escola leiga é a escola não cristã, sem religião e sem Deus.

Por detrás dos termos ‘obrigatória’ e ‘gratuita’ está, portanto, a conspiração em impor a escola sem Deus, isto é, que intenta construir um tipo de homem e de sociedade sem a Igreja, é a educação revolucionária na sua essência [24]. Os posteriores sistemas filosóficos e políticos vão fazer uso instrumentalizado da educação para alcançarem seus objetivos particulares. Diz Mons. de Segur: “Com suas grandes palavras de liberdade, de progresso, das luzes etc. os incrédulos são tiranos e verdadeiros déspotas” [25]. Fere-se a liberdade religiosa e o que se pretenderá inculcar não será a ciência e a instrução, mas ímpias doutrinas.

A alegação da ‘escola gratuita’ é a cereja do bolo! Uma falácia! Pois é paga pelo Estado, que por sua vez é sustentado pelos contribuintes, inclusive pelos católicos [26]. Assim sendo, os católicos acabam por contribuir para que os próprios filhos sejam “educados” sem Deus e, por vezes, como é comum se ver em nossos dias com frequência cada vez maior, se formem jovens inimigos da Religião. Ora, por detrás da escola “leiga, obrigatória e gratuita” esconde-se uma armadilha à liberdade dos pais e da Igreja em educar seus filhos.

E notem a tragédia! O objetivo da educação católica não é outro se não formar cristãos, homens de bem e bons cidadãos. A escola sem Deus é um instrumento pronto para formar incrédulos e revolucionários. Deixemos a palavra a Mons. de Segur: A escola sem Deus, “com abomináveis doutrinas, as quais penetrando pouco a pouco no espírito, fazem-no incrédulo, ímpio e rebelde; e chegando até o coração, lhe inspiram o gosto pelo mal, o ódio a Deus, o hábito do vício” [27].

Essa é a escola concebida e montada a partir do naturalismo pedagógico e, sucessivamente, da ingerência absoluta do Estado em matéria educativa, que é danosa, principalmente por tirar aos pais o desejo de educar os filhos na Religião e dos filhos, o direito de serem educados com base na finalidade última da vida sobre a terra que é alcançar a vida eterna.

Ora, escola sem Deus é uma escola, antes de tudo, sem Religião o que faz dela uma instituição sem fundamento profundo e perene, a mercê dos ventos das ideologias; sem uma causa verdadeiramente última; sem governo firme e estável; e, o que é pior, sem a graça, isto é, sem o auxílio sobrenatural, indispensável para a formação do homem novo e da sociedade nova. Pobres alunos, pobres pais, pobres professores, pobre sociedade.

A falta de um fundamento profundo e perene refere-se a verdade que, por excelência coincide com o próprio Deus. Não é outro se não o objetivo da educação católica se não dar a verdade como alimento ao espírito da criança [28]. A escola sem Deus fica à mercê de ideias e opiniões mirabolantes e às vezes contraditórias entre si e a verdade do educando e da educação. Vence quem tem o melhor palavreado ou grita mais forte, ou ainda que tem o poder de mando.

É a causa final que norteia o projeto pedagógico. E a própria concepção de causa final já diz que o homem foi criado com essa finalidade, disposição e desejo. Mas como necessita ser ajudado, principalmente nos anos iniciais, os objetivos da escola devem ir de encontro às mais profundas aspirações do homem. A escola sem Deus tolhe esta perspectiva sobrenatural e eterna.

Abaixados os horizontes pedagógicos [29], é só questão de tempo, até se comprovar que a escola se torna uma instituição sem governo firme e estável, porque trocam-se os Mandamentos Divinos, fundamentos da autêntica moral, por uma espécie de moral racional e por isso relativa. O ideal educativo será também afetado: será, no melhor dos casos, meramente científico e não filosófico ou espiritual; técnico-profissional com fins ao trabalho e a aquisição de uma profissão; e, no pior, ideológico, isto é, mera doutrinação político-partidária.

A pior consequência, porém, está no fato de ser uma educação desprovida da ação da graça. Pois o educando a ser instruído nas letras e nas ciências e educado nas virtudes e na sabedoria, encontra-se em condição de queda, inclinado para o mal, e não poderá erguer-se verdadeiramente sem o auxílio da graça divina. Há um duplo campo de ação para a escola: atualizar as potências da natureza, mas também elevá-las. E disso a escola sem Deus não é capaz tanto por ignorância da matéria quanto por incompetência, por tratar-se de um campo em que necessita incondicionalmente da contribuição da Igreja [30].


