Loading [MathJax]/extensions/tex2jax.js

Postagem em destaque

COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae

Primeiramente quero agradecer bastante todo o apoio e todos que acessaram ao Summa Mathematicae . Já são mais de 100 textos divulgados por a...

Mais vistadas

Dúvidas Geométricas

Ilustração do ensino da geometria numa 
tradução medieval de Os elementos de Euclides.
Tempo de leitura: 35 min.

Apresentamos, hoje a cópia de uma carta de Francisco Sanches a Cristóvão Clávio, publicada pelo P. Iriarte no Gregorianum (Revista da Universidade Gregoriana de Roma). É anônima ou, melhor, esconde o nome sob o pseudônimo de Carnéades. Mas não há dúvida ser ela de Sanches. Esta carta deve ter sido escrita, segundo nota o P. Iriarte, por volta dos anos de 1589-1590.

Esta carta também foi publicada em português na Revista Portuguesa de Filosofia, T. 1, Fasc. 3 (Jul. - Sep., 1945), pp. 294-305 e está disponível AQUI e TAMBÉM AQUI

***

Introdução


O talento, excepcionalmente dotado, de Francisco Sanches exercitou-se em quase todos os ramos do saber humano: nas letras e na poesia, logo nos primeiros anos da juventude, e de que ainda conservamos amostras no Carmen de Cometa; na filosofia e medicina, de que nos falam ainda, hoje, as suas principais obras, recolhidas pelo discípulo e admirador Raimundo Delassus; e na matemática. Já Delassus se refere à sua aplicação e gosto por esta última disciplina, e às dúvidas que lhe torturavam a alma, sedenta de luz plena da verdade. «Primus in stadio litterario labor eiusden in Mathematis enituit in quibus quid profecerit, maius non suppetit argumentum, quam obiectiones et ἐρωτήματα super geometricas Euclidis demonstrationes, quae a se primum excogitata, ad Clavium solvenda transmisit: fuit autem Clavius geometrarum rerum suo tempore decus, quibus Clavius satisfacere nititur perhonorifica responsione; sed frustra, ut idem Sanchez existimat, qui eas difficultates molitur in Theonem primarium Euclidis interpretem, et quae in mediis schedis repertae dum medica ipsius tanquam sybillae folia congererentur, iunctae fuissent medicis, nisi institutum operis repugnaret»! (Opera medica, introd. p. 3). Ficamos, pois, sabendo, por este depoimento de Delassus, que ele, ao reunir para a imprensa as obras do mestre, teve sob os olhos toda ou parte da correspondência entabulada entre Sanches e Clávio, e que não a incluiu na sua obra, por não se coadunar facilmente com o objetivo da mesma. E foi pena, porque nunca mais se soube do paradeiro dessa correspondência. Só, em 1940, o P. J. Iriarte — Ag., S. J., grande admirador de Sanches, conseguiu, revolvendo o fundo «Clávio» da Universidade Gregoriana, em Roma, encontrar uma dessas cartas-consultas de Sanches, carta publicada, ainda nesse ano, na conceituada revista dessa universidade, Gregorianum. Supõe, esta carta, uma troca de correspondência entre Sanches e Clávio, bastante ativa. Sanches escreveu, uma primeira vez, comunicando-lhe algumas dúvidas sobre Proclo. Clávio respondeu, e a amabilidade da resposta animou Sanches a dirigir-lhe segunda consulta. Fê-lo, e de novo insiste sobre as mesmas objeções contra Proclo, refutando, de passo, a resposta de Clávio. Não sabemos, se este correspondeu, ainda desta vez, ao apelo de Sanches: «Gratissimum feceris si rescripseris», ser-me-ia gratíssimo receber, de novo, carta vossa. Por fim, o testemunho de Delassus obriga-nos a admitir, pelo menos, uma terceira consulta, em que Sanches representava as suas dificuldades contra Téon, principal comentador de Euclides.

Apresentamos, hoje, aos nossos leitores a cópia da carta, publicada pelo P. Iriarte no Gregorianum. É anônima ou, melhor, esconde o nome sob o pseudônimo de Carnéades. Mas não há dúvida ser ela de Sanches: basta, para isso, olhar um pouco para a letra, papel, estilo, para certas excentricidades que aparecem, aqui e ali, muito próprias do nosso filósofo, e para certos pontos de contato com o Quod nihil scitur.

Esta carta deve ter sido escrita, segundo nota o P. Iriarte, por volta dos anos de 1589-1590, pois Sanches serve-se da segunda edição da obra do P. Clávio, In Euclidis... de 1589.

Resumo: (1-2) Confessa a sua desilusão de encontrar a verdade na física e na metafísica, e por isso acolhe-se à matemática. (3-4) Nem a geometria, nem a astronomia merecem o nome de ciências, por demasiado empíricas. (5-7) Na geometria, mesmo quanto aos princípios, há muitas flutuações e disputas. (8) Assunto da consulta: Proclo, na 14 prop. do liv. I. (9) Desculpa-se de o vir incomodar, mas confessa-lhe que a sua primeira resposta o não satisfez. (10-12) Conveniência em simplificar as provas. (12-16) Inconsistência da resposta dada, com exemplos e discussão. (17) Não pretende impugnar Euclides. (18) Deseja ser ensinado e corrigido; despedida afetuosa.

***

Uma carta de Francisco Sanches a Cristóvão Clávio

+
Ao sapientíssimo e piíssimo varão, o senhor
Cristóvão Clávio [1], Carnéades, filósofo: saúde!


(1) Perante o desespero que, de há muito, se apoderou de mim, de poder descobrir e conhecer a verdade, no tocante às coisas humanas, ilustríssimo senhor, o que me tem acarretado inúmeros trabalhos, tomei muitas vezes a resolução de não me importar mais, nem de combater tantos erros que povoam a terra e que me fazem andar a braços com tantos desgostos, dos quais outro fruto não colhi, que levar uma vida miserável. E sendo a verdade uma só, reta como uma linha, e inúmeros os erros, como uma oblíqua, a maior parte dos homens deixa-se levar do erro, nem pode ser de outra maneira. Não acabo, contudo, de me resignar a esquecer o meu propósito, e milhares de vezes saio da minha trincheira, a ver se consigo descobrir, algures escondida, a verdade. Esforço vão! Que fazer? Deus deu ao homem este triste emprego, como diz o sábio, para que nele se ocupasse! [2]

(2) Buscando eu, outrora, a verdade através da Física e da Metafísica, sem jamais a poder descortinar, alguém me disse ter ela estabelecido o seu pouso entre as coisas naturais e as transnaturais, isto é, na Matemática. Ávida e alegremente acorro; e como o general avisado, ainda que veja as portas da cidade inimiga abertas, não entra temerariamente nela, mas, temendo insídias, manda adiante exploradores, para que tudo sondem e examinem e, ao atacar de surpresa uma província hostil, não deixa, atrás de si, nenhuma defesa ou fortaleza do inimigo, que não destrua e aplane, assim eu, logo ao pôr os pés no átrio das Matemáticas, hesitei, temendo, de todos os lados, desconfiado e suspeito, o dolo. As vantagens foram palpáveis. Sem essa desconfiança, teria caído em terreno minado, qual é o que se cava no campo da Matemática, não tão grande e vasto como no da Física e da Metafísica, mas por isso mesmo mais difícil e perigoso.

(3) Não vou discutir, presentemente, se as disciplinas matemáticas se devem contar entre as demais ciências, o que não ousaria afirmar, pois dependem mais dos sentidos que da razão e, por isso, são mais certas, se algo de certo existe neste mundo. De feito, a verdadeira ciência pretende conhecer, antes de mais, a Deus, depois a Natureza, sua escrava, interna e externamente, ou, no dizer de Aristóteles, conhecer as coisas pelas suas causas. Ora, comparar lado com lado, ângulo com ângulo, figura com figura, o todo com as partes, proporções com proporções, inscrever figuras umas nas outras, investigar finalmente as demais propriedades de ambas as quantidades, pode denotar engenho e agudeza; não é, no entanto, científico.

