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Este é um blog sobre Matemática em geral, com ênfase no período clássico-medieval, também sobre as Artes liberais (Trivium e Quadrivium), so...

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O que é o Trivium? - por Roberto Helguera

Transcrevemos abaixo trechos do vídeo O que é o Trivium? que foi traduzido pela própria Sacros*. O vídeo original está disponível neste link.

... e ordena o pensamento e ordena as paixões 
ordena o pensamento com lógica 
e ordena as paixões com a retórica.

Porque é a educação 
que prepara a mente para ser absoluta 
e totalmente livre de ideologias 
e para reconhecer a ordem das coisas,

são a sala de entrada da filosofia.


Olá. Como está você? Mais uma vez, quero falar com você sobre, obviamente, uma das questões de educação que eu mencionei para você. Você se lembra que no último vídeo falamos sobre as artes liberais, também falei sobre os três estágios do aprendizado das crianças, o estágio gramatical, o estágio lógico e o estágio retórico?

O que isso significa? Essas são três das artes tradicionais ou as artes liberais. A educação moderna inclui essas artes, mas as inclui dentro das matérias. Para falar a verdade é uma longa discussão, mas se tornou racionalista, iluminista e se esqueceu de fazer as coisas do modo como costumava fazê-las. O homem de antes, que para mim parece muito mais simples, mais fácil e melhor.

O que são as artes liberais? Hoje vou falar com você sobre o trivium especificamente dentro das artes liberais. As artes liberais são aquelas artes que o homem considera desde o homem da Grécia, Roma e o homem medieval, incluindo o Renascimento e, de fato, incluindo a boa educação que muitos de nossos de nossos heróis patrióticos tiveram, mas que a modernidade substituiu pela científica. São as artes da gramática, lógica e retórica ou trivium, cujo objeto é a palavra. Por quê? Porque como o homem aprende? O homem aprende observando a realidade, entendendo que essa realidade é externa a ele. Dar um nome a cada objeto, nomeando cada objeto, e logo depois unindo esses nomes por conexões lógicas, vamos dizer assim, e comunicando isso aos nossos iguais. Ou seja, como somos pessoas com inteligência e vontade, o que fazemos é olhar para a coisa, nomear a coisa e, ao nomear, recebemos os sons e nomes por nossos semelhantes, nossos pais, nossas mães, aqueles que nos precederam. Internalizar o nome da coisa que estamos vendo e depois comunicar. Então, é assim: eu penso, dou um nome e comunico verbalmente para outra pessoa. Das sete artes, estas são as três que têm como objeto a palavra. Então, o que são essas coisas que eu nomeio? São todas coisas externas a mim, em sua maior parte.

Depois vem o quadrivium: artes da aritmética, que é a arte de calcular a quantidade, porque é a categoria mais fácil para o homem.  Geometria, que lida com magnitude bem como a quantidade. A música, e aqui você pode pensar nas notas musicais depois cálculo, número; magnitude e tempo, ou seja, um ritmo e um tempo. Mas a música para os gregos também era tudo o que pertence às nove musas. Portanto, incluía as histórias épicas, incluía poesia, incluía as narrativas, as tragédias, as comédias, tudo o que fosse inspirado, música coral, música litúrgica, música lírica, isto é, tudo o que pertence às nove musas, música. Mas, acima de tudo, também um senso profundamente matemático da relação entre as coisas que geravam um som. Esse som harmônico era musical. Para isso, se você quiser, leia o diálogo: O Timeu de Platão, que é um diálogo que fala precisamente sobre música. E, finalmente, astronomia. Por que astronomia? Porque o ser humano não criou a si mesmo, senão que foi criado. E os planetas, por assim dizer para a antiguidade, eram os seres celestiais, eles eram os seres mais divinos ou mais semelhantes à divindade. Por quê? Porque eles eram aparentemente eternos, perfeitos, Vamos considerar a lua em sua forma redonda, cíclica, eles têm uma circularidade, por assim dizer, e o círculo para os antigos, mas também para nós, é o símbolo do infinito, porque é uma linha contínua que não começa e não termina. Então, de certa forma os corpos celestes e sua ordem eterna é a coisa mais próxima ao estudo de Deus, por assim dizer. Portanto, a astronomia fazia parte das antigas artes liberais. Mas também podemos substituir, se preferir, em um currículo moderno, a astronomia, deveria estar, pelo menos poeticamente, até que se tenha a matemática suficiente para entendê-la. Poderíamos substituí-la pelo que chamo de ciências naturais, que seria a observação de nosso ambiente e tentar entendê-lo a partir de suas causas. Mas vamos deixar o quadrivium, que são essas quatro artes liberais da aritmética, geometria, música e astronomia em um segundo momento. 