Referências

[1] Ver “Falsidades e danos do naturalismo pedagógico” em PIO XI. Divini Illius Magistri. Roma, 1929.

[2] DE SEGUR. A Escola sem Deus. São Paulo: Volta e Meia [Livre], 2018. Apêndice II. p. 66.

[3] Ibid. p. 67.

[4] Ver Livro III. Capítulo II: A Igreja, a Reforma e a Cultura Intelectual em FRANCA, Pe. Leonel. A Igreja, a Reforma e a Civilização. Campinas: Calvariae Editorial, 2018. Dá um bom panorama da ascendência teórica do pai da pedagogia moderna. É claro que ao naturalismo pedagógico atrela-se a doutrina liberal, que também essa versada sobre a escola, advogará o laicismo ou a chamada escola leiga.

[5] “Os alicerces mais antigos e mais fundos eram obra da Igreja, que, durante doze séculos, tinha trabalhado ali sozinha ou quase só” GAXOTE, Pierre. A Revolução Francesa. Porto: Tavares Martins, 1945. p. 7.

[6] Um caos doutrinário em que se agitam extravagâncias. CARDIM, Maria Ignez. Filosofia da Educação de São Tomás de Aquino. São Paulo: Odeon, 1935. p. 38. SIQUEIRA, Antônio Alves de. Filosofia da Educação. Petrópolis: Vozes, 1948. p. 49-56; 347s. REDDEN, John D. RYAN, Francis A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Agir, 1973. p. 357-373.

[7] LEÃO XIII. Aeterni Patris. Roma, 1879. Sobre a educação religiosa, alertava sobre os graves danos dos erros filosóficos: “Se o intelecto peca em qualquer coisa, facilmente falirá também a vontade; assim acontece que as opiniões errôneas, que tem sede no intelecto, influenciem nas ações humanas pervertendo-as. Ao contrário, se a mente dos homens será sã e apoiada sobre sólidos e verdadeiros princípios, então frutificará em larga soma de benefícios públicos e privados”.

[8] É célebre a analogia de SANTO TOMÁS DE AQUINO no seu De Magistro acerca dessa mútua relação ao dizer que “o médico na cura é o coadjutor da natureza” (a. 1. Solução). Em outras palavras: “A função do professor é como a do médico. Pode esse último tratar a ferida, mas a natureza há de curá-la” (CARDIM. op. cit. p. 14).

[9] Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Declaração Gravissimum Educationis, 1965. Art. 3.

[10] Cf. Ibid. Art. 5.

[11] “Em consequência do pecado original, o homem tem um intelecto reduzido para perceber a verdade, e uma vontade também limitada para procurar o bem, e a sua natureza mais inclinada para o mal. O pecado original não afetou a natureza da inteligência e vontade humanas, mas privou-as de especiais e poderosos recursos” (REDDEN et RYAN. op. cit. p. 15).

[12] “A doutrina sobre o pecado original – ligada à doutrina da Redenção por meio de Cristo – propicia um olhar de discernimento lúcido sobre a situação do homem e de sua situação no mundo”. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. p. 114-116; CIC 402-409. Assim, PIO XI (op. cit.) começa, na segunda parte, por tratar o sujeito da educação sob o título “todo homem decaído, mas redimido”.

[13] De SEGUR. op. cit. p. 70.

[14] Ibid. p. 71.

[15] Aux pères et mères. L’École sans Dieu (1873).

[16] GAXOTE. op. cit. pp. 38-78.

[17] Remetemos à leitura do artigo de MARQUES, Daniel. Do protestantismo ao ateísmo e relativismo contemporâneo. ZENIT, 2012. Disponível em acessado em 28 de setembro de 2020. [Obs.: O site zenit.org não está mais disponível: outro link para acesso do artigo: https://cleofas.com.br/do-protestantismo-ao-ateismo-moderno-e-relativismo-contemporaneo-uma-leitura-dos-acontecimentos-historicos/]

[18] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plínio. Revolução e Contra-Revolução. São Paulo: IPCO, 2009. p. 22-25.