(4) No que diz respeito, por exemplo, à Astronomia, aumentastes os círculos concêntricos, excêntricos, epiciclos; tecestes ótimas teorias, como sempre o pensamos, sobre a trepidação, número dos céus, que se multiplicam com toda a facilidade, e outras coisas semelhantes, necessárias, sem dúvida, úteis à observação e indicação dos fenômenos, e à conservação da economia eclesiástica. Tudo isto, ótima e firmemente, como vós mesmo o afirmais, procurou corrigir Copérnico, admitindo que a terra era móvel e os céus imóveis, mas partindo de um falso suposto. Nem foge à tua perspicácia, a que nada escapa, quão frívola seja a sagacidade e engenho daqueles que dividem o céu em compartimentos e, contemplando o aspecto dos planetas e astros, atiram o pobre Nero para as pontas do punhal, logo no primeiro momento do nascimento: tão longe vão o furor e a temeridade do engenho humano!

(5) Mas voltemos à Geometria, que deve ser certíssima, pois se serve da régua e do compasso. Há nela, no entanto, muitas fendas, como se vai ver. Não bastam, em repetidos casos, os sentidos. Quando estes falham, recorre-se à inteligência. Ambos, por vezes, quer juntos quer separados, se enganam, sobretudo a razão. Muito me tem servido em tudo o bom senso, ainda desprovido, não digo de razão, mas de qualquer argumento, prova ou demonstração. Há muito de duvidoso na Matemática, não só nos princípios, mas também nos seus desenvolvimentos. Supõe, antes de mais, pontos, duvidando-se se e como existem, e também linhas e superfícies: aqueles, totalmente indivisíveis; as linhas, dividindo-se segundo o comprimento, as superfícies segundo a largura. Admite, por outro lado, como certas, outras coisas, como algumas definições, por exemplo, a de ângulo (na qual não concordais com Peletário [3]; e até nós duvidaremos dela, um dia), e a de proporções (sobre esta discordais vós de Orôncio [4] e de Peletário), bem como de algumas proposições, qual a décima terceira do livro I de Euclides, que vós, com Gémino [5] e Proclo [6], afirmais não pertencer ao número dos axiomas (Proclo, no entanto, ao querer prová-lo, comete uma petição de princípio, como vos julgais, e é mais obscura, aqui e ali, a prova, que o que se pretende provar), e a décima quarta, que o mesmo Proclo demonstra contra a natureza do princípio; enfim, muitas outras coisas, que por brevidade omito, que são obscuras e se prestam a discussão. Parece que, de novo, se admite uma quantidade contínua e indivisível, o ângulo de contingência, contra o que Aristóteles parece e crê ter demonstrado. Mas disto, se me derdes licença, trataremos noutra ocasião.

(6) Sabeis que Aristóteles foi ótimo matemático e conheceu o ângulo de contingência. Conclusão: os matemáticos vêem-se seriamente embaraçados, porque os seus princípios e regras não concordam, com o que se ensina, ao tratar das coisas naturais; e ainda que concordassem, nem por isso seriam mais certos, pois muito do que se ensina, a respeito das coisas naturais, é duvidoso e discutível.

Por fim, há muitos outros problemas, dos quais se duvida com motivo; se não aplicamos com todo o cuidado a força da razão, bastas vezes não atingiremos a meta, ainda mesmo apoiando-nos em demonstrações, como bem o mostrais a Peletário, homem aliás tão douto, a propósito do ângulo de contingência, ou ainda a este mesmo e a Orôncio, a respeito da definição e natureza da proporção. Vedes, pois, quanta perturbação acarreta consigo a ambigüidade de um só teorema: se estremece, virá a terra tudo o que nele se apoia. Tanto importa olhar, bem fundo, aos alicerces do edifício, não aconteça que este, como se dá com um mau pedreiro, apenas acabado de construir, venha a terra.

(7) Vede quão grande seja a miséria humana, e como esta se conjuga, por vezes, com a boa sorte! Acontece, com efeito, erguer-se, mesmo sobre débeis alicerces, o edifício que se pedia; não raro, também, a ciência progride, partindo de princípios absurdos ou obscuros. É o que se dá, precisamente, nos que edificam no mar ou em lugares pantanosos. Arremessam, ao acaso, enormes blocos até à superfície das águas, para de seguida construírem o que pretendem, segundo as regras da arte: assim, também, a Astrologia, de falsas suposições (que há aí de mais falso do que tantos, tão grandes e tais círculos, epiciclos, e inventar tudo o mais ao próprio sabor, idear os céus imóveis, e a terra móvel, crer que toda a terra e todos os mares formam uma esfera, equivalente a um ponto: tudo isto são princípios astrológicos) consegue acertar com as razões dos eclipses e demais coisas celestes. A Aritmética, igualmente, de uma regra, que os Árabes chamam Catain, e nós do Falso [7], deduz o que pretende; do mesmo modo, o dialético, de premissas falsas, conclui, com admirável lógica, por vezes, a verdade; e, finalmente, vós próprio que por meio da linha quadradora, engenhosamente lançada, pondo de parte apenas alguns detalhes, ensinais a realizar a quadratura do círculo. Disse que a Astrologia deduz, com bastante verdade, o que pretende: conheceis, sem dúvida, quanto se tem trabalhado, ultimamente, na reforma do Calendário, onde haverá sempre que melhorar.

(8) Mas já muito faz o homem com pretender aproximar-se da verdade. Eu, quanto está da minha parte, examino tudo, cuidadosa e escrupulosamente, para me ajustar com ela, afastando-me o menos possível [8]. Ora, examinando, um dia, nos vossos doutíssimos e substanciosos comentários a Euclides, a prova de Proclo à décima quarta proposição do livro I, e que há bem pouco vos enviei, pareceu-me que Proclo se enganara no seu raciocínio. Não quero, com isto, menoscabar, por pouco que seja, a estima daquele varão sapientíssimo, e menos ainda a vossa, pois estais acima de toda a crítica ou inveja; o facto, porém, só virá aumentar o vosso renome. Costumam os flecheiros arremessar as seus dardos para o alto, e sucede, convosco e conosco, vós magnates e nós desprezíveis, o que se passa com ricos e pobres. Mais facilmente se anicha certa negligência ou esquecimento nos cantos da casa do príncipe do que aparece no casebre do pobre e, enquanto o rico progride às mãos cheias, o miserável corre atrás de um tostão.

(9) Por isso, não me julguei, por então, bastante digno; passaram já muitos anos, para vos importunar com semelhantes ninharias, pois sabia terdes, entre mãos, importantíssimas questões. Mas sempre venceu o amor da verdade, e a oportunidade. de certo mensageiro, ou até, como sói dizer-se, o influxo não sei de que constelação, ou melhor, um conjunto de circunstâncias, levaram-me a molestar-vos agora, contando já fazê-lo, ainda outra vez, mais tarde. Esta, a desgraça dos grandes homens: serem importunados e perseguidos pelos pequenos, como Hércules pelos pigmeus. Não vos admireis, portanto, ilustríssimo senhor, se eu, um desconhecido de vós e de todos, na ciência e na realidade, vos venha, mais uma vez, interromper, um tanto, nos vossos importantíssimos estudos. Estou certo de que o fareis de boa vontade, dada a virtude que nos atraiu a vós, e a caridade a que vos consagrastes totalmente; concedei-me mais, ainda, este benefício, pois só é tal, quando não espera retribuição, tanto mais que é próprio da vossa religião [9] ou, melhor, de toda a sociedade humana, ligar os homens entre si por meio de obséquios. Respondestes, pois, às dúvidas que se me apresentaram ao espírito contra Proclo, argutamente e em poucas palavras; mais, no entanto, do que esperava. Julgava, eu, ter demonstrado tão claramente o que pretendia, que me persuadi ser impossível, caso não me tivesse enganado, dar-se-me qualquer resposta cabal, e se aquela demonstração fosse de Euclides, desesperaria, de vez, de alcançar a certeza em Geometria, ainda que não confio muito nela, como terei talvez ocasião de o mostrar, mais tarde. Vós, com todo o vosso engenho e sinceridade, procurastes defender o exímio Proclo. Contudo, a vossa douta resposta, não só me não arrancou o escrúpulo, como mais me confirmou nele. Vou, pois, expor a minha opinião sobre isso, em poucas palavras.