E hoje vamos falar sobre o trivium. Essas artes são chamadas de liberais, por quê? Porque elas são as artes que tornam o homem livre. São as artes que permitem que ao homem pensar de maneira adequada ser capaz de corresponder ou adaptar seu intelecto à realidade, que o cerca e, dessa forma exercer bem a virtude da prudência. Porque se eu enxergar a realidade como ela é, posso colocar em prática os meios apropriados e me comportar com sabedoria e lidar com tudo de acordo com sua natureza, ou seja, exercer justiça também de acordo com sua natureza. E, por fim, para entender por que eu devo ser forte e moderado. Então as virtudes cardeais são bem exercidas se eu entender bem a realidade e, para entender bem a realidade, preciso do trivium e do quadrivium, isto é, eles são a sala de entrada da filosofia. O filósofo é aquele que pode olhar para a realidade e entendê-la a partir de suas causas e a filosofia existe para nos levar, como diria Marechal, através da beleza, em até a teologia.  

As artes liberais libertam o homem por meio da verdade. As artes liberais liberam o homem por meio da verdade e permitem que ele se autodirecione. A inteligência é a parte mais elevada do homem. Por isso se a inteligência é usada para servir o corpo isso significa usar a parte superior ao serviço da mais baixa, é escravizante ou servil. Pensemos na modernidade de hoje em dia. Muito disso está acontecendo, não é mesmo? Inteligência, por outro lado, ao compreender ou entender, é livre, porque essa compreensão, esse mesmo entender é seu próprio bem. É por isso que com um Viktor Frankl ou com qualquer pessoa que tenha sido aprisionada ou que tenha sido detida injustamente, sabemos que esse homem em seu íntimo, em sua inteligência, é absoluta e totalmente livre e é impossível de ser aprisionado. Eis que surge a dificuldade e o perigo das ideologias quando elas impedem o homem de ver a realidade e escravizam a inteligência, mas liberam seu corpo. 

Veja isso. Então é por isso que você que estão assistindo a este vídeo, muitos de vocês podem ter decidido deixar as escolas para educar seus filhos, porque vocês perceberam que, embora seus filhos estejam cada vez mais livres fisicamente, ou seja, eles lhes dão educação sexual e lhe prometem liberdade absoluta e total, o que, na verdade, não é liberdade mas sim libertinagem, é escravidão às paixões. Eles estão invertendo a ordem e estão colocando a inteligência a serviço do corpo, liberando o corpo e escravizando a inteligência com uma ideologia que os impede de de ver a realidade cada vez mais. Não é à toa que Cristo diz que o único pecado que não é perdoável é o pecado contra o Espírito Santo. Por quê? Porque é o pecado em que não se pede perdão, porque não se reconhece mais o que é certo e o que é errado, porque se desvirtuou a inteligência, e a perverteu. Portanto, o aprendizado do trivium é fundamental.

Se compreender é libertador, entender as coisas mais elevadas é sempre o melhor. É por isso que nós vamos almejar nosso objetivo final. Por que estou sendo educado? Para que eu tenho o trivium de gramática, lógica e retórica? Porque eu quero chegar através do Verbo, da Palavra, aquele Verbo que no princípio era o Verbo e o Verbo era Deus. O Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Sem o Verbo nada foi criado. Então eu quero por meio dessa palavra, entender as coisas mais elevadas. Para isso, tenho que começar com o primeiro estágio e ir subindo degraus até chegar à teologia como eu lhe disse.

Então, as artes liberais são esse começo, para que então você possa fazer filosofia para que então você possa chegar à teologia. Essa é a pirâmide clássica do homem, até que chegarmos ao Iluminismo e à modernidade, onde é tudo substituído por uma pseudociência. Eu digo pseudociência porque não é uma ciência de fato, mas é uma parte da ciência. A ciência da medição, de contar. Isso vem desde Descartes até hoje, mas falaremos sobre isso em outro momento. Portanto, a educação que prepara homem para esse tipo de conhecimento ou que lhe ensina esse tipo de conhecimento do trivium e do quadrivium é realmente chamada de liberal, Pois é a educação que prepara a mente para ser absoluta e totalmente livre de ideologia e para reconhecer a ordem das coisas, para se adequar a essa ordem e, portanto, nunca ser surpreendido, ser livre, poder saber quais são minhas opções. Porque a liberdade não é ter todas as opções. Liberdade é saber quais não são as minhas escolhas. Eu não sou livre para voar. Preciso de um avião, preciso construir algo para voar porque eu sou um ser humano e não tenho asas. Um pássaro é livre para voar, mas não para pensar como eu penso. Sou livre para pensar e fazer as coisas que são próprias de minha natureza. O que os limites determinam é liberador, paradoxalmente. 