[19] Cada vez mais conscientes dessa estratégia, os agentes da nova ordem mundial, que entendem não mais apenas uma escola sem Deus, mas a sociedade e o homem sem Deus, se utilizam da “colonização ideológica” e “batalha semântica”, inclusive ao interno da Igreja, e denunciada amplamente por SANAHUJA, Mons. Juan Claudio. Poder Global e Religião Universal: “Mudar o significado das palavras é uma artimanha para que a reengenharia social seja aceita por todos sem protestos”. (Campinas: Ecclesiae, 2012. p. 27.38). Aconselha-se recorrer às vozes “Manipulação da linguagem” e “Manipulação verbal” no Lexikón do Pontifício Conselho para a Família.

[20] “Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou laica, donde é excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação. De resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato torna-se irreligiosa. Não ocorre repetir aqui quanto acerca deste assunto disseram os Nossos Predecessores, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, em cujos tempos começou particularmente a dominar o laicismo na escola pública. Nós renovamos e confirmamos as suas declarações” (Pio XI. op.cit.). Com a larga difusão das escolas não católicas, o Concílio Vaticano II reiterou o direito e o dever dos pais e da Igreja em educar cristãmente seus filhos, assim como o dever do Estado de não impedi-lo (VATICANO II. op. cit., Art. 7).

[21] De Segur. op. cit. p. 7-9.

[22] Ibid. p. 12.

[23] Há uma importante distinção entre laicismo e laicidade. A laicidade trata da distinção entre o que é de ordem política e o que é de ordem religiosa em suas devidas competências, no respeito, reconhecimento e colaboração mútua. Essa separação não se faz na consciência do cristão leigo que é sempre o mesmo, trata-se do dever moral de coerência. O laicismo é intolerante, hostiliza qualquer forma de relevância política e cultural da fé e procura desqualificar o empenho social e político dos cristãos, com uma série de consequências, algumas das quais procuramos elencar do pondo de vista da educação. A presente distinção encontra-se no COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA (DSI), Art. 571-572.

[24] Note-se que o CONCÍLIO VATICANO II, op. cit., reconhece o direito universal à educação, que deve corresponder ao seu fim último, e embora reconheça o progresso das ciências relativas à educação, reafirma o dever dos fiéis e dos pastores de disporem às jovens gerações a educação cristã de modo que alcancem esse fim (Art. 1-2).

[25] De Segur. op. cit. p. 33.

[26] Ibid. p. 34. Já temos um artigo que tratou sobre esse assunto: “Existe educação gratuita?” na Revista do primeiro trimestre de 2019. E vimos que alguém sempre paga pela educação, no caso da escola católica inclusive, pagam os pais e quando não os fiéis.

[27] Ibid. p. 42.

[28] Ibid. p. 19.

[29] Pio XI, op. cit., já em 1929 lamentava tal rebaixamento a começar pelas próprias famílias: “Queremos, porém, chamar dum modo especial a vossa atenção, Veneráveis Irmãos e amados Filhos, sobre a lastimável decadência hodierna da educação familiar. Para os ofícios e profissões da vida temporal e terrena, com certeza de menor importância, fazem-se longos estudos e uma cuidadosa preparação, quando, para o ofício e dever fundamental da educação dos filhos, estão hoje pouco ou nada preparados muitos pais demasiadamente absorvidos pelos cuidados temporais”.

[30] “Por fim, a Igreja está plenamente convencida de que a Escola Católica, ao oferecer o seu projeto educativo aos homens do nosso tempo, atua uma sua função eclesial, insubstituível e urgente. Na Escola Católica, com efeito, a Igreja participa no diálogo cultural com uma sua contribuição original e propulsora do verdadeiro progresso na formação integral do homem. A ausência da Escola Católica constituiria uma perda imensa para a civilização, para o homem e para os seus destinos naturais e sobrenaturais” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. A Escola Católica. Roma, 1977. Art. 14).

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Texto de autoria do Padre Alexandre Alessio e retirado do link. Sobre o autor: Pe. Alexandre Alessio, CR - Religioso da Congregação da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo (CR). Concluiu os estudos de Filosofia no Instituto São Basílio Magno, Curitiba - PR, sua formação teológica ocorreu em Roma pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente é pároco da Paróquia Imaculada Conceição em Franco da Rocha, Diocese de Bragança Paulista - SP, local onde iniciou o Projeto de Evangelização Jesus ao Centro, sustentado pela Associação Bento XVI, da qual é o fundador.


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