(10) Concedeis-me, primeiro, que Proclo podia, como eu afirmo e provo, demonstrar a sua tese com menos palavras, como vós provastes, bem mais brevemente do que Euclides, muitas das suas proposições. Mas, acrescentais logo, isso não é defeito. Eu julgo o contrário, apoiando-me na opinião geral, de que em vão se diz, em longo arrazoado, o que se pode exprimir em poucas palavras; e que é grandíssimo defeito, num mestre, explicar qualquer assunto com grandes discursos, mas confusos, podendo-o fazer claramente em poucas palavras, sobretudo na Matemática, onde, quanto for possível, nós devemos estribar nos sentidos. Por tal motivo, louvo-vos grandemente, porque sabeis ensinar muitas coisas com método e facilidade, nem concordo com o douto Peletário que criticava o aproximar figura a figura, corpo a corpo, ao querer comprovar a mútua igualdade ou desigualdade, como reza o oitavo axioma do livro de Euclides. A minha opinião é, exatamente, a contrária: tudo o que podermos conseguir a olho com o compasso e régua, devemo-lo fazer, sem nos metermos no caminho longo da demonstração, senão no caso dos sentidos falharem; tão avesso sou a grandes, longos e difíceis raciocínios que, por vezes, só tornam mais escuro o que, de si, é claro!

Figura 1


(11) Se tivesse de construir um triângulo equilátero sobre determinada linha AB, contentar-me-ia com abrir o compasso e, medido o comprimento da linha dada, colocá-lo-ia de A a B e de B a C (o mesmo se poderá fazer para a outra parte da linha) e de C a A, até encontrar o ângulo ACB, e uma vez encontrado, o que é facílimo, de um só golpe traçaria o triângulo, sem ter que provar tratar-se de triângulo equilátero, pois o compasso o manifestaria, sendo muito mais fácil acreditar na medida dos três lados, do que na confecção de dois círculos primeiro, para depois traçar os lados.

Figura 2


Do mesmo modo, se tivesse de dividir um ângulo reto, em duas partes iguais, operação que vós ensinais a fazer mais facilmente do que Euclides, traçaria duas linhas iguais AB e AC, e depois a reta AD, que daria origem a dois ângulos absolutamente iguais, provando, deste modo, o que pretende o 8 axioma do livro I, e a 4, 5 e 8 proposições do mesmo, muito mais facilmente do que o faz Euclides no 9 do livro I. Sentimos, contudo, prazer na dificuldade e andamos à cata de desvios, para que nos não taxem de empiristas ou pouco versados na matéria, pretendendo mostrar, pela razão, o que é patente aos sentidos, invertendo assim a ordem das coisas. Muito teria que dizer a tal respeito, o que omito, agora, por brevidade, esperando escrever, sobre isso, em tempo mais oportuno.

(12). Mas, como dizíamos, pouca importância teria o que apontamos, se a prova de Proclo fosse verdadeira. Não o é; ao contrário, é capciosa, como provávamos, quando afirma serem os ângulos ACF e ACE iguais a dois retos.
Figura 3


Respondeis-me, vós, que tais ângulos se devem tomar separadamente, não enquanto um é parte do outro, pois só desta maneira poderão igualar dois retos. Ainda que, na minha escaramuça passada, preveni esta resposta, parecendo-me tê-la refutado suficientemente, de novo volto a ela, para o mostrar mais claramente. Se eu afirmasse que o sapientíssimo Clávio, com a sua cabeça, é Jano de duas caras, haveria alguém que me acreditasse? Suponhamos que tínhamos, ambos, o mesmo pai, e que vos legara, por testamento, duas geiras de terra, equivalentes, digamos, a outros tantos ângulos retos, e a mim me constituíra herdeiro. Ficaríeis satisfeito, se vos desse, apenas, uma medida de terra, equivalente ao ângulo ACF, que na demonstração de Proclo iguala dois ângulos retos? Ora é precisamente disto que tratamos, pois a questão versa sobre Geometria, ou seja, sobre a medida da terra. Se vos vendesse duas geiras de terra por 2.000 dinheiros, sejam estes, como fizemos acima, os dois ângulos retos, ficaríeis contente com os dois ângulos traçados por Proclo? Não de certo; pelo menos, o meu caseiro não aceitaria, por mais que insistísseis na prova. E se, tendo-me emprestado 20, eu vos restituísse apenas 15, apoiando-me neste raciocínio: 15, mais os 5 neles incluídos, igualam 20; ora dou-vos 15; logo, paguei-vos o que devia, admitiríeis semelhante conclusão? E, se quisésseis comprar em qualquer loja, uma certa medida de pano para vestido, seja AB, e vos dessem apenas CD, acrescendo que CD + CE equivalem a AB, não seria demasiado curto o vosso vestido? Não se oculta, em tudo isto, um sofisma?

Figura 4


E, se a Matemática procedesse em tudo, assim, não seria apenas uma disciplina enganadora? Se ACF equivale a ACD + BCD, que haveríamos de dizer do enunciado 9, tão certo: o todo é maior que a sua parte?
Figura 5


(13) Mas, dir-me-eis: o ângulo ACE deve-se tomar separadamente, não enquanto faz parte do ângulo ACF. Mas tal resposta envolve uma contradição, como se dissésseis que se devia tomar a parte não-parte, o homem não-homem. Se eu vos imaginasse distinto do sapientíssimo Clávio, pensaria bem? E, se vos tivesse na conta de ignorante, não seria eu um louco? E, se tirasse ao vosso nome uma letra, bem insignificante e simples, Clávio não se converteria em cravo [10]? Pergunto: quando afirmais que o ângulo ACF equivale a um reto e meio, não compreendeis toda a quantidade contida entre as duas retas AC e CF? Logo, também os ângulos ACE, ECD, DCF, que são partes dela, e todos os demais ângulos que quiserdes traçar nesse espaço. Ora, quando de novo ajuntais ou tomais separadamente o ângulo ACE, onde o ides buscar? Será necessário pô-lo à vossa custa: eu não o consentirei à minha, e muito menos o ângulo ACF à sua.

(14) Mas já nos demoramos demais, numa coisa tão fácil e evidente. E, se isto acontece na lenha verde, que sucederá na seca? i. é, se tanto suamos em provar um problema tão fácil e manifesto, que acontecerá nos mais difíceis e obscuros? Acrescentais, depois, na vossa resposta, que os dois ângulos se devem tomar a seguir. Sabeis que a palavra ἐφεξῆς (a seguir, usada aqui por Euclides, tem, em Aristóteles, outro sentido, querendo significar, não o lugar, mas a ordem. Por isso, preferiria traduzi-lο por: da outra parte, de modo a compreender as linhas BC e BD, que se encontram com o ponto extremo da linha AB, e as linhas EF, e FG, que cortam a mesma reta AB no ponto F. Em todo o caso, acho melhor a expressão: a seguir, do que a que emprega Campano: em volta de si; pois, as duas retas EF e FG fazem, em volta de si, com AB, quatro ângulos ou retos ou iguais a retos. Mas isto pouca importância tem.
Figura 6