Como as artes liberais contribuem? A arte de forma genérica, São Tomás explica que é simplesmente um método eficiente de fazer as coisas. Então, se a palavra é meu principal modo de comunicação e é ela que faz a política, que é a ciência mais elevada da cidade. É o que faz todas as minhas relações com os seres humanos. O método efetivo de usar a palavra é muito importante e essa é uma parte essencial que deve estar na sua educação, na sua formação de seus filhos, caso você não tenha tido isso formalmente ou se sentir que está desordenado em seu pensamento, você pode estudar gramática, lógica e retórica. Podemos falar sobre esse assunto também. A prova do artista não está na vontade que ele coloca em seu trabalho, mas na excelência do trabalho que ele produz. Quero dizer, você pode se esforçar muito com gramática, lógica, retórica, mas produzir textos ruins, por assim dizer, ou pensamento de baixa qualidade, como acontece.

Os grandes oradores demagógicos são muito convincentes, mas não dizem nada. Tudo o que você precisa fazer é olhar para não apenas os debates presidenciais, você pode olhar para os jornalistas. Eles dizem um monte de coisas, mas não dizem nada. A excelência do trabalho que se produz é o que mede a qualidade do artista. Então temos essas artes, podemos usá-las para alguma coisa ou as tornamos servis. Por exemplo, podemos orientá-las para bens corpóreos e não liberais. Também existem as belas artes, que são as artes que visam satisfazer os sentidos, refrescar a alma. As artes liberais preparam a mente para a compreensão a partir das causas elas a aperfeiçoam especialmente nas ciências especulativas. Especulativas significa as ciências que apontam ao conhecimento pelo conhecimento, não para usá-lo de alguma forma. Quando eu descubro um buraco negro e que existe um buraco negro no espaço ou coisas que eu nunca vou tocar ou ver e assim por diante, estou fazendo isso para me fascinar com a ordem das coisas. Não porque eu vou construir uma nave espacial para chegar até o buraco negro. O importante é que são artes que eu preciso. Essas três artes do trivium preparam a inteligência para se adequar à realidade e, assim, permitem que atue livremente de acordo com o que é. Portanto, o trivium, tem como objeto a palavra. Já dissemos isso, e a palavra ordenada, a fala ou a palavra é o instrumento imediato da razão, é a maneira pela qual podemos raciocinar e expressar como raciocinamos. O quadrivium (tem como) objeto, a matéria que tem a quantidade, magnitude, tempo e espaço.

Deixamos isso de lado, voltamos ao trivium. A mente precisa da ferramenta da fala. Nós já dissemos isso, para entender objetos mais difíceis precisamos ter o domínio dessa ferramenta, porque a fala vai se tornando cada vez mais complexa quando vamos crescendo. É por isso que muitos jovens, por terem sido mal formados no trivium, chegam à universidade sem saber como ler e escrever ou entender o que lêem e como escrever. A lógica aqui tem uma certa preeminência, mas obviamente não é estudada formalmente até a idade da adolescência. Por quê? Porque dá método à cabeça, para que a mente seja capaz de usar a palavra de uma maneira apropriada. A primeira coisa que o trivium faz é ele nos dá a capacidade de significar. Essa é a gramática.

O que significa «significar»? «Significar» significa dar o símbolo ao significado como um sinal que aponta desde o grafema e o fonema que usamos para o objeto que ele representa. Ele é ordenado ao significado de algo. Temos dois tipos de de reação em relação a esse algo: o pensamento e a paixão. Paixão ou utilidade para mover a vontade de alguém. Isso seria retórica. Quando eu quero a utilidade ou convencer alguém do bom e do verdadeiro, tento mover e uso o significado das palavras para mover essa vontade. Esse é o meu objetivo e essa é a retórica. Por exemplo, para mover as paixões aponto o belo e a imaginação também, você tem que pensar sobre a fotografia, nos filmes, nas fotos nos filmes, nessa beleza. Se você já viu os filmes do Studio Ghibli, por exemplo, os japoneses ou se você já viu os filmes com excelente cinematografia, você verá que a beleza move as paixões. A música e fotografia fazem isso. As imagens movem as paixões para que o diretor, se for habilidoso, nos leve a sentir o que ele quer que sintamos naquele exato momento, para que fiquem satisfeitos e possam repousar. O mesmo faz a poesia. Isso é poesia, quando as paixões ficam satisfeitas e podem descansar. E você começa a ver que não apenas é só para entender e nos mover, mas quando começamos a descansar na beleza, começamos a ter uma experiência do céu, por assim dizer. Quando a palavra é ordenada apenas ao pensamento, ao bem em si mesmo, ao quê e ao porquê da lógica, nós estaremos usando a palavra não para um propósito utilitário, e sim para entender as coisas, principalmente a partir das causas. 