(15) É certo que os dois ângulos se devem tomar da mesma parte da reta, transversal à outra. De outra maneira, como demonstrais claramente, ainda que as retas EF e FH façam com AB dois ângulos AFH e EFB, iguais a dois retos, não formam, contudo, uma só linha, porque o ângulo AFH deita para a parte A, e o outro EFB para a parte B. De passo, quero tirar argumento em favor da minha tese. Se o ângulo AFD (este tamanho lhe assinava Proclo), não basta para obter dois ângulos iguais a dois retos, ainda que o dividamos por meio de qualquer reta, devendo acrescentar-se-lhe ou EFB, como vós fazeis, ou AFC, ou BFD, para termos dois ângulos iguais a dois retos, segue-se evidentemente, que o ângulo AFD, ainda que se divida milhares de vezes, jamais igualará dois ângulos retos. Por fim, contra a minha demonstração, em que concluía, que se a prova de Proclo tinha algum valor, se seguiria dela que duas retas CF e FG seriam uma só linha continuada, já que constituíam dois ângulos CFG e CFA (os quais, segundo Proclo, são iguais a dois retos), tirados de um e de outro lado, originando ângulos seguidos, e contudo, como é evidente, não são uma só linha, contra isto, digo, como subtil artífice que sois, apresentastes ótimo subterfúgio e escapatória. Vale, talvez, no foro judicial; não, porém, no da consciência.
Figura 7


Figura 8

(16) Dizeis, de fato, que aqueles dois ângulos se não originam ambos em F (a vossa figura tem outras letras, mas vem a dar no mesmo), sobre a linha AB, pois AFC abre-se sobre a reta AB, mas não CFG. Logo, não se segue que CF e FG devam fazer uma linha. Mas a minha afirmação ou negação, como sabeis, não faz mudar as coisas. Mais: ainda que afirme algo contra aquilo que a coisa é ou não é, a proposição continuará a ser verdadeira ou falsa. Nem qualquer quantidade, de qualquer maneira que a olhardes, ou quaisquer que sejam as figuras ou linhas que lhe inscreverdes, aumentará ou diminuirá, por isso.

Assim, se dividirdes o trapézio ABCD com as retas AC e AE, originando, desse modo, três triângulos, não ficará, por isso, maior ou menor, e o mesmo acontecerá, se traçardes ainda a reta BF, que o dividirá em quatro ângulos e dois trapézios. Logo, quaisquer que sejam as linhas tiradas entre ACF (para, de novo, voltarmos à minha e vossa primeira figura), jamais conseguireis aumentar ou diminuir aquela quantidade. Podereis, sem dúvida, aumentar ou diminuir o número dos ângulos; nunca, porém, obtereis, que aquela quantidade valha mais ou menos que um ângulo reto e mais meio. Mas a quantidade do meu paralogismo (é, verdadeiramente, um paralogismo à imagem da argumentação de Proclo), GCD, é igual, em tudo, à quantidade do de Proclo, ACF. Ora, se a de Proclo equivale a dois ângulos rectos, também com a minha sucederá o mesmo. Nem é necessário, nem Euclides o afirma, que a linha AB se repita duas vezes, uma em cada ângulo, como vós quereis. Mas, concedamos que Proclo tivesse dito assim: o ângulo ACF equivale a um reto e meio, e o ângulo FCD a meio reto; logo, ambos os ângulos ACF e FCD igualam dois retos. Não seria o mesmo e não concluiria do mesmo modo, ainda que a linha AB se não repetisse no segundo ângulo? Logo, o geômetra deve atender à quantidade, não ao traçado de linhas, que outro fim não têm senão fazer-no-la apanhar, mas sem delas depender. Concluís, enfim, que jamais se poderá demonstrar algo contra Euclides, que não há tais paralogismos em Matemática, e que fui eu que me servi de paralogismos.
Figura 9

(17) Mas eu, por ora, nada quis demonstrar contra Euclides, antes só contra Proclo. Aquele, decerto, se hoje vivesse, não defenderia este, nem as suas obras o defendem, pois nelas nada se encontra que se pareça com esta demonstração ou paralogismo de Proclo. Se for necessário demonstrar algo contra Euclides, poderemos, talvez, fazê-lo, não num só lugar, mas em 2 proposições do livro III, e no ângulo de contingência, o qual, ao parecer, não pode ser menor que qualquer ângulo agudo retilíneo ou só em quantidade mínima, contra as afirmações de Aristóteles e do mesmo Euclides 1, décimo (livro). Nem, por isso, seria obrigado a aceitar o parecer de Peletário, homem aliás doutíssimo, que não admite nem tal ângulo, nem tal quantidade. Aos seus paralogismos, respondestes vós, sapientissimamente, dando-lhes tal nome; donde se colhe poderem dar-se, também, paralogismos em Matemática, para não falar de outros, a que se refere Pedro Nunes, grande autoridade em Matemática, no seu livro sobre Orôncio. Mas, se fòrdes de opinião que não se fazem paralogismos assim, e julgardes não ser tal a argumentação de Proclo, pouco me importa o nome, contanto que admitais que a sua prova é insubsistente.

(18) Concedo-vos, sim, que tenha eu usado de paralogismo. Só quis, neste ponto, imitar o paralogismo de Proclo, e consegui-o, se não me engano. Sabeis que, no arguir, muito aproveita mostrar a consequência absurda do adversário, mudando simplesmente a matéria e guardando a forma. Mas quero, concedo, afirmo, ter-me enganado; desejo ser ensinado e vencido; tenho, até, sumo prazer, em descobrir os erros. Pelo que, se alguma coisa tiverdes sobre tudo isto, ser-me-ia muito grato receber resposta vossa. Não procureis saber quem sou: sou, apenas, outro Carnéades, amicíssimo, não da glória vã, mas da verdade e de vós. Adeus. [11]


Notas:

[1] O P. Cristóvão Clávio S. J., alemão por nascimento, veio em 1503, com 17 anos de idade, para Coimbra, cursar, no Colégio das Artes, letras, filosofia e matemáticas, para as quais dava mostras de singular vocação. Em 1550, observou, nesta cidade, o eclipse total do sol, que ele próprio descreve no seu Comentário à Esfera de João de Sacro Bosco. Em 1561, já estava em Roma, onde, no ano seguinte, começou a ensinar matemática no Colégio Romano, com tanta aceitação que lhe mereceu o apelido de Euclides do seu tempo. Cfr. Franc, Rodrigues, A Formação Intelectual do Jesuíta, Porto, 1917, págs, 283-284. De 1569 a 1573, viajou Sanches pela Itália, demorando-se, sobretudo, em Roma, onde deve ter cursado os estudos superiores, e onde conheceu, tratou e talvez, até, foi discípulo de Clávio.

[2] Comparar com o Quod nihil scitur: «Quid igitur nos consumimus? Nescio, Sic fata ferunt. Dedit Deus filiis hominum occupationem hanc pessimam ut in ea occuparentur» (à margem; Ecclesiast. 1).

[3] Jacques Peletier, médico e literato francês, nascido em Mans, em 1517, e morto em Paris, em 1582. Escreveu várias obras sobre geometria.

[4] Orôncio Fine, matemático francês, nascido em 1494, morto em Paris em 1555. Entre outras, escreveu a seguinte obra: In sex priores libros Geometricorum Elementorum Euclidis.

[5] Gémino, astrônomo e geômetra grego, o qual viveu um século antes de Cristo.

[6] Proclo, filósofo grego, neoplatônico, nascido em Constantinopla, em 412; morto em 495, Escreveu, sobretudo, sobre filosofia, e também um comentário ao I livro dos Elementos, de Euclides.

[7] Regra Catain ou do Falso: «Quando proposita aliqua quaestione per numerum solvenda, ponimus quemcumque numerum, qui propositae quaestioni putatur satisfacturus, licet reipsa non satisfaciat, et cum ipso procedimus prout quaestio vult, tandemque quaestionem solvimus, verum ac desideratum numerum inveniendo. Vocatur passim Regula Falsi, non quod falsum doceat, sed quod plerumque ex numero falso verum invenire doceat», Cfr. Gregorianum. Roma, 1940, vol. XXI, pág. 431, nota 39.

[8] Relevamos esta e outras expressões de Sanches, que mostram, de alguma maneira, a sua atitude perante o angustioso problema da verdade. Não nega, de modo nenhum, a sua existência, e é por isso que lança mão de tudo para se aproximar dela, o mais possível, servindo-se, separada e conjuntamente, dos sentidos e da razão, pois, mesmo assim, não atingem por vezes a verdade (cf. n. 5); há princípios que estão fora de toda a dúvida, como «o todo é maior que a sua parte» (cf. n. 12, ao fim), e apesar da sua crítica ao silogismo, no Quod nihil scitur (págs. 9, 11... ed. de 1581), não teme usá-lo aqui (n. 12).

[9] «Societatis vestrae», refere-se à Companhia de Jesus, a que Clávio pertencia.

[10] O trocadilho só dá bem em latim, pois, suprimindo no nome Clavius o i, ficará clavus.

[11] Gregorianum, Roma, 1940, vol. XXI, págs. 422-443.

***

Leia mais: O Matemático Jesuíta Cristóvão Clávio.


Leia mais em COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.





Ensinar é uma Arte

O exame da escola - Albert Anker 1862

Tempo de leitura: 3 min.

ENSINAR É UMA ARTE por George Polya (*)

Ensinar não é uma ciência, mas uma arte, Esta opinião já foi expressa por tantas pessoas, tantas vezes que eu me sinto um pouco acanhado em repeti-la. Se, entretanto, abandonarmos a generalidade vulgar e descermos aos detalhes pertinentes poderemos enxergar alguns aspectos da nossa profissão sob uma luz reveladora.

Ensinar, obviamente, tem muito em comum com a arte teatral. Por exemplo, você tem que apresentar à sua classe uma demonstração [matemática] que conhece muito bem, pois já a apresentou tantas vezes em anos anteriores no mesmo curso. Você certamente não pode estar entusiasmado a respeito desta demonstração mas, por favor, não o demonstre à sua classe: se você parecer chateado, toda a classe ficará  chateada. Quando começar a demonstração, finja estar entusiasmado com ela; finja ter idéias brilhantes à medida que prossegue; finja surpresa e enlevo quando a demonstração terminar. Você deve representar um pouco, para o bem de seus alunos, que podem, às vezes, aprender mais através das atitudes do professor do que do assunto apresentado,

Devo confessar que sinto prazer em representar um pouco, especialmente agora que estou velho e muito raramente descubro algo novo em Matemática: costumo sentir alguma satisfação em reviver o modo como fiz esta ou aquela pequena descoberta no passado.

Menos obviamente, o ensino tem algo em comum com a Música. Sabemos, naturalmente, que o professor não deve dizer as coisas somente uma ou duas vezes; mas três, quatro ou mais vezes. Porém, repetir a mesma sentença várias vezes, sem pausa e sem mudança, pode tornar-se muito cansativo e anular seus objetivos. Bem, podemos aprender com os compositores como fazê-lo melhor. Uma das principais formas musicais é a "ária com variações". Transpondo esta forma musical para o ensino, começamos por dizer a sentença na sua forma mais simples; depois a repetimos com uma pequena mudança; depois a repetimos novamente com um pouco mais de côr e assim por diante; final mente retornamos à formulação original simples.

Outra forma musical é o "rondô", Transpondo o rondô da música para o ensino, repetimos a mesma sentença essencial várias vezes com uma pequena ou nenhuma mudança, mas inserimos entre duas repetições algum material ilustrativo contrastante. Espero que na próxima vez que você ouvir um tema com variações de Beethoven ou um rondô de Mozart você pensará num modo de melhorar as suas aulas.

(*) Trecho extraído do artigo "On learning, teaching, and teaching learning" por George Polya, American Mathematical Monthly, 7/0 (1963) pags. 605-619 e também disponível no LINK.

***

Leia mais em: Dez mandamentos para professores, por George Pólya.


Leia mais em COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.





Papa Silvestre II - O Papa Matemático

O Ábaco de Gerberto

Tempo de leitura: 12 min.

Abaixo segue a transcrição do vídeo Cromos Medievais - 5 - Papa Silvestre II - O Papa Matemático.

Dois engenheiros [portugueses], Bernardo Motta e Gonçalo Andrade tentam harmonizar os conhecimentos científicos da sua formação básica com a sua Fé Católica. O resultado é uma série de episódios onde apresentam a interação entre estas duas visões do mundo de uma forma integrada.

Será possível olhar para a Fé de forma Racional? Quais os princípios metafísicos da Ciência? Pode um Cientista, ser Católico? São estas e muitas outras questões que vamos analisar nos episódios deste podcast!

Nesta nova rúbrica de mini-episódios dos "Cromos" Medievais, vamos olhar para a vida de vários sábios da Idade Média. Com trabalho em Ciência, Matemática, Filosofia, História ou Teologia, muitas destas personalidades tiveram um papel fundamental no estabelecimento das bases metafísicas da Ciência, permitindo o seu amadurecimento em épocas posteriores.

O vídeo está disponível neste LINK.

Gonçalo Andrade: Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Café Ciência e Fé. Estamos de volta, mais uma vez, com rubrica dos "Cromos" Medievais. Hoje vamos falar de Silvestre II, o Papa matemático. Silvestre II foi um papa, cujo cognome é um pouco usual para um papa. Ele ficou conhecido como o Papa Matemático. Mas quem é este Silvestre II e de onde é que ele surge e como é que ele chegou a papa? É isso que vamos ver no episódio de hoje. 

Bernardo Motta: O Papa Silvestre II nasceu em França com o nome Gerberto de Aurillac no ano 946 e morre no ano 1003. E para o tema que nos traz e para a explicação de porque que ele é conhecido como Papa matemático, importa saber que o seu percurso de estudo foi feito em Barcelona e foi feito nomeadamente num num meio literário e acadêmico que estava mergulhado nos debates e nos temas de matemática, de astronomia e que ainda refletia a influência árabe. Nós já temos comentado nos outros "Cromos" anteriores a importância dos sábios árabes para alguns dos temas da ótica e da astronomia, em particular. Gerberto de Aurillac vai receber a sua educação, vai crescer e vai ganhar os seus conhecimentos neste meio. Por isso, quando o destino leva a ser o Sumo Pontífice, ele traz consigo estas competências nestes meios, nestes temas astronômicos e científicos. Gonçalo, quais são as contribuições científica pelas quais este Papa Silvestre II ficou para a história? 

Gonçalo: Ele teve várias. O fato dele ter sido Papa acabou por contribuir para divulgar muitas destas causas que lhe eram queridas. Uma das coisas que ele contribuiu bastante foi, por exemplo, a adoção da numeração árabe. Os nossos ouvintes certamente estarão familiarizados com esta questão. Mas como sabem a numeração que era utilizada no Império Romano era a numeração romana [I, II, III, IV, etc.], que é muito menos prática de utilizar do que aquela que nós temos hoje com os 10 números o $0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9$ que facilita bastante o trabalho com números. Portanto, este Papa Silvestre II foi um dos principais e um dos grandes impulsionadores da utilização desta numeração árabe que, de fato, é bastante mais prática que a (numeração) romana no dia-a-dia nas contas no geral. 

Também adotou e contribuiu para a adoção de uma série de ferramentas entre as quais o ábaco árabe. Nessa altura foi assim, como a introdução do computador pessoal, portátil. Talvez não dava para consultar as redes sociais no ábaco, mas - imagina - ajudava bastante quando era necessário a fazer contas 

Bernardo: Imagine-se no comércio. Qualquer atividade comercial não podia viver sem um instrumento de cálculo

Gonçalo: [Ele] também contribuiu para reintroduzir a esfera armilar na Europa que infelizmente tinha caído em desuso desde o final da época Romana, mas ele contribuiu para voltar a reintroduzir este importante instrumento na Europa. Além disso, escreveu também várias obras sobre os temas que nós já falamos várias vezes nestes episódios dos "Cromos" e da ciência medieval que são principalmente os temas do quadrivium, em particular, aritmética, geometria, astronomia e a música Portanto, ele escreveu bastante, escreveu várias obras sobre estes temas. No fundo, além de ser papa, acabou por ser um acadêmico muito importante nas cortes em que esteve antes de ser papa e, que quando se tornou Papa, lutou pela introdução de muitas destas inovações ou instrumentos que caíram em desuso e que eram bastante bons. Tentou reintroduzi-los na vida intelectual europeia. 