Então, até aqui eu disse a você que o trivium que é composto de gramática, lógica e retórica, tem a capacidade, ou seja, ordena a fala, porque a fala é o instrumento que a razão usa para se comunicar e pensar, e que a fala tem a capacidade de significar com grafemas e fonemas algo que existe fora de nosso intelecto, fora de nós e permite que o intelecto se adeque a esse algo, a essa realidade, e ordena o pensamento e ordena as paixões. Ordena o pensamento com lógica e ordena as paixões com a retórica. E com essa poesia ou essa beleza que mencionei na fotografia e na música, como exemplo, nos filmes. Mas além disso, podemos pensar na lógica, que é a ordem do pensamento. 

A lógica tem três movimentos. O primeiro, que é gramatical, digamos assim, que é o nome das coisas. Que nome eu dou às coisas? O segundo movimento do intelecto na lógica seria se eu disser que aquela coisa que nomeei ela é ou não é, ela sempre é, às vezes ou nunca, ou seja, é verdadeiro ou é falso. Eu lhe dou um sim ou não. A essa premissa,  que se chama assim quando menciono uma palavra, quero dizer, primeiro eu tenho o nome logo eu digo que é falsa ou verdadeira, que ela existe ou não existe, sempre ou as vezes, isso é uma premissa. Eu faço uma união dessas premissas em um terceiro ato do intelecto, que já seria o silogismo, que seria a junção de duas premissas com um termo médio um termo comum que seria a mesma palavra usada em uma premissa específica, uma premissa universal para chegar a uma nova conclusão. E assim estou construindo conhecimento.

Isso é, em poucas palavras, a lógica. Essa lógica, obviamente, quando parte de premissas evidentes que não precisam ser provadas, como, por exemplo, uma coisa não pode ser e não ser outra ao mesmo tempo no mesmo sentido, ou o inteiro é maior do que a parte ou o que quer que seja por definição em si, e vai avançando a partir dessa premissa se chama conhecimento científico mas na maioria das vezes, a discussão é outra quando as premissas são baseadas no que você acredita ou no que eu acredito.

Isso é chamado de dialética ou diálogo que começa com o que você acha que é verdade e parte daí vai com uma série de argumentações para me convencer de que isso é verdade, não é verdade, é falso, às vezes, e assim por diante. E assim o homem constrói o conhecimento e a fala. E essa é, se você preferir, a maneira em que essa dialética acontece, e tem diferentes tipos de discursos, se são forenses e discursos para estabelecer os fatos. E isso é feito no tempo passado, na retórica. Para estabelecer a moralidade ou o que é certo ou errado. E isso é feito no tempo presente, ou o político ou o possível, o futuro. E isso é feito no tempo futuro. Essas três razões para expressar todo esse conhecimento gramatical e lógico é expresso na retórica com os três modos retóricos de discurso. O forense, o moral, por assim dizer, e o político. E isso também requer uma pessoa que tenha seriedade, uma capacidade que demonstre que ela é capaz, que tem autoridade para falar dessa forma e que sabe como convencer. É por isso que a retórica inclui a beleza. A rainha do trivium é a retórica. Alguns dizem que é lógica porque é o que é necessário, mas eu acho que é a retórica porque é ela que incorpora toda a gramática e toda a lógica em um convencer o outro a mover sua vontade, para fazer o bem ou para fazer o mal. Mas a verdadeira retórica é aquela que embarca, que convence o outro, que move a vontade do outro e as paixões do outro para o bem, o belo e o verdadeiro. 

Isso é tudo sobre o trivium e é isso que eu queria dizer a você hoje. A primeira metade de uma boa educação explicado se você quiser um pouco mais filosoficamente. Espero que você tenha gostado, Espero que seja útil para você, caso contrário, aguarde a próxima semana Vou lhe falar sobre o quadrivium** e depois passaremos para outros e maiores horizontes.

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* Para saber mais sobre a Sacros clique aqui.

** O texto referido sobre o Quadrivium se encontra aqui.


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