Bernardo: Podemos imaginar, Gonçalo, o impacto que estas novidades trouxeram para o dia-a-dia em todo o continente ou em todos os territórios que prestavam obediência ao Papa e que eram católicos. Isto foram decisões absolutamente civilizacionais ao introduzir, quer numeração árabe, quer o ábaco, quer a esfera armilar. Já para não falar de lhe ser atribuído (não há muita certeza disso), mas de lhe ser atribuído a invenção ou a introdução, pelo menos, de um relógio mecânico, quase no final do milênio. Portanto, estamos a falar de um Papa que tinha um conhecimento científico naturalmente muito acima da média, muito avançado. E como tu dizias que pelo cargo que ocupou, pode dar um efeito muito profundo aos seus conhecimentos científicos. 

Eu acho que também teria piada para os nossos ouvintes em partilhar aqui alguns detalhes da sua biografia, porque, às vezes, isto ajuda-nos a perceber que nem sempre, raramente em História as causas e as explicações são simples: costumam ser um bocado rebuscadas. E, por vezes, nós vemos quando se discute quem é que preservou o saber dos gregos; como é que esse saber foi preservado e tipicamente extremam-se muitas posições. Há quem diga: "se não fosse os árabes não havia o saber dos gregos, numa época que na Idade Média era tudo trevas e ignorância" que é uma visão errada e extremista. Por outro lado, podemos cair numa situação de dizer: "os árabes não foram realmente relevantes, porque foi tudo feito na cristandade".

A história deste Gerberto de Aurillac, do Papa Silvestre II, é interessante, porque no fundo, quando ele ainda é um um jovem estudante e está a estudar manuscritos na Catalunha (estou aqui a ler da sua biografia) que provavelmente estaremos a falar perto do mosteiro de Santa Maria de Ripoll e que esse esses mosteiros, vários deles continham manuscritos que teriam vindo de Córdova. Córdova que foi a cidade importante da península ibérica da Espanha, ocupada pelos árabes, um dos centros intelectuais da Europa à época da ocupação árabe. Seria da biblioteca de al-Hakam II em Córdova que teriam vindo manuscritos, milhares de manuscritos de temas científicos que seriam traduções de obras gregas que teriam vindo para Catalunha. Foi precisamente ao estudar nestes Mosteiros da Catalunha que o nosso Gerberto de Aurillac teve contato com todos estes temas de matemática e de astronomia. E claramente, tendo vocação para eles, ficou absolutamente fascinado com este manancial de informação. Quando chegou ao pontificado não deixou de exercer a sua autoridade e o seu poder de divulgar estes conhecimentos que são, sobretudo, muito úteis para o dia-a-dia que mudaram, de forma radical, a história da Europa. Nós não conseguimos imaginar uma Europa sem o dígito $0$ (zero) ou sem numeração árabe.

Gonçalo: Em particular a nós, toca-nos bastante, porque esta reintrodução da esfera armilar que hoje faz parte da nossa bandeira [de Portugal]. Este um instrumento importantíssimo na navegação, para a parte das descobertas e para orientação, que teve repercussões (reparem que aqui estamos ainda próximo do ano 1000). Esta reintrodução destes instrumentos teve impactos séculos mais tarde, portanto, são coisas que se propagam no tempo.

Bernardo: Podemos dizer de forma muito categórica: no virar do primeiro milênio para o segundo (uma altura que muitas vezes é tratada de forma ignorante, como a Idade das Trevas), temos aqui um papa que se pode dizer humanista, muito antes das tendências humanistas do Renascimento, porque era um papa que leu os clássicos gregos e romanos, estudou por Boécio (já fizemos um episódio sobre este: Cromos medieval - Boécio, recomendamos que vão ouvir a importância de Boécio, um dos últimos sábios do Império Romano, no virar do fim do Império Romano). [Boécio] era um homem que este Papa Silvestre II estudou. [Papa Silvestre II estou] quase todos os temas que se podem pensar e, que na altura que eram estudados, não eram conhecidos. Escreveu várias obras acerca dos temas do quadrivium, portanto, aritmética, geometria, astronomia e música e do trivium também, da gramática, da lógica e da retórica. Estas são as sete Artes Liberais que eram utilizadas para o ensino universitário e acadêmico. Portanto, temos aqui um um papa de primeiríssimo nível acadêmico no virar do primeiro para segundo milênio. 

Gonçalo: Temos dizer que este papa era de fato um "Cromo" [*]. 

Bernardo: Sim, este sim era um duplo "Cromo": um "Cromo" da nossa "caderneta" de sábios medievais, mas também era um "Cromo". Ficamos por aqui e esperemos que tenham gostado de conhecer este Papa Silvestre II e até ao próximo "Cromo" Medieval. 

Gonçalo: Voltamos em breve com com mais "Cromos" e novos temas até à próxima obrigado Bernardo.

Esta foi mais uma edição dos nossos "Cromos" Medievais, desta vez com o Papa Silvestre II, o Papa Matemático. Espero que tenham gostado deste mini-episódio. Se gostaram do que aqui falamos e estes temas vos interessam, não se esqueçam de subscrever por gosto e partilhar. Tudo isto são formas de nos ajudarem a continuar este podcast: Canal Café Ciência e Fé.


Livros e textos consultados pelos autores:

Artigo sobre o Papa Silvestre II da New Catholic Encyclopedia:

https://www.newadvent.org/cathen/14371a.htm

James Hannam - God's Philosopher: How the Medieval World Laid the Foundations of Modern Science.

S. João Paulo II - Fides et Ratio.

***

[*] Para eles, "Cromos" são sábios do período medieval que tiveram contribuições em várias áreas do conhecimento. Todos os protagonistas da série são "cromos medievais" no sentido em que fazem parte da nossa "caderneta" de sábios medievais. Mas como Papa Silvestre II era especialmente inteligente, era também um "cromo" nesse sentido, ou seja, grande cabeça, portanto um duplo "Cromo" que será mencionado posteriormente. 

Leia mais em: A incrível história do papa matemático.


Leia mais em COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae

 

Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.



Fundamentos da Pedagogia Cristã

A creche - Albert Anker - 1890

Tempo de leitura: 7 min.

Trazemos abaixo a revisão feita por A. Durão do livro Fundamentos de pedagogia cristiana. Guerrero, Eustaquio, S. J. - Vol. de 192 X 130 mm. e 383 pags., Editorial «Razón y Fe» Madrid, 1945. Foi publicada na Revista Portuguesa de Filosofia, T. 4, Fasc. 3 (Jul. - Sep., 1948), pp. 320-321.

A Pedagogia é a ciência da educação. E ser educador, de verdade, é fazer da criança, ignorante e débil, verdadeira tábua raza, um homem digno deste nome, um homem ideal.

E onde irá a Pedagogia encontrar o padrão do homem ideal? Não o encontra, por certo, na psicologia nem na sociologia. Estas ciências, que aliás são indispensáveis ao pedagogo, mostram o que o homem é, não ensinam o ideal que ele deve ser.

É à Ética e à Teologia que devemos pedir o ideal do homem, quer o consideremos como indivíduo, quer vejamos nele o cidadão. Está bem de ver que, sendo opostos entre si os conceitos das diversas escolas filosóficas acerca do fim do homem, desta oposição derivam orientações divergentes em pedagogia. Por outros termos, toda a pedagogia está inspirada numa filosofia e será pedagogia boa ou má segundo a filosofia de que depende. Destarte a Ética cristã também inspira uma Pedagogia e os seus princípios fundamentais estão formulados na Encíclica de Pio XI Divini illius magistri sobre a Educação Cristã da juventude.

Este livro do Padre Guerrero, que vamos analisar, e precisamente um comentário, tão erudito como vigoroso, das teses basilares da pedagogia cristã, quais resultam da referida Encíclica de Pio XI.

Como filósofo e seguindo logicamente o plano da Encíclica, divide o assunto pelas suas causas últimas, isto é, versa as causas final, eficiente e formal da educação cristã, em outros tantos capítulos ou partes.

É basilar o primeiro capítulo, que tem por objetivo o fim de toda a educação digna desse nome. Em palavras todos reconhecem que a educação visa o desenvolver harmonicamente todas as nossas faculdades, procurando formar o homem perfeito, tanto física. intelectual e moralmente, como sobretudo religiosamente. Só o Evangelho nos veio dar plena luz sobre este ponto basilar - o verdadeiro fim do homem e da sociedade. A educação cristã não destrói a natureza mas aperfeiçoa-a e eleva-a. Não despreza nenhum valor humano digno deste nome. O cristão deve dar o seu esforço a todo o progresso social e legitimo e na medida em que for bom cristão será o melhor dos cidadãos, mas logicamente subordina os valores temporais aos valores eternos.

O capítulo segundo versa o problema de filosofia jurídica: a quem incumbe o dever e o direito de educar a juventude? Problema de máxima atualidade. Segundo a Ética cristã o direito e o dever de educar cabe em primeiro lugar a Igreja e vem-lhe da maternidade espiritual, que de Cristo recebeu. Cabe também aos pais, por direito natural, porquanto receberam de Deus a missão de levarem à perfeição essa mesma vida que comunicaram a seus filhos em cooperação com o Autor de toda a vida.

Com isto, recusaremos ao Estado toda a competência educativa? De modo nenhum. Mas afirmamos que a sua intervenção deve ser limita pelo direitos da família e da Igreja, e contentar-se, quanto possível, com ser indireta e supletiva. Os regimes totalitários consideram o ensino como função do Estado, e isto explica-se: estão na lógica do seu erro! Mal se explica, porém, que o monopólio educativo seja a tendência dissimulada ou confessada de regimes que pretendem inspirar-se nos princípios democráticos. A defesa da liberdade de ensino esta feita neste segundo capitulo com logica contundente e erudição escolhida.

O capitulo terceiro examina a causa material ou sujeito da educação que é o homem. Mas é mister ter presente que nem herdamos a natureza humana totalmente pervertida, como opinavam os jansenistas, nem revestida de inocência paradisíaca, como pretendia Rousseau e ensinava a pedagogia naturalista. O pecado original é um dogma de fé e mui errada vai a educação que isto ignora. Aplicando este princípio, são condenáveis tanto a educação sexual imprudente como a coeducação dos sexos nos termos em que muitos a preconizam.

O capitulo quarto, o mais extenso, (abrange não menos de 134 paginas), trata da cooperação e harmonia que devem existir entre a Família, a Igreja e a Escola, a necessidade de dar aos alunos católicos um ensino integralmente católico, com professores católicos nos seus princípios e num ambiente cristão, o dever da parte do Estado de dar às escolas particulares auxílio econômico e isto por obrigação de justiça distributiva, de modo nenhum por mero favor, a paridade que se impõe entre o ensino particular e o ensino publico sem privilégios injustos para este último, o caráter humanístico e formativo do ensino secundário, coroado por sólidos estudos filosóficos, segundo a tradição secular da Igreja e as conclusões mais seguras da psicologia pedagógica; o ideal da Professor católico e a excelência do seu múnus... tais são as principais questões versadas nesta última parte do volume.

E o Autor, citando Santo Agostinho e Pio XI, remata com um hino à educação cristã. Esta por certo não pode suprimir no mundo o mal físico, as calamidades da natureza, as doenças e a morte, que são inevitáveis, mas ajudará a suportá-las. O que só pela educação cristã se pode conseguir é por diques a desordem das paixões, e, portanto, as calamidades morais, que afligem o mundo e constituem o homem algoz de si mesmo.

Também pomos termo às nossas impressões sobre este livro. Evidentemente, está longe de dizer tudo sobre a pedagogia cristã. Por exemplo não se espraia a considerar os seus aspectos psicológicos e práticos. Outro era o programa do A., como fica exposto. Mas o programa que concebeu cumpriu-o na perfeição. - A. Durão.

Texto disponível no LINK.

***

Leia mais em COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.



COMECE POR AQUI: Conheça o Blog Summa Mathematicae



Primeiramente quero agradecer bastante todo o apoio e todos que acessaram ao Summa Mathematicae. Já são mais de 100 textos divulgados por aqui. Para facilitar a procura desses textos no blog, fiz este sumário abaixo mais organizado, divididos por tópicos e com os links de todos os textos já publicados por aqui. Aproveitem!

Para conhecer mais o Summa Mathematicae clique em Sobre o blog Summa Mathematicae.



LISTA DE LIVROS

Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 1

Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 2

Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 3

Lista de livros sobre a Educação verdadeira - parte 4

Lista de Livros Clássicos, segundo o Instituto Hugo de São Vitor

Livros para aprender bem Matemática


EDUCAÇÃO CLÁSSICA

O que é educação clássica

Introdução à Educação Clássica Católica

As 4 causas da Educação Clássica

Os Termos da Educação Clássica Católica

A diferença entre a Educação Clássica e a atual

As artes liberais são a base da educação católica

A Arte da Memória

A Pedagogia Medieval

Princípios Fundamentais de Pedagogia - parte 1

Princípios Fundamentais de Pedagogia - parte 2

Opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar

A Educação em Ilíada e Odisseia

Platão Educador

Prática x Teórica: Educação Isocrática e Educação Platônica

Matemática e Pedagogia de Platão

Educação = Escola?

Paideia de Werner Jaeger

O Cristianismo e a Educação Clássica - parte 1

O Cristianismo e a Educação Clássica - parte 2

O Cristianismo e a Educação Clássica - parte 3

Santo Agostinho e a Educação

Pedagogia de S. Bento

Boécio e Cassiodoro

Institutiones, um livro que preservou a Educação Clássica

Monges copistas e a preservação da Civilização Ocidental

Sobre S. Isidoro de Sevilha

S. Isidoro, Bispo de Sevilha e Doutor da Igreja

Carlos Magno e a expansão da Educação Clássica

Alcuíno de York: difusor do Trivium e Quadrivum

Sobre Rabano Mauro

Hugo e Ricardo de São Vítor

Um tesouro perdido da Educação


TRIVIUM E QUADRIVIUM

O que é o Trivium? - por Roberto Helguera

Para entender O Trivium, por José Monir Nasser

Sobre as artes e as disciplinas das letras liberais, por Cassiodoro

Sobre as Sete Artes Liberais, por Rabano Mauro

As Artes Liberais do Trivium e do Quadrivium

O que é o Quadrivium? - por Roberto Helguera

Sobre o quadrivium - Didascalicon

Elementos de Euclides

Introdução geral ao Quadrivium (Matemáticas)

Breve Introdução às Disciplinas Matemáticas

O ensino dos números no Primário antigo

O papel das matemáticas na educação, segundo Platão

Os Sólidos Platônicos

O ensino da Matemática (Quadrivium) no período clássico

Sobre as origens da Matemática Clássica

A Matemática na Europa Medieval

A divisão da Aritmética - por Boécio

A Matemática de S. Isidoro de Sevilha e a Educação Medieval

Uma Enciclopédia Matemática esquecida na História

Rábano Mauro e o Significado Místico dos Números

A incrível história do papa matemático

Papa Silvestre II - O Papa Matemático

Matemática Sagrada na Divina Comédia de Dante

Matemática e Teologia

VOCÊ PRECISA DISTO PARA ENTENDER MATEMÁTICA!

Desse modo, o Mundo é regido pelo Número

Música e a Educação da criança

Introdução à Astronomia Clássica

Nicolau de Oresme, precursor de Copérnico

O Heliocentrismo: O cônego Nicolau Copérnico

Galileu Galilei à luz da História e da Astronomia

Galileu Galilei, a Ciência e a Igreja

O Matemático Jesuíta Cristóvão Clávio

Dúvidas Geométricas

Quadrivium: O Estudo dos Números

Matemática e Astronomia em Os Lusíadas


FILOSOFIA / HISTÓRIA DA MATEMÁTICA / ARISTOTELISMO-TOMISMO

Filosofia Tomista da Matemática

Aristotelismo e Filosofia da Matemática

μάθημα: Pensar matematicamente

A distinção mais básica na Matemática

As quatro causas e as cinco vias

Matemática segundo a Filosofia Perene

Graus de Abstração

Matemática: Ciência da Quantidade

Sobre a Realidade das Matemáticas

Os paradoxos de Zenão e a solução de Aristóteles

Notas sobre a Filosofia da Natureza em Aristóteles

A interpretação tomista da Física de Aristóteles

Ciência Aristotélica e Matemática Euclidiana

Matemática e Poesia juntas

O Xadrez e a Matemática

O Conceito de Infinito em Plotino

A Matemática leva a Deus: Euclides, Hilbert e o futuro da Matemática

Algumas filosofias da Matemática

A sabedoria medieval na ponta dos dedos


HISTÓRIA/FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO MODERNA

Definição de educação

O que é Educação?

A verdadeira filosofia da educação

Educação (Paideia) na Antiguidade Cristã

Uma breve história do livro

Instrução Didática, Mimética e Socrática

O modelo de Educação Jesuíta

Sobre o modo de estudar

DICAS E SUGESTÕES PARA ESTUDAR SOZINHO (Para alunos do ensino fundamental e médio)

Escola x Universidade

Quem matou o Latim nas escolas?

Bento XVI sobre a Educação

Dez mandamentos para professores

O professor católico e a Regra de São Bento

Inger Enkvist: “A nova pedagogia é um erro. Parece que não se vai à escola para estudar”

Dos sintomas às causas da Crise na Educação

Paulo Freire, patrono ou ídolo de barro?

A Educação Cristã da Juventude - Divini illius magistri

Elementos de crise na educação

A Escola sem Deus

S. João Batista de La Salle, padroeiro dos Educadores

Progresso e Tradição em Pedagogia

A Educação no Brasil

A Educação Doméstica no século XIX

Educação e Formação da Personalidade

Edith Stein e a educação

Fundamentos da Pedagogia Cristã

Ensinar é uma Arte

Sobre as escolas laicas

Como era a educação brasileira há 100 anos atrás

Livro A Vida Intelectual

A Educação e a Verdade

Livro A Crise da Educação Ocidental

A Pedagogia das artes liberais

O declínio da escola tradicional

A Educação no Brasil até 1930


MATEMÁTICA MODERNA

Como ler livros de Matemática

Matemática e Vida Intelectual

A implausível eficácia da Matemática nas Ciências Naturais

Artigo - Desigualdades Elementares Versão Integral

TCC - Introdução ao Cálculo Discreto

TCC: Uma breve descrição da ideia de infinito

Terence Tao explica se você tem que ser um gênio para fazer Matemática

A dura tarefa de escrever livros de Matemática

Definição de Número

Matemática de Singapura - O que é?

A Matematização do Mundo

Os Números Divinos

O ensino de Cálculo no Ensino Médio

Sobre as Geometrias Não-Euclidianas e Não-Arquimédicas

Número de ouro, coelhos e Fibonacci

Os números e a vida concreta

Para aprender bem Matemática

Livros para aprender bem Matemática

Como estudar Matemática de Nível Superior

Apologia da Matemática, de GH Hardy

Matemática e Cristianismo

Os três componentes da Matemática


***


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae

Nossa página no Instagram @summamathematicae e YouTube.



Edith Stein e a educação


Edith Stein e a Educação por Magna Celi Mendes da Rocha

Qual é a grande enfermidade de nosso tempo e de nosso povo? Na grande maioria das pessoas é a desintegração interna, a falta total de convicções e princípios firmes, à deriva sem direção e, por causa da insatisfação com esse tipo de existência, a busca de entorpecimento em novos prazeres cada vez mais sofisticados […] O remédio contra a doença de nosso tempo são seres humanos plenos […] que fincados no chão da eternidade não se deixam abalar em suas convicções e em seu agir por opiniões, asneiras e vícios da moda que grassam à sua volta (STEIN, Edith. A mulher: sua missão segundo a natureza e a graça. Bauru: EDUSC,1999).

O princípio mais elementar do método fenomenológico: considerar as coisas por elas mesmas […] aproximar-se delas com um olhar privado de preconceitos e captá-las com uma visão imediata. Se queremos saber o que é o ser humano, devemos nos colocar no modo mais vivo possível, na situação na qual fazemos experiência do seu aqui, quer dizer, daquilo que experimentamos em nós mesmos e daquilo que experimentamos no encontro com os outros (STEIN, Edith. La estructura de la persona humana. Madri: Biblioteca de Autores Cristãos, 2002).

O verdadeiro educador é Deus, o único que conhece cada homem singular em profundidade, que tem diante dos olhos o fim de cada um e sabe de quais meios tem necessidade para conduzi-lo ao fim. Os educadores humanos são instrumentos nas mãos de Deus (STEIN, Edith. La estructura de la persona humana. Madri: Biblioteca de Autores Cristãos, 2002).

A questão educativa perpassou grande parte da vida e da obra de Edith Stein, embora seja um aspecto ainda pouco explorado e conhecido no conjunto de sua produção. Defendia uma reforma no sistema educacional alemão, que considerava em crise havia décadas, por estar fortemente marcado pelos ideais iluministas, que davam uma ênfase excessiva a um “saber enciclopédico”. Pressupunha-se que a alma não passava de uma tábula rasa em que deveria ser gravado o máximo, seja pela assimilação racional, seja pela memorização. Stein acreditava que mais valia educar a inteligência e a vontade para que as pessoas pudessem apropriar-se de qualquer matéria que viesse a ser importante para elas.  

A autora ressalta a necessidade de que o conhecimento capte a individualidade das pessoas, pois não se deveria educar para a mesma finalidade, segundo um esquema geral, sem dar espaço para as especificidades. Compreendia, ainda, que o espírito humano está direcionado à criação, à compreensão e ao gozo da cultura. Ele não é capaz de desenvolver-se plenamente se não tiver contato com a diversidade dos campos da cultura, e o indivíduo não poderá alcançar a meta de sua vocação se não chegar a conhecer o campo que lhe é indicado por seu talento natural. Entendia formação como preparação do ser humano para ser aquilo que deve ser, em um processo que abrange o corpo, a alma (psique) o espírito com todas as suas forças. 

Após sua conversão ao catolicismo, Edith Stein realiza uma síntese muito interessante entre a destinação natural e sobrenatural do ser humano, com repercussões muito concretas em seu modo de conceber a educação. Recoloca a dimensão religiosa no centro da questão, de uma forma elegante e inteligente. Em seus escritos, Pedagogia, Antropologia filosófica e teológica dialogam com fluidez e sem cisões, pois entendia que seria necessário formar a interioridade, visando ao desenvolvimento da individualidade, num processo que acontece de dentro para fora, como atualização das potencialidades já existentes na pessoa.

Deus é apresentado por Edith Stein como o educador por excelência, por ser o único a conhecer o ser humano em profundidade e a ter diante dos olhos o fim de cada um e os meios necessários para concretizá-lo. Os educadores humanos, se tiverem abertura e disponibilidade para prestar atenção em Seus sinais e segui-los, podem ser instrumentos eficazes nas mãos de Deus para ajudar outros a descobrirem o seu caminho, realizarem a sua obra.

Para Edith Stein, todo ser humano traz em si uma marca de eternidade e anseia por ela. Uma educação que vise apenas ao imediato, o terreno, o provisório, não corresponde ao desejo mais profundo dos seres humanos; não contribui para que cada um realize seu próprio caminho, sua própria via, contribuindo para o bem comum; ao contrário, busca uma padronização, ou uma competitividade, na qual os seres humanos não se reconhecem mais como irmãos, como vindo de uma raiz comum.

***

Texto disponível no LINK.


Curta nossa página no Facebook Summa Mathematicae. Nossa página no Instagram.



Total de visualizações